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Soul: Uma Lição para a Vida

“Joe, agora que conseguiu, o que você pretende fazer?” “Não pensei nisso. Mas tenho certeza de que vou aproveitar cada segundo.”

No dia 25 de Dezembro, a Pixar nos presenteou com sua nova animação lançada diretamente no serviço de streaming da Disney Plus. O último título da empresa, Soul: Uma Aventura com Alma,  é um filme diferente de tudo que já foi visto na empresa.

Na trama acompanhamos Joe Gardner, um professor de música para o ensino médio que sempre sonhou em tocar jazz. Quando finalmente consegue a oportunidade, um acidente acontece e Joe acaba morrendo – isso tudo logo nos 10 minutos iniciais de filme. Acordando em outra dimensão e com sua alma separada do seu corpo, o músico acaba se encontrando com 22, uma alma em treinamento que não quer ir para a Terra de jeito nenhum – enquanto Joe quer retornar para aproveitar a chance da sua vida.

Com isso, Joe22 precisarão trabalhar juntos para conseguirem uma forma de fazer com que a alma do professor retorne para seu corpo e ele consiga almejar seu sonho. O longa apresenta um roteiro bem estruturado e divertido onde tudo o que o filme quer passar é exposto durante sua exibição da forma mais natural possível.

My Thoughts on The Fish Story from Pixar's Soul - Anthony DikéTecnicamente falando, a fotografia e a animação do filme são absurdamente lindas: a iluminação do longa e sua variação entre o mundo real e o plano etéreo, os detalhes nas articulações do protagonista e das roupas, a ambientação; tudo é feito com muita precisão e é nítido o carinho de sua realização. É incrível ver também as claras diferenças entre o mundo real e as dimensões: enquanto a vida na Terra é extremamente colorida e iluminada, o mundo pós-morte apresenta uma paleta de cor fria e clara. Além disso, a passagem para a dimensão pós-morte sendo marcada por uma esteira e por uma luz branca, o centro de treinamento sendo semelhante ao paraíso e as caracterizações dos seres do outro plano são tão bem elaboradas que é impossível assistir sem um brilho nos olhos.

Acaba que o longa apresenta uma narrativa suave e bem elaborada, destacando com precisão a lição que quer passar e as diferenças entre a vida e o pós-vida, seus detalhes e a beleza de viver.

Por narrar uma trama a respeito de uma questão sensível como o que acontece após a vida, acaba que outro ponto extremamente positivo é a forma que o longa trata todos os elementos, não priorizando uma crença religiosa para apresentar sua visão e utilizando conceitos que é de fácil entendimento ao público infantil. O trabalho de Pete Docter, diretor do longa, merece destaque e inúmeros parabéns por trabalhar esse assunto de forma sensível e prática.

Soul, da Pixar, foge do clichê da autoajuda ao questionar o que é sucesso | VEJAEntão, é bom?

Soul é um título divertido, cativante e único – sem dúvida alguma, um dos melhores filmes de 2020 e uma das melhores animações da Pixar. Além de apresentar uma beleza visual inacreditável, o longa carrega também consigo uma mensagem de esperança e uma lição tanto para os adultos como para as crianças, procurando responder as perguntas essenciais da vida em um ano tão conturbado que foi esse que se passou. Todos os elementos agem em sintonia para contribuir com o objetivo do longa e fazer com que o título tenha uma alma linda.

Por fim, quando acaba a exibição, é impossível não se sentir mais leve e com uma tremenda vontade de seguir todo o aprendizado do longa: o propósito da vida é apenas algo que forjamos no caminho e o mais importante é apenas desfrutar cada detalhe que a jornada nos oferece.

Nota: 5/5

 

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Com uma jogada feita com maestria, O Gambito da Rainha é a melhor produção do ano na Netflix.

Ver minisséries tendo um grande destaque é algo atípico, geralmente elas são destinadas para um público mais seleto e menor do que as grandes produções da gigantesca Netflix. Só que agora, a plataforma de streaming mudou tudo com a sua nova produção, ‘O Gambito da Rainha’, uma adaptação do romance publicado em 1983, escrito por Walter Tevis. É curioso ver que o livro não é baseado em fatos reais, e sim em experiências do autor; infelizmente, o livro não chegou a ser publicado no Brasil.

Quando falamos sobre ‘O Gambito da Rainha’, é intrigante lembrar que originalmente seria um filme. O co-criador da série, Allan Scott, tem os direitos da adaptação há mais de 30 anos, e ganharia um filme em 2008, dirigido por Heath Ledger e teria o ator Elliot Page no papel principal. Após a morte de Ledger, a produção ficou de lado e parada. Scott assistiu uma série chamada ‘Godless’, e logo em seguida enviou uma carta para Scott Frank, que dirigia, e eles decidiram que o formato de minissérie seria o ideal para adaptar o romance. E em 2018, a série começou a tomar forma, e agora em 2020, temos a minissérie mais assistida da Netflix, e com sua nota no Rotten Tomatoes em 99%.


Começando a falar sobre seu roteiro, citar o fato de que isso não é uma história baseada em fatos reais é algo de se admirar. A riqueza dos detalhes em todas as partes da trama, datas, jogadas, locais e falas, isso cria uma imersão enorme enquanto é assistida. As personagens são tão bem desenvolvidas e humanas, nada parece que é genérico ou que não se encaixa, a escrita é um quebra-cabeças que é feito no tempo certo. Scott Frank é o escritor e o diretor, então, a sua visão para obra foi mais do que certeira. Em história, o triste que é realmente difícil comparar ao livro original, mas vendo a minissérie, é de encher o coração; ver Beth Harmon passar por momentos difíceis e supera-los com a ajuda de amigos e ver como ela coloca sua alma nos jogos. Algo muito bom e curioso sobre a série, é que mesmo sem saber nada sobre xadrez, a série consegue cativar e não deixar o telespectador boiando.
Já sobre as atuações, é impressionante como todo o elenco se destaca de formas maravilhosas. A protagonista, interpretada por Anya Taylor-Joy (A Bruxa, Os Novos Mutantes) rouba a cena com uma atuação bem fria e que evolui a cada jogo e decisão da personagem. Outra personagem que chama muito a atenção é a de Benny, interpretado por Thomas Brodie-Sangster (Maze Runner, Nowhere Boy), que faz um grande enxadrista que ajuda no avançar do desenvolvimento de Beth. Aliás, vale citar que cada personagem aqui é tão bem escrito, que todos influenciam no desenvolvimento de Harmon, nomes como Moses Ingram, Harry Melling, Bill Camp e Marielle Heller trazem atuações ótimas e personagens que são de extrema importância.

Agora partido para partes mais técnicas, precisamos falar sobre a direção. É maravilhosa, Scott Frank faz um trabalho surreal em juntar tão bem o roteiro com sua direção, mas a única parte que diria ser ruim na série como um todo, são algumas partes em seu ritmo, que parece perder forças e pode ficar um pouco massivo. Mas de resto, a direção é ótima, e entrega o que promete. Falando sobre a fotografia, é uma das partes que mais surpreendem, é simplesmente de tirar o fôlego, o trabalho de Steven Meizler foi essencial para criar a atmosfera certa para o mundo de Beth e para criar cenas maravilhosas, e totalmente simétricas. Sua edição também é totalmente bem-feita e com uma montagem ótima, não se perde no storytelling e também é um pilar para criar esse universo da série.

Para entrarmos de forma sutil nos anos 60, precisamos de uma boa cenografia e de bons figurinos, e essa minissérie… acerta em cheio, de forma incrível. Sinceramente, a atenção ao mundo, roupas, locais e carros é extraordinário, o mundo é genuíno e fácil de se perder no tempo. Cada escolha do figurino também é precisa e certeira, suas roupas contam história e também fazem parte da história e sentimentos do personagem. Onde isso fica o mais evidente possível, é na última roupa que Beth utiliza no episódio final, que simboliza uma peça de xadrez da rainha. O tamanho esforço em cada parte dessa obra é algo que é admirável e que outras produções, sejam séries, minisséries ou filmes, devem tomar como inspiração.


Outro ponto essencial é a trilha-sonora, composta por Carlos Rafael Rivera, que trabalhou ao lado de Scott Frank em Godless, e que define muita das cenas o humor e o seu tempo. É incrivelmente única, e cresce ao decorrer do necessário, da excitação da partida, do mundo ao redor de Beth. O piano é o líder aqui, que segue com uma trilha harmônica tão emocional e delicada. E falando sobre o som, também é necessário elogiar o trabalho dos dubladores nessa série, que se encaixa tão bem e que consegue transitar de forma impressionante com as atuações.

Mesmo falando tanto sobre a obra, parece que não arranhei nem a superfície do que O ‘Gambito da Rainha’ é. Ele proporciona algo tão diferente ao ser assistido, cada um de seus episódios chega a ser tão empolgante que não dá vontade de parar. Torcer para ver como o jogo terminará em cada partida de Harmon (mesmo sem saber nada sobre o xadrez), é uma experiência que, se você tiver como presenciar e experimentar, não perca seu tempo. Esse é um dos casos raros de uma minissérie que abala tudo por sua tamanha qualidade, e que merece todos os aplausos.

Apenas com uma citação final, Scott Frank confirmou que fará uma adaptação em filme do livro ‘Laughter in the Dark’, do russo Vladimir Nabokov, estrelado também pela Anya Taylor-Joy. Esperamos que esse filme seja tão bom quanto essa minissérie, que merece ser eternizada como uma das melhores produções, não só da Netflix, como de todo o audiovisual.

Nota: 5/5

‘O Gambito da Rainha’ contém 7 episódios e já está disponível na Netflix.

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Os Novos Mutantes e o seu potencial perdido pelo tempo

Depois de praticamente três anos de espera, finalmente tivemos a possibilidade de assistir ao tão aguardado e prometido, “Os Novos Mutantes”, que tentou trazer os filmes de heróis para o tão amado terror. Josh Boone (A Culpa é das Estrelas) dirige o longa, e traz a construção de personagens adolescentes nessa trama, cada um sendo bem diferente um do outro.

Para começar, o filme passa longe de ser um terror de fato, ele tem suas cenas mais voltadas ao susto e de mostrar o trauma de cada personagem, e isso chega a ser o máximo. Para pessoas mais velhas, essas cenas provavelmente não causarão o mesmo efeito como em alguém mais jovem, o que foi pensado pelo diretor; é como aquele filme de quando você é criança e tem uma cena estranha que te marca para sempre? Sinceramente, essa abordagem mais leve de terror consegue se encaixar no tom do longa, mas talvez algo mais pesado e voltado para um público adulto seria melhor para uma inovação no gênero de heróis, e para o próprio filme.

Os Novos Mutantes decepciona quem esperou anos pelo filme de terror da  Marvel

A melhor parte do filme se dá pelas personagens, cada uma cativa um tipo de espectador. Na trama, a protagonista é Dani Moonstar (Blu Hunt), que é uma garota tímida e que não controla seus poderes, ela tem um ótimo amadurecimento ao longo da história, e tem uma química natural e bem construída com a personagem da Maisie Willians, Lupina. Quem rouba a cena é a Illyana Rasputin, interpretada pela Anya Taylor-Joy, que tem uma as personalidades mais fortes do longa e provavelmente a melhor atuação; seria ótimo poder explorar mais essa personagem que foi tão bem adaptada. Já o polêmico Roberto da Costa, interpretado pelo brasileiro Henry Zaga, não tem muito fogo para seu personagem, que mais serve como alívio cômico. Comparando seu personagem dos quadrinhos com o do filme, ele realmente foi bem deturpado e com uma origem de superpoderes bem inferior em peso dramático, mas consegue se encaixar no elenco. Charlie Heaton também é um pouco mais apagado, porém, traz um personagem forte e provavelmente o mais dramático, ele também atua muito bem. E para finalizar, temos a Alice Braga como uma cara misteriosa para os mutantes, e faz isso com maestria, você nunca sabe o que esperar dela e quais são suas motivações, encaixou perfeitamente.

Anya Taylor Joy Archives - Outtake Magazine

Comentando mais sobre a história do filme e seu roteiro, é algo mais difícil. A história se passa no mesmo universo de Logan (2017), e vemos referências incríveis ao universo perdido dos X-men, mas o problema vem na duração. O longa tem aproximadamente uma hora e quarenta de duração, e isso dificulta um pouco o desenvolvimento, e também a falta de atenção dos estúdios da FOX trouxeram mais complicações nisso, tem muitos pontos desse filme que poderiam ter sido explorados com uma maior profundidade e cuidado, mas acabou sendo deixado de lado. A história é simples, mas te engata e vai crescendo de forma harmônica, alguns diálogos são fracos, e alguns bem pesados (como comentários fazendo piada com abuso e alguns apelidos racistas, o que é péssimo, e que podem afetar espectadores mais sensíveis). Mas de resto, é bem divertido de se assistir e ver como a história se desenrola. Muitos momentos dão a impressão de um filme adolescente, como mencionado anteriormente, e isso traz elementos ótimos para a maior apreciação e conexão com os quase-heróis. Um ponto que merece palmas nesse filme, é por ser o primeiro longa de super-heróis com um beijo LGBTQI+.

Novos Mutantes | Crítica detona o filme – Cabana do Leitor

Comentando as partes técnicas, agora fica um pouco mais difícil do filme se segurar. A montagem é muito estranha, vemos como os dias se passam com praticamente o mesmo corte várias cenas seguidas, o problema é que, além de uma sensação estranha na edição, é claramente visível um erro de continuidade durante essas transições. Em sua fotografia, também não há um charme como em produções mais recentes, ela é bem simples, mas se arriscasse mais na coloração e movimentações diferentes, seria uma ótima adição à experiência. No termo de efeitos, durante o início e meio, eles são bem mais simples e lembram algo como efeitos usados em séries, mas o final do filme é um espetáculo de efeitos para todos os cantos, que trazem cenas de luta que são um dos maiores pontos fortes do longa. Mas para atrapalhar essa imersão, a trilha-sonora do longa é abafada no processo, algo que é triste, já que ela é muito boa, às vezes parece que ela nem está lá de tão baixa.

Concluindo, ‘Os Novos Mutantes’ é uma experiência divertida e que rende um bom entretenimento, mas tinha potencial para muito, muito mais. Talvez a culpa dessa falta de qualidade deva ser por conta do estúdio, a aquisição da FOX pela Disney, vários adiamentos, orçamento muito baixo e falta de regravações fizeram os erros desse filme se destacarem. Se houvesse um período de rever gravações, roteiro, uma edição mais firme e provavelmente uma direção com mais liberdade, esse filme se tornasse tudo aquilo que ele prometeu. O futuro dos mutantes é incerto, e provavelmente pessimista, mas seria de bom grado ver alguns desses personagens voltando em um futuro, quem sabe, não vemos a Illyana em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura? Sonhar não custa nada. Para os fãs que esperavam ansiosamente para esse filme, podem se decepcionar um pouco, mas devem sair satisfeitos e felizes de finalmente poderem assistir.

Nota: 2,5/5

 

‘Os Novos Mutantes’ estreou em 22 de outubro de 2020 nos cinemas brasileiros. Caso vá assistir nos cinemas, cuide-se do novo COVID-19, verificando as orientações de higienes sanitárias vigentes em sua região.

 

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O Exorcismo de Emily Rose (2005): Ciência ou Religião?

Você crê? Não importa a sua vertente científica e/ou religiosa, a capacidade de crer está em nossa cultura. Até mesmo podemos crer em não crer. Parece meio confuso, mas a ideia é essa. Desde que mundo é mundo, ciência e religião foram grandes antagonistas nos campos do saber. Se comportavam como água e óleo, ou seja, sem chance de mistura. Atualmente, conseguimos perceber uma mudança nesse comportamento. Só que a resistência continua ali numa intensidade menor que antigamente. Hoje em dia, podemos acreditar na evolução e no criacionismo ao mesmo tempo. O máximo é rolar um extenso debate entre os envolvidos para colocarem nas mesas seus principais argumentos para corroborar ou derrubar.

A mídia sempre tratou de forma extensa os assuntos espirituais através dos clássicos O Exorcista e Poltergeist ou os mais recentes Invocação do Mal e Host, entre inúmeros outros que entraram no nosso imaginário popular. Acompanhávamos os mesmos roteiros sobre ameaças demoníacas que causavam eventos assombrosos, porém faltava um tempero novo. A resposta veio há 15 anos com o Exorcismo de Emily Rose sob a direção de Scott Derrickson e roteiro do próprio com Paul Harris.

Como seria um julgamento construído a partir de relatos de exorcismo em detrimento com dados científicos para derrubar esta possível experiência sobrenatural? A trama tratou desse extenso debate que mencionei acima. De um lado estava Erin Bruner, advogada e agnóstica, defendendo o padre acusado por negligência que ocasionou na morte de Emily. Do outro lado, tinha Ethan Thomas, promotor e metodista, do lado da acusação.

O longa conseguiu se sobressair entre os seus deste gênero por trazer esse grande olhar jurídico para esses imponentes antagonistas. As cenas do julgamento foram executadas maravilhosamente e trouxe os dois lados da mesma moeda. O efeito disso foi uma imersão completa, tendo assim o objetivo de Scott e Paul alcançado. Apresentaram as principais provas que assassinaram Emily e deixaram o júri tomar a sua decisão final. Os telespectadores também puderam brincar um pouco com essa função, uma vez que o roteiro trabalha o tempo todo na ambiguidade. Passamos a nos questionar o que de fato ocorreu nesses eventos e colocamos o nosso credo em cheque. Distúrbio psico-epiléptico ou possessão demoníaca? Fomos obrigados a chegar no final do filme com a resposta pronta.

Outro saldo positivo é que não ocorreu o clichê do promotor ser alvo de manifestações demoníacas para começar a crer e mudar todo o seu discurso no final, garantindo assim a absolvição de Padre Moore. Sua convicção era tão inabalável, que você conseguiu sentir-se atraído em seus argumentos e nas testemunhas de cunho científico que foram apresentadas ao longo do julgamento. Ao mesmo tempo que as testemunhas de cunho espiritual também agregaram muito para a criação desse panorama sobre o desfecho trágico da jovem.

Erin também convenceu por ser aquela que sentiu a influência do mal em sua própria casa. Justo ela uma agnóstica e por conta disso, começou a repensar o seu conceito estabelecido sobre a fé. Chegou a ser um clichê, porém foi um clichê bacana de acompanhar, já que ela e o padre garantiram boa parte dos diálogos pertinentes sobre o maligno agindo contra eles.

Jennifer Carpenter também deu um show de interpretação quando Emily iniciou com toda a crise e suas expressões estavam espetaculares. Você conseguia sentir pena e medo por tudo que estava acontecendo. A  sequência sensacional que começou no quarto e terminou no celeiro expressou por si só esse misto de sentimentos.

Como todos sabem, o filme foi baseado na história de Anneliese Michel, uma jovem alemã que morreu em 1976 por desnutrição e desidratação. O caso foi julgado no tribunal e contabilizaram 67 ritos de exorcismo ao longo dos meses antes de seu falecimento. No mesmo ano, o Estado acusou de homicídio os pais de Michel, o bispo Ernst Alt e o padre Arnold Renz. Os promotores afirmaram que a morte da menina poderia ter sido evitada até uma semana antes do óbito. Durante o julgamento foram apresentados vídeos do exorcismo e imagens do estado da adolescente. A Igreja foi condenada a pagar uma multa, e os pais foram absolvidos por, segundo uma lei alemã, terem sofrido o suficiente. Informações retiradas em Aventuras na História 

Outra fonte (Info Escola) apontou que ao fim do processo, os pais de Anneliese e o padre, foram considerados culpados de negligência médica e foi determinada uma sentença de 6 meses com liberdade condicional sob fiança.

Mesmo que o filme tenha sido amplamente adaptado, o conceito principal da história real foi preservada da melhor forma. Além deste, Requiem também tratou desse caso. O diferencial foi ter usado um lado mais dramático para narrar os fatos.

Ah, quem quiser ouvir o áudio resgatado do exorcismo de Emily Rose só clicar aqui .

Imagens do exorcismo de Anneliese. Crédito: Wikimedia Commons
Visual de Anneliese antes e durante os exorcismos. Fonte: Mais Horror.

Uma curiosidade interessante é que nos dias atuais, o túmulo de Anneliese Michel, tornou-se um local de peregrinação para cristãos que a consideram uma devota que experimentou sacrifícios extremos para possibilitar a salvação espiritual de muitos (Info Escola). A adaptação norte-americana abordou isso na cena emblemática em que a personagem decide continuar viva para que sua história pudesse ser contada para todos.

O Exorcismo de Emily Rose é incrível por si só por toda atmosfera e abordagem realizadas com maestria, criando o suspense necessário e a dúvida na mente de quem assiste sobre o que foi real ou não no sofrimento que a jovem passou nas duras sessões de exorcismo antes de falecer. Agora retorno ao meu questionamento que abriu este texto para você que chegou até o fim: No que você acredita? 

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Mank: Uma perspectiva familiar do cinema

“Você não pode captar a vida inteira de um homem em duas horas. No máximo pode deixar uma impressão.”, responde Mank ao editor John Hauseman (Sam Troughton) explicando as dificuldades sobre criar um roteiro tão complexo que captasse a essência da vida de um homem. Além de servir como uma contestação interessante e verdadeira, a fala reflete um pontual ato de metalinguagem de seu roteirista Jack Fincher, porque este próprio está tentando deixar a impressão sobre uma figura imprescíndivel para uma das mais revolucionárias obras da história do cinema. No caso, Herman J. Mankiewicz.

Usar a expressão “a mais revolucionária das obras…” pode soar ultrapassado e, realmente, demonstra certa limitação na tentativa de descrever e dar a devida importância à obra. Contudo, o uso da expressão em relação ao filme em que estamos referenciando não é má ideia, pelo contrário, estabelecer Cidadão Kane (1941) como um dos mais revolucionários filmes da história do cinema é responsabilidade de todos que prezam pela inventividade e criatividade artística. E de criatividade, o filme escrito por Herman e o lendário Orson Welles – que também dirige – entende muito bem. Foi o ponto onde a estrutura ímpar do roteiro excedeu as páginas e, através da montagem e edição perspicazes, além da concepção visual de Orson, fizesse com que os elementos básicos e complexos, dos diálogos às descrições de cena, fossem compreendidos e revelados na tela em excelência, resultando na história que marcaria a indústria americana para sempre.

O roteiro de Jack Fincher, pai do diretor David Fincher que faleceu antes de ver seu projeto ir às telonas, imprime o seu próprio vasto conhecimento sobre os bastidores da produção de Cidadão Kane, desde os processos criativos dos idealizadores ao contexto político em que a indústria estava inserida. Mank é, antes de tudo, um material de alta significância histórica, tanto política quanto cinematográfica. A história não só investiga as tramas pessoais de Herman, mas também trata de figuras importantes no meio da época, como donos de grandes estúdios e celebridades que tomariam seu caminho rumo ao estrelato posteriormente, estes que compuseram a classe hollywoodiana por longos períodos. Há de reconhecermos, assim como a vasta quantidade de figuras retratadas, o contexto em que a trama se insere; no quesito sócio-político, a indústria estava sofrendo as consequências decorrentes da Grande Depressão, enquanto na produção de filmes em si,  havia a crescente produção de filmes B por conta do orçamento limitado dos estúdios e a busca por formas mais baratas de manter a produção e a lucratividade.

Em pouco mais de um parágrafo, fica evidente o conteúdo que Jack transborda nas páginas e sua vasta sabedoria sobre os mecanismo e as relações no cinema americano. Contudo, a quantidade excessiva – embora fundamental – de personagens que aparecem na vida de Mank, além das inúmeras particularidades, tanto da época quanto do próprio processo genuíno de idealização do filme, tornam a narrativa demasiadamente complicada e de difícil acompanhamento em inúmeras passagens – e a direção de Fincher não alivia tampouco. Dessa forma, Mank se assemelha mais a um filme para se exibir aos apaixonados por cinema – estudantes e afins – do que àqueles que buscam obras próximas à filmografia marcante do diretor, mais investigativas e, por que não, inclusivas. E outro tropeço que deve ser mencionado é a falta de critérios para escolher os caminhos a serem seguidos, sendo que o maior foco deveria ser a vida e os conflitos do roteirista, mas que perdem espaço e força para os tantos contextos que o roteiro se propõe a retratar.

A vida de Mank nunca foi abordada de forma devida, enquanto Orson Welles sempre foi mais apreciado e paparicado pela mídia. Embora com grande prestígio dentro dos estúdios, conhecido só pelo nome por muitos, Mankiewicz tinha sérios problemas pessoais. Os vícios envolvendo bebidas alcoólicas o colocaram em uma situação de extrema vulnerabilidade e acarretaram em diversos problemas de alcoolismo, inclusive sua própria morte, que ocorre alguns anos após os acontecimentos retratados. Além do vício citado, a personalidade de Mank não era fácil de se lidar idem, havia certa soberba e arrogância que ficavam mais nítidas quando se relacionavam ao seu trabalho escrito. Confrontava diretamente os chefes dos estúdios e tinha uma postura profissional por vezes negligente. Esses problemas na vida de Mank, todavia, não comprometiam sua habilidade única na hora de escrever e trabalhar nos roteiros. Sua fama em Hollywood foi construída a partir do reconhecimento dos ótimos roteiros entregues por ele. O talento nunca foi deixado para trás em detrimento dos seus problemas.

Estas relações conflitantes com os magnatas e mandantes da época foram as principais inspirações da história de Kane, da ascensão ao declínio, que, após Cidadão Kane ser exibido, rendeu diversos problemas e discussões nos bastidores. E é irônico, como contraditório igualmente, que um dos maiores marcos da indústria cinematográfica americana fosse partir de uma reflexão crítica à própria, da escalada ao poder absoluto, os holofotes, a mídia e o capital, à decadência não só econômica, mas moral e ética, a escalada pelo poder é solitária tanto quanto a descida.

Pela complexidade dos aspectos da vida de Mank, o ator escolhido para interpretá-lo não poderia ser alguém que fosse impossibilitado de expressar as emoções do personagem, assim como os reflexos físicos de seus vícios. Gary Oldman foi a opção perfeita, porque sabe entregar qualquer exigência particular dos personagens, exemplo disso é sua dedicada atuação como Winston Churchill, que o rendera um Oscar em 2018. Oldman se entrega totalmente à interpretação, o corte de cabelo, o físico, a postura e o sotaque são transformações fundamentais nesse novo trabalho. Todas as cenas que envolvem diálogos são dominadas em tela pelo ator, é de uma naturalidade assustadora. O particular vício e a vida boêmia que Mank levava talvez fossem o maior desafio aqui, e Oldman sempre parece minimamente alcoolizado, e os excessos acarretam algumas cenas cômicas, mas profundamente trágicas. A sequência que se destaca aqui é o monólogo em uma mesa de jantar, como se todos os demônios de Herman fossem expulsos do corpo através das palavras proferidas.

O enorme foco na vida de Herman, como já comentado, fica disperso em meio de tantos contextos paralelos. Dentro desses contexto, se encontram dois atores que, mesmo com pouco tempo de tela, entregam ótimas performances. Amanda Seyfried, como Marion Davies, é brilhante na forma em que conduz a personagem, e quando compartilha cenas com Oldman expões domínio e química incomparáveis. Outro ponto alto no elenco, e ao mesmo tempo surpreendente, é Tom Burke como Orson Welles. Não apenas pela semelhança na aparência, mas o tom de voz de Burke remete muito ao lendário ator. A voz, por ser marca registrada e inigualável de Welles, é de extrema importância na caracterização, mas, em Mank, há uma importância narrativa pelo fato de que o personagem, primeiramente, faz quase todas suas aparições por telefone, coberto por sombras que entregam a imponência inerente à figura de Welles. Quando o telefone toca, o nervosismo dos personagens ao redor já dão relevância à pessoa que está na linha.

Para todos esses elementos se conversarem como em uma orquestra, só um maestro altamente competente como David Fincher é capaz de dar tom e ritmo imprescindíveis. Primeiramente, construir visualmente o roteiro concebido e criado pelo pai é de uma responsabilidade inigualável, como se a família Fincher escrevesse uma carta de amor ao cinema, e pai e filho trouxessem uma perspectiva conjunta sobre a paixão compartilhada pelos dois. Fincher surpreende em toda sua filmografia pelo fôlego que aplica nas obras, independente se a trama for extensa, complexa, recheada de personagens, o diretor domina tecnicamente e desenvolve uma linguagem particular e cheia de ânimo. Embora não consiga imprimir o mesmo ritmo pelas duas horas seguidas, devido às próprias limitações do roteiro, Mank esbanja domínio técnico. Como em alguns diálogos, onde se adota a metalinguagem, a direção adota-a por completo. O preto e branco habitualmente associado às obras da época, a montagem e a edição repletas de técnicas antigas (o uso dos fades nas passagens de ambiente, os detalhes de exibição das películas) e os movimentos bruscos de câmera, colocam toda a linguagem cinematográfica em prol de homenagear e tratar suas inspirações com reverência.

A trilha constituída por Trent Reznor e Atticus Ross é outro ponto fundamental para a ambientação completa. Confere autenticidade histórica e remete aos acordes usados anteriormente, as músicas nos colocam dentro da época toda hora, como se realmente estivéssemos assistindo a algo das décadas passadas. O diretor de fotografia Erik Messerchdmidt auxilia e aprimora a ambientação e expressa na cinematografia rimas visuais com o clássico Cidadão Kane, retratando e aproximando a vida do artista com a arte em si. Essas rimas, juntas aos trechos técnicos comuns na decupagem do roteiro, aparecendo em tela com objetivo de decretar a mudança dos ambientes em cena, são reflexos de inventividade que Fincher se permite dar, mas seu papel aqui é mais de se submeter e reproduzir uma linguagem anterior do que aplicar a sua.

Mank vai além dos bastidores e da relação acirrada entre Orson e Hellman na criação de Cidadão Kane, isto é, constrói uma observação analítica da indústria cinematográfica e dos integrantes que a compõe. Mesmo que se disperse nas duas horas em tantos contextos distintos, o roteiro trata de engrandecer a figura do roteirista e lhe conferir a devida importância, tratando as particularidades de sua vida como uma forma de expandir nossos olhares sobre um clássico absoluto. Pai e filho não captam a essência inteira do cinema – como se isso fosse possível – em duas horas, mas deixam juntos uma impressão apaixonada e reverente.

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Mulan: Roteiro e a Covid-19 Sabotaram o Live-Action da Disney

Seguindo os planos da Disney de transformar suas animações clássicas em live-action, Mulan foi mais um blockbuster afetado este ano pela pandemia de covid-19: semanas antes de seu lançamento nos cinemas, a quarentena se iniciou e sua estreia foi cancelada. Por conta disso, a Disney decidiu lançar o longa no seu serviço de streaming por 30 dólares – o que gerou algumas polêmicas. Como o aplicativo não estava disponível aqui no Brasil, o título só chegou agora dia 4 de Dezembro. Mas será que foi uma boa decisão lançar um filme desse porte na Disney Plus e não nos cinemas?

Lançamento de Mulan no streaming pode matar a sala de cinema - 05/09/2020 - UOL TILT

Mulan conta a mesma história vista na animação de 1998, entretanto com algumas diferenças: no longa, não há a presença de Mushu e nem canções durante sua exibição. Tais decisões foram tomadas para que o título se assemelhe com a lenda chinesa e agrade tanto o público ocidental como o oriental, que criticou duramente a forma caricata que a balada foi retratada no desenho. Mesmo com a tentativa de se aproximar do público chinês, Mulan ainda apresenta uma visão hollywoodiana em sua exibição e isso faz com que o filme tente agradar os dois lados e não consiga agradar nenhum. O principal ponto negativo do longa está em seu roteiro, que não consegue sustentar a trama e falha em desenvolver diversos aspectos do título.

Começando pela vilã, a bruxa Xianniang apresenta uma subtrama extremamente mal desenvolvida que faz com que o seu plot no terceiro ato não tenha nenhum valor para o telespectador. Sua motivação não se sustenta em nenhum momento, fazendo com que seu papel fique restrito apenas a ser uma antagonista para que a protagonista possa enfrentar eventualmente. Não só a vilã como também Bori-Khan, o vilão principal, se torna limitado a apenas isso. Além disso, todos os outros personagens secundários também são mal aproveitados no decorrer do filme apresentando pouco ou quase nenhum desenvolvimento em suas subtramas, fazendo com que não haja simpatia por eles.

Liu Yifei não consegue sustentar bem o peso da protagonista, fazendo com que a personagem não tenha o carisma necessário para que o telespectador sinta seu peso dramático – ela apenas está lá para fazer com que a história progrida. Entretanto, a atriz merece destaque por ter dispensado os dublês em todas as cenas de ação realizadas.

Disney packs new 'Mulan' with actionO roteiro falha também ao transformar Mulan em uma pessoa com poderes. No filme a personagem apresenta uma força interior denominada ”chi”, sendo assim, a protagonista já nasce com suas habilidades e não progride elas com treinamento assim como na animação. Em tese, é interessante pois durante a exibição observamos que a protagonista cresce ouvindo o discurso que ela não deve usar seus poderes até que finalmente toma coragem para quebrar esta corrente e se tornar independente para seguir seu destino – mas, por outro lado, isso ajuda na falta de desenvolvimento da personagem e não vemos tanta transformação no decorrer da trama.

Por fim os efeitos especiais são nitidamente ruins em alguns momentos e isso acaba sendo injustificável, tendo em vista o alto custo da produção – não é difícil de ver, em algumas cenas, o fundo em cgi. Além disso, a montagem do longa nas cenas de batalha (principalmente na luta final do terceiro ato) apresenta diversos cortes e acaba ridicularizando completamente a sequência.

Mas o longa não é completamente ruim: seus figurinos são bem feitos, suas cenas de ação são épicas e sua fotografia é espetacular, dignos de serem vistos na tela grande do cinema. Infelizmente, com a pandemia, o título foi lançado diretamente na plataforma de streaming da Disney. Por fim o longa deve ser parabenizado também por se diferenciar ao máximo das outras adaptações live-action da empresa, procurando uma identidade própria ao não ser uma cópia exata da animação original.

Honest Trailer For Disney's Live-Action MULAN, Which Stripped Everything We Loved About The Original Film — GeekTyrantEntão, é bom?

A adaptação live action de Mulan toma diversas decisões erradas no decorrer da sua execução. Graças ao nítido problema estrutural em seu roteiro, o longa apresenta vilões que não passam nenhuma ameaça, personagens que passam batidos, uma protagonista que não possui nenhum carisma fazendo com que o público não consiga se apegar com a mesma e uma péssima montagem, principalmente nas cenas de batalha e no terceiro arco do título. O objetivo do filme não é ser igual ao desenho, mas sim procurar um equilíbrio entre o original e a história da heroína, de forma que agrade tanto o mercado ocidental como o oriental – este que, por sua vez, problematizou a animação da Disney lançada em 1998. Entretanto, não agradou.

De qualquer forma, a experiência poderia ter sido um pouco melhor caso vista no cinema – afinal é inegável que as batalhas presentes no filme são épicas. Infelizmente o roteiro mal construído e a pandemia atual da Covid-19 ajudaram a sabotar o filme.

Nota: 2/5 

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O Novo Filme do Borat Incomoda por ser real (Mas incomoda quem tem que Incomodar)

O Ministério da Informação do Cazaquistão apresenta,
uma produção do Ministério da Agricultura e
da Vida Selvagem,

em associação com o Centro Almaty de Controle de Doenças:
A Resenha de Borat: Fita de cinema seguinte

 

Um ano complicado. O 2020 entrou para a história por ser um ano em que uma pandemia varreu o mundo e vitimou milhares de pessoas ao redor do globo. 2020 está sendo um ano pesado onde vemos casos de violências aumentando, racismo/preconceitos/xenofobias cada vez mais sendo explícito, líderes mundiais que tomam decisões equivocadas por simples orgulho e por nuances de ideologias políticas que disfarçam interesses obscuros próprios. E vemos cada vez mais as pessoas apoiando esse tipo de coisa.

E na quase reta final desse pardieiro trágico disfarçado de ano, temos o retorno de um polêmico personagem. E ele volta em momento muito oportuno. Borat: Fita de cinema seguinte traz de volta o segundo melhor repórter do Cazaquistão, com seu humor ácido e terrivelmente realista. Aqui temos Sacha Baron Cohen em grande forma, assumindo novos disfarces e buscando passar mensagens contra aqueles que consideramos os grandes vilões do mundo. O roteiro escrito por Sacha em parceria com Peter Baynham, Anthony Hines, Dan Mazer e Dan Swimer, é afiado e atinge de Disney passando por Kevin Spacey. Da Primeira Dama dos EUA e o Brasil. Nada escapa.

Mas apesar de tudo isso, o filme não é engraçado. E lá embaixo explico o motivo.

Borat: Fita de cinema seguinte não é tão impactante quanto foi o primeiro filme, sim o fator surpresa meio que se perde na continuação. Mas é o filme mais necessário que foi lançado em 2020 se tratando de como o mundo está reagindo a políticas fascistas, racistas, machistas em geral. Sacha ainda coloca pessoas em situações incomodas e aperta a ferida até o pus espirrar. E sim, como disse antes, é necessário colocar esse tipo de pessoas contra a parede. Como nas cenas que desmontam as finas camadas de hipocrisia como no baile das debutantes e na clínica médica, quando sua filha engoliu um brinquedo.

Aliás tem que ser destacado (e muito) a dobradinha Sacha Baron Cohen e Maria Bakalova. A atriz está imperdível como Tutar Sagdiyev, a filha adolescente e única da família que segue e acredita no pai. Pode-se dizer que a personagem é o ponto mais importante de Borat: Fita de cinema seguinte. Ela consegue ser engraçada e bizarra, como o seu pai tinha sido no primeiro filme e ainda evoluir para repassar uma mensagem importante. E essa mensagem é um tapa na realidade da sociedade e seus costumes patriarcais que são fortes.

Tutar Sagdiyev vive para satisfazer a sociedade patriarcal e desde tempo foi criada desse jeito. Como acontece na vida real de muitas outras meninas e mulheres, ela é condicionada em ficar como sempre como o ser inferior, que a vida é como o conto de fadas que ela assiste desde pequena, aceitando a submissão praticada por uma… digamos… “cultura”. O aterrador é saber que isso é a realidade em todo mundo, em qualquer país…

Mas Sacha Baron Cohen sabe muito bem onde atingir e expor as pessoas que praticam esses e outros costumes nefastos, ele atua em cima de suas decisões e onde eles se espelham: em seus líderes políticos e figuras da mídia. Quando ele mira em Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, que atualmente é advogado e conselheiro do presidente dos EUA, Donald Trump, ele sabe que está atingindo não somente um politico como Trump. Mas também toda a sua campanha (o filme foi lançado propositalmente momentos antes da eleição presidencial americana) e o orgulho de seus eleitores que acreditam no discurso de família em primeiro lugar que esse tipo de político branda sem praticar na vida real.

Quando eu falo que Borat: Fita de cinema seguinte não é engraçado, eu na verdade armei uma falsa chamada para você, estimado leitor, chegar até esse ponto da resenha. Sim, você caiu na minha pegadinha. E sim, Borat tem momentos engraçados, mas ao mesmo tempo os momentos vão desnudando pessoas e atos terríveis onde Sacha aperta as fakes news como as que negam o Holocausto, ou eleva pessoas a cantarem que devemos queimar outras pessoas por terem posições políticas diferentes e cutuca o conservadorismo presente em todo lugar. Quando acontece essa transformação, o filme aborda, em sua forma ácida, assuntos sérios que são assustadoramente reais, a comédia fica por ali mesmo e faz  os espectadores (não todos, infelizmente) pensar.

Como eu disse lá pelo meio do texto, Borat: Fita de cinema seguinte não tem o mesmo impacto do primeiro filme, mas é tão importante e tão necessário como o seu antecessor. Arrisco dizer que ele é até mais importante, dado o momento em que vivemos. Tornando-se assim um dos melhores filmes do ano. E com um final totalmente genial!

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#Alive: Isolamento Social e o Apocalipse Zumbi

Alguns anos atrás, o cinema sofreu com uma saturação de filmes com a temática de apocalipse zumbi. Todo ano havia em média de três a quatro filmes do gênero, em conjunto com as adaptações da franquia de jogos Resident Evil, onde todos apresentavam a mesma fórmula e os mesmos clichês. Junto a isso, a série The Walking Dead contribuiu para o processo. Claro que mesmo com esse excesso, havia alguns bons filmes sendo lançados. Quando a temática deu uma esfriada, tivemos bons lançamentos como Guerra Mundial Z (2013) e o longa sul-coreano Invasão Zumbi (2016) – que, em breve, receberá uma continuação aqui no Brasil.

#Alive também é um longa sul-coreano que apresenta uma premissa bem interessante e diferente, mas que infelizmente cai no clichê durante a exibição.

Alive tem um problema que fãs da Netflix não conseguem ignorarEm #Alive um misterioso vírus começa a se espalhar por Seul e este é responsável por transformar as pessoas em zumbis. Enquanto isso um jovem que, de certa forma, vive recluso jogando videogames em seu quarto precisa sobreviver dentro de seu apartamento. De início, o jovem utiliza toda a tecnologia disponível em seu quarto para investigar a situação e se manter em isolamento na espera de que tudo passe – sendo esta, inclusive, uma situação parecida com a que o mundo vive desde março com o surto da covid-19.

A forma como o roteiro retrata o vírus é bem interessante pois o telespectador não tem conhecimento sobre ele de forma direta, e sim através de noticiários, fazendo com que haja uma certa identificação com o protagonista. Afinal, da mesma forma que ele, nós que estamos assistindo também não sabemos o que está acontecendo fora do apartamento. Além disso, o longa trabalha com o uso da tecnologia para mostrar como seria um apocalipse zumbi nos dias atuais e mostra as consequências do isolamento social provocadas no decorrer do longa.

Review: Korea's "#Alive" Is a Perfect Zombie Movie for the Coronavirus Era | Cinema Escapist

No segundo ato, ainda, há a introdução de uma segunda personagem que lida com o apocalipse zumbi utilizando instrumentos clássicos como binóculos e outras ferramentas para sobreviver. De certa forma, ver esse paralelo e a forma na qual ambos os personagens interagem e lidam com a situação de maneiras diferentes são bem interessantes e bem trabalhadas pelo diretor.

Infelizmente, a partir do terceiro ato, o longa cai no clichê e se torna, em uma sequência, um filme de ação com uma conclusão previsível. Entretanto isso não tira o mérito do filme e nem estraga a experiência, apenas reduz o seu potencial de ir além em seu final.

Alive' Review: From Great Graphics, to Graphic - The New York Times

Então, é bom?

#Alive é um filme do gênero que inicialmente quebra um pouco do clichê que todo longa apresenta ao retratar a sobrevivência em um apocalipse zumbi. Entretanto, durante o seu terceiro ato, muda totalmente de gênero e recebe uma conclusão previsível e já vista em diversos filmes anteriores. A premissa do longa é muito interessante e bem trabalhada nos seus dois primeiros atos, mas no fim cai no que já vimos sempre – que é bem triste, pois havia bastante potencial para progredir a história se baseando nessa ideia inicial. Por fim, é um excelente filme do gênero para assistir e se divertir na Netflix, observando inclusive que ultimamente os melhores longas sobre zumbis são sul-coreanos.

Nota: 3.5/5

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O Halloween de Hubie: Mais um Genérico de Adam Sandler

Depois de lançar o excelentíssimoUncut Gems (Jóias Brutas) ano passado, Adam Sandler voltou para suas raízes e fez mais um filme utilizando sua fórmula repetida de comédia e atuação. O Halloween de Hubie foi lançado neste mês de Outubro na Netflix e, mesmo que seja mais um filme genérico do ator, se prova como uma divertida homenagem ao Halloween e como uma paródia aos filmes de terror – apresentando inúmeras referências à franquias já conhecidas, como Halloween de John Carpenter e Pânico de Wes Craven.

O Halloween do Hubie: Adam Sandler pode ter usado Netflix para vingança; entendaNo longa acompanhamos Hubie (interpretado por Adam Sandler), um cidadão abobalhado da cidade de Salem que ama as tradições do feriado norte-americano de Halloween que sofre bullying por todos ao seu redor e é o ”garotinho” da mamãe, sendo um homem puro, inocente e que quer a segurança de todos durante o feriado. Durante as festividades, começam a ocorrer desaparecimentos pela cidade e Hubie irá precisar desvendar o que está acontecendo sozinho pois ninguém acredita nele. Por fim, a construção do roteiro é a mesma vista em toda comédia do ator.

A trama é bem fraca e bem bobinha, mas já é o esperado pelo público quando se vê o elenco e a sinopse do longa. Porém mesmo que seja simples, o roteiro utiliza diversos elementos presentes em filmes de terror slash e satiriza-os de forma cômica, indo desde a reação dos personagens – que sempre é criticada pelo telespectador ao assistir um longa do gênero, até o plot e a revelação da ameaça. É bobo, é simples mas é bastante divertido e cumpre o seu papel com o público.

Adam Sandler a 'Hubie, a halloween hőse' filmmel tér vissza a Netflix képernyőjére! in 2020 | Adam sandler, Halloween movies, NetflixO grande problema do filme são os alívios cômicos. Durante todo o longa, os momentos de graça giram em torno de três elementos: o bullying que o personagem de Adam Sandler sofre e seus sustos, coisas que são jogadas no personagem enquanto ele anda de bicicleta na rua e a quantidade de coisas que sua garrafa térmica pode fazer – quero dizer, além de guardar a sopa do personagem, o objeto é capaz de virar desde um canivete até um secador de cabelo. Todos esses alívios cômicos se repetem a cada 10 minuto durante a exibição do filme, tornando-se enjoativo e previsível no decorrer do longa.

Bom, o elenco do filme já é conhecido por estar em todas as comédias anteriores do ator – com exceção de Ray Liotta, Julie Bowen (conhecida por seu papel em Modern Family) e alguns outros nomes infanto-juvenis. Adam Sandler interpreta o mesmo personagem bobo e caricato de sempre, com as mesmas expressões faciais e a mesma atuação desajeitada de sempre. O mesmo ocorre com Kevin James e os demais integrantes da equipe de ouro que acompanha Sandler em seus longas.

Every single cameo in Adam Sandler's Hubie Halloween

Então, é bom?

Não se tem muito o que dizer sobre mais um filme do ator que segue sua fórmula pronta de comédia. O Halloween de Hubie se prova como mais um longa genérico de Adam Sandler. Entretanto, mesmo apresentando alívios cômicos repetidos inúmeras vezes e que giram em torno dos mesmos elementos durante todo o tempo de exibição do filme, o título consegue se mostrar como uma homenagem ao feriado norte-americano e como sendo também uma sátira aos filmes de terror do subgênero slasher ao construir seu roteiro em cima de referências a outros títulos. No geral acaba sendo um filme divertido de se assistir com o ator interpretando ele mesmo mais uma vez, cumprindo o seu papel mais importante: entreter o público.

Nota: 1.5/5

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Nocturne: O piano, a irmã e o demônio

Se juntarmos Whiplash (2014) e Cisne Negro (2010), teríamos como provável resultado Nocturne. Embora acredite que o filme não seja absolutamente uma mistura dos dois – porque o resultado de uma junção total seria potencialmente melhor -, Nocturne sugere uma história de terror aos moldes dessas narrativas, misturando elementos psicológicos e sobrenaturais, tratando da obsessão em um cenário musical extremamente competitivo, requisitando sacrifícios de seus competidores, sejam eles no âmbito físico, psicológico, ou até mesmo espiritual.

Nocturne se apoia em uma ambientação muito bem fundamentada. Começando por uma cena completamente aterrorizante, onde vemos um corredor vazio fazendo alusão à “perspectiva kubrickiana”, ao passo em que revela uma porta semiaberta e o cometimento de um suicídio sem explicação aparente, nos introduzindo um mistério que perturba tanto o espectador como a própria trama. Esse momento é parte importantíssima da obra, e é tratado pelas pessoas da cidade como qualquer outro personagem genérico do gênero: “Viram que tal moça morreu?”. Apesar de tantas limitações criativas, Nocturne cria um cenário harmônico interessante, onde a obsessão pela perfeição, a tensão competitiva e o mistério sobrenatural se correlacionam. Somos apresentados à Juliet e Vivian, irmãs gêmeas que estudam no mesmo colégio de música e batalham por uma vaga em um instituto altamente reconhecido.

Vivian e Juliet podem ser gêmeas, mas vivem vidas distintas, apenas compartilhando gostos e sonhos semelhantes. Enquanto Vivian é bem-sucedida nos ensaios e nas apresentações, conseguindo vagas para competições, além de ter uma vida cercada de amigos, sexualmente ativa, Juliet, a protagonista aqui, é introvertida, com poucos amigos e sem atingir o prestígio musical de sua irmã. Mesmo sendo esforçada desde pequena, Juliet viveu às sombras da irmã pela vida toda. O sentimento ambíguo por Vivian é tratado de maneira pouco surpreendente, sendo mais um elemento genérico (dentre vários). A tentativa de se sobressair à imagem da irmã, traçando um horizonte de vingança e ódio, é um aspecto ultrapassado que não consegue ser abordado por uma outra perspectiva, tratando as impulsões da protagonista por meio de justificativas superficiais, dignas de produções juvenis de baixíssima qualidade.

Pelos exemplos acima, dos personagens discutindo as mortes aos fundamentos da protagonista, percebemos que esses elementos, apesar de genéricos, funcionam até determinado ponto. A responsabilidade disso está nas mãos do diretor Zu Quirke, que parece tirar leite de pedra. Para ser mais exato, o diretor busca tirar algo de proveitoso de um roteiro que, nas mãos de alguém um pouco menos capaz, resultaria em um novo 7 Desejos (2017) (Deus nos livrou dessa). As construções visuais e as soluções propostas por ele para exemplificar os esforços e os conflitos de Juliet são de alto nível, sejam por reflexos através de objetos em cena, ou da inserção da trilha em planos que têm algum valor à trama. Contudo, tenho a leve impressão que os sintomas do roteiro são altamente transmissíveis, porque afetam o próprio trabalho do diretor. Apesar dos esforços e das belas concepções visuais, a execução trava na pouca ambição refletida do roteiro. Nocturne não tenta impactar o público, criar uma história única, ou tentar, mesmo estando na zona de conforto, apresentar um material de alta qualidade. Nocturne é mais um tapa-buraco do catálogo do Prime Video que uma obra cinematográfica digna de nota.

E onde está o terror em Nocturne? Não existe uma resposta concreta para a pergunta; posso relatar que não há jump scares convincentes, ou algo que se desenvolva para criar um cenário amedrontador, o filme é tão leve nesse sentido que talvez funcione até para crianças. Infelizmente, Nocturne se inspira em grandes filmes, contudo, não os aproveita como deveria. Se tratando de Whiplash, a obsessão pela prática e o caminho em busca da perfeição poderiam dar à narrativa um peso opressor e dramático substancial, mas são quase que descartados do meio pro final; enquanto, por parte de Cisne Negro, os conflitos psíquicos de Juliet são minimizados, tratando superficialmente as relações entre ela e os seus obstáculos, comprometendo sua transformação enquanto musicista. Devido às atuações das atrizes Sydney Sweeney e Madison Iseman – com um futuro brilhante pela frente – os conflitos das personagens ganham uma parcela de dramaticidade, porém, o filme não se encontra, ficando em uma corda bamba, nem indo para o lado da trama psicológica, tampouco ao terror sobrenatural, ambos reduzidos às conveniências do roteiro previsível.

Nocturne, portanto, é um filme que tem seus bons momentos e, através das soluções de seu diretor e das ótimas atuações de seu elenco, consegue apresentar um ambiente introdutório que dita um tom misterioso agradável. Entretanto, suas competências esbarram em um roteiro absolutamente limitado, que não sabe expressar as reais intenções da história. Há sempre um limite para a quantidade de leite, possível de ser retirado, de uma pedra. Em um gênero tão amplo e complexo, que ganha cada vez mais notoriedade nas mãos de grandes artistas, obras pouco ambiciosas ficarão nas sombras do esquecimento.