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A leitura psicodélica, colorida e musical de Beatles – Yellow Submarine

“If you’re listening to this song, you may think the cords are going wrong. But they’re not. We just wrote it like that”

Tudo que os Beatles fizeram, acabou se tornando parte da história musical do mundo. Seja o que eles se interessaram em fazer, seja o que eles não estavam muito interessados em fazer. Nessa segunda opção temos, por incrível que pareça, Yellow Submarine. Concebido como décimo primeiro disco de estúdio da banda, ele foi gravado entre 1967 e 1968 no lendário Estúdio Abbey Road, sendo lançado em 1969. O projeto foi comercializado como banda sonora para o filme de animação do mesmo nome (que chegou aos cinemas em 1968).

Cartaz original do longa animado.

Os Beatles consideraram Yellow Submarine como uma obrigação contratual, o álbum em si possui 13 músicas no total, sendo seis compostas pela banda, incluindo a faixa-título e All You Need Is Love. O restante do álbum são regravações da banda sonora orquestral do filme pelo produtor George Martin. Já o longa animado foi recebido com muito agrado pela crítica. Mesmo com a banda não dando muita importância, eles não dublam seus próprios personagens por exemplo, o filme foi um sucesso de bilheteria justamente por ser uma das bandas mais populares do momento e por ser lançado no meio da cultura pop psicodélica da década de 1960.

E essa psicodelia toda está na graphic novel.

No aniversário de 50 anos de Yellow Submarine, a Titan Comics recrutou Bill Morrison, que tem em seu currículo Mad Magazine e Os Simpsons, para roteirizar e desenhar a adaptação. Morrison seguiu o estilo inigualável do filme e acertou na nota. Falar que a Graphic Novel é um prato cheio para os fãs é chover no molhado. Mas me impressiona como ela é gostosa de ler para quem não é ouvinte da banda. E esse texto, estimado leitor que não gosta de Beatles, é muito para você. Uma pequena curiosidade é que em 1968, também já tinha sido lançada uma adaptação em quadrinhos de Yellow Submarine.

 

“We all live in a yellow submarine… Yellow submarine, yellow submarine”

A trama começa com uma invasão na idílica Pepperland pelos Malvados Azuis, que odeiam música e tudo que o local representa. O recém-nomeado Almirante Fred embarca no Submarino Amarelo atrás de ajuda, recrutando Ringo, John, George e Paul, que voltam com ele para livrar aquela terra do domínio dos autoritários Azuis.

A primeira coisa que tem que se ter em mente para quem não é familiarizado ou simplesmente não curte os Beatles é: Não se prenda à razão. Yellow Submarine não foi feita para pensar muito. Ela é o retrato de uma viagem de ácido em uma kombi cruzando os EUA. Ela não tem momentos surreais. Ela é totalmente surreal. Como algo que só veríamos em histórias do Grant Morrison muito chapado com um baita colorista. A trama tem um norte, ela sabe para onde vai e sabe conduzir o leitor. Mas os devaneios no meio dela são de você se pegar pensando: “mas o que é isso que estou lendo?”

Bill Morrison usou e abusou de cores, nos tamanhos de personagens e nas páginas duplas. Diagramações e quadros exagerados ajudam a compor o estilo psicodélico que a trama exige e urra, às vezes você se pega em uma página dupla lendo uma sequência de diálogos tão ágil que misturada com a colorização te deixa atordoado. Isso sem contar os detalhes em cenários, roupas e personagens. Tudo tão intenso e forte. Mas o grande barato é a satisfação de se ler Yellow Submarine. Pois é uma leitura sem compromisso. Para quem vem de quadrinhos tensos, sejam de heróis ou de outro gênero, que te deixa vibrado ou sonolento no gibi, essa Graphic Novel é um alívio mental e te faz sair da caixinha total.

“All you need is love… All you need is love, love… Love is all you need”

Mas, assustadoramente, Yellow Submarine pode ser um tema atual. Onde vemos os Malvados Azuis que quer dominar a todos de sua maneira, usando de sua ignorância e afogando a cultura musical que dá alegria e vida ao povo de Pepperland. É fácil enxergar o genocídio da felicidade cometido pelos Azuis em alguns governantes atuais… mas, sinceramente… esse não é o papel dessa Graphic Novel. Ela só tem uma missão: te fazer desligar do mundo e curtir somente o barato e bom da vida. Nem que seja somente durante as suas 128 páginas.

Como de praxe, a edição da Darkside Books ficou formidável. Uma graphic novel bem bonita, com cores bem vibrantes que se destacam onde você estiver e que fazem bem aos olhos. Mais um excelente trabalho da editora.

Beatles – Yellow Submarine tem formato 29,4 x 19,4 cm, capa dura e contém extras como esboços originais.

 

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Exorcismo: O Ritual Romano será publicado no Brasil pela DarkSide Books

em pré-venda na loja oficial da editora DarkSide, Exorcismo: O Ritual Romano será um dos próximos lançamentos a chegar nas livrarias. Confira detalhes abaixo!

Quando um bispo morre de maneira cruel, as últimas esperanças estão nas mãos do padre John Brennan, um exorcista renegado que a alta cúpula da Igreja considera ser um traidor. Convocado para enfrentar o mal que se entranha por trás dos muros do lugar sagrado, Brennan terá que encarar seus próprios demônios e a diabólica irmã Maria Giorgielli — uma freira tão infernal quanto o espírito derrotado por Ed & Lorraine Warren, retratado na franquia Invocação do Mal, de James Wan.

Em Exorcismo: O Ritual Romano o leitor terá acesso aos recantos mais sombrios do Vaticano e testemunha um caso de possessão demoníaca que pode mudar para sempre o destino da humanidade. Este é um grande exemplar da obra de El Torres, premiado roteirista de quadrinhos de terror e fantasia espanhol, que permanecia inédito no Brasil. Lançado originalmente em quatro volumes, com ilustrações tenebrosas de Jaime Martínez e cores sangrentas de Sandra Molina, Ritual Romano foi um grande sucesso na Europa e nos Estados Unidos.

A edição da DarkSide® Graphic Novel, selo que expande o universo sombrio e fantástico da editora mais possuída do Brasil, chega em capa dura e corpo fechado, com a história completa e alguns bônus como estudos de ilustração, além de prefácio assinado por Paco Plaza, diretor e roteirista de REC.

O encadernado terá 128 páginas apresentadas em formato 17 x 26 cm, e o preço sugerido é R$ 54,90. Clique aqui para reservar sua edição na pré-venda especial com brindes.

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DarkSide Books inicia pré-vendas de Tokyo Ghost e 30 Dias de Noite

As novas pré-vendas da editora DarkSide já começaram! Chegarão em setembro dois quadrinhos, um publicado nos EUA pela IDW com temática de vampiros e outro da Image Comics. Confira detalhes abaixo!

Tokyo Ghost

A parceria entre Image e DarkSide retorna com uma HQ afiada ambientada no ultratecnológico ano de 2089 em meio a uma Los Angeles sitiada. Escrito pelo aclamado roteirista Rick Remender (Deadly Class, X-Force, Fabulosos Vingadores, Venom, Capitão América), com arte magistral de Sean Murphy (Batman, Hellblazer, Vampiro Americano) e cores de Matt Hollingsworth (Wytches, Preacher, Demolidor, Hellboy), Tokyo Ghost é uma ficção científica distópica repleta de ação, com influências que começam em Blade Runner e William Gibson, passam por artistas futuristas dos anos 1970 e 1980 e chegam a Akira, além de mangás que evocam a cultura dos samurais.

Tokyo Ghost foi serializada entre 2015 e 2016 em dez edições nos EUA e agora ganha uma edição completa e definitiva com capa dura especial, além de extras como layouts de capas alternativas, estudos de personagem e trechos do roteiro. São 272 páginas de quadrinhos, encadernadas em formato 17 x 26 cm, e o preço sugerido é R$ 69,90.

Clique aqui para conferir a pré-venda, que garantes brindes e possui data final estipulada em 18/09.

30 Dias de Noite – Edição Comemorativa

Uma vez ao ano, em uma pequena cidade isolada chamada Barrow, no extremo norte do Alasca, nos Estados Unidos, o sol se põe e não nasce por trinta dias seguidos. Entre as esquinas macabras, becos escuros e uma espessa cortina de neve, criaturas milenares aproveitam os trinta dias de noite para atacar os moradores da cidade sem medo e reprimir sua insaciável sede de sangue. Esses vampiros não são bonitos ou sensíveis. São brutais, desprezíveis, cruéis — animais que caçam e matam sem escrúpulos. Barrow é a cidade perfeita.

Steve Niles e Bem Templesmith criam uma releitura moderna de uma figura icônica na cultura pop e faz seus personagens ficarem a um passo do abismo na luta pela sobrevivência em uma cidade fria, escura, isolada e favorável a predadores impiedosos.

30 Dias de Noite foi publicada originalmente em 2002 no formato de minissérie pela IDW e ganhou a atenção do público, chegando inclusive a ganhar uma respeitosa adaptação para os cinemas em 2007 por David Slade (um dos produtores executivos e diretores de Hannibal e Deuses Americanos). E, para comemorar o aniversário de quinze anos, a história fundamental sobre o ataque que os vampiros fizeram à cidade de Barrow — 30 Dias de Noite, Retorno a Barrow e Dias Sombrios — ganhou uma edição definitiva em volume único, repleta de materiais especiais.

A edição comemorativa terá 368 páginas encadernadas em capa dura e formato 17 x 26 cm, com uma luva especial. O preço sugerido é R$ 79,90.

Acesse a pré-venda clicando aqui e confira as condições de envio, brindes e mais!

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DarkSide Books lançará a primeira graphic novel da elogiada série Lady Killer

Indicada ao prêmio Eisner por seu trabalho em Lady Killer e muitos outros, a quadrinista Joëlle Jones será publicada no Brasil pela DarkSide Books, que traz o primeiro volume da série criada por Jones e Jamie S. Rich. Confira detalhes abaixo!

Josie Schuller é uma esposa dedicada, uma mãe amorosa e… uma assassina de aluguel. Ela é capaz de equilibrar os deveres de uma típica dona de casa norte-americana dos anos 1960 com uma porção de assassinatos a sangue-frio, até que um pequeno deslize faz com que seu chefe ameace aposentá-la de vez.  Com texto afiado de Joëlle Jones em parceria com Jamie Rich, e ilustrações matadoras da própria Jones (trocadilhos 100% intencionais), Lady Killer: Graphic Novel é o mais novo lançamento da DarkSide Graphic Novel, e perfeito para quem caiu de amores por Lady Killers: Assassinas em Série, o livro assombrosamente espetacular de Tori Telfer, com perfis de mulheres reais que cruzaram a linha.

O quadrinho nos apresenta a uma heroína independente e corajosa que vive em um dos momentos mais transformadores da história norte-americana: a segunda onda do feminismo, um período de atividade em prol dos direitos das mulheres que começou nos Estados Unidos e se espalhou por diversos outros países ― e que fomentou discussões importantíssimas como a conscientização do uso de métodos anticoncepcionais, e o combate à violência física e ao assédio sexual tanto no lar quanto no ambiente de trabalho.

Lady Killer mescla ação, morbidez, sangue e humor, e seus diálogos ironizam muito do que se pensava sobre as mulheres na época, dentro e fora de casa. A arte de Jones é carregada de cores vibrantes e traços fortes.

A publicação de Lady Killer nos EUA se dá pela Dark Horse Comics, tendo sido iniciada em 2015 e indicada ao prêmio Eisner no ano seguinte.

Lady Killer – Graphic Novel Vol. 1 possui 144 páginas encadernadas em capa dura e formato 26 x 17 cm. O preço sugerido é R$ 59,90. Reserve sua edição na pré-venda clicando aqui.

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Resenha | Imaginário Coletivo

Tentem esvaziar a mente. Pensar em nada. Conseguiram? Provavelmente, não. No princípio, tudo aponta que havia nada. E como era esse vazio? Até isso ousamos imaginar.

De qualquer forma, é de dar voltas na cabeça tentar deduzir o que pensava Wesley Rodrigues ao criar Imaginário Coletivo, sua primeira história em quadrinhos lançada pela Darkside Books. Temos incialmente uma tradicional fábula com a introdução de um mundo de faz de conta que tantas outras vezes ouvimos falar até mesmo pouco antes de dormir para, em nossos sonhos, exercitarmos o nosso próprio imaginário. Nessas circunstâncias, cada um é dono de seu próprio universo. Mas, Wesley vai além. Aqui, um teimoso ser vivo quer se tornar um pássaro mesmo designado a ser vaca e sua persistência o faz vir a esse mundo como um bovino nascido de um ovo.

A estranha novidade é encontrada por Agripino, um humilde minerador que, como muitos de seu vilarejo, trabalha para satisfazer a incansável autoritarismo e desejo de um tirano rei por ouro. Encantado pelo leite diferenciado que sua vaca produz, Agripino o começa a vender aos habitantes da região, o que muda suas trajetórias inesperadamente: Os ocupantes do reino, inclusive seu rei, se tornam animais das mais variadas espécies. Agripino se torna meio pássaro, meio humano e, apesar da nova forma, continua representando o que sempre foi: Alguém entre a liberdade e a submissão.

Sua vaca cresce assim como seu desejo de ser pássaro, e sua ânsia e habilidades vão alcançando patamares inimagináveis para a compreensão humana, logicamente se esta compreensão esteja visando apenas o plano da realidade. O animal que costuma nos alimentar agora se alimenta de nossas fantasias.

A liberdade toma conta até das páginas da HQ. Seus quadros são distribuídos livremente a cada página e não seguem padrão algum. É extremamente comum ao leitor sair de uma página dupla para vários quadros de diversos tamanhos já na página seguinte. Até técnicas de Storyboard são usadas, estas não de se espantar, já que Wesley é mais conhecido por suas premiadas animações em video. Que graça teria à liberdade se não fosse experimental também nessa categoria?

A arte fica mais deliciosa a cada avanço. Seu traço lembra outro grande contador de fábulas: Cyril Pedrosa, que no Brasil teve publicado o também excelente Três Sombras. A Psicodelia de Wesley nos faz várias vezes observarmos seus quadros repetidamente para ter certeza que é aquilo mesmo que lá foi marcado. É inclusive difícil em determinadas partes descrever o que se passa, inclusive em onomatopeias cujo significado não se consegue decifrar. É evidente também o estúdio Ghibli como influência nessa empreitada.

A edição é caprichada. Suas imponentes 472 páginas são protegidas por uma belíssima capa dura com verniz de reserva e encadernação costurada. Apesar de volumosa, a publicação pode ser lida rapidamente. Muitas de suas páginas têm pouco ou nenhum texto. O deleite dos olhos fica “apenas” nas ilustrações em muitos momentos. A história poderia muito bem ter menos páginas, mas isso não apequena seu brilhantismo.

O curioso é perceber que, apesar de seu conteúdo belíssimo, Imaginário Coletivo pouco tem a ver com o conteúdo principal da Darkside Books, editora que, como o nome já deixa implícito, é especializada em publicações de terror e suspense. O motivo então da publicação permanece um mistério que se torna bem-vindo no fim das contas.

Imaginário Coletivo nos ensina que podemos criar o que quisermos, mesmo que seja algo cujo significado sustente-se apenas em cada um de nós. Portanto: Imaginem. Pensem. Inventem. Sejam criativos.

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Deathco, de Atsushi Kaneko, será lançado pela DarkSide

A Editora DarkSide anunciou nessa sexta-feira (22) mais um mangá para compor o seu catálogo: Deathco, de Atsushi Kaneko.

O anúncio foi feito através das redes sociais da editora.

Deathco é uma garota que é boa em matar… e nada mais. Ela trabalha para A Guida, uma liga internacional de assassinos que se fantasiam quando estão caçando seus alvos.

O mangá foi publicado na revista Comic Beam entre 2014 e 2018 e é concluído em 7 volumes. O lançamento está previsto ainda para o primeiro semestre de 2019, então mais detalhes, como preço e formato, serão divulgados em breve.

Esse é o segundo mangá de Atsushi Kaneko a ser publicado no Brasil. O primeiro foi Bambi, lançado pela editora Conrad e que acabou sendo cancelado.

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Editora Darkside divulga detalhes do mangá “A Menina do Outro Lado”

A editora DarkSide Books divulgou hoje os detalhes da edição brasileira do mangá “A Menina do Outro Lado“, escrito e ilustrado por Nagabe. Como já esperado, o mangá terá capa dura e sairá no formato 14 x 21 cm, com o preço de R$ 54,90. O primeiro volume terá 176 páginas. O mangá tem data de lançamento para 27 de fevereiro.

Confira a capa da edição nacional:

Em um país dividido entre pessoas normais e seres amaldiçoados, Shiva é uma menininha que foi acolhida por uma estranha criatura meio animal e meio humana. Sensei, como é chamado, não pode ser tocado e vive fora da cidade.

Afastado do convívio com os demais e ciente dos perigos e maldições que os rodeiam, Sensei alerta Shiva para que ela não saia sozinha. Porém, quando a menininha decide reencontrar sua tia desaparecida, regras são quebradas — e a vida que eles conheciam é colocada em risco.

A Menina do Outro Lado (Totsukuni no Shoujo) está em publicação no Japão e conta com 6 volumes.

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Os 10 melhores quadrinhos republicados no Brasil em 2018

O ano que ficou pra trás foi marcado por muitas mudanças – positivas e negativas – no cenário de quadrinhos do Brasil. Como pôde ser observado na nossa listagem dos “Melhores quadrinhos estrangeiros publicados no Brasil em 2018“, apenas com títulos inéditos o mercado trouxe diversas obras maravilhosas. Mas não somente de novidades vivem as editoras.

Esta listagem tem como objetivo elencar, com base exclusivamente na opinião pessoal do redator que vos relata, os dez melhores quadrinhos republicados no Brasil no ano passado.

Os critério utilizados para seleção foram: deve ser uma obra que já foi publicada no Brasil, e não estão sendo contadas as reimpressões. Devem ser verdadeiros relançamentos, ou seja, a editora também deve ser diferente da primeira a trazer determinado gibi ao país no passado. Sem mais delongas, confira a listagem completa abaixo!

Bone: O Vale ou Equinócio Vernal

A obra-prima do genial Jeff Smith finalmente está recebendo o tratamento que merece no Brasil. Bone, um épico de fantasia dos quadrinhos norte-americanos (e de todos os tempos, vale dizer) teve duas outras tentativas de publicação no Brasil, uma pela editora Via Lettera e outra pela HQM Editora, ambas não levando a obra até o fim. Agora, a editora Todavia publicará, em três volumes (coloridos, com tradução de Érico Assis) toda a saga de Bone, Phoney Bone e Smiley Bone, e todos os outros personagens fantásticos desta aventura.

Bone, resumidamente, narra as aventuras dos três Bones após serem expulsos de sua vila e chegando a um misterioso vale fantástico. A trama se desenvolve em um épico de fantasia que não deve nada a Senhor dos Anéis e outras grandes obras. Uma leitura essencial para a vida.

Sláine: O Deus Guerreiro

Uma das mais famosas criações do roteirista Pat Mills (de Juiz Dredd, Guerreiros A.B.C., Marshall Law e Réquiem) Sláine já foi publicado no Brasil em algumas circunstâncias. A minissérie O Deus Guerreiro (The Horned God no original) é sua saga mais famosa de todos os tempos. Não é pra menos: esta história conta com os inspiradíssimos desenhos de Simon Bisley. A primeira publicação da série se deu no Brasil pela extinta Pandora Books, e em 2018 a Mythos Editora relançou a obra completa em uma edição de luxo.

Sláine é um bárbaro celta. Suas histórias são repletas de ação e mitologia céltica em perfeita harmonia, e O Deus Guerreiro é provavelmente o ápice da criatividade de Mills com o personagem (que depois ainda teve sagas fantásticas nas mãos de outros artistas como Clint Langley e Simon Davis). Narra a história de Sláine unindo as tribos de Tir Nan Og e se tornando o Rei dos Reis. A arte de Bisley também está em seu auge.

Tekkon Kinkreet

Provavelmente a obra mais famosa do mangaká Taiyo Matsumoto, Tekkon Kinkreet retornou ao Brasil em lançamento da editora Devir através do selo Tsuru. Publicada pela primeira vez no Brasil pela editora Conrad (com nome Preto & Branco), esta série é situada numa cidade de “ferro” e “concreto” (significado em japonês de Tekkon Kinkreet), onde vivem personagens também implacáveis e indomáveis.

Kuro (o preto) e Shiro (o branco) são órfãos. Para sobreviver, eles têm de roubar, lutar e se esconder em um mundo sombrio, solitário e corrupto, onde a própria cidade os afaga ou os despreza, como se fosse um ser vivo. Matsumoto é muito consagrado por sua fabulosa arte, porém a história narrada em Tekkon Kinkreet leva o leitor a momentos de angústia e felicidade em extremos opostos, bem como possui cenas verdadeiramente emocionantes. Esta obra possui uma adaptação cinematográfica e já venceu o Prêmio Eisner de Melhor Edição Internacional em 2008.

Fun Home: Uma tragicomédia em família

A obra-prima da autora Alison Bechdel, Fun Home já havia sido publicada no Brasil pela editora Conrad. Nesta autobiografia de sua vida e de sua família (em especial de seu falecido pai), Alison narra todo o conturbado relacionamento desta estranha casa. Seu pai, um homem cheio de segredos e gostos diferentes; ela, uma garota que descobre sua homossexualidade; o negócio da família, uma casa funerária.

E aos poucos Alison aborda cada mínimo detalhe de seu relacionamento com o pai, que faleceu poucas semanas após ela ter revelado ser gay. Sua morte, envolta em mistérios (pode ou não ter sido um suicídio), é o gatilho para que a autora se abra neste quadrinho excepcional. A nova edição de Fun Home foi trazida ao Brasil pela editora Todavia.

Cinco por Infinito

A mais famosa obra do gênio espanhol Esteban Maroto retornou ao Brasil após 45 anos desde sua primeira publicação pela editora Ebal que, em 1973, encerrou a série com seus 20 tomos. E além da republicação, agora em uma belíssima edição de luxo (um verdadeiro totem) pela editora Pipoca & Nanquim, o encadernado definitivo de Cinco por Infinito também possui um capítulo inédito da saga!

Antecedendo obras como Star Wars e 2001: Uma Odisseia no Espaço, com o clima sci-fi dos anos 60 de seriados como Star Trek e Perdidos no Espaço, Cinco por Infinito é um dos quadrinhos de ficção científica mais aclamados da história. Narra a jornada de cinco heróis terráqueos, Exploradores do Espaço, solucionando problemas pelo universo, perpetuando conhecimento de diferentes culturas e buscando a paz universal.

O Corvo – Edição Definitiva

O expurgo dos demônios internos de James O’Barr, que tornou-se um cult do quadrinho underground norte-americano (ganhando até mesmo um famoso filme live-action protagonizado por Brandon Lee, que morreu nas filmagens), O Corvo é simplesmente fenomenal. A noiva de O’Barr foi morta por um motorista bêbado, e a melhor forma que o autor encontrou para tirar de dentro de si toda a raiva e frustração contidas foi através da produção deste gibi.

O Corvo narra a vida de Eric Draven, que retorna para perseguir seus assassinos depois que estes interromperam uma vida de sonhos ao lado de sua amada Shelly. A publicação nos EUA foi independente a partir de 1981, e este ícone pós-punk já havia sido lançado no Brasil pela Pandora Books e retornou com uma Edição Definitiva da editora DarkSide.

Blood: Uma História de Sangue

Da parceria de J. M. Dematteis (roteirista) e Kent Williams (ilustrador) surgiu uma das mais cultuadas séries publicadas nos EUA através do selo Marvel Epic. Blood foi uma minissérie tão contundente (trazida ao Brasil pela primeira vez pela editora Abril) que alguns anos após sua publicação original, houve uma republicação pelo selo Vertigo da DC Comics. Ou seja, esta história foi impressa com os dois selos adultos mais famosos do quadrinho mainstream norte-americano! Com poético texto de Dematteis e estupenda arte de Kent Williams, Uma História de Sangue é definitivamente um dos destaques do ano passado, que retornou às livrarias pela editora Pipoca & Nanquim.

Um rapaz encontrado ainda bebê, num rio, e criado em um Monastério, descobre que não é a mão divina que escreve os livros que regem sua doutrina, mas sim a de seu mentor. Ele se sente traído e foge, mas não sem antes assassinar o homem, em um acesso de fúria. Sem rumo certo, ele dá início a uma jornada de autoconhecimento, até se deparar com uma tribo de vampiros em uma floresta que, contra a sua vontade, o transforma em um deles. Nesse dia nasce Blood, o vampiro…

Como uma luva de veludo moldada em ferro

A editora Nemo vem fazendo um trabalho espetacular com as obras de Daniel Clowes. Após Paciência e a republicação de Ghost World em 2017, em 2018 foi a vez da editora trazer de volta às livrarias do Brasil uma das obras mais famosas do autor, Como uma luva de veludo moldada em ferro, publicada no país há exatos 16 anos pela Conrad.

A sinopse: Ao tentar desvendar os mistérios por trás de um _snuff film_ – gênero em que as mortes filmadas são reais –, Clay Loudermilk se vê envolvido com um elenco cada vez mais bizarro de personagens, incluindo uma dupla sádica de policiais que entalha um estranho símbolo no seu calcanhar; uma suburbana de meia-idade e libidinosa, cujo encontro sexual com uma misteriosa criatura das águas gerou uma filha mutante grotescamente disforme, mas não menos libidinosa; um cão sem qualquer orifício (que tem de ser alimentado via injeções); duas vítimas sinistras de implantes capilares terrivelmente malfeitos; um carismático líder de culto, no melhor estilo Charles Manson, que planeja sequestrar um famoso colunista de autoajuda e muito mais!

Dampyr – Volume 1

Um ótimo personagem da italiana Sergio Bonelli Editore, criado por Mauro Boselli e Maurizio Colombo, Harlan Draka é o protagonista da série Dampyr. A trama explora o mundo dos Mestres da Noite, superpredadores que se alimentam de seres humanos. Porém, o nascimento de Draka, filho de uma humana com uma dessas criaturas, gera o único inimigo natural de tais ameaças: um Dampyr. Draka cresce para tornar-se o caçador dos Mestres da Noite, e conta com aliados como o soldado Kurjak e a vampira Tesla.

As aventuras, que muitas vezes são situadas em Praga porém rodam todo o mundo, já haviam sido publicadas no Brasil pela Mythos Editora, que trouxe os 12 primeiros números da revista original. A Editora 85 assumiu as rédeas da série há algum tempo, dando continuidade de onde a Mythos havia parado, porém agora também está relançando as primeiras edições, com novo – e ótimo – acabamento gráfico. Dampyr é uma grata surpresa originada da mente de um dos maiores gênios da Itália, e o cuidado editorial da 85 tem se provado excelente.

Marada: A Mulher-Lobo

O selo Marvel Epic mais uma vez está sendo mencionado neste TOP 10, agora com uma famosa obra de Chris Claremont (sim, o roteirista que definiu os X-Men para todo o sempre) e do fabuloso artista John Bolton (de Sandman e Os Livros da Magia). Marada: A Mulher-Lobo também já havia sido publicada no Brasil pela editora Globo através do selo Graphic Globo, em 1989. A obra retorna ao Brasil pela editora Pipoca & Nanquim republicando o que já havia sido lançado pela editora anterior, e também entregando material inédito!

Marada é uma fantasia medieval (gênero espada e feitiçaria) protagonizada pela mais poderosa guerreira que o Império Romano já conheceu. Entretanto, Marada jaz alquebrada, derrotada, entregue e indefesa. A história então, focada nos aliados da heroína de cabelos prateados, narra o que pode ter acontecido com a incrível espadachim. Recheada de feitiçaria, barbarismo, guerras e traição, hoje os direitos de publicação desta saga estupenda estão com a editora Titan Books, e o sucesso motivou a editora P&N a trazer mais uma obra de Claremont e Bolton, o inédito Dragão Negro.


Encerramos aqui este TOP 10 de melhores quadrinhos republicados no Brasil em 2018. Concorda com a lista? Discorda de algum título escolhido e possui sugestões, críticas ou elogios? Sinta-se a vontade para trocar uma ideia nos comentários logo abaixo, e torceremos juntos para que em 2019 outras maravilhas da nona arte há muito esquecidas pelo mercado retornem pelas editoras que vêm desbravando o cenário brasileiro!

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Melhores quadrinhos estrangeiros publicados no Brasil em 2018

O ano de 2018 foi marcado pela publicação de excelentes quadrinhos. Algumas editoras estrearam no mercado, outras consolidaram seus nomes, e em meio a uma crise que atinge todo o setor livreiro do Brasil, os leitores priorizam suas coleções e leituras através de boas indicações e séries/personagens favoritos.

A Torre de Vigilância, para marcar o início de 2019, elencará nesta publicação os 10 Melhores Quadrinhos Internacionais do ano passado na opinião de três redatores da categoria Quadrinhos do site, sendo eles: Marcus Santana, Ricardo Ramos e Gabriel Faria. No total, são 30 (ou quase 30, pois alguns se repetem) quadrinhos indicados.

Os critérios básicos para escolha dos materiais foram: o quadrinho deve ter sido lançado no Brasil em 2018, e deve ser uma obra inédita, nunca antes publicada no país. O motivo é simples: queremos indicar as melhores novidades para o público leitor. Haverá também uma lista elencando as melhores republicações do ano, e outra elencando os melhores quadrinhos nacionais – para dar um destaque único e exclusivo aos autores nacionais -, mas isso ficará para outro dia. Outro critério para escolha dos gibis, é claro, foi o gosto pessoal de cada um dos redatores. Uma das graças em fazer este tipo de levantamento é a divergência (ou não) de opiniões, e o gosto  pessoal sempre influenciará na escolha dos indicados.

Sem mais delongas, vamos às listas:

Marcus Santana

Blacksad – Alma Vermelha

Os dois primeiros volumes de Blacksad saíram pela Panini no Brasil há mais de 10 anos. Na época, A Alma Vermelha já havia sido lançado na Europa, mas as baixas vendas, fruto de uma estratégia mal-sucedida de vender álbuns europeus em bancas fez somente em pleno 2018 os leitores brasileiros terem acesso ao terceiro álbum da série. 

Mesmo que um pouco abaixo de Arctic-Nation, meu volume favorito do personagem, o nível ainda é muito alto. A trama envolvendo pesquisas nucleares, tensões políticas bem parecida com os dias de hoje, uma fórmula secreta e obras de arte é genial. A arte, as cores, a narrativa, a tradução e o projeto editorial deram muito certo.

A aceitação dos leitores pela segunda encarnação de Blacksad por aqui parece ser boa, uma vez que, em menos de um ano e meio, a editora SESI-SP lançou cinco álbuns do gato de sobretudo. Ainda em 2018 saíram  O Inferno, o Silêncio e Amarillo, alcançando assim o último álbum da série lançado até o momento. Agora é esperar por novos volumes, que foram anunciados em 2016 mais ainda não foram lançados.


Verões Felizes – Senhorita Estérel

Nostalgia é a maior inimiga do senso critico. Grande problema ver tantos produtos de entretenimento que mexem com o passado, nos encantamos e achamos que é o máximo simplesmente por isso. 

Verões Felizes conta em cada volume determinado período de férias da família Fálderault. Apesar de breves passagens em 1992, Senhorita Estérel se passa em 1962, antes dos dois primeiros álbuns da série. Em direção à Saint-Étienne, nos aprofundamos mais ainda na origem dessa família que identificamos cada vez mais como nossa. Seus pais, avôs, filhos… nos sentimos em casa. A arte de Jordi Lafrebe é linda. Seus cenários, expressões, cores e etc. Mesmo ser uma diferença imensa entre hábitos, nostalgia aqui tem qualidade. 

Fica a torcida para os volumes 4 e 5 serem lançados o quanto antes. Já estamos ansiosos.


Ayako

Poucos autores simplesmente não erram. Osamu Tezuka sequer deu a alguém a chance de apostar um descuido em suas obras. E no Brasil já tivemos algumas chances: Adolf, A Princesa e o Cavaleiro, Buda, Dororo, Kimba… Ainda uma lista tímida  se levarmos em conta que ainda faltam obras como Astroboy, Black Jack, Doutor Tenma e Pukko.

Tezuka conseguia surfar em mares agitados, tratava de temas para todos os públicos e mostrou que HQs lá no oriente não é entretenimento somente para jovens. Ia do infantil ao seinen.

O Japão pós-guerra narrado em Ayako foi o período que justamente popularizou os mangás por lá, devido a ocupação dos EUA no país. Temos uma narrativa mais real que fantástica, diferente de Adolf, que mescla os dois universos.

Não vou negar que, apesar da qualidade imensa, a edição da Veneta é grande e cara. 720 páginas em capa dura não teriam como resultar em outra consequência, mas Tezuka vale o esforço. 


Duas Vidas

Já havia gostado muito de Não Era Você Quem eu Esperava, lançamento anterior desse francês que fala português melhor que muito brasileiro.

Dois irmãos, duas carreiras e duas vidas em colisão. É nada mais que isso.

Toulmé fala de obstáculos e situações complicadas de forma ao mesmo tempo serena, preocupante e cômica. Ponto pra editora Nemo.


Black Dog: Os Sonhos de Paul Nash

A surpresa do ano. Muitos têm seu auge e depois se mantém, apesar de um nível abaixo, regulares.

Não é o caso. Apesar de recente e ter sido um trabalho encomendado por um instituto, considero essa uma obra-prima de McKean.

São sonhos (sim, pensei o mesmo que você a respeito de outro personagem do autor) e reminescências de Paul Nash, artista e militar da Primeira Guerra Mundial. Com suas imagens de conflito, ficou conhecido como artista oficial do período.

A leitura é sensorial. Uma ótima experiência. Obrigado, DarkSide! Inclusive por escolher capa dura, edição que, no reino unido, só saiu em 500 exemplares.


Mort Cinder

Oesterheld é para mim o maior roteirista de HQs que já existiu. Podem tentar copiá-lo, mas não tem como chegar no patamar que ele tinha em combinar palavras em sua narrativa. Eu sinto a tensão do ambiente, o peso das vozes e os efeitos sonoros de cada palavra que ele escreve. É o maior.

Alberto Breccia é um gênio da ilustração. Desenhar assim usando como um dos utensílios LÂMINA DE BARBEAR não é para qualquer um.

A trama? Bom, vou deixar vocês mesmos descobrirem. O assunto poderia ser o que fosse, com esses dois não teria a mínima possibilidade de dar errado.

A edição da Figura é melhor até que a versão argentina, país de origem da HQ, que já saiu na França, Alemanha, Portugal, Espanha, Estados Unidos da América e FINALMENTE no Brasil. 

Ano que vem é o centenário de ambos os autores, então se ainda não os conhecem, a hora é essa.


Crimes e Castigos

Carlos Nine é um autor quase desconhecido no Brasil e quase nada de sua autoria foi publicado por aqui. Reparando esse erro, a Figura lançou este ano essa inesperada edição que por pouco não veio. Crimes e Castigos quase não teve sua meta de financiamento coletivo atingida, e o azar seria nosso.

A narrativa de Nine é similar à de Rodolphe Töpffer e Hal Hoster. Com apenas caixas de texto, o detetive Babously desvenda um mistério que, ao mesmo tempo que conta uma história ao longo da HQ, é recheada de narrativas mais curtas em cada uma de suas aventuras.

Os desenhos de Nine beiram o surreal e misturam erotismo, ação e violência neste volume. Sua construção de página são extremamente criativas e divertidas.

Seria muito bem-vinda a iniciativa de novas histórias do autor, mas acredito que seja muito difícil pois até na Argentina, seu país de origem, o público é muito específico.


Uma Irmã

Bastien Vivés, apesar de muito jovem, já é visto como um dos grandes nomes das Narrativas Gráficas na França. Jovem como sua idade, também é sua introdução no mercado brasileiro: esta é apenas sua segunda HQ publicada por aqui. A primeira, O Gosto do Cloro, saiu em 2012.

Assim como na primeira HQ aqui lançada, o foco de Vivés é um relacionamento ao mesmo tempo instantâneo e incomum. Um garoto tem afeto cada dia maior com uma garota que tem que conviver diariamente devido suas férias. A convivência cresce e suas atividades avançam. Seria inicialmente uma irmã, mas a convivência torna a relação difícil de explicar.

Melhor dizendo, é muito bem descritível graças ao traço de Vivés. Tão leve e puro como uma convivência familiar.

A Editora Nemo há um bom tempo mudou seu perfil de publicações, e tem lançado HQs cada vez mais autorais. Infelizmente projetos como de Hugo Pratt e Enki Bilal não vingaram, mas bom saber que continuam ousando em publicar um material tão exclusivo por aqui.


Paraíso Perdido

Sempre tive um pé atras com adaptações em HQ. Ao meu ver é o mesmo que assistir ao filme ao invés de ler a HQ. Ridículo aos que têm preconceito com quadrinhos mas lotam salas de cinema. É preguiça de ler. Medo de gostar.

Mas é tão bom quando calam nossa boca; recentemente tivemos esse gostinho com Elric da Glénat (publicado no Brasil pela Mythos) e Paraíso Perdido faz exatamente isso novamente. Baseado num poema de John Milton no século XVII, temos aqui o drama de anjos que sucumbiram à uma revolta de Satanás, corrompendo a humanidade e gerando o mundo que até hoje vivemos.

A quase falta de texto não incomoda. Me lembrou bem o que Danilo Beyruth me disse em uma entrevista realizada aqui no site: quando uma arte é tão bem feita que o espaço de tempo é diferente. Passamos mais tempo que de costume apreciando cada página pois Pablo Auladell destrói. Que esse autor esteja mais presente por aqui.

A DarkSide definitivamente veio para ficar no mercado de quadrinhos. Ainda bem.


A Terra dos Filhos

Sinceramente acho que o gênero “pós-apocalíptico” se aproxima do cansaço. Muitos filmes, séries e HQs sobre o mesmo assunto em um curto espaço de tempo os estão tornando cada vez mais previsíveis. No mesmo ano, por exemplo, tivemos os filmes Um Lugar Silencioso e Bird Box. A diferença de um para outro era o sentido a ser evitado.

Finalmente publicado no Brasil, Gipi conseguiu fazer uma obra sem cair na mesmice desse gênero. Dois garotos viajam uma terra arrasada buscando uma coisa apenas: conseguir ler o diário de seu pai.

O trabalho editorial da Editora Veneta é muito bom, inclusive escolhendo uma capa melhor que a versão original.


Ricardo Ramos

Black Hammer

Uma das séries mais elogiadas lá na gringa chegou ao Brasil por meio da Intrínseca, e foi um baita golaço. A premiadíssima obra de Jeff Lemire juntamente com o artista Dean Ormston e o colorista Dave Stewart já arrebatou em 2017 o Eisner na categoria Melhor Série Original, contando a trama de um grupo de super heróis em total decadência.

Até agora a Intrínseca publicou dois volumes: Origens Secretas e O Evento, mas a editora tem em seus planos manter a continuidade da série.


A Marcha – John Lewis e Martin Luther King em uma história de luta pela liberdade – Livro 1

Lançado originalmente em agosto de 2013 nos Estados Unidos, A Marcha é a primeira parte de uma trilogia que apresenta a longa batalha do lendário congressista americano John Lewis pelos direitos humanos e civis e a luta pelo fim das políticas de segregação no país. É um retrato sobre o movimento de direitos civis na América, sob a perspectiva de Lewis e a influência que foi exercida sobre ele pelo ícone Martin Luther King.  A obra foi escrita pelo parlamentar norte-americano John Lewis e Andrew Aydin e tem desenhos de Nate Powell.

Aqui no Brasil A Marcha foi publicada pela Editora Nemo que já anunciou a segunda parte da trilogia para abril. Confira a nossa resenha AQUI.


Visão de Tom King

O tão comentado e elogiado arco de Tom King que reformulou o Visão com um vendaval de inovações na sua mitologia chegou ao Brasil e agradou os leitores. Uma história suburbana que mistura suspense, ficção científica e comédia de erros que dá prazer de ler e reler. É praticamente um thriller bem no estilo de King, com simpatias com os personagens e reviravoltas que aparecem a todo momento durante a leitura. Você pode conferir nossa resenha AQUI.


Drácula

O último trabalho de Mike Mgnola antes de cair de cabeça em Hellboy, a adaptação do filme Bram Stoker’s Drácula, chegou ao Brasil pela Editora Mino. E chegou em grande estilo. A Mino não poupou trabalho para publicar uma lindíssima edição, com uma capa vermelha sangue e a história em preto e branco, que só realçou e valorizou mais a arte de Mignola. A qualidade é tão absurda, que quando você termina a leitura dá vontade de assistir ao filme de Francis Ford Coppola em preto e branco. Um dos melhores trabalhos editoriais lançados no país ano passado.


Asa Quebrada

A obra do escritor espanhol Antonio Altarriba conta a trajetória de sua mãe Petra. Uma mulher calejada de tragédias, que começaram logo quando ela nasceu. Quando a sua mãe morreu quando dava luz a ela, o seu próprio pai a tentou matar e no ato deixou Petra com um braço imóvel permanentemente. Anos depois, ela teve que cuidar do seu pai que ficou paralisado após uma briga. E chegando até salvar a sua vida durante a Guerra Civil Espanhola. Assim como em Arte de Voar, onde Altarriba narra a história de seu pai, a trajetória de Petra se mistura com o momento em que o fascismo da Guerra Civil Espanhola aterrorizava o país.

Tanto Arte de Voar quanto Asa Quebrada foram publicadas por aqui pela Editora Veneta.


Os Vampiros

Baseada em fatos reais, a HQ de Filipe Melo e Juan Cavia apresenta um grupo de soldados portugueses que são destacados durante a guerra colonial para uma missão secreta no Senegal em dezembro de 1972. Mas o clima tenso vai pesando sobre eles que acabam sendo consumidos pela paranoia e pelo cansaço. Os homens enfrentam sucessivos demônios. Tanto os da guerra como os que cada um carrega com si mesmo. A publicação aqui foi da SESI-SP.


A Entrevista

A HQ do italiano Manuele Fior apresenta o psicólogo de meia idade Raniero, que conhece a jovem Dora, uma paciente que se torna uma catalisadora das mudanças que se impõem sobre a sua conturbada vida. Publicado por aqui pela Editora Mino, A Entrevista chegou liderar por um tempo o ranking de vendas na Amazon Brasil.


Juízes Negros: A Queda do Mundo Morto

Não poderia faltar nesta lista de 30 quadrinhos, um do universo do Juiz Dredd, maior e mais famoso personagem dos quadrinhos britânicos. Este, escrito por Kek-W (que já teve uma obra publicada no Brasil, A Lei de Canon) e ilustrado por Dave Kendall, é um prelúdio da vida dos principais inimigos do Juiz Dredd, os Juízes Negros (Morte, Mortis, Fogo e Medo), mostrando como era seu universo que foi destruído posteriormente por sua política de “o crime é a vida, a sentença é a morte”. Com arte fenomenal e história elucidante para os fãs do Bom Juiz, A Queda do Mundo Morto (e todos quadrinhos do Dredd) merece receber destaque por parte dos leitores brasileiros.


Lazarus

Greg Rucka e Michael Lark criam, em Lazarus (da Image Comics) uma história de ação e política deslumbrante. A dupla já havia trabalhado em união na série Gotham Central da DC Comics, e em Lazarus, uma série mais autoral, eles repetem o sucesso e qualidade dessa união tão fantástica, e apresentam muita violência com uma personagem feminina, protagonista, fortíssima. O foco da história está no poder mundial, controlado pelas “famílias”, e cada “família” possui sua espada e escudo, uma pessoa, um protetor denominado Lazarus.

A edição nacional é da editora Devir, que trouxe a série em capa cartão e capa dura, para que os leitores possam escolher o que mais lhe agrada.


Fugir: O Relato de Um Refém

A editora Zarabatana, casa brasileira dos quadrinhos de Guy Delisle, surpreendeu a todos ao trazer em 2018 sua obra sobre o sequestro de um funcionário de uma ONG médica na região do Cáucaso. Delisle narra, de forma angustiante, como Christophe André foi mantido em cativeiro sem saber o motivo do sequestro. Comovente, absurda e rivalizando com suas melhores obras (Pyongyang, Shenzhen e suas Crônicas Birmanesas e de Jerusalém), esta graphic novel de mais de 400 páginas explicita muito bem o motivo de Delisle ser tão celebrado no mundo inteiro.


Gabriel Faria

Paraíso Perdido

Pra mim, o melhor quadrinho de 2018. Sempre tive um fascínio por histórias fantásticas com personagens bíblicos. Tal qual o poema original de John Milton (que li somente após ter lido o quadrinho publicado pela DarkSide), o espanhol Pablo Auladell entrega um espetáculo narrativo e visual que enche os olhos do leitor. Sua arte assemelha-se a pinturas clássicas, o que entrega à obra um charme ainda mais especial.

A história narrada, apesar de simples, é recheada de nuances e significados. O que começa como uma história intrigante torna-se rapidamente um épico de guerra, e o texto rebuscado, apesar de dificultar a leitura no início, passa a ser plenamente legível com velocidade significativa no decorrer das páginas. A edição da editora DarkSide também é um espetáculo visual primoroso.


O Relatório de Brodeck

A estreia do francês Manu Larcenet no mercado nacional veio através da editora Pipoca & Nanquim. E, assim como o quadrinho que citei anteriormente, esta também é uma adaptação de um livro. Uma belíssima adaptação.

Uma história densa, que trata especialmente sobre a crueldade humana, O Relatório de Brodeck mostra a vida de Brodeck, escriba recém-saído da Segunda Guerra Mundial, contando e investigando um assassinato brutal cometido pelos moradores de um vilarejo. A obra original é de Philippe Claudel, e a adaptação de Larcenet destaca-se em grande parte por sua arte sombria e muito expressiva.

O quadrinho é tenso. Angustiante, triste e sofrido. Ele escancara o pior do que há na humanidade, e você sente o impacto de cada momento no decorrer das páginas. Brodeck compete com Paraíso Perdido, pra mim, como melhor publicação do ano. E o cuidado editorial da Pipoca & Nanquim é belíssimo.


Blue Note: Os Últimos Dias da Lei Seca

Publicado na França pela Dargaud e chegando ao Brasil pela Mythos Editora através do selo Gold Edition, Blue Note possui dois álbuns em um, ambos situados na Nova Iorque dos anos 30, quando a Lei Seca foi abolida nos Estados Unidos.

Uma das histórias é focada em um boxeador que retorna a ativa enquanto lida com a máfia e um novo amor, e a outra é sobre um músico que se mudou para Nova Iorque. As duas histórias têm em comum o envolvimento com a venda ilegal de álcool, os clubes de música, e principalmente, gângsteres.

A atmosfera de época traduzida às páginas pela dupla Mathieu Mariolle e Mikaël Bourgouin é simplesmente deslumbrante, e a ligação entre a vida de Jack Doyle (o boxeador) e R. J. (o músico) é belissimamente conduzida. Vincenzo, dono do maior clube da cidade e perigoso mafioso, também é um personagem intrigante, e a ligação entre jazz, boxe e noir torna Blue Note uma das surpresas mais agradáveis do ano.


Uma Irmã

Assim como o texto do Marcus no início desta postagem resumiu bem, Uma Irmã é um quadrinho leve e puro, e um adjetivo ficou de fora mas acrescento aqui: delicado. História sobre descobertas e uma relação inusitada que poderia facilmente desembocar na pornografia gratuita pura e simples, mas nas mãos de Bastien Vivès, acaba por se tornar um show de empatia e delicadeza.

Vivès possui apenas 34 anos mas é considerado por muitos como um dos prodígios do mercado europeu. E não é pra menos: sua arte e narrativa são muito singelos, e a forma como ele apresenta todos os personagens quase como rascunhos, em traços finos e limpos, colabora para a inocência da história. Ponto positivo para a edição da Nemo, que poderia muito bem se tornar a casa editorial do autor no Brasil. Seria ótimo.


Shangri-La

Um quadrinho polêmico que vem dividindo a opinião de muitos leitores, Shangri-La de Mathieu Bablet me encantou do início ao fim. Para muitos, a história de ficção-científica narrada neste quadrinho foi cheia de problemas: pretensiosa, cansativa, rasa, com desenhos insatisfatórios… Entretanto, todos estes pontos “negativos” para mim são os grandes destaques do quadrinho.

Shangri-La mostra a vida em uma estação espacial após a Terra ter se tornado um planeta inabitável. A estação é dominada pela grande corporação Tianzhu, que controla a vida dos habitantes quase como de forma hipnótica, através do consumo exacerbado de novas tecnologias e controle de créditos. Entretanto, a história da vida “perfeita” na nave rapidamente torna-se questionadora quando a empresa, que possui um plano de criar vida a partir do zero em Titã, uma das luas de Saturno, é posta em cheque por um leque de personagens da estação espacial. E a partir daí inicia-se a investigação e o caos generalizado da vida humana no local.

Esta história é ficção-científica pura, sem tirar nem por: o contexto fantástico e futurista serve para que o autor fale sobre a realidade no momento atual da raça humana. E os questionamentos que ele levanta são realmente pertinentes, além de chocantes em muitos aspectos. Mas o quadrinho não dá respostas: ele apenas questiona. E acho isso um charme especial, pois o leitor deve preencher as lacunas em sua cabeça e mostrar o que absorveu daquilo que leu. A arte de Bablet é linda (apesar de realmente possuir um problema, que é a representação do rosto humano), e a edição da SESI-SP ficou primorosa. Pra mim, uma surpresa positiva.


Um Pedaço de Madeira e Aço

O francês Christophe Chabouté foi um dos destaques de 2017, pra mim, com a publicação de Moby Dick pela editora Pipoca & Nanquim. Agora, este mestre francês da arte em preto & branco retorna por sua casa editorial brasileira com um de seus quadrinhos mais aclamados, Um Pedaço de Madeira e Aço.

Nesta história com mais de 300 páginas, Chabouté mostra a vida e a passagem do tempo com foco em um… Banco de praça. E a história deste banco de praça, frequentado por diversas pessoas (e animais) da cidade onde ele se localiza, inusitadamente é uma das leituras mais emocionantes do ano. Um mestre da perspectiva e narrativa gráfica, o autor consegue, através do banco, mostrar um pouco da vida de cada um que passa por lá, criando um envolvimento único com o leitor. O banco é, assim como “personagem principal”, o único cenário da história, e a passagem de tempo (demonstrada sem textos, pois este é um quadrinho mudo) torna a finalização da leitura uma verdadeira jornada de sentimentos, que vão do riso às lágrimas em algumas viradas de páginas.

Mais Chabouté deverá chegar ao Brasil em 2019, e se a qualidade se mantiver como Moby Dick e Um Pedaço de Madeira e Aço, este autor rapidamente se consagrará como leitura obrigatória por aqui.


Black Hammer

Jeff Lemire segue consolidando seu nome como um dos maiores autores do mercado norte-americano. A cada história é uma surpresa, e a qualidade não cai. Black Hammer, na minha opinião, é o grande destaque das histórias de super-heróis publicadas no Brasil em 2018.

Lemire homenageia todo o legado dos heróis da Marvel e DC através de uma história sombria, cheia de mistérios e constantemente chocante. O plot simples (heróis presos em uma realidade/tempo específica sem saber como voltar para a vida normal), nas mãos do roteirista, cresce de maneira surpreendente e entrega uma leitura que, ao terminar, você sente necessidade de mais. E todos os personagens são memoráveis e carismáticos, representados muito bem através da linda arte de Dean Ormston. O sucesso desta publicação da Editora Intrínseca é merecido, e os leitores brasileiros precisam de mais.


Boa Noite Punpun

Assim como Ayako (já citado pelo Marcus no início desta lista), Boa Noite Punpun é o destaque dos mangás lançados no Brasil em 2018. Inio Asano é, na minha opinião, o melhor mangaká contemporâneo do Japão. No Brasil já tivemos a publicação de algumas obras suas: Solanin, A Cidade da Luz e Nijigahara Holograph. Entretanto, Punpun é sua obra-prima.

Como todos os mangás de Asano, Punpun gira em torno do fator humano. A história, que segue a vida de um garoto chamado Onodera Punpun (representado como uma espécie de passarinho) enquanto ele cresce e convive com amigos e familiares, possui tudo que o autor mais sabe fazer: algo sincero, depressivo, metafórico, imperfeito, delicado… Todas as características que se enquadram nas obras de Inio Asano, em Punpun são trabalhadas com maestria.

O crescimento e as descobertas de Punpun, o convívio com sua família quebrada e seus amigos, sua rotina escolar, seus primeiros sentimentos (como amor e depressão, alegria e tristeza), suas incertezas a respeito do que está acontecendo, seu contato com Deus… Tudo é primoroso. E a edição da JBC, em Formato Big (com mais de 400 páginas), é perfeita. Boa Noite Punpun é uma história aclamadíssima no Japão, e a oportunidade de ler esta obra no Brasil é fantástica.


Gideon Falls

Jeff Lemire surge mais uma vez, agora com uma história bem diferente do que ele conta em Black Hammer, apesar do clima de tensão de ambas as obras. Aqui, temos uma história de terror publicada nos EUA pela Image Comics. E é uma história de terror de primeira categoria.

Ao lado de seu parceiro de outros trabalhos, Andrea Sorrentino, Lemire narra a história de um padre em uma pequena cidade do interior e um rapaz transtornado na cidade, enquanto um misterioso celeiro negro está linkado às suas vidas de forma similar. E a tensão evocada pelas aparições do celeiro e todo o mistério que gira em torno de sua existência são surpreendentemente curiosas. Você quer saber o que está acontecendo a qualquer custo.

A edição da Mino, em capa dura com bom acabamento gráfico, também merece elogios. Um quadrinho que, assim como B.H., os leitores brasileiros precisam de mais!


Réquiem: Cavaleiro Vampiro

O fantástico roteirista Pat Mills (de Guerreiros ABC, Sláine, Juiz Dredd e Marshall Law) mergulha no mercado francês, ao lado do fantástico desenhista Olivier Ledroit, para contar uma das histórias mais criativas presentes nesta lista.

Um nazista morto na guerra, ressuscita como um vampiro em um mundo que é o oposto da Terra (também geograficamente falando), onde o tempo corre ao contrário, cima é baixo, esquerda é direita, água é sangue. Este mundo, chamado Ressurreição, torna-se o lar de Heinrich, que ao renascer assume o posto de Cavaleiro Vampiro, soldado que deve manter a ordem caótica deste universo estranho cheio de lobisomens, zumbis e outros monstros.

Réquiem é a cara de Pat Mills: um quadrinho ácido, violento, e visualmente fantástico graças a maravilhosa arte de Olivier Ledroit. Assim como Blue Note, Réquiem foi publicado pela Mythos Editora através do selo Gold Edition, e foi uma das mais gratas surpresas do ano. Mais volumes virão, se Drácula ajudar.

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Quadrinhos Torre Entrevista

Torre Entrevista | Danilo Beyruth

Samurai Shirô explora um dos mais icônicos e curiosos bairros de São Paulo. Antes palco de execuções oriundas de penas de morte, o bairro da liberdade se tornou reduto predominantemente asiático à partir do início do século XX e que o habitam até hoje. Essa particularidade fez a HQ passar por revisão cultural não só por seu editor Lielson Zeni mas por estudiosos da cultura nipônica. Tanto o bairro quanto o interior paulista hoje têm uma cultura japonesa mais tradicional que até boa parte do seu país de origem, hoje já considerado pop. A edição fez Samurai Shirô inclusive ter sua capa modificada, sendo adotada como definitiva a ilustração que antes seria da página de guarda. Para esse e outros bastidores, conversamos com Danilo Beyruth que nos detalhou cada parte de sua mais recente obra.

O bairro da Liberdade é conhecido dentro e fora de São Paulo. Samurai Shirô se passa lá e em cidades do interior. Qual foi seu desafio de tornar um cenário real em ficção?

Um princípio que não canso de afirmar porque acho que é legal para se pensar sobre quadrinhos e tudo mais é o seguinte: O cinema americano pega e transforma a realidade. Quando você assiste um filme e vê Los Angeles, São Francisco ou Nova York não é a cidade que está lá, mas uma versão dessa feita para o entretenimento. Por exemplo: Estou para receber da Marvel um roteiro do Demolidor e a Cozinha do Inferno que se vê nos gibis parece algo incrível com quilômetros e quilômetros de extensão como uma cidade dentro de si mesma. Quando você vai ao lugar real a coisa é menor. É legal, parecida com o registro do Frank Miller, mas não é o que se imaginava. Acho que esse é o trabalho da ficção: Quando vamos fazer uma história a gente tenta colocar nosso olhar justamente nas coisas que achamos mais interessantes. Já fiz isso em Bando de Dois e agora tento fazer de novo com Samurai Shirô. Quando passa a fronteira invisível do bairro da Liberdade você sente que entrou em um lugar diferente do resto da cidade. Então eu tento capturar isso e trazer para a história em quadrinho de uma forma que acho interessante. A liberdade tem uma cultura diferente, culinária diferente, produtos diferentes, gente diferente…. Então acho que é importante explorar isso.

Nas páginas de Samurai Shirô é bem evidente sua influência do cinema. Na movimentação, nos ângulos… Você já disse outras vezes que essas duas mídias se comunicam muito bem, e declarou a influência de Akira Kurosawa. Além de HQ e cinema, seja na cultura ocidental ou nipônica, quais outras mídias levaram à formação de SS?

Tem uma biografia chamada Yakuza Moon, de Shoko Tendo, sobre uma herdeira da Yakuza publicada no Japão que fez dela uma celebridade por lá contando sobre quando ela fez parte da organização. Outro livro, chamado Tokyo Decadence, história real de um jornalista que vai à capital e acha espaço num jornal em sua parte policial, e lá ele conta sobre as prostitutas, yakuza, pequenos crimes… Tem a coisa do Faroeste, de uma forma ou de outra… Tem Frank Miller, nesse sentido de policial e fazer esse noir mais sujo e contemporâneo… Eu li muito Stephen King, que me ensinou muito e gosto mais de suas histórias curtas. Acho que é onde ele brilhou em sua carreira foi em seus livros de contos. SS foi um quebra-cabeças muito complicado de montar, porque você tem três personagens. Isso na verdade é uma base do roteiro: O personagem está lá na situação ideal dele e acontece alguma coisa que o mundo vira de pernas para o ar e ele é obrigado a fazer algumas coisa. É assim em O Senhor dos Anéis, Star Wars, Shakespeare… em tudo quanto é lugar. Mas como referência em SS acho que o Frank Miller é a melhor referência.

Laurousse Brasil, 2010. FONTE: Crentassos.com.br

O cinema é “mais roteirizado”, com ângulos, takes, falas e expressões. Anteriormente você já disse que não costumava escrever o roteiro antes de desenhar. Você faz as artes e a história vem com ela. Para esta também foi assim ou você modificou a metodologia?

Na verdade, o que vem junto com o desenho é mais o argumento. Eu trabalho o roteiro, mas não no estilo cinematográfico. Tem uma coisa horrorosa que não é para o consumo de ninguém além de mim: Eu abro o Excel e vou planejando a sequência de cenas. É um roteiro ilegível, horroroso de se ver, mas há um planejamento sim, não é tão orgânico. Tem uma engenharia por trás do roteiro de ver as cenas, a motivação de cada personagem e empurrar cada um para uma parte de cena e da história. Como é um Excel tem como deslocar uma cena de um lugar para outro. Isso foi uma preocupação na HQ.  Às vezes é um tiro no pé que eu dou, que dizem “a HQ tem 90 páginas, mas se lê muito rápido”. Em SS também é frenético e tudo mais, mas toda cena chega em seu limite e corta para outra, que chega em seu limite e volta para outra que estava se resolvendo para chegar a outro limite para ir a uma nova cena. Então há esse planejamento, essa engenharia para fazer a história fluir dessa forma.

Quando se pega uma história com muitas páginas, várias duplas e detalhadíssimas, é curioso de se pensar como pode ter levado até dias para o artista finalizar aquela página ao mesmo tempo que o leitor leva alguns segundos para ler a mesma. Tem a ver com o que acabou de mencionar?

A leitura de um quadrinho é um passe de mágica. Cinema tem isso também, mas em HQ acontece de forma mais bizarra. O leitor “monta o filme da HQ” na própria cabeça, porque se o cérebro não tivesse esse recurso do suspention of disbelief não se poderia ler HQs porque só seria visto arte por arte. Então você acaba grudando as ações do personagem e aí você monta o filme conforme você a lê. Esse é um dos segredos da narrativa de HQ: Quais recortes da realidade da HQ você mostra ali para fazer o leitor enxergar a ação acontecendo. Quando você pega para fazer uma página com um momento especial, página dupla com grande explosão, luta ou o que seja, aquele é o momento que o desenhista explora o máximo detalhe de forma que tudo aquilo na cabeça do leitor se carrega por todos os outros quadrinhos que talvez não estejam tão bem elaborados. Acho até que têm desenhistas que são tão bons que atrapalha a narrativa. Desenham tão bem que a narrativa fica prejudicada porque você justamente pára para ver cada quadro e detalhe. Isso acaba prendendo a leitura e ela vai ficando mais lenta ao invés de fazer só o registro do que está acontecendo para o que vai acontecer. Mas são casos raros.

Pode citar algum?

O Hal Foster é um, mas Príncipe Valente é feito de uma forma que não é muito uma HQ. [Jorge] Zaffino também tem esse problema para mim. Sou absolutamente fã do trabalho dele. Tem um desenho tão absolutamente fantástico em cada detalhe e ponto que para mim não tem como parar para observar a arte em cada quadro. Para mim você precisa ler as histórias dele três vezes porque nas duas primeiras você está observando os quadros pois tem um trabalho em preto e branco absurdo.

Winter Sea, de Jorge Zaffino. FONTE: Dogmeatsausage.blogspot.com

Os Samurais são em grande parte andarilhos e os ilustradores têm certa semelhança com isso. Passam por várias editoras e outros projetos, como campanhas publicitárias, storyboards e pôsteres de cinema. A Darkside é sua quarta editora no Brasil. O quão perto e o quão longe essa incerteza do que virá pela frente te coloca na busca do que você procura ser como artista?

Eu tenho 45 anos. Estamos vivendo um momento conturbado da política brasileira e eu tenho que confessar que não é uma surpresa. Cresci no Brasil dos anos 80 que tinha uma situação econômica e política maluca. Se parar para olhar parece que o brasileiro tem essa sina de não ter sossego, porque já passamos por cruzeiro, cruzado, cruzado novo, real… é um inferno! Já cheguei a ter meu salário indexado pelo dólar. Parece absurdo falar isso hoje, mas não dava para saber o meu salário no fim do mês por causa da inflação. A gente vive numa situação meio desgraçada nesse país que a gente não tem consciência de que é um continente inteiro. Tem que comparar o Brasil com a China, os Estados Unidos, a Rússia. O Brasil é um continente por si só, mas desgraçado por ter sempre esse problema econômico. Um dos grandes méritos que vejo na Mauricio de Sousa Produções é não ter fechado comparado a outras instituições que pareciam inabaláveis mas fecharam nos últimos 30 anos. E como encaixo eu que só quero fazer HQs no meio desse pesadelo? Porque é um produto que tem que competir com uma cacetada de outros entretenimentos que chegam fácil. Como sobreviver num país como esse? Então tem que tentar desenhar uma carreira para você, mas pegar tudo que aparece. Já fui diretor de arte em agência de publicidade, em internet. Já inclusive já trabalhei em agência com hora marcada enquanto fazia minhas HQs, como foi com o Astronauta e o São Jorge. Tem meio que sambar feito louco e descobrir o que fazer. A Fnac acabou de fechar sua última loja. Livraria Cultura e Saraiva com problemas. Revistas de banca canceladas…. O negócio é não ficar parado e não existe uma solução única. Já ouvi que o problema das HQs é a distribuição. Agora não é mais, porque vai distribuir para onde já que as bancas e livrarias estão fechando feito loucas? Mas ao mesmo tempo eu sinto que há um público sedento de ler esse conteúdo nacional e de continuar consumindo HQs em geral. Existe para nós um mercado gigantesco, porque como eu disse que é um continente inteiro que fala essa língua portuguesa. Hoje acho que é uma minoria que hoje discrimina uma HQ por ser nacional. Um Fiq e uma CCXP não existe em um país que não tem interesse por quadrinhos. Por isso acho que foi um casamento legal com a Darkside que já tem seu próprio público. No fim das contas os boletos vão chegar. A maior parte dos artistas tem que abrir novos rumos, opções e acho até bom ter limitações porque propõe um desafio de contorna-las e também faz o artista ser mais completo.

A Darkside é uma editora especialista em terror e suspense, mas SS não é bem esse tema. Por que você acha que esse título despertou o interesse da editora?

Eu já tinha começado o projeto antes de fechar com a Darkside. Acho que faz parte do diálogo deles. Nem todo livro da Darkside está super ligado ao terror. Eles estão abrindo um pouquinho o leque nos livros e na parte dos quadrinhos acho que é até meio que uma obrigação porque imaginar que uma editora é especializada em um nicho de quadrinhos é quase uma loucura. Por exemplo: Pode ser especialista em super-heróis, mas há heróis mais violentos, mais clássicos, mais ligados ao terror…. Abraça vários subgêneros dentro de si. Então para a Darkside dar esse passo com quadrinhos tem que ter essa concessão. E de qualquer forma acho que Samurai Shirô está dentro do espectro das coisas que a editora se interessa: Uma história no Brasil de Yakuza, assassinos profissionais, espadas e etc. acho que cai no espectro deles de qualquer forma. Não é um romance, drama ou alguma coisa assim.

No lançamento de SS, você disse que o autor de HQ tem que estar em constante produção para não ser esquecido. Já encontrei HQ sua até na Alemanha e além de já ter suas obras no exterior você também tem produtos licenciados. Essa é sua nona HQ em 10 anos. Você ainda teme ser esquecido? Acha que não tem seu nome marcado?

Acho que isso não é para mim saber se meu nome está marcado ou não. Eu acho que estou deixando alguma coisa, mas não sei se deixei marca na carreira de alguém, se deixei influência ou algo assim. Mas que tem um pessoal que acha que eu fiz um pouco de uma diferença, sim. Uma coisa é você ser completamente esquecido. Acho que acontece. Tem alguns que a galera mais nova não faz muita ideia que existiu, como é o caso do Flavio Colin, que acho um puta artista e hoje só encontra em sebo. Acho que se quer viver de entretenimento não pode ter só um disco de sucesso. Tem que sempre se propor a fazer uma coisa nova até porque se quer viver disso não tem outra opção. A Laerte está sempre se renovando até como uma necessidade de artista. As coisas que ela faz hoje em dia não é o mesmo que fazia nos anos 80. O meu trabalho tem mais o viés de aventura e menos intimista, mas acho importante estar sempre produzindo porque o povo não é que esquece, mas substitui por outra coisa na cabeça deles. Eu gosto de produzir. Trabalho até sábado e domingo, mas é um prazer pra mim. Não tenho mais como escapar disso. Tenho 10 anos de carreira e ao fim do ano terei 10 HQs publicadas, com Astronauta Entropia. Eu pretendo manter esse ritmo porque não sou 100% satisfeito com o desenho nem a narrativa. É um trabalho de aprendizado e não tem como saber aonde chegar com isso.

Estórias Gerais, de Flavio Colin. Conrad, 2007. Fonte: Guiadosquadrinhos.com

Tirando as Graphic MSP e poucas HQs do Necronauta, suas obras são em preto-e-branco. Por quê? Tem a ver com sua escolha ou custos de impressão?

Um pouco dos dois. Gosto de HQs em p&b. Acho bom para enxergar o desenho. Sou fã do Quarteto Fantástico do Stan Lee e Jack Kirby. Acho que sem o Quarteto não existiria o Alan Moore. Eu compro os Marvel Essential para ver o desenho do Kirby, aí me acostumei a ver arte p&b e acostumei a ver meu desenho assim. Também tem o custo de impressão, de pagar o colorista e tenho essa política de quem trabalha comigo tem que receber de alguma forma. No final das contas pode ficar caro: São Jorge tem 200 páginas e colorir sairia caro. Eu não gosto de colorir. Tenho preguiça, sou indeciso e cada quadro que eu for colorir vai ser um desgaste absurdo. Quando termino esse ciclo e coloco no papel, faz edição, letreiramento e etc. não suporto mais a HQ. Depois de terminar Bando de Dois demorei mais de um ano para olhar para a HQ de novo porque penso no que poderia ter feito de diferente aqui e ali. Depois de todo esse processo a última coisa que vou querer fazer é colorir e acho que assim como tem Robert Crumb e mangá, HQ funciona muito bem sem cor também.

Samurai Shirô não é um mangá e essa nem é sua intenção. Vendo o seu lado desse sincretismo em relação à culturas, como você busca abraçar todos esses mundos e mídias colocando sua marca? Sei que gosta do mangá Bakune Young, por exemplo.

Sim. Bakune Young foi uma das inspirações. Acho que é um dos “melhores mangás desconhecidos que já existiram”. É fantástico! Eu escrevo sobre as coisas que eu gosto e desenho o que quero. Entrei nos quadrinhos porque gosto e acho divertido. Gosto de ficção científica, aventura, terror, policial e todos esses temas que tento abordar e todos são referências para mim. Gosto de Frank Miller, Lovecraft, Stephen King, Asimov… esses temas aguçam minha curiosidade. Fico aqui o dia inteiro assistindo ghost hunters, teorias da conspiração, ufologia e são todos temas que gosto. Não gosto de ficar em um só tema porque chega uma hora que tal assunto me esgota. Quando termino São Jorge não quero no momento saber de Império Romano ou quando termino Astronauta não quero ver por um tempo ficção científica. Não significa que não posso voltar depois, mas preciso renovar a bateria. Frank Miller tem todo aquele universo que Demolidor tem muito a ver com Batman, com Sin City e ao mesmo tempo ele tem o Ronin, que é meio samurai, meio Moebius. FM tem um norte muito forte, marca indelével e até mesmo ele tem um momento de explorar. Não quero ficar preso numa caixinha pois não acho a solução mais divertida para continuar.

Ronin, de Frank Miller. FONTE: Flickr.com

Apesar de transitar em tantos temas, seus personagens são majoritariamente solistas e agressivos. De onde vem essa escolha pela tríade da solidão, violência e morte?

Tem isso. Acho que são os temas que se busca as coisas mais ressonantes. Não escrevo a morte pela morte ou violência pela violência. Acho que um filme que tem uma mensagem muito interessante é o Conan. Não é só o Schwarzenegger ou o massavéio. Tem todo o enigma do aço e da vontade humana. A violência e tudo mais é porque se quer gerar trama e essa energia de um filme poderoso. Quando o Conan derrota o Thulsa Doom, ele derrota não pela espada que ele empunha, mas pela vontade que tem dentro dele. Esse porquê de usar a violência e coisa bruta é porque deixa as histórias mais interessantes. Tenho uma mão pesada e não consigo escrever essas histórias mais sensíveis. No final isso é um pano de fundo para contar uma história mais humana que está escondida. Eu não acredito naquela narrativa que fala uma verdade que todo mundo já sabe, como é melhor ser bom do que ser mal. A própria Bíblia é escrita com historinhas e a hora que você se identifica com o personagem e com a narrativa chegando à conclusão mesmo que não seja explícita, mostra que as pessoas leem as histórias para viver as vidas que não tiveram, para pensar e refletir sem perceber. É pano de fundo para chegar ao raciocínio.

O Shirô (branco, em japonês) é um personagem sem memória; Akemi é uma personagem de passado complexo. Por que a escolha dessa polarização e desafio do abismo entre os dois para formar sua narrativa?

Para mim SS tem três personagens. Também tem o Takeshi, que mesmo que não tenha tanto o protagonismo, é um movimentador muito importante. O personagem no começo da história não entende completamente o mundo. Quando se vai à faculdade ou colegial você não sabe o que se esperar, você tem uma visão de mundo formada pela família e o que viveu até agora e quando se chega lá você vai ter um novo desafio na sua frente e você vai aprender alguma coisa com isso. Acho esse contraste legal, como o da Akemi que é uma japonesa criada como ocidental e o Takeshi que enxerga um contraponto entre ele e o resto da máfia japonesa, pois ele se considera mais tradicional em sua visão sobre o que a máfia deveria ser. Ele vê os outros como oportunistas, mas ele vê uma certa honra de ser Yakuza. O Shirô é um personagem sem passado e a Akemi acreditou num passado que não era verdade. Tem que criar esse atrito entre esses personagens e se preocupar com a visão de mundo de cada um deles pois isso é o que vai movimentar a história e fazê-los tomar suas atitudes. Se não tiver esse respiro de vida a história é chata.

Essa é sua HQ mais longa tomando como parâmetro a publicação em apenas um tomo. São Jorge passou de 200 páginas, porém em 2 volumes. Isso tem a ver com sua transição em desenhar do papel para o digital? E como isso está modificando sua forma de contar histórias?

São Jorge na verdade foi feito em uma só tacada, mas foi uma escolha editorial publicar em 2 volumes e por uma chance absurda do destino tinha uma parte bem ali no meio que dava para fazer o corte sem nem adicionar páginas. O digital eu não acho que está influenciando, só que sou a pior pessoa para você perguntar. Passei para o digital já no segundo volume do Astronauta. Me ajuda muito porque é mais organizado. Trabalho no Clip Studio Paint, antigo Mangá Studio e quando abro o documento todas as páginas estão aqui, dá para ver o casamento de cada página e, por exemplo, não sei sua impressão como leitor se agora meu traço está mais digitalizado e menos orgânico… Sempre tento ser orgânico, sem aquela finalização super limpa e acabadinha. Eu tento emular ao máximo possível o meu traço com pincel nas técnicas digitais e acho que tem funcionado. Se tiver mais olhar no detalhe em algumas partes pode dar para perceber que é mais digital, mas no geral eu não enxergo meu traço entrega esse fato. Não tem como negar que o digital acelera a produção, porém no caso do SS não quer dizer que ele tem mais páginas por causa disso. Acho que no fim das contas tem o número que achei que deveria ter. Não quer dizer que não poderia ter feito mais enxuto, só que a trama é meio complicadinha com muita coisa para ser revelado aos poucos. Se tivesse menos páginas seria mais corrido. Então não faço essa relação. Que definitivamente trabalhar no digital é mais prático, isso não tem a menor dúvida, mas eu sempre falo que “trabalhar no tradicional num dia em que tudo está bom, a tinta se comporta e o pincel faz o que eu quero, tá tudo certo. Maravilha! No dia que a tinta secou demais ou o pincel tá ficando velho, é um inferno” então o digital me dá uma mediocridade confortável porque todo dia é igual.

No Brasil, você sempre publicou como artista solo. Então você foi à Marvel e publicou em equipe. Em SS tem uma cena de moto que remete às HQs do Motoqueiro Fantasma e até no filme Motorrad. O que mais você aprendeu em grupo que agora reflete nas suas HQs autorais?

Acho que não tem uma coisa que aprendi, mas fazer essas HQs pra Marvel me deu uma oportunidade de me concentrar só no desenho. Tem roteiros que recebi da Marvel que eu gosto, outros que não gosto e isso eu já aprendi a trabalhar com o que você tem desde que eu estava em agência [de publicidade]. Eu sou agenciado pela Chiaroscuro e o Joe Prado também já comentou que tem uma mudança de traço por só me preocupar com o desenho sem ter as outras pressões. Ao mesmo tempo, depois que eu terminei o SS senti que meu traço sofreu alteração. Nunca me preocupei com meu estilo. Acho que o estilo é o melhor desenho que você pode entregar sem parar de trabalhar. Já vi gente muito preocupada com isso e dá uns bloqueios porque buscam um resultado perfeito e absoluto. Trabalhar na Marvel me deu um respiro para me concentrar no desenho e isso foi complementado pelo trabalho intenso no SS porque foi feito num período bem curto de 5 meses. Ali eu senti que o trabalho é como um joguinho em que você acumula pontos até poder passar de nível. Para mim, na Marvel teve menos diálogo entre eu e as pessoas que escrevem do que imaginam.

Samurai Shirô já tem um projeto cinematográfico em desenvolvimento chamado Princesa de Yakuza mas, diferente de Motorrad, este terá uma HQ como referência. O quão maior você considera sua função na próxima película, mesmo que o diretor já disse que não vai ser uma adaptação quadro-a-quadro?

Adaptação é adaptação, está dentro da palavra e não tem o que discutir. Não preciso que seja hiper fiel à HQ. Quero se seja um bom filme. Adoro o primeiro filme de Sin City mas acho que no segundo a coisa começou a se esgotar. Eu até tenho dúvidas se foi uma boa ideia adaptar Watchmen porque a HQ é tão maior que o filme… e também essa coleção de filmes furrecas como Do Inferno e V de Vingança que acho que não precisava ter sido feito. Em contrapartida, gosto muito do universo cinematográfico da Marvel. Eu adoro Capitão América: O Soldado Invernal, acho que é um dos melhores filmes e é uma adaptação de um monte de coisas. Juntar com o universo dos Vingadores, coisa que não está na HQ do Brubaker de um jeito que ficou interessante. E hoje em dia não existe mais material canônico. Ao exemplo o cristianismo, hoje em dia tem versões do Universo Marvel ou Star Wars e se não der certo você começa de novo, como deve acontecer com a DC. Acho que a adaptação visa gerar um produto diferente apesar dos pontos de contato com os quadrinhos. O cinema respira e faz o que tem que fazer independente do que a HQ seja. Tem que ter um tanto de fidelidade ao material original para não criar uma monstruosidade com nada a ver com o que atraiu as pessoas. Acho que esse é o limite da adaptação. O cinema tem o diretor, o roteirista, os atores…. é uma obra que vem de um caos muito maior do que de onde vem o quadrinho.

Akemi e Shirô ainda parecem ter o que contar. Seja no bairro da liberdade ou em alguma outra parte do mundo, a busca deles ainda tem caminho a ser percorrido?

Tem. E não só isso como eu tenho conseguido fazer personagens interessantes. Com exceção do São Jorge em que o protagonista morre, eu vejo a possibilidade de fazer uma sequência de Bando de Dois, Astronauta já virou uma série e acho que SS tem ainda história para contar tanto antes quanto depois assim como em Bando de Dois. Então eu não vejo essa pressa de encerrar e ser definitivo sobre nada. Assim como as pessoas, os personagens podem sofrer mais de uma transformação no período de vida deles e esses são justamente o que você captura para contar uma história. Toda história é meio o período de transformação de alguém em alguma outra coisa ou a percepção de alguma coisa nova. Esse é o princípio da piada ou do drama: Essa descoberta do final que você não esperava. Eu gosto de deixar as coisas abertas e poder voltar aos assuntos.

Então apesar de não estar fazendo isso no momento as chances são reais…

Está nos planos. Não estou fazendo no momento, mas está nos planos. É que não gosto de prometer nada porque em 10 anos fiz 10 HQs e eu conto os anos que ainda tenho de vida. Se eu chegar aos 65 anos ainda tenho mais 20 HQs para fazer [risos]. Eu não prometo datas. Até hoje muita gente me cobra um novo Necronauta. Mas eu preciso encaixar aqui. HQ só é mais rápido que cinema… O próprio [Lourenço] Mutarelli uma vez disse que “prefere escrever livros porque vai mais rápido que HQs”. Então está nos planos. Pode ficar tranquilo.