Detective Comics Quadrinhos

A Importância Histórica e Sentimental de Paracuellos

Escrito por Ricardo Ramos

“Adeus Pablito… cê é meu melhor amigo… valeu… se não fosse por você…”

Em muitas resenhas usamos o famoso jargão: “esse quadrinho provoca uma mistura de sentimentos enquanto lemos”, e Paracuellos de Carlos Giménez não foge disso. Mas o diferencial da obra é que incrivelmente você se sente como um dos meninos nos abrigos, chamados de Auxílio Social. Você sente a angustia de estar lá, o medo das governantas, a expectativa perto da visita dos pais, a alegria de alguma brincadeira entre eles, os sonhos de cada um, a violência que sofriam… até quando sentem fome, você sente também.

Particularmente, em alguns momentos foi uma leitura muito difícil. As seis primeiras histórias me deixaram com o coração muito apertado. Paracuellos já começa com os dois pés na porta, onde Carlos Giménez já deixa claro a proposta de contar aquela história. Como eu disse, em alguns momentos a leitura foi muito difícil para mim. Os meninos dos abrigos, em sua maioria tem entre três, quatro, cinco, seis anos… e muitas vezes pensava em minha filha que tem quatro. Como a crueldade de um regime fascista pode chegar e atingir não somente os adultos e locais, mas também as crianças. De como uma uma ideologia religiosa forçada e doentia é perigosa e violenta. Mas, também como eu disse antes, Paracuellos também tem seus momentos mágicos. De esperança. Em que sorrimos das brincadeiras dos meninos. Sonhamos os seus sonhos.

E acho que seguir os sonhos dos meninos é uma das coisas mais gostosas em Paracuellos. Carlos Gímenez, que foi um desses meninos, e também sofreu, sentiu fome, saudades da família, sentiu o abandono… mas também sonhou. Giménez conduz em histórias que passam do limite de ser “somente quadrinhos”. Paracuellos tem sentimentos e desperta sentimentos. E engana-se que somente é no sofrer que nos vemos na pele de Pablito, Modesto, Adolfo, Peribañez e outros. O humor faz esse papel muito bem! O humor que Giménez emprega cria empatia juntamente com um traço um tanto cartunesco.

Além de demonstrar os sentimentos, medos, sonhos desses meninos, Paracuellos tem um papel importante em quebrar um longo período de silêncio, apesar de inúmeros esforços para deixar as atrocidades no limbo, e desnuda um capítulo da história espanhola que não era mais falado. De como os acólitos de Francisco Franco usavam de todas as ferramentas para subjugação (disciplina, regulamentação do tempo, classificação corporal e segregação forçada) para reeducar as mentes jovens. A denúncia de Giménez ao próprio regime que criou os lares para moldar a ferro e fogo meninos obedientes, transformada em uma linha narrativa perfeita. Muitas vezes o leitor esquece que os volumes são tiras costuradas e a transição entre uma história e outra fascina e envolve o leitor de tal forma que, sendo repetitivo aqui, faz o leitor criar laços e se sentir como um dos meninos.

Paracuellos é um registro histórico importante e fundamental para os dias de hoje. Vale lembrar que muita dessas histórias do Regime Franquista ficou escondida, acobertada, sendo deturpada como qualquer ditadura covarde faz. E sabemos disso, porque a história brasileira recente ainda é muito nebulosa. Giménez começou a fazer Paracuellos um ano após a morte de Franco, o maior simbolo desse tempo terrível. A farsa dentro das casas sociais eram embasadas com as cartas dos meninos que só iam para os seus pais ou parentes, se estivessem de acordo com os administradores dos abrigos, é somente um dos exemplos do desvio de verdades que acontecia.

A edição da Comix Zone está com todo luxo que uma obra que tem um peso histórico importante e em seu currículo praticamente todos os prêmios de quadrinhos europeus, inclusive o Melhor Álbum no Festival de Angoulême (1981). O volume de 208 páginas e capa dura, apresenta metade da obra de Paracuellos. O prefácio de Pedro Bouça introduz o leitor no clímax da época e de Carlos Giménez e a edição está muito competente. A tradução é de Jana Bianchi. Mais um belo trabalho da editora que vem se firmando no mercado nacional com grandes obras.

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Sobre o Autor

Ricardo Ramos

Gibizeiro, escritor, jogador de games, cervejeiro, rockêro e pai da Melissa.

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