Quadrinhos Torre Entrevista

Torre Entrevista: Thiago Ferreira (Comix Zone)

Escrito por Ricardo Ramos

Era uma vez um alagoano. Ele morava no Canadá e tem uma paixão por quadrinhos. Então ele criou, em 2015, um canal no Youtube. E mesclando boas indicações de quadrinhos, resenhas e bebendo nas lágrimas dos haters, surgiu o sonho de se tornar um editor de quadrinhos e tocar a sua própria editora. Eis que surge Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz, já conceituado romancista, e assim nasceu uma parceria que ninguém esperava, Thiago Ferreira, o popular Arromboss,ambos lançam a Editora Comix Zone em 2019. 

Com a meta de publicar HQs que fujam do lugar comum, lançar artistas inéditos, histórias boas e com mensagens edificantes, a primeira publicação da Comix Zone foi a Canção de Rolland (2019) do canadense Michel Rabagliati, até então inédito no Brasil. De lá para cá a editora lançou importantes publicações, se tornou a casa da lenda Lourenço Mutarelli, sucesso de críticas, tanto nas histórias quanto na qualidade gráfica e arrebatou o Troféu HQMIX. 

Mas, Thiago sempre fala que um dos pilares mais sólidos na editora é a atuação do canal homônimo no YouTube. Com quase 60 mil inscritos, ele é o elo entre público e editora, que ajuda a impulsionar no sucesso crescente a cada publicação. 

Aqui batemos um papo com o Thiago Ferreira, via áudios de Whatsapp, onde ele falou sobre início da editora, união com o Ferréz, a “missão” da editora, como se tornou a casa do Mutarelli e o seu sonho de princesa. 

1 – O que você está lendo atualmente? 

Em Ondas (Editora Nemo) e Imbatível (Editora Saber Ler). 

2 – Eu me lembro de um vídeo seu, um pouco antes de começar a editora, falando sobre fazer o que gosta. Se não me engano você falou que saiu do trampo que estava e ia iniciar em algo que sempre amou fazer, então veio a editora. Passados, acho que três anos, nem vou perguntar se está satisfeito com a decisão porque é óbvio a resposta, mas você achou que em algum momento tinha queimado a largada e antecipado o processo, ou pensa que poderia ter feito antes? 

O tempo foi perfeito. Não saí nem cedo demais e nem tarde demais. o empurrãozinho foi dado pelo meu antigo chefe da agência de marketing, onde trabalhei por seis anos. Sempre tive meus projetos paralelos, sendo o primeiro deles o canal. Quando comecei a “trampar” na editora, eu ainda estava como designer. Só que aos poucos meu chefe começou a reparar que eu estava rendendo cada vez menos no meu trabalho de verdade, porque minhas energias estavam na editora. Então no final de 2019, ele me chamou na sala dele e disse que estava feliz pelos meus projetos pessoais, até porque nunca escondi o que eu fazia, mas eu precisava escolher o que eu queria fazer da vida.

Porque fazer as duas coisas não dava, ele me disse que eu precisava decidir se ia focar no trabalho ou nos projetos pessoais. Essa conversa foi numa sexta-feira, na segunda-feira seguinte eu pedi demissão. Ele entendeu de boa, porque ele sabe o valor e o peso de ter projetos pessoais. Foi no tempo certo, nem cedo demais, nem tarde demais.

3 – Já vão completar três anos que a editora Comix Zone está na ativa, e meio que ela ditou algumas melhorias no mercado, juntamente com a Pipoca & Nanquim, Figura… o que foi bom, porque merecemos sempre melhores histórias e com produtos de grande qualidade. Você acha que tanto o leitor e o mercado estavam preparados para essa “subida de sarrafo”? 

Eu gosto de pensar sim que somos responsáveis por uma melhoria nos quadrinhos publicados no Brasil. Graças a nossa curadoria, eu acho que ajudamos a sofisticar mais o leitor que está pensando menos em quadrinho de super-herói descartável e está dando uma chance para quadrinhos de outros gêneros, de outros países…, mas isso não se deve somente ao trabalho da editora. Se deve muito ao canal do Youtube, que veio muito antes da editora. A editora é de 2019 e o canal existe desde 2015, e essa confiança que construímos ao longo desses anos, fez com que os leitores confiassem nos quadrinhos que nos publicamos. A editora não vive sem o canal, é uma ligação direta. O sucesso vem muito desse vinculo. 

Ferréz

4 – Como foi essa união com o Ferréz? De onde surgiu essa parceria? 

O Ferréz eu só conhecia de nome. Nunca tinha lido nenhum livro dele, mas sabia quem ele era por causa do Instagram. Eu já tinha feito alguns vídeos falando sobre a minha vontade de ser editor de quadrinhos, dos cursos que tinha feito, mas eu sabia que nunca ia conseguir montar uma editora morando no Canadá. E o Ferréz acompanhava o canal, e eu não sabia disso, então um belo dia ele me enviou uma mensagem, isso foi em abril de 2019, depois de assistir um desses vídeos. Ele me perguntou se eu não queria entrar em algum projeto com ele, até então não tinha o papo de editora ainda. Era um projeto ou algo parecido. Então sugeri montar uma editora e ele topou na hora! Parecia até mágica, saca? Sabe aquele lance de duas pessoas que parecem que se conhecem ao mesmo tempo? Foi isso. Tudo comigo e com o Ferréz acontece de forma bem rápida, direta. Não tem isso de reunião, demora e tal… a gente conversa, acerta e faz. E até hoje funciona assim. 

5 – Como rola a escolha das obras para serem adquiridas e publicadas? Rola uma leitura de ambos, ou tem aquilo de “cara, vamos fazer isso aqui que essa parada é boa”. 

A curadoria é feita 100% por mim. Como moro no exterior tenho acesso ao que está sendo publicado aqui fora. Como novidades e backlist das editoras, o material um pouco mais antigo e monto uma lista das coisas mais interessantes. Eu faço um pitch para o Ferréz. Aquele pitch de elevador de um ou dois minutos com premissa do quadrinho e porque ele seria pertinente. Se ele comprar a ideia, a gente corre atrás, adquire os direitos e publica. Ele não lê os quadrinhos antes, até porque os quadrinhos na esmagadora das vezes são importados e ele não fala nem francês e nem inglês. É uma relação de confiança. Ele confia no meu gosto e que tem se provado as escolhas editorais são bem acertadas. Eu costumo falar que o Ferréz é o meu primeiro cliente, eu faço o pitch e se ele achar interessante corremos atrás para publicar. 

A Canção de Roland foi a primeira publicação da Comix Zone em 2019.

6 – Qual a publicação que te deu mais prazer de fazer? Aquela que te dá um puta orgulho. E aquela que você pensou que fosse estourar demais, tanto na parte financeira quanto na parte de reação da galera e não foi tão bem assim? 

Todos os quadrinhos dão um certo prazer, principalmente quando nós o terminamos (risos). Mas de orgulho… tem uns que gosto mais… gosto de todos (pensativo), Paracuellos e a Grande Farsa são dois que eu gosto muito, recentemente teve O Guarani e Contos Ordinários de uma Sociedade Resignada, porque são dois autores que nunca foram publicados no Brasil antes. E a editora vai, publica, as pessoas falam a respeito deles e eles são sucesso. Isso é o que me dá mais prazer. Ser capaz de colocar no mercado um quadrinho que as pessoas nunca tinham ouvido falar antes. Graças ao trabalho que fazemos no canal, as pessoas confiam, compram e elas adoram. E falam a respeito e passam para frente. Esses são apenas alguns que mais gosto, mas gosto de todos. 

7 – A Comix Zone será destinada para quadrinhos ou teremos também livros publicados? 

Existem sim conversas sobre publicar livros, acho que pode acontecer no futuro, mas não posso confirmar nada. 

8 – Vamos falar de O Golpe da Barata – Tem Fantasmas em Casa. Eu li umas resenhas sobre ela e todas foram bem taxativas: é uma história pesada, mas necessária de ser contada. Como foi o processo de negociação e edição de uma história tão importante? 

O Golpe da Barata é um quadrinho muito importante. É uma aposta da editora. Um quadrinho que vai impactar muita gente, fala de um tema super relevante. O primeiro quadrinho escrito por uma mulher na editora e isso alivia um pouco a gente. Porque, infelizmente, o nosso catalogo era muito masculino, mas sabemos que estamos longe ainda do ideal, mas estamos trabalhando para mudar isso e trazer mais mulheres para o nosso catalogo. Foi um quadrinho super tranquilo de contratar, até porque a Gata Fernandez é autora nova, desconhecida no país, ou seja, não tem muita gente se “estapeando” (risos). Agora eu acho que vai ter mais gente olhando para as obras dela. Essa é a vantagem de olhar para onde ninguém está olhando, encontramos boas histórias de grande relevância sem grandes concorrências. 

9 – No lance de publicar Che, que é um clássico do quadrinho sul americano, pareceu ser um sonho bem antigo de vocês. Essa ainda tem um texto do Guilherme Boulos. Como surgiu a ideia do Boulos criando um texto? 

Eu não digo que publicar o Che era um sonho. Não sei se era para o Ferréz. Mas era uma coisa que ia acontecer, ainda mais depois de publicarmos cinco obras do Breccia no Brasil. Depois de publicar somente material inédito, e chegou a hora de fazer essa reedição. E por se tratar de uma reedição, já que ele tinha sido publicado pela Conrad em 2008, a gente queria fazer algo diferente. A minha ideia logo de cara foi chamar realmente o Boulos. O Ferréz que é muito bem relacionado é amigo do Boulos, ele então fez o convite que foi aceito prontamente. 

Che, de Oesterheld, Alberto Breccia e Enrique Breccia, tem um texto do Guilherme Boulos.

10 – Se lembra de quando falei de “elevar o sarrafo”? Hoje em dia temos diversas editoras trazendo grandes obras e com qualidade ímpar. Além de vocês, tem a Figura, Pipoca, Skript… e umas outras que já tinham um tempo no mercado também apresentando obras que dificilmente veríamos por aqui. A concorrência é grande e boa, como consumidor eu acho muito bom isso. Como manter esse movimento sempre engrenado e que fique acessível financeiramente tanto para editoras e para os leitores? 

É… hoje em dia a gente tem muita editora brigando por um dinheiro de público que é bem reduzido. A gente sabe que o quadrinho no Brasil é algo muito de nicho, mas temos o nosso trunfo que é o canal que rola desde 2015, repito, a editora não seria nem de perto tão bem sucedida se não fosse esse relacionamento estreito com o público. No canal do Comix Zone são quase 60 mil consumidores em potencial. E acho que uma editora para ser bem sucedida hoje, precisa do público e ter um material diferenciado. Mas também não adianta ter um material diferenciado se não saber trabalhar aquilo, não souber atingir as pessoas para quem o produto é destinado. Como eu disse, a editora e o canal andam juntos, mas sim o mercado fica cada vez mais concorrido a medida em que mais editoras surgem e o poder de compra do brasileiro fica cada vez menor. 

Thiago além de analises de quadrinhos e anúncios da Comix Zone, também lida com o amor dos haters em seu canal do Youtube.

11 – Qual seria o “sonho de princesa” que você gostaria de publicar pela Comix Zone? 

Meu Sonho de Princesa…. já realizamos alguns, temos tantos outros que gostaríamos de realizar e que vamos realizar. Mas não posso falar porque tem editora por aí querendo “furar os nossos olhos” (risos). O que posso passar é que tem um quadrinho escrito por Mark Russell ilustrado por um brasileiro e que vamos publicar e estou muito animado. Tem outro quadrinho, na verdade é uma série contratada, escrita e desenhada por Marc-Antoine Mathieu, o autor de Deus em Pessoa, que eu sou apaixonado desde que li pela primeira vez, e que vocês mal perdem por esperar. É algo impressionante e que será publicado ainda esse ano. 

12 – O Ferréz falou lá no Flow Podcast, e em algumas outras ocasiões, que o grande barato ou “missão” da Comix Zone é poder publicar coisas que passariam batidas por aqui, ou momentos da história que são esquecidas de propósito. Por exemplo, O Guarani, em todo meu ano letivo, apenas dois professores contaram esse episódio. Agora tem esse, digamos, resgate com Che de Oesterheld e Breccia. Você acha que essa é a principal “missão” da editora ou não tem nada disso, o lance é publicar boas histórias. 

O Ferréz está certo! Uma das grandes missões que temos na editora é aumentar a bibliodiversidade. Não só no nosso catalogo, mas nos quadrinhos do Brasil como um todo. O maior tesão que eu tenho é mostrar para o público um quadrinhista, em um lugar totalmente estranho que ele nunca tinha ouvido falar e tornar aquele nome conhecido e desejado. O que eu mais gosto é quando alguém chega e me fala: “nossa, eu não conhecia isso e preciso desse quadrinho”. O que eu mais gosto é publicar gente nova. 


13 – Vocês se tornaram a casa do Lourenço Mutarelli. E aposto que muitos leitores mais novos, nem conheciam a obra dele tanto assim. A importância de apresentar Mutarelli para essa galera mais nova é imensa. Foi algo pensado trazer o Muta desde o começo da editora e que foto é aquela lá que você postou essa semana marcando o Mutarelli? Pode adiantar algo? 

Publicar a obra do Mutarelli não era necessariamente algo que passava na nossa cabeça quando a gente abriu a editora. Mas quando foi, mais ou menos, na altura do nosso segundo lançamento, alguém do nosso grupo no facebook, em um post sobre catalogo, falou: “Pô, o Ferréz é amigo do Lourenço. Porque vocês não falam com ele para republicar os quadrinhos dele?” Na hora meus olhos brilharam! Eu falei com o Ferréz, como eu disse antes, não somos de conversinha. A gente fala e faz. Falei com ele, eram oito da manhã, duas horas depois, Ferréz me retorna e fala que tinha conversado com o Lourenço e estava tudo certo (risos). Por que o Ferréz é assim. E ele é muito amigo do Lourenço. Tem muitos trabalhos, como o Capa Preta, que o Lourenço não tinha menor vontade de republicar. E ele só permitiu porque ele é amigo do Ferréz. E assim nos tornamos a casa do Lourenço Mutarelli. E em setembro teremos mais uma republicação dele que será o Astronauta ou Livre Associação de um Homem no Espaço, que tem a peculiaridade de ser um quadrinho escrito pelo Lourenço, mas que não foi desenhado por ele. O quadrinho teve um processo bem interessante que envolveu mais três pessoas além do próprio Lourenço. Foi publicado pela primeira vez pela Zarabatana e será republicado em uma edição de aniversário com muito extra bacana e um projeto gráfico que vai deixar a galera babando. 

14 – E na vibe de quadrinhos nacionais, existem possibilidades de mais autores nacionais serem publicados pela Comix Zone? 

Estamos com um quadrinho original sendo produzido por uma pessoa absolutamente brilhante, mas que não posso entrar muito em detalhes e outro projeto que estou louco para mostrar para vocês. E a gente pensa sim na produção de quadrinhos nacionais e vai rolar. Até porque a Comix Zone é uma editora multinacional, com o Ferréz no Brasil e eu aqui no Canadá, e quero muito licenciar quadrinhos para publicar aqui no exterior. Sobretudo na Europa, principalmente na França, Canadá e EUA. 

 15 – Para encerrar, meu chapa, qual os projetos do Thiago e da Comix Zone para esse resto de 2021? 

Veja, eu sou um homem simples. Tudo que eu quero é continuar publicando quadrinho legal, continuar apresentando quadrinhistas incríveis para o público brasileiro, continuar vendendo gibi e fazer essa máquina girar, quem sabe em breve expandir a equipe, contratar um designer talentoso para dividir a produção comigo. Por que tá foda (risos). Mas não tenho o que reclamar, 2021 tem sido um ano incrível e espero que siga assim até o final. 

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Sobre o Autor

Ricardo Ramos

Gibizeiro, escritor, jogador de games, cervejeiro, rockêro e pai da Melissa.

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