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Resenha | Fate/Zero é uma tragédia sem heróis

Lançado no Brasil pela editora NewPOP no longinquo ano de 2015, Fate/Zero é uma série completa em seis volumes, e que pode não ser a coisa mais nova ou mais popular no momento, mas como será reimpressa ainda esse mês, após alguns anos fora de estoque, achei um bom momento para comentar sobre ela. Isso, e o fato de que eu terminei de ler o negócio só semana passada, mas majoritariamente por causa das reimpressões.

Então vamos começar contando o que é Fate/Zero. Se você está aqui, muito provavelmente já ouviu falar da franquia Fate/, certo? Ela está em literalmente todos os lugares, é quase um negócio insuportável. Eu já fiz uma postagem contando como você pode entrar nesse universo (veja AQUI), e só passando o olho por lá, você vai ver que temos bastante coisa. Fate/Zero, embora seja uma prequel (isso é, uma história que se passa antes da história principal) de Fate/Stay Night, e seja melhor aproveitado dessa maneira, pode servir como uma porta para você adentrar esse vasto e sofrido mundo.

Escrito por ninguém menos que Gen Urobuchi – um dos autores japoneses mais conhecidos no nicho, principalmente por sua adoração por tragédias e incapacidade de escrever um final feliz – Fate/Zero é uma obra que deu todas as oportunidades para seu escritor fazer o que faz de melhor: Deixar todas as suas personagens sofrendo em um inferno cheio de desgraças.

Com ilustrações de Takashi Takeuchi, que, infelizmente, não aparecem no miolo dos livros

Como o título sugere, nessa Light Novel, não temos heróis. Temos apenas uma grande tragédia composta por uma infinidade de pequenas tragédias, cada uma com seu toque especial. Mas afinal, o que é um “herói“? O que é preciso para definirmos uma personagem como “herói“? É uma discussão complexa, mas acredito que aqui, nós passamos tão longe do conceito, que uma definição simples pode servir. Podemos dizer que um herói é alguém que faz coisas boas por bons motivos.

Colocando dessa forma, acabamos levantando outro questionamento: Histórias precisam de heróis? Eles são necessários para que uma trama persevere? Por um lado, uma história “sem heróis“, como é Fate/Zero, pode ganhar pontos ao ser – dentro dos limites da suspensão de descrença – um conto realista: Basta olhar para o mundo que você verá que não existem heróis na realidade. Ao menos, não o suficiente. A quantidade de “não-heróis” é astronomicamente maior. Então, as chances de você conseguir um herói ao fazer um pequeno recorte de pessoas é muito pequena. Uma história sem heróis é, em sua essência, um retrato do mundo.

Daí, entra uma questão pessoal, e que só posso falar por mim: Buscamos na ficção aquilo que não encontramos no mundo real, não é? Se eu quisesse uma tragédia, eu não estaria lendo light novels, eu estaria assistindo o jornal. Acaba sendo uma obra que não é para todo mundo, principalmente nessa época onde não tá fácil pra ninguém. Mas, sempre tem quem goste, né. Fica apenas como recado.

A parte interessante do livro, para mim, foi ver os diferentes tipos de personagens que tiveram suas vidas expostas, e como cada um deles poderia ser um candidato ao posto de “herói da história“. Em especial, quatro delas chegaram mais perto disso: Kiritsugu Emiya, Waver Velvet, Saber, e Kariya Matoh. De uma forma surpreendente, temos quatro pessoas absurdamente opostas.

Mas, como foi dito no começo da postagem, o autor da novel, Gen Urobuchi, não é conhecido por dar “felizes para sempre” à suas personagens. Nenhum dos quatro candidatos consegue alcançar essa vaga, todos terminando com um final trágico, o completo oposto do que seria digno de um herói.

Pelo menos ela tem uma motinha super irada

[spoiler]Começamos com o chamado “protagonista” da história: Kiritsugu Emiya. Ele será o primeiro pois, dentre os quatro listados, é o que precisamos mais forçar a barra para tentar justificar a quase classificação como herói. Afinal, Kiritsugu é um anti-herói, um clássico exemplo da famosa máxima erroneamente atribuída à Maquiavel: que “os fins justificam os meios“.
Esse é um esteriótipo de personagem bastante comum na ficção, mas que normalmente é acompanhado por uma outra personagem ou grupo, que está ali com a função de dar uns tapa na cara do “justiceiro” e tentar botar juízo na cabeça dele. Sem explicar que os fins não justificam os meios; e que ficar buscando por um milagre para resolver todos os problemas que você mesmo causou ao tentar resolver outros problemas é, francamente, um estilo de vida estúpido; Urobochi tenta nos convencer de que Kiritsugu deveria, mesmo, ser o herói da história. Claro que isso não cola com ninguém, e ficamos apenas com uma situação desconfortável por cinco volumes e meio, onde precisamos encarar os ideais do “Assassino de Magos” e fingir que estamos levando-o a sério, quando sabemos que personagens desse tipo nunca terão um final feliz.

Seguimos com Waver Velvet. Desde o princípio, ele é construído como uma personagem que tem as bases para ser um herói: Um jovem “comum” que recebe uma quantidade absurda de poderes e, com eles, uma carga igualmente grande de responsabilidades. A partir daí, a única coisa que falta para se alcançar o posto de herói seria coragem. É necessário coragem para dar o passo adiante, que definirá todo o resto do caminho.
Mas Waver não toma esse passo: Ele prefere se acovardar em sua própria mediocridade – aquela que ele tanto lutou para provar falsa – e acaba se contentando com se tornar uma mera sombra sob o manto de um herói, ao invés de se tornar um ele mesmo. Ao escolher passar a vida perseguindo um vulto inalcançável, ele descarta um possível grande futuro para ter um final trágico e sem esperanças.

Continuamos com a Saber. Você pode estar me olhando torto agora, pensando “mas a Saber É uma heroína!“, e eu preciso concordar com você. Sim, é claro que ela é um heroína. Acontece que, em Fate/Zero, ela não recebe o tratamento de uma heroína, muito pelo contrário.
Sendo uma pessoa majoritariamente boa e com boas intenções, o que Saber busca, na novel, é redenção. Quando nega essa redenção à ela, Urobochi está, na prática, dizendo que o “caminho de reinado” dela – que ela se esforçou para mostrar ser correto para os outros reis – é falho.
O fim trágico de Saber em Fate/Zero é, de certa forma, como o ponto mais baixo em um filme de super-herói, onde temos a segunda metade do filme para fazer o protagonista re-assumir seu papel de herói. Podemos usar “O Homem de Aço” como exemplo: Quando o Super Homem se deixa ser algemado e levado, estamos vendo o pior momento do antes chamado “símbolo de esperança“; mas temos todo o resto da história para que ele consiga “se redimir” com aqueles que decepcionou. O problema é que esse não é o fim da história de Saber, mas é o fim da light novel. A “conclusão” da saga de redenção e heroísmo de Saber acontece em Fate/Stay Night, fazendo com que ela termine não como uma heroína, mas sim, como uma casca vazia do que já foi uma heroína.

Não apenas a capa, como todo o sexto volume da obra serve para mostrar esse ponto: que Saber não está aqui para ter um final feliz

E encerramos nossa lista com Kariya Matoh. Possivelmente a personagem que é, ao mesmo tempo, mais parecido e mais diferente ao primeiro da lista, Kiritsugu. Os dois são pessoas com motivações nobres e que costumam fazer coisas estúpidas para alcançar esses objetivos, mas, enquanto Kiritsugu escolhe sacrificar outros em busca de um ganho coletivo, Kariya escolhe sacrificar a si próprio em busca de uma causa individual.
Ele tenta agir de forma heroica, mas mesmo com uma causa justa e lutando para provar que seu ponto de vista é o certo, ele acaba simplesmente jogando sua vida fora, num final trágico e melancólico. Kariya funciona, de certa forma, como um recado de que a linha entre coragem e burrice é tênue, e que o que faz um herói é saber em qual ponto dessa linha se deve parar. Num caso oposto ao de Waver, o problema de Kariya foi ter ido longe demais.[/spoiler]

Voltando agora aos detalhes da edição nacional, é preciso lembrar que Fate/Zero foi publicado pela NewPOP em 2015. Se você acompanha o mercado nacional há algum tempo, sabe o que isso significa: O livro tem uma quantidade maior do que se gostaria de erros de revisão. É um problema que a editora possuía no passado e que vem melhorando bastante, mas que, infelizmente, não é retro-ativo. As obras antigas ficarão, para sempre, com esses erros.
Durante a leitura, encontrei uma infinidade de problemas de revisão, e me vi corrigindo automaticamente algumas digitações incorretas no texto. Porém, nenhuma delas foi grave a ponto de tornar uma frase ilegível, ou de mudar o contexto de alguma cena. Acaba sendo apenas um inconveniente que atrapalha a leitura, mas não a prejudica.

Créditos do volume 6 da obra

No fim, seja para fãs de longa data da franquia ou para novas pessoas querendo ingressar nela, Fate/Zero é uma Light Novel que faz muito bem o seu papel de entregar uma história trágica e extremamente em sintonia com suas antecessoras.

Você pode comprar os volumes disponíveis da Light Novel na Amazon, enquanto se prepara para as reimpressões: Volume 1 | Volume 4 | Volume 5 | Volume 6.

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O Menino Maluquinho, Ziraldo, Meu Pai e boas Lembranças

O ano realmente eu não consigo me lembrar. Acho que eu deveria ter uns 10 ou 11 anos, ou seja, entre os anos de 1990 e 1991, realmente não lembro. Mas todos os momentos daquela leitura ficaram vivos e pulsantes na minha cabeça. Mas foi por toda atmosfera em volta e tudo aquilo que o livro O Menino Maluquinho representou para minha vida. A representação veio em formas diversas, com memórias deliciosas, conscientização de como o tempo passa, aproveitar a infância e pela divisão de leitura com o meu pai.

Contextualizando o tempo para vocês, O Menino Maluquinho me foi apresentado via os famosos livros extraclasses que as escolas pediam para ler durante o ano letivo, um adendo aqui em relação essa prática, que desculpem a ignorância, não sei se as escolas ainda adotam. Mas lembro de muitos alunos não ligarem para a leitura, por associarem aquilo à alguma prova, ou teste, e simplesmente não realizaram as leituras e por uma associação imbecil, não tiveram, e não quiseram, ter o hábito de ler na vida em geral. Mas esse método me apresentou Pedro Bandeira, Monteiro Lobato, Cecília Meireles, Jorge Amado, Quino e claro Ziraldo. E assim, por meio de uma lista de material escolar, me chegou O Menino Maluquinho.

A versão que meus pais compraram foi a uma pocket, que infelizmente se perdeu com o tempo. O livro era pequeno, o que tinha se tornado uma novidade para mim, pois até então nunca tinha visto uma versão daquela. E quando chegou a época de realizar a leitura mergulhei no livro. E sim, foi uma leitura voraz e veloz. Fiquei tipo: “ué… mas já acabou?”. E retornei mais uma vez a leitura, e reli, reli, reli, reli… tinha me tornado craque no livro e extremamente apaixonado. Ali me inspirei em brincadeiras com meu irmão. Fazia mapas de tesouro e criava corridas de dados, assim como estão descritas por Ziraldo.

O Menino Maluquinho traz a história de um garoto, entre seus 8 e 9 anos, muito esperto, ativo, que usa uma panela na cabeça e se diverte muito com os amigos, sempre usando demais a imaginação, criando brincadeiras e aprontando traquinagens. E essa imaginação, típica de uma criança, é o que me fazia viajar e também me trouxe pensamentos sobre a vida. Afinal, o Menino Maluquinho, no final das contas não era Maluquinho, era um menino feliz. E isso me fez pensar muito se eu tinha essa felicidade na época. Obviamente uma coisa que uma criança de 11 ou 12 anos não deveria pensar, e resolvi aproveitar a infância.

A editora Melhoramentos está lançando uma nova edição que será um item digno de colecionador, com 120 páginas, acabamento cartonado, capa dura e miolo colorido. E tem, como complemento, um marcador de páginas especial, ao estilo do personagem, além de um paper art, que o leitor destaca e monta, formando um objeto ser guardado. Entre as curiosidades na edição,  fala que desde seu lançamento, em 1980, já teve 129 edições, em mais de 10 países, e vendeu 4 milhões de exemplares.

Em 2020 temos muito o que comemorar, o livro O Menino Maluquinho completa 40 anos e recebeu. olha só! Está com a minha idade! O mestre Ziraldo irá completar 88 anos no final de outubro e podemos e devemos sempre agradecer e repassar a sua obra para o futuro, assim como passarei O Menino Maluquinho para a minha filha de 4 anos. Assim como meu pai leu comigo na minha época. A lembrança dele alternando comigo a leitura e falando de macaquinhos no sótão ou vento nos pés são fortes e reconfortantes. Meu pai foi um cara que veio da Bahia para o Rio de Janeiro, trabalhou a vida toda atrás de um volante de ônibus e nunca deixou de apresentar cultura para mim e meus irmãos. E mesmo assim, quando dava, no meio da sua correria de trabalho, ainda realizava alguma leitura. E essa é a melhor memória que tenho d’O Menino Maluquinho. Uma leitura que abraçou pai e filho no início da década de 90.

Obrigado por ajudar realizar essa lembrança Ziraldo.

E obrigado por tudo Menino Maluquinho.

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A Leitura Intimista e Acolhedora de Guirlanda Rubra

Histórias de fantasias sempre me despertam pensamentos como: “o que irei encontrar nesse livro que possa ser diferente de outros?”. Todo livro de fantasia tem a sua identidade, seja com teor político, ou amizades, ou uma bela história de amor, aquela história de que o herói precisa se firmar no mundo… então temos criaturas fantásticas, mundos incríveis, lugares mágicos e pessoas com poderes especiais. O que eu encontraria em Guirlanda Rubra da Editora Draco? Bem, eu encontrei tudo isso. E encontrei algo que poucos livros do gênero abordam: um tom intimista.

Escrito por Erick Santos, editor da Draco e fazendo a sua estreia como escritor, Guirlanda Rubra apresenta o jovem Garlando Espendi. O herdeiro de uma família de burgueses muito influentes por toda Terra Pátria. Ele segue os padrões de um jovem mimado rico. Sedutor, amante de boas festas e muitas mulheres. Mas o leitor sente que toda essa áurea festiva de Garlando é como um escudo para dores individuais profundas. Onde ele sempre teve que lidar com nunca ter uma escolha para a sua vida. E sempre lidar com perdas. Seja na morte de seus pais, quando a única mulher que amou, Celestiana Tessitore, a popular Celes, tem que ir embora para outra cidade e o deixa e quando a sua tia Reggiane quer que ele assuma os negócios da família. Toda riqueza, sedução e destreza de Garlando nunca o fez independente. Ele sempre teve seu destino programado por alguma coisa ou alguém. E é justamente aí que a leitura é intimista.

Quem nunca foi o jovem que já se sentiu sendo “manipulado” ou “guiado” para viver uma vida programada? Quem nunca quis viver para aproveitar o máximo possível de uma festa sem pensar no amanhã? Esse conflito sofrido por Garlando me pareceu muito latente. Me impressionou. E ainda mais sabendo que Erick Santos começou a elaborar toda a história há mais de 15 anos, em uma época em que o jovem escritor poderia estar vivendo conflitos de como seguir na vida como o personagem principal. Considerando esse fórum íntimo, o personagem estreita laços com o leitor facilmente. A ponto de você lembrar e assimilar histórias suas com Garlando. Mesmo quando chega o momento de ruptura da “inocência”, onde precisa assumir a postura do herói, ainda é possível se prender e espelhar.

Mas o destaque fica mesmo na narrativa adotada. Em Guirlanda Rubra, a narrativa é leve e de muito fácil entendimento. As palavras são usadas de forma cadenciada mas ao mesmo tempo, são diretas em suas informações. Por que sendo o primeiro livro onde um novo mundo é apresentado, muitos autores se fixam em explicar geografias, costumes, gestos, sotaques etc e tal. A escrita do Erick explica com jeito, economicamente, mas não deixa de ser rica. Ela transporta facilmente o leitor para a cena. Eu senti isso logo de cara, no começo do livro. Em uma sequencia de ação. Onde envolve magia e lutas, é possível sentir os pontos de desespero e satisfação de alguns personagens. E como é uma história de amadurecimento, o livro segue Garlando nesse processo. A primeira parte é bem mais leve, e a partir da segunda sente-se um peso na trama que segue assim por diante.

A miscelânea de influências também se destaca em Guirlanda Rubra. Erick pegou coisas que gosta e as transmutou para a trama sem parecer forçado. Magia, tecnologia, personagens que parecem de etnias diferentes… tudo bem encaixadinho sem atropelar ou encher linguiça. O que me incomodou foi uma falta de conhecer ou aproveitar mais os outros personagens. Temos um foco totalmente em cima de Garlando, que é totalmente compreensível até. Mas ficou um gosto de que os outros personagens poderiam ser bem mais trabalhados. Como a proposta é apresentar um novo mundo e acompanhar Garlando nesse primeiro livro, é normal isso.

Outro grande trunfo de Guirlanda Rubra são as ilustrações. O desenhista Abel apresenta personagens ricos em detalhes com traços muito bonitos e pomposos. A capa em si já é um espetáculo a parte, lembrando antigos livros de RPG de Steve Jackson e Ian Livingstone, ou em filmes de fantasia fantástica. Essa ambientação visual contribui muito para o leitor se ambientar na trama, o que é muito favorável para leitores novatos e para leitores experientes. É um traço com tantos detalhes, mas que ao mesmo tempo não são confusos e de fácil entendimento.

Guirlanda Rubra é um excelente começo de Erick Santos como escritor. Ele conduz bem a trama que apresenta um novo mundo, rico em detalhes com uma fácil narrativa. Muitas vezes me senti “jogando” um Final Fantasy para os antigos consoles de 16 BITS. A Editora Draco iniciou uma campanha de financiamento coletivo no Catarse para disponibilizar a publicação e fez um podcast com mais detalhes. Os links estão abaixo:

Catarse – Guilarnda Rubra

Podcast Imaginários #14 – Guirlanda Rubra

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Philip K. Dick e o seu Castelo Alto

O Homem do Castelo Alto é uma história muito singular dentro da literatura que aborda ficção cientifica e – por que não? – política. Dentro de várias obras de Philip K. Dick, O Homem do Castelo Alto se destaca por apresentar uma diversidade em seu discurso e foco temático. Enquanto o autor tenta discutir e criar parâmetros de comparações entre a nossa realidade e a do próprio livro, ele consegue levantar discursos relacionados à arte e política.

A genialidade de Phillip toma notoriedade quando a trama correlaciona todos os questionamentos levantados e os traduz de uma forma simples e eficaz. A história da sua vida é fascinante em alguns pontos. O autor se envolveu com vários tipos de experiências ao longo da carreira, e sempre esteve engajado em analisar a própria realidade e, principalmente, questioná-la. Embora o faça neste livro, suas críticas estão bem difundidas na história, e requer o esforço do leitor de interpretá-las de forma livre e pessoal.

O livro nos mostra um mundo completamente diferente do que nós vivemos hoje. Os EUA, a Rússia e a França perderam a Segunda Guerra Mundial. A Alemanha é a grande potência mundial, liderada e comanda pela organização nazista de Adolf Hitler e seus apoiadores. Se hoje temos um EUA consolidado em estados federativos, no livro temos um país com uma grande fragmentação política e cultural, com divisões territoriais envolvendo os domínios de Japão e Alemanha.

Com essa organização, o autor parece brincar com as inúmeras possibilidades de sua criatividade. Não só por colocar os japoneses como seres de grande ascensão econômica no território americano, sendo eles empresários, gerentes ou até mesmo políticos, mas também por encaixar uma tensão entre os povos vitoriosos. Ao contrário do que se imagina, já que os japoneses e alemães venceram a guerra, a relação entre os povos não é harmoniosa, e sim conflitante, por envolver visões puramente nacionalistas e orgulhosas – te lembra de algo?

 

Abordando diferenças territoriais e sociais, a análise passa por campos artísticos e culturais. Robert Childan, um dos primeiros personagens a nos ser introduzido, é dono de uma loja de artigos da história americana antes da guerra. Os maiores frequentadores e compradores são japoneses da elite, que são fascinados pela arte americana. Assim sendo, mesmo tendo derrotado os ideais do american way of life, os japoneses se sentem bem ao adquirirem artes americanas. No mundo imaginativo, a posse de antiguidades denota inteligência e prestígio social. Desse modo, mesmo desprezando o viés ideológico, a cultura americana serve como artifício intelectual para a sociedade japonesa e alemã.

Além desse aspecto de valor associado à arte, existe um julgamento moral aos japoneses da história. Mesmo adquirindo e consumindo antiguidades, estes não parecem entender o valor dos itens. Há um distanciamento entre a reflexão e a valorização social. Só para deixar como exemplo, há uma passagem em que o personagem Nobusuke Tagomi, representante do comércio japonês, recebe uma peça que não parece transmitir nenhum valor estético, e começa a tentar senti-la de várias formas sensoriais, já que os valores atrelados ao objeto são desconhecidos pelo personagem.

A utilização de judeus virou inerente a qualquer história que envolva nazismo e Segunda Guerra, já que o povo judeu foi o mais perseguido e massacrado durante o período nazista. Imagine no cenário em que a raça ariana estabelece sua expansão ao redor do globo. Obviamente, aqui os personagens judeus – Frank Frink e Juliana Frink, prioritariamente – tentam sobreviver criando novas identidades, se escondendo por meio de perfis falsos e mudanças físicas. Talvez os melhores momentos do livro sejam aqueles que abordam justamente os ideais inflamados dos judeus, que se sentem presos e enjaulados em um sistema totalitário nazista.

O I Chiang, o oráculo chinês, é parte importantíssima para o desenvolvimento da trama. É por causa dele que os personagens tomarão diversas decisões, ele será um dos condutores principais da trama. Toda esta realidade depende exclusivamente do que o oráculo mostra, sendo seguido firmemente por toda a sociedade. Esta crença é que, de certa forma, conecta os personagens uns aos outros.

Além do I Chiang, há um outro objeto que interliga as histórias dos personagens, mesmo que apenas no campo das ideias. O Gafanhoto Torna-se Pesado é um dos livros de ficção abordados no próprio “O Homem do Castelo Alto”, que relata uma outra realidade em que a Tríplice Entente tenha ganhado a guerra, ou seja, a NOSSA realidade. Ao aprofundar a perplexidade dos personagens com o livro, Philip impões duas versões de mundo em uma mesma linha de raciocínio, colocando o próprio leitor em dúvida sobre a veracidade de tudo aquilo.

O homem do Castelo Alto é o autor do O Gafanhoto e se demonstra ser uma pessoa misteriosa, mas com a capacidade incrível de análise e observação. Claro que este personagem se assemelha propositalmente ao próprio Philip K. Dick. O autor gosta de flertar com a sua genialidade em problematizar as bases políticas que hoje nos estabelecem; discute-se, portanto, o quão estamos iludidos em um sistema tão amplo e complexo. Esta ficção se torna uma brincadeira entre o real e o ficcional, e no final, não obtemos nenhuma resposta, resultando em uma conclusão frustrante, porém perspicaz.

Mas qual seria a melhor resposta, senão a dúvida?

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Humanos, Androides e Philip K. Dick

ATENÇÃO: Este post contém spoilers do livro Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?

O que nós somos?  Como se define o ser humano? Ao longo de nossas vidas, ouvimos e iremos ouvir este tipo de pergunta com certa frequência. A curiosidade sobre nossas origens, funções e destino é inerente a nós. Há uma necessidade natural de buscarmos respostas sobre o porquê de nossas vidas. Ora, se estamos pensando, digitando e respirando neste momento, deve haver uma motivação para isso tudo. Nossas vidas precisam fazer sentido, pelo menos para nós próprios. Ou será que não? Será que apenas vivemos em um pedaço de tempo até o completo esquecimento, sem nenhum impacto no mundo? Os momentos da vida, sejam de alegria ou tristeza, se perderão como lágrimas na chuva?

Perguntas são o princípio da discussão e de diversas descobertas. A dúvida deve ser o único elemento possível que nos coloca em confronto diante do universo. Se não fossemos nós que duvidássemos da nossa própria capacidade de ir ao espaço, ou da curiosidade em relação a vidas fora do planeta, provavelmente nunca estaríamos progredindo em questões científicas e espaciais. Então, se a dúvida provoca a pergunta, é através dela que podemos dar passos para trás e analisarmos em uma perspectiva maior e complexa. Philip K. Dick introduz uma pergunta no título de sua obra: Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?, nos convidando, logo de cara, a uma discussão profunda sobre humanidade, da ascensão até sua previsível queda.

Rick Deckard representa o pior do homem. Sua descrição física condiz com a de um homem derrotado pela vida. Tendo um único e simplório objetivo de comprar um animal que não seja elétrico – algo difícil e caro na história -, com pouco a acrescentar ao mundo, desestimulado dentro do trabalho e da própria vida pessoal. O caçador de androides é retratado do começo ao fim como um ser humano desprezível e problemático. O que incomoda dentro dessa caracterização, é a semelhança assustadora entre nós e ele. Mesmo que o personagem esteja inserido em um cenário mais pessimista e caótico do que o nosso – ou não – é fácil encontrarmos similaridades entre a realidade e a ficção. Identificar pessoas sem propósito e desejo em 2019 não parece ser tão difícil. Ao passo em que a tecnologia avança, a sociabilidade e o senso de comunidade desaparecem, degradando a saúde mental e psicológica daqueles que se isolam socialmente.

Dito isso, Deckard não é só o pior do homem, mas a síntese de todas as ideias de Philip K. Dick. Enquanto o autor caracteriza-o minuciosamente, expõe críticas ao jeito único do caçador. Sua vontade de matar androides aliada com a autorização oficial para fazê-la, o coloca em uma posição máxima de autoridade na Terra radioativa, em que aqueles personagens tentam sobreviver. Mesmo que sua função seja uma das mais importantes: eliminar androides proibidos dentro do planeta, a profissão é menosprezada pela sociedade.

Sendo assim, a jornada começa com essa premissa. Rick Deckard é um homem com pouquíssimas convicções e vontades, exercendo uma das mais relevantes profissões da época. Deste ponto em diante, ocorre um longo processo de desenvolvimento de personagem, onde vemos o simples homem sem virtudes, encontrar respostas significativas acerca da segregação entre humanos e replicantes.

O livro Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas? serve como uma fundamentação teórica para as duas adaptações cinematográficas, Blade Runner, o Caçador de Androides (1982) e Blade Runner 2049 (2019). O contexto ainda é o mesmo, o mundo está em um caos após uma guerra de proporções mundiais irradiar vários países. Aqueles que gozavam de dinheiro e um estilo de vida financeiro agradável e vasto, foram para as colônias espaciais, deixando para trás o lixo e a sujeira.

Pobres, problemáticos, deficientes, entre outros, ficaram aqui, se afogando dentro do mar de merda que o mundo se tornou. O que mais impressiona nas descrições de Philip K. Dick, que ganham sustentação com as composições estéticas/fotográficas criadas por Jordan Cronenweth, é o quão se aproxima esta distopia dos dias de hoje. Prédios empresariais e domicílios se confundem na paisagem. As pessoas perderam sua identidade e se aglomeraram em vários pontos das principais cidades onde se encontra uma “melhor” condição de vida, mais distante da radioatividade. Elas ficam escondidas e passam despercebidas, sofrem uma pressão implícita de néons e outdoors publicitários em todo canto. Os avanços tecnológicos são detalhes perto do ambiente claustrofóbico das cidades “futurísticas”. E, para ficar ainda mais caótico, androides fugitivos das colônias interagem entre humanos, a vida “artificial”, portanto, se confunde com a real.

Enquanto presenciamos uma descrição minuciosa e criativa de Philip, há outras diversas camadas dentro do ambiente do livro que são extremamente importantes para a construção ética de toda a narrativa. Antes disso, é bom deixar claro como funciona o trabalho do autor. Sua obsessão com estas imaginações obscuras não é por acaso. A verdade é que sua obsessão sempre foi com a própria realidade. Mas qual seria a melhor forma de abordar as problemáticas reais, senão a construção de um cenário inteiramente “imaginativo” e metafórico, para colocar o real em desconstrução. Por conta disso, as intenções do autor são claras, mas não tão óbvias quanto parecem. A necessidade de se importar com as coisas ao nosso redor sempre esteve presente. E Philip K. Dick sabia isso.

Destacando algumas das várias camadas do livro, há duas que talvez sejam as mais relevantes: religião e sistemas manipuladores. O começo do livro nos mostra Deckard e Iran (sua esposa, ideia descartada dentro dos filmes) discutindo sobre em qual número eles iriam deixar seu sintetizador de ânimo. A conversa acontece naturalmente, e percebemos que estes personagens estão, de certa forma, condenados a manipulação. Suas mentes são completamente vulneráveis às influências de um sistema que não fica explícito dentro do livro. Outro exemplo é o Buster Gente Fina, que se assemelha a um Silvio Santos misturado com um Serginho Malandro. Buster Gente Fina é o único programa que passa na televisão o dia inteiro. Portanto, toda a sociedade vive em um casulo, onde as produções culturais e emocionais são previamente determinadas, limitando os sentidos daqueles que as consomem.

Outra marca autoral de Philip K. Dick é o simbolismo religioso. De alguma forma, às vezes menos, outras vezes mais, alguns elementos que remetem a religiosidade estarão difundidos na história principal. Discutir uma das estruturas sociais mais influentes das nossas vidas é constante nos trabalhos do autor. E, talvez, Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas? seja a obra mais pontual dele sobre o tema. Se estamos refletindo sobre a nossa própria existência, como não perceber o que a religião traz de sentido, seja ele positivo ou negativo. Todas essas ideias ficam centradas na figura de Mercer e o mercerismo. John Isidore, outro ignorado pela trama cinematográfica, é um dos personagens do livro mais conectados ao mercerismo. Não há uma explicação de fato sobre o que é Mercer. Alguns o entendem como um Deus, uma entidade mágica, mas todos os humanos já passaram pela experiência de se conectarem com ele pelo menos uma vez. Tal conexão também é bem confusa e pouco explicada dentro da obra, mas dá a entender que ocorre uma grande epifania psíquica e moral no encontro com Mercer e suas pedras.

Porém, o que mais importa dentro da história, pelo menos para o autor deste post, são os replicantes.

Se humanos já sofrem o suficiente, imagina aos seres em que a vida é, simplesmente e friamente, negada. Os androides, sem licença empresarial/política, estão proibidos na Terra, e os blade runners são os responsáveis para os aposentarem. Roy Baty, Irmgard Baty, Pris Stratton, Rachael Rosen, Luba Luft, Polokov e Garland, entre outros, representam os androides e a lista de recompensas de Rick Deckard. Todos estes personagens tem seus momentos gloriosos dentro da trama, as passagens que os envolvem colocam em julgamento a divisão existente entre o real e o artificial. Suas concepções pessoais sobre o que eles são e o que a vida significa nos coloca na posição de os acharmos mais humanos do que os próprios. Há um diálogo entre Luba Luft e Deckard, em que a replicante afirma: “A imitação é a melhor forma de vida.” Ou quando descobrimos que a real ocupação de Roy Baty nas colônias era de farmacêutico, e ele dava remédios alucinógenos para si e outros replicantes, que são impossibilitados de se conectarem com Mercer. Qual é justificativa para esse ato? Ele queria se aproximar de Deus.

É aqui que chegamos em um dos melhores momentos do livro. Significado e Deus se relacionam quando percebemos que é o que muitos de nós acreditamos. O amor que a humanidade sente por algum Deus, dependendo da religião, é só uma troca pela verdadeira necessidade humana: buscar seu significado. O replicante, portanto, é ser humano, porque a busca por Deus é a tentativa máxima de procurar justificativas para a existência. Sem crenças, ou sem descrenças, o que nós seríamos? E se os replicantes também buscam por respostas, por que nossas dúvidas valeriam mais que as deles?

Quando nos deparamos com tais perguntas, Philip K. Dick não se contenta só com isso, e destrói tudo o que as pessoas acreditavam. Mercer, na verdade, era um ator contratado para participar de uma produção cinematográfica, esta, que é a experiência conectiva do mercerismo. E, chegamos no desfecho mais arrebatador: a única prova que os humanos tinham de empatia se tornou lágrimas na chuva, parafraseando o final do filme – que não se assemelha em nada com o do livro. Mesmo que esta descoberta fique limitada só para os personagens principais.

Isidore, um “cabeça de galinha”, – termo criado para se designar aqueles que foram afetados pela radiação da Poeira, num sentido mental – que acreditava firmemente no mercerismo, vê sua crença se desmantelar. Sentia-se deslocado dentro da sociedade pelos seus problemas mentais, agora, parece ter sentido seu afastamento total. Quando ocorre o fato, entretanto, Isidore tenta compreender o que aconteceu, e discute com Mercer sobre o plano de fundo do local de conexão, que se assemelhava a uma paisagem natural, mas que era uma pintura. Mercer revela, enfim, que Isidore nunca percebeu porque sempre estava muito a frente, e nunca olhou por um ângulo mais distante.

O que prova, definitivamente, que os replicantes tinham um olhar mais apurado e profundo do que os seres humanos. Mercer é uma fraude, e a prova de empatia que dava significado a tantas insignificantes vidas foi desmantelada por androides marginalizados. O teste Voigt-Kampff, que diferencia humanos e replicantes através de respostas empáticas, parece não fazer mais sentido. Assemelha-se com a vida de Rick Deckard, que conseguiu, no fim, aposentar todos os androides restantes, mesmo que sua concepção de vida tenha se alterado. Enquanto Phil Resch, um dos outros caçadores, afirma que os blade runners são a divisão moral entre o real e o artificial, Deckard se depara com a conexão entre os dois contextos. Este homem, o pior dos homens, entende o real significado de empatia. Sua dúvida se Luba Luft era uma replicante, o relacionamento sexual com Rachael e, sua posterior demissão, resultam na sua evolução ética e igualitária.

Philip K. Dick constrói um futuro distópico que busca nos fazer refletir sobre o real cenário das coisas. Usando Rick Deckard como a representação perfeita e única da humanidade, Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas? é uma obra excepcional e genialmente trabalhada por um dos maiores autores da ficção científica. Em uma jornada simples de um caçador atrás de suas meras recompensas, nos deparamos com novas perspectivas sobre o como vivemos e o que fazemos enquanto estamos aqui. Não há uma definição exata do porquê, e quando se acaba a leitura, muito provavelmente não ocorrerá uma epifania sobre o sentido da vida. A obra não é sobre buscar respostas, mas de se contentar na ausência delas.

E pensar que tudo isso foi por causa de uma ovelha elétrica…

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Terror no selo Legends | Apavore-se com Star Wars: Troopers da Morte


A Editora Aleph, há algum tempo, é a responsável por vários lançamentos do Universo Expandido da franquia Star Wars aqui nas terras tupiniquins, e já publicou, para alegria dos fãs, diversos livros tanto do selo Legends, que não fazem parte da cronologia (não canône), quanto selo principal (recentemente em seu site, foi publicado uma lista cronológica de todas as obras, Confira Aqui). E uma incrível publicação da editora foi o livro Star Wars: Troopers da Morte.

Troopers da Morte é uma ideia ousada, inusitada e sensacional. Imagine misturar zumbis e Stormtroopers em um mesmo lugar, já é algo bastante estimulante, certo? Agora ouse mais um pouco e transforme esses Stormtroopers em zumbis! Isso pode ficar muito ruim, ou pode resultar em algo maravilhoso e te deixar sem ar em diversos aspectos. Para nossa alegria, o que ocorreu foi a segunda opção.

Trazendo personagens cativantes e uma excelente história de terror, não deixando de explorar diversas ferramentas criadas dentro do universo de George Lucas, a história nos tira o fôlego diversas vezes, e quando você começa, é bem difícil conseguir parar de ler.

Capa do Livro

A trama se passa 60% do tempo em uma nave de transporte de prisioneiros imperiais, denominado “Purgação” e 40% em um Destroyer Estelar abandonado, e nos mostra inicialmente a vida de dois irmãos, contrabandistas, que atualmente são prisioneiros do Império Galáctico. Além desses irmãos, também é explorado a história de uma ex-princesa que abandona seu planeta e se torna a médica do transporte imperial, e devido a convivência maior com os presos, acaba pegando um certo afeto por seus pacientes. Tal comportamento acaba gerando subtramas dentro do livro, além da trama principal. Outro personagem importante é o Capitão Sartoris, responsável por comandar um esquadrão de troopers e também responsável pela morte do pai dos garotos contrabandistas.

Após uma falha dos motores de hiperespaço da nave prisão em um território desconhecido, um esquadrão é enviado para um Destroyer Estelar abandonado, que também estava vagando por aquela parte do universo, no objetivo de encontrar peças para continuar a viagem. Porém quase imediatamente à chegada do esquadrão de volta a nave, uma doença começa a infestar toda a “Purgação”, dando início ao plot principal e deixando as subtramas de lado.

Além de todos os personagens criados para o livro, temos também algumas surpresas. Pra quem pensava que personagens conhecidos da franquia não poderiam aparecer, se enganaram, quem faz as participações especiais na obra são nada mais, nada menos que a maior dupla de canalhas e contrabandistas do universo Star Wars, Han Solo e Chewbacca, e como sempre fazem, roubam completamente a cena.

Sempre é bem interessante ver versões mais jovens de Solo e Chewie, e mesmo não entrando dentro da cronologia principal, a história se passa antes do Episódio IV da franquia, ou seja, eles ainda não são membros da Aliança Rebelde, o que dá totalmente o sentido dos dois estarem nos eventos ocorridos.

Pra quem somente gosta do gênero terror, é uma trama muito divertida, mas pra quem é fã da franquia e gosta de terror, é realmente uma mistura perfeita de sustos e referências ao universo Star Wars, que leva o leitor à um êxtase constante, super recomendado por nós da redação.

O livro, escrito por Joe Schreiber, está no catálogo da Aleph desde 2015, e pode ser encontrado em diversas megastores e livrarias.

 

 

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Discworld | O Aprendiz de Morte

Sinopse: ”No quarto volume de Discworld, Morte, um esqueleto com brilhantes luzes azuis em suas órbitas oculares e dono de uma voz semelhante a ” lajes de chumbo caindo sobre granito” , oferece a Mortimer, um desajeitado rapaz de interior, uma proposta irrecusável: tornar-se seu aprendiz. Após receber a garantia de que não é preciso estar morto para conseguir esse trabalho, Mort aceita o cargo. Mas os conflitos surgem quando a descoberta do amor passa a interferir nas responsabilidades do garoto.

O Aprendiz de Morte é o primeiro volume do ciclo da Morte dentro da saga Discworld, protagonizada por nada mais e nada menos que pela própria Morte, personagem ícone da saga por sua FALA PECULIAR… Ah, e seu aprendiz Mortimer, ou simplesmente Mort.

Publicada em 1987, O Aprendiz de Morte já foi adaptado como musical. A história começa com o Morte observando um garoto franzino que tem sérios problemas para arranjar alguma orientação na vida. O pai de Mortimer preocupado, leva o filho para uma feira para arranjar um ofício ao filho, quase sem sucesso por não aparecer nenhuma oferta, aparece uma figura encapuzada. Pronto! Mortimer está encaminhado para o serviço funerário… E que serviço!

Morte e Mort por Omar Rayyan

Mortimer será introduzido nas artes de ‘’CONDUZIR ALMAS PARA O PRÓXIMO MUNDO’’ (pode parecer estranho, mas as falas de Morte são todas em letras maiúsculas), contudo a parte humana talvez o atrapalhe nesse serviço ‘’mortal’’.

A Morte possui diversas representações na literatura mundial, mas com certeza não houve personagem tão carismático quanto o Morte de Pratchett. Nessa obra vemos a crise de ”identidade” de Morte, um pouco fadigado do emprego e em busca de algo bem humano: diversão.

Acompanhado de seu cavalo Pituco e do mais jovem aprendiz Mortimer (ou apenas ”garoto”), Morte nos leva aos dilemas da vida (e da morte claro) e ficamos diante poder do destino inexorável. O trabalho da Morte parece simples, mas diante da ”injustiça” no reino de Sto La, Mortimer intervém e provoca uma distorção na realidade.

Mortimer, Pituco e Princesa Keli por Omar Rayyan

Como já foi dito em resenhas anteriores sobre a saga Discworld, Terry Pratchett tem um humor único e inteligente. Em O Aprendiz de Morte, Pratchett nos apresenta um enredo cômico, trágico e até mesmo filosófico. Será a (ou o) morte o fim? Não podemos mudar nosso destino? Esses e outros questionamentos se encontram entre as linhas do livro.

A leitura é rápida e calorosa, nós divagamos pela Discworld no lombo de Pituco. Uma experiência cheia de aventura e ótima para passar o final da tarde lendo.

Infelizmente a obra está esgotada, mas pode ser encontrada facilmente em pdf. Em julho teremos o lançamento de Homens de Armas.

Confira nossas outras resenhas de Discworld: Direitos Iguais Rituais Iguais, Estranhas Irmãs e Lordes e Damas.

Escrito por RM

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Resenha | Fantasia e História em Memorial do Convento

Sinopse: ”No epicentro desta história está a construção do Palácio Nacional de Mafra, também conhecido como Convento. O monarca absolutista D. João V, cumprindo uma promessa, ordenou que o edifício fosse erguido no início do século XVIII, em pleno processo colonial, à custa de uma imensa quantidade de ouro e diamantes vindos do Brasil, além do sangue de milhares de operários.  […]
Como em História do cerco de Lisboa e A jangada de pedra, para citar apenas alguns dos celebrados romances do autor, a finíssima ironia na observação de fatos históricos e o elegante tecido ficcional estão a serviço de uma fabulação sempre brilhante, moderna e criticamente devastadora do ponto de vista social. […] Com sua abordagem absolutamente inovadora do romance histórico – um gênero que já esteve a serviço dos heróis nacionais e suas poses engessadas -, este Memorial do Convento recupera as ilusões, fantasias e aspirações de um Portugal que se quis grande e eterno, ainda que frágil e delicado.”

Memorial o_O

José Saramago, renomado autor português vencedor do Nobel, em Memorial do Convento (1982) nos conduz à Portugal do século XVIII no reinado de Dom João V, época de imensa fartura do ouro vindo do Brasil. O enredo se inicia com as tentativas falhas do rei e da rainha Maria Ana em darem herdeiros ao reino português, eis que surge o frade António e faz um acordo com vossa majestade, caso tenha herdeiros que se construa um convento, uma promessa não só de interesses cônjuges como ambição de João V de criar um grande monumento para ser lembrado.

Com esse plano de fundo, Saramago irá trazer personagens e acontecimentos reais da história portuguesa, um verdadeiro romance cavaleiresco que exala vida. Bartolomeu Lourenço de Gusmão, um desses personagens, foi um padre que tinha projetos para voar, sendo chamado de o padre voador, ele é essencial para o desenrolar dos eventos quando conhece Blimunda e Baltasar Sete-Sóis, personagens criados por Saramago, e os convidará a ajudá-lo a efetuar sua promessa ao rei de levar os homens aos céus, a partir daí surge a passarola, uma espécie de ”avião” em forma de pássaro. Veja um vídeo stop-motion do momento que Blimunda e Baltasar se conhecem:

O ficcional e o real tem uma linha tênue na história, com maestria, os personagens se misturam e exploram diversos temas como religião, medo, amor, relações humanas e o sacrifício do povo para construir os desejos dos governantes. Muito antes do inicio da construção do convento, conhecemos Blimunda, moça dotada de poder peculiar, ela consegue enxergar o desejo dentro das pessoas, e Baltasar Sete-Sóis, soldado que perdeu a mão esquerda e no lugar recebe um gancho, eles junto com o padre serão quase que uma família com o sonho de voar.

O Santo-Ofício é outro elemento na história, a igreja até o século XIX em Portugal perseguiu os cristãos novos, judeus, muçulmanos e aqueles que eram acusados de bruxaria, como é o caso da mãe de Blimunda e do padre Bartolomeu, ao mexer com projetos cientistas.

Saramago faz ótimas jogadas e questionamentos filosóficos no que se refere a imagem de Deus e os mistérios da fé, critica o autoritarismo da igreja e cria dicotomias, como por exemplo, Blimunda e a rainha Maria, enquanto uma é livre para amar e ser amada, a outra sabe que vive no mundo das aparências da realeza e não se sente amada pelo rei, sendo até mesmo culpada pela difícil gravidez. Pode-se se dizer que a vida é encenada na obra, com todos os defeitos e qualidades humanas.

MEMORIAL
Convento de Mafra

Ler Memorial do Convento exige bastante tempo, é uma leitura que deve se fazer com tranquilidade para perceber todos os elementos. Além disso, a própria escrita do autor pode ser cansativa para leitores de primeira viagem, porque ele não separa as falas e tem sentenças longas. Isto não interfere em classificar a obra como um belo romance histórico que enaltece o povo português, principalmente no que se refere aos trabalhadores na construção de Mafra, que levou mais de 600 vidas para seu termino.

Tenham uma ótima leitura!

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Resenha | Alien: Surgido das Sombras

Um engenheiro chefe, dois engenheiros, duas médicas, um piloto, uma oficial de ciências, um oficial de comunicações e uma tenente são os sobreviventes da Marion em Alien: Surgido das Sombras. Escrito por Tim Lebbon e publicado pela editora LeYa no Brasil, o livro é uma leitura prazerosa para fãs de suspense e da franquia nos cinemas. Uma mistura completa de gêneros (terror, drama, ficção científica, survival horror…) e novos personagens e conceitos que expandem ainda mais a mitologia alienígena, envolvendo conspirações políticas e ameaças tecnológicas.

Foi muito interessante ver as corporações e seus interesses econômicos/científicos serem um dos pontos altos do livro. A Weyland-Yutani, empresa responsável pela exploração universal da trimonita (material mais resistente no universo) e pela nave Marion, e a inteligência artificial Ash se apresentam como uma conspiração corporativa, sendo tão ameaçadores quanto os Aliens. Criando-se muita expectativa ao leitor.

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A sobrevivência do grupo, seus relacionamentos e o suspense no desenrolar da história ainda são o foco. Chris Hooper (engenheiro chefe) é o principal personagem junto de Ellen Ripley. Diferente de Ripley, Hoop não tem uma ligação emocional com o público, sendo assim, Lebbon decide descrever psicologicamente cada momento do personagem e explorar sua história para entendermos seus objetivos e suas decisões como líder. Já Ripley, protagonista da franquia, não tem muito de sua personalidade alterada, mas é descrita como muito traumatizada (uso de flashbacks e delírios sobre sua filha Amanda e os acontecimentos na Nostromo).

Em relação aos outros personagens que compõem o grupo (Powell, Welford, Lanchance, Baxter, Sneddon, Kasyanov e Gloria), ambos são bem aproveitados e têm bons diálogos, mas nada que seja notável. Alguns mais caricatos como  Lanchance e Welford criam uma empatia maior com o leitor. Ao todo, a história está cheia de personagens bons e intrigantes.

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Porém, o preço de Alien: Surgido das Sombras vale pela descrição do cenário, da ação e dos Aliens criados por Lebbon. Inspiração direta ao primeiro filme do Alien. O autor faz pausas para descrever o cenário detalhadamente para criar a sensação de inserção, parece que o Alien está do nosso lado. Algumas passagem mais sanguinolentas não são agradáveis de ler pela riqueza de detalhes e o ritmo frenético de ossos quebrando, peles rasgando e sangue jorrando, mas consegue tornar as próximas páginas mais empolgantes.

Alien: Surgido das Sombras funciona para os adoradores de suspense ou da franquia Alien. Uma ótima leitura por expandir ainda mais este universo, que se firma entre os melhores e promete enriquecer a mitologia de Hans Ruedi Giger e do diretor Ridley Scott.

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Resenha | Mitologia Nórdica de Neil Gaiman

Mitologia Nórdica é o mais novo livro de Neil Gaiman. Com lançamento em janeiro de 2017, a obra chegou apenas um mês depois no Brasil pela editora Intrínseca em uma versão lindíssima de capa dura contendo o total de 288 páginas.

Neil Gaiman tem sido inspirado pela mitologia antiga na criação dos reinos fantásticos de sua ficção. Agora ele volta sua atenção para a fonte, apresentando uma versão bravura das grandes histórias do norte.

Na mitologia nórdica, Gaiman permanece fiel aos mitos ao prever o maior panteão dos deuses nórdicos: Odin, o mais alto dos altos, sábios, ousados ​​e astutos; Thor, filho de Odin, incrivelmente forte, mas não o mais sábio dos deuses; E Loki-filho de um irmão de sangue gigante para Odin e um malandro e insuperável manipulador.

Gaiman modela essas histórias primitivas em um arco romântico que começa com a gênese dos nove mundos lendários e mergulha nas façanhas de deidades, anões e gigantes. Uma vez, quando o martelo de Thor é roubado, Thor deve disfarçar-se como uma mulher – difícil com sua barba e enorme apetite – para roubá-lo de volta. Mais pungente é o conto em que o sangue de Kvasir – o mais sagaz dos deuses – se transforma em um hidromel que infunde bebedores com poesia. O trabalho culmina em Ragnarok, o crepúsculo dos deuses e o renascimento de um novo tempo e de pessoas.

Através da prosa hábil e espirituosa de Gaiman surgem esses deuses com suas naturezas ferozmente competitivas, sua susceptibilidade a ser enganados e enganar os outros e sua tendência a deixar a paixão inflamar suas ações, fazendo com que esses mitos há muito tempo respirem uma vida pungente novamente.“ – Skoob

Edição brasileira
Edição brasileira

Gaiman já começa a introdução do livro falando de sua paixão pela mitologia nórdica e sua preferência por ela em detrimento de outras mitologias, algo que é bem notável, considerando a presença de elementos e figuras nórdicas em dois dos maiores trabalhos do escritor: Sandman e Deuses Americanos.

Em Sandman, existe algumas referências à mitologia nórdica, como Matthew, o corvo de Morpheus, que lembra Munin e Hugin, os corvos de Odin. Na história, ainda há a presença de figuras da mitologia nórdica como Loki, Thor e Odin, que estão presentes durante o arco Estação das Brumas.

Matthew e Morpheus em Sandman
Matthew e Morpheus em Sandman

Já em Deuses Americanos, a abordagem de Deuses é abrangente e inclui figuras mitológicas de diversas culturas, porém, há uma predominância de elementos da mitológica nórdica, como o misterioso Wednesday, que na verdade é Odin, e o protagonista Shadow Moon, que se especula que seja Balder, filho de Odin e Frigg.

Wednesday e Shadow em imagens promocionais da série de TV "Deuses Americanos"
Wednesday e Shadow em imagens promocionais da série de TV “Deuses Americanos”

Assim como muitas pessoas, o primeiro contato de Gaiman com a mitologia nórdica foi com a versão romantizada pela Marvel Comics do Poderoso Thor de Jack Kirby e Stan Lee. Posteriormente, o escritor se aprofundou no Universo Nórdico por meio de outras fontes.

Quem já teve contato com as histórias em quadrinhos do Thor, perceberá diversas semelhanças com os contos deste livro, afinal, compartilham da mesma fonte de origem, a Mitologia Nórdica. Contudo, a abordagem trazida por Gaiman é diferente, o que torna a obra mais interessante. Torna-se um olhar novo para quem só conhece a versão nórdica dos quadrinhos da Marvel. E para quem não conhece, é uma ótima oportunidade de conhecer.

Thor por Jack Kirby
Thor por Jack Kirby

Gaiman nos traz uma série de contos, com deuses que não são muito heroicos e nem muito inteligentes, com exceção de Loki, que está presente em praticamente todas as histórias e se mostra um exímio manipulador e agente do caos, mas não é exatamente um vilão, como é popularmente conhecido, está mais para um mal necessário e em certos momentos até soa como herói.

Uma característica comum a todas a mitologias é a tentativa de explicar o mundo com histórias envolvendo deuses, monstros e heróis. Na mitologia nórdica não é diferente. Há contos que explicam fenômenos do mundo, como a criação do mundo (Antes do principio, e o que veio depois),  ou de onde vêm os terremotos (Os Últimos dias de Loki), e também há um mito bastante divertido sobre sobre a origem do dom dos poetas (O Hidromel da Poesia).

Conto presente no livro
Conto presente no livro

A narrativa segue uma ordem que vai da criação do início de tudo com a criação dos Nove Mundos até o fatídico Ragnarok (Crepúsculo dos Deuses). Porém, não é necessário acompanhar nessa ordem, pois não afeta a experiência, podendo degustar os contos aos poucos sem se preocupar com a continuidade.

O escritor foi bem eclético no modo de contar cada mito. Há uma variação do tom das histórias entre um conto e outro, alguns com mais comicidade, outros mais reflexivos e até trágicos,  o que torna a leitura uma experiência bem diversificada.

Como é dito pelo próprio escritor, os contos não são extremamente fieis as versões originais e podem divergir em alguns aspectos, até porque essas histórias eram transmitidas oralmente pelos povos Vikings e, por isso, muita coisa se perdeu ou criou-se mais de um versão do mesmo mito. Gaiman mantém-se o mais fiel possível e até acrescenta alguns detalhes que enriquecem algumas histórias já conhecidas.

Yggdrasil e os noves reinos
Yggdrasil e os noves reinos

Mitologia Nórdica é um ótimo livro para quem conhece pouco ou nada do mundo dos mitos nórdicos. Tem uma linguagem simples e acessível, que traz contos com tons que variam entre o cômico e o trágico.

Garanta o seu exemplar. Aprenda sobre os mitos nórdicos e, quando estiver ao redor de uma fogueira com seus amigos, compartilhe essas histórias bebendo um hidromel e lembrando que as pessoas já acreditaram que existia uma bebida capaz de conceder o dom de cantar poemas épicos, ou que o barulho de um trovão pode ser a fúria de Thor, e que um terremoto é Loki sendo castigado, ou que a responsável pelo formato da Terra é a Serpente de Midgard.