Lançado no Brasil pela editora NewPOP no longinquo ano de 2015, Fate/Zero é uma série completa em seis volumes, e que pode não ser a coisa mais nova ou mais popular no momento, mas como será reimpressa ainda esse mês, após alguns anos fora de estoque, achei um bom momento para comentar sobre ela. Isso, e o fato de que eu terminei de ler o negócio só semana passada, mas majoritariamente por causa das reimpressões.
Então vamos começar contando o que é Fate/Zero. Se você está aqui, muito provavelmente já ouviu falar da franquia Fate/, certo? Ela está em literalmente todos os lugares, é quase um negócio insuportável. Eu já fiz uma postagem contando como você pode entrar nesse universo (veja AQUI), e só passando o olho por lá, você vai ver que temos bastante coisa. Fate/Zero, embora seja uma prequel (isso é, uma história que se passa antes da história principal) de Fate/Stay Night, e seja melhor aproveitado dessa maneira, pode servir como uma porta para você adentrar esse vasto e sofrido mundo.
Escrito por ninguém menos que Gen Urobuchi – um dos autores japoneses mais conhecidos no nicho, principalmente por sua adoração por tragédias e incapacidade de escrever um final feliz – Fate/Zero é uma obra que deu todas as oportunidades para seu escritor fazer o que faz de melhor: Deixar todas as suas personagens sofrendo em um inferno cheio de desgraças.
Como o título sugere, nessa Light Novel, não temos heróis. Temos apenas uma grande tragédia composta por uma infinidade de pequenas tragédias, cada uma com seu toque especial. Mas afinal, o que é um “herói“? O que é preciso para definirmos uma personagem como “herói“? É uma discussão complexa, mas acredito que aqui, nós passamos tão longe do conceito, que uma definição simples pode servir. Podemos dizer que um herói é alguém que faz coisas boas por bons motivos.
Colocando dessa forma, acabamos levantando outro questionamento: Histórias precisam de heróis? Eles são necessários para que uma trama persevere? Por um lado, uma história “sem heróis“, como é Fate/Zero, pode ganhar pontos ao ser – dentro dos limites da suspensão de descrença – um conto realista: Basta olhar para o mundo que você verá que não existem heróis na realidade. Ao menos, não o suficiente. A quantidade de “não-heróis” é astronomicamente maior. Então, as chances de você conseguir um herói ao fazer um pequeno recorte de pessoas é muito pequena. Uma história sem heróis é, em sua essência, um retrato do mundo.
Daí, entra uma questão pessoal, e que só posso falar por mim: Buscamos na ficção aquilo que não encontramos no mundo real, não é? Se eu quisesse uma tragédia, eu não estaria lendo light novels, eu estaria assistindo o jornal. Acaba sendo uma obra que não é para todo mundo, principalmente nessa época onde não tá fácil pra ninguém. Mas, sempre tem quem goste, né. Fica apenas como recado.
A parte interessante do livro, para mim, foi ver os diferentes tipos de personagens que tiveram suas vidas expostas, e como cada um deles poderia ser um candidato ao posto de “herói da história“. Em especial, quatro delas chegaram mais perto disso: Kiritsugu Emiya, Waver Velvet, Saber, e Kariya Matoh. De uma forma surpreendente, temos quatro pessoas absurdamente opostas.
Mas, como foi dito no começo da postagem, o autor da novel, Gen Urobuchi, não é conhecido por dar “felizes para sempre” à suas personagens. Nenhum dos quatro candidatos consegue alcançar essa vaga, todos terminando com um final trágico, o completo oposto do que seria digno de um herói.
SPOILERComeçamos com o chamado “protagonista” da história: Kiritsugu Emiya. Ele será o primeiro pois, dentre os quatro listados, é o que precisamos mais forçar a barra para tentar justificar a quase classificação como herói. Afinal, Kiritsugu é um anti-herói, um clássico exemplo da famosa máxima erroneamente atribuída à Maquiavel: que “os fins justificam os meios“.
Esse é um esteriótipo de personagem bastante comum na ficção, mas que normalmente é acompanhado por uma outra personagem ou grupo, que está ali com a função de dar uns tapa na cara do “justiceiro” e tentar botar juízo na cabeça dele. Sem explicar que os fins não justificam os meios; e que ficar buscando por um milagre para resolver todos os problemas que você mesmo causou ao tentar resolver outros problemas é, francamente, um estilo de vida estúpido; Urobochi tenta nos convencer de que Kiritsugu deveria, mesmo, ser o herói da história. Claro que isso não cola com ninguém, e ficamos apenas com uma situação desconfortável por cinco volumes e meio, onde precisamos encarar os ideais do “Assassino de Magos” e fingir que estamos levando-o a sério, quando sabemos que personagens desse tipo nunca terão um final feliz.
Seguimos com Waver Velvet. Desde o princípio, ele é construído como uma personagem que tem as bases para ser um herói: Um jovem “comum” que recebe uma quantidade absurda de poderes e, com eles, uma carga igualmente grande de responsabilidades. A partir daí, a única coisa que falta para se alcançar o posto de herói seria coragem. É necessário coragem para dar o passo adiante, que definirá todo o resto do caminho.
Mas Waver não toma esse passo: Ele prefere se acovardar em sua própria mediocridade – aquela que ele tanto lutou para provar falsa – e acaba se contentando com se tornar uma mera sombra sob o manto de um herói, ao invés de se tornar um ele mesmo. Ao escolher passar a vida perseguindo um vulto inalcançável, ele descarta um possível grande futuro para ter um final trágico e sem esperanças.
Continuamos com a Saber. Você pode estar me olhando torto agora, pensando “mas a Saber É uma heroína!“, e eu preciso concordar com você. Sim, é claro que ela é um heroína. Acontece que, em Fate/Zero, ela não recebe o tratamento de uma heroína, muito pelo contrário.
Sendo uma pessoa majoritariamente boa e com boas intenções, o que Saber busca, na novel, é redenção. Quando nega essa redenção à ela, Urobochi está, na prática, dizendo que o “caminho de reinado” dela – que ela se esforçou para mostrar ser correto para os outros reis – é falho.
O fim trágico de Saber em Fate/Zero é, de certa forma, como o ponto mais baixo em um filme de super-herói, onde temos a segunda metade do filme para fazer o protagonista re-assumir seu papel de herói. Podemos usar “O Homem de Aço” como exemplo: Quando o Super Homem se deixa ser algemado e levado, estamos vendo o pior momento do antes chamado “símbolo de esperança“; mas temos todo o resto da história para que ele consiga “se redimir” com aqueles que decepcionou. O problema é que esse não é o fim da história de Saber, mas é o fim da light novel. A “conclusão” da saga de redenção e heroísmo de Saber acontece em Fate/Stay Night, fazendo com que ela termine não como uma heroína, mas sim, como uma casca vazia do que já foi uma heroína.
E encerramos nossa lista com Kariya Matoh. Possivelmente a personagem que é, ao mesmo tempo, mais parecido e mais diferente ao primeiro da lista, Kiritsugu. Os dois são pessoas com motivações nobres e que costumam fazer coisas estúpidas para alcançar esses objetivos, mas, enquanto Kiritsugu escolhe sacrificar outros em busca de um ganho coletivo, Kariya escolhe sacrificar a si próprio em busca de uma causa individual.
Ele tenta agir de forma heroica, mas mesmo com uma causa justa e lutando para provar que seu ponto de vista é o certo, ele acaba simplesmente jogando sua vida fora, num final trágico e melancólico. Kariya funciona, de certa forma, como um recado de que a linha entre coragem e burrice é tênue, e que o que faz um herói é saber em qual ponto dessa linha se deve parar. Num caso oposto ao de Waver, o problema de Kariya foi ter ido longe demais.
Mas Waver não toma esse passo: Ele prefere se acovardar em sua própria mediocridade – aquela que ele tanto lutou para provar falsa – e acaba se contentando com se tornar uma mera sombra sob o manto de um herói, ao invés de se tornar um ele mesmo. Ao escolher passar a vida perseguindo um vulto inalcançável, ele descarta um possível grande futuro para ter um final trágico e sem esperanças.
Sendo uma pessoa majoritariamente boa e com boas intenções, o que Saber busca, na novel, é redenção. Quando nega essa redenção à ela, Urobochi está, na prática, dizendo que o “caminho de reinado” dela – que ela se esforçou para mostrar ser correto para os outros reis – é falho.
O fim trágico de Saber em Fate/Zero é, de certa forma, como o ponto mais baixo em um filme de super-herói, onde temos a segunda metade do filme para fazer o protagonista re-assumir seu papel de herói. Podemos usar “O Homem de Aço” como exemplo: Quando o Super Homem se deixa ser algemado e levado, estamos vendo o pior momento do antes chamado “símbolo de esperança“; mas temos todo o resto da história para que ele consiga “se redimir” com aqueles que decepcionou. O problema é que esse não é o fim da história de Saber, mas é o fim da light novel. A “conclusão” da saga de redenção e heroísmo de Saber acontece em Fate/Stay Night, fazendo com que ela termine não como uma heroína, mas sim, como uma casca vazia do que já foi uma heroína.
Ele tenta agir de forma heroica, mas mesmo com uma causa justa e lutando para provar que seu ponto de vista é o certo, ele acaba simplesmente jogando sua vida fora, num final trágico e melancólico. Kariya funciona, de certa forma, como um recado de que a linha entre coragem e burrice é tênue, e que o que faz um herói é saber em qual ponto dessa linha se deve parar. Num caso oposto ao de Waver, o problema de Kariya foi ter ido longe demais.
Voltando agora aos detalhes da edição nacional, é preciso lembrar que Fate/Zero foi publicado pela NewPOP em 2015. Se você acompanha o mercado nacional há algum tempo, sabe o que isso significa: O livro tem uma quantidade maior do que se gostaria de erros de revisão. É um problema que a editora possuía no passado e que vem melhorando bastante, mas que, infelizmente, não é retro-ativo. As obras antigas ficarão, para sempre, com esses erros.
Durante a leitura, encontrei uma infinidade de problemas de revisão, e me vi corrigindo automaticamente algumas digitações incorretas no texto. Porém, nenhuma delas foi grave a ponto de tornar uma frase ilegível, ou de mudar o contexto de alguma cena. Acaba sendo apenas um inconveniente que atrapalha a leitura, mas não a prejudica.
No fim, seja para fãs de longa data da franquia ou para novas pessoas querendo ingressar nela, Fate/Zero é uma Light Novel que faz muito bem o seu papel de entregar uma história trágica e extremamente em sintonia com suas antecessoras.
Você pode comprar os volumes disponíveis da Light Novel na Amazon, enquanto se prepara para as reimpressões: Volume 1 | Volume 4 | Volume 5 | Volume 6.