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Luca celebra a amizade e a autodescoberta

É sabido dizer que as animações da Disney/Pixar sempre evocam vários sentimentos em quem assiste e também gostam de abordar muitos temas presentes em nossas vidas como amizade, vida e até mesmo a morte. Isso ajuda a quebrar aquele estigma de que os filmes animados foram feitos apenas para as crianças. Depois de inúmeras produções, esse argumento já nem merece ser utilizado nas rodas de discussões. Até o mais bobinho consegue trazer uma mensagem bonita. Eis que a bola da vez é Luca.

Em Luca, acompanhamos uma história de amadurecimento sobre um jovem que vive um verão inesquecível repleto de sorvetes, massas e passeios intermináveis de scooter. Luca compartilha essas aventuras com seu novo melhor amigo, mas toda a diversão é ameaçada por um segredo profundamente bem guardado: eles são monstros marinhos de outro mundo, logo abaixo da superfície da água.

O filme aborda alguns processos que a maioria já passou durante a infância (e até se prolonga depois disso). O primeiro envolve em ser curioso(a). Luca carrega em si esse lado de sempre querer entender o seu redor, mesmo que seja explorar o desconhecido. Dá aquele salto de fé, sabe? Em certos aspectos de nossas vidas, estamos sempre dando esse tipo de salto rumo ao desconhecido. Vivemos explorando o que nos instiga e assim por diante.

Esse contato com o novo só aumenta quando Luca sofre restrições de sua mãe sobre o perigo da superfície. Quem nunca foi testado dessa forma? Quem nunca questionou se a advertência da mãe era apenas bobeira de mãe? Nosso personagem tomou nota dessas perguntas e não desistiu. Ainda mais depois de conhecer Alberto. Assim, partimos para o próximo processo.

Luca Paguro enfrentou o desconhecido e encontrou em Alberto Scorfano a sua primeira amizade na superfície. Por ser um dos seus, ficou bem mais fácil rolar uma identificação. Quando o santo bate de forma positiva com o outro, segundo o ditado popular. Antes dessa entrega, Alberto tratava Luca com total indiferença. Mas aí veio o apego e a amizade se tornou cada vez mais forte, transformando as várias aventuras bem divertidas de serem acompanhadas em Portorosso.

A amizade ganhou uma terceira parte no nome de Giulia Marcovaldo, que sem dúvidas foi o fator importante para o amadurecimento de Luca sobre os diversos estudos que acontecem na superfície, até então desconhecidos para o mesmo. É o tipo de amiga que acaba influenciando o caminho que você seguirá dali em diante. E da curiosidade e amizade, vamos para o próximo processo que gerou debates pela santa internet.

A trama apresentou de uma maneira totalmente positiva o conceito da autodescoberta, ou seja, descobrir quem é você por dentro e também por fora. Luca viveu escondido de uma sociedade que o julgaria ser um monstro por sua aparência sem ao menos conhecê-lo melhor. Então, o Alberto foi esse pilar essencial para o personagem se libertar dessas amarras impostas pela família e ser feliz do jeito que ele é. Só que não é um processo fácil, como o próprio filme mostrou em uma determinada cena. Quando quem está ao seu redor não conhece o seu verdadeiro eu, o medo da rejeição se torna assustador. E o filme transmite cada etapa dessa autodescoberta de forma natural e bem fluída. Não tem exageros. É puro, simples e bonito.

Apesar de sentirmos uma certa alegoria à descoberta da orientação sexual dos personagens, o diretor Enrico Casarosa comentou que o longa não possui contexto homossexual nas entrelinhas. Que Luca é um filme que celebra a amizade destes personagens cativantes.

Belíssimas paisagens que serviram de inspiração para Luca.

(As imagens acima retiradas de Melhores Destinos)

Os cenários do filme foram inspirados na região da Ligúria, onde estão destinos como Cinque Terre e Gênova. a inspiração para o cenário de Luca não é um acaso do destino. Foi nessa região que Enrico passou a infância e viveu boas aventuras, também com um amigo chamado Alberto.

“Esta é uma história profundamente pessoal para mim, não apenas porque está localizada na Riviera Italiana, onde eu cresci, mas também porque o que está no centro desse filme é uma celebração da amizade. Muitas vezes, as amizades da infância determinam a direção das pessoas que queremos nos tornar, e esses laços estão no centro de nossa história em ‘Luca’”, disse o diretor. “Então, além da beleza e charme da costa italiana, nosso filme apresentará uma aventura de verão inesquecível que mudará fundamentalmente Luca”, completa. Via: Melhores Destinos

Nota: Ouro.

Luca está disponível atualmente no Disney+.

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O Quentinho no Coração de Só Mais Uma história de uma Banda

“Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo…”

Como a própria Germana Viana definiu em Só Mais Uma história de uma Banda é realmente sobre isso que fala esse quadrinho. Bobagem. Coisas meigas. Amor. Romance juvenil. Amigos da juventude. desencontros. Mágoas passadas. Mas veja bem, a HQ é uma lição de amor em todas as esferas em diversas escalas e notas musicais. E aquele tipo de história que causa aquele quentinho no coração, como se fosse aquele filme que você adora assistir, cheio de clichês e que cada vez que você assiste você se sente bem. Sente-se revigorado.

A história de Só Mais Uma história de uma Banda narra a carreira meteórica da banda Cecília Não Sabe Cantar, que era amada pelos alternativos e também pelo público mais pop. As pessoas mais próximas da banda dizem que o rompimento não foi bonito, embora nunca souberam o real motivo. Agora, mais de vinte anos depois, Gramophone Plugado, um grupo de influencers convida Marcelo Carvalho, Roberta Bueno, Raul Vieira e os irmãos Mariana e Robson Mendes para um show de reunião do Cecília Não Sabe Cantar. Mas a questão é: Eles vão conseguir recuperar o que perderam naquele verão de 1998?

Essa é a questão de Só Mais Uma história de uma Banda. Olhar para o passado e entender o que passou, as palavras ditas em momentos de raiva e os amores que se abre mão. Mas sempre que você perdeu, ou deixou de viver, uma história no seu passado o motivo pode ter sido diversos, mas na maioria está envolvido pelo ego de alguém. O não saber querer ouvir a outra parte, traz uma destruição de momentos que poderiam ser lindos. Quantas vezes engolimos o nosso orgulho quando jovens (e às vezes depois de velhos) e deixamos um momento importante escapar?

Germana Viana pegou esses sentimentos e em uma história leve apresenta uma lição de vida. E ainda fez isso se visto e criou empatia na vida de quem ler a HQ com um romance homossexual. Seria fácil a autora pegar e jogar para a galera uma história de amor que se perde pelos anos usando um homem e uma mulher. Como vemos aos montes por aí. Mas ao usar pessoas do mesmo sexo, ela faz o leitor se sentir dentro da pele tanto do Marcelo e/ou do Raul e relembrar que todos já agiram do mesmo jeito que eles.

Em um mundo que as pessoas estampam seus preconceitos com motivo de orgulho e bradam imbecilidades para que todos saibam, ter uma história que soa simples e clichê como Só Mais Uma história de uma Banda é fantástico. Pois ela espelha sentimentos e ações que todos, e digo todos sem exceção, alguma vez na vida (muitas vezes mais de uma vez) já realizaram, e no futuro ficamos pensando: “e se eu tivesse feito assim…”.

Só Mais Uma história de uma Banda é sobre isso. É sobre amor, arrependimento e recuperação. E entrega de forma incrível e formidável aquela história que esquenta o coração e te faz sorrir e ficar feliz no final. Uma bela história nesses tempos nebulosos.

A Germana Viana disponibilizou gratuitamente em PDF a HQ Só Mais uma História de uma Banda, em homenagem ao mês do Orgulho LGBTQIA+, para poder ler é só clicar AQUI.

 

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Alex Kidd in Miracle World DX chegará ao Brasil no dia 22 de junho

É exatamente isso, Alex Kidd retornará ao Brasil após três décadas, Alex Kidd in Miracle World DX chegará por aqui no dia 22 de junho, ao PC, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series S e Nintendo Switch. Isso graças a Merge Games, em conjunto com os desenvolvedores do Jankenteam.

Assista ao trailer abaixo, que retorna com um gostinho conhecido por muitos, e aclamado por vários. O retorno daquele que fez sucesso no SEGA Master System em 1986, correndo e pulando nas lendárias terras de Radaxian. Porém, agora assoladas pelo nefasto Janken, O Grande.

Alex Kidd in Miracle World DX trará o conteúdo que já conhecemos, ou pelo menos sabemos que existe, de uma forma reimaginada para as plataformas atuais, também mergulharemos o lendário Alex em novos ambientes, e novas fases, além de nos apresentar a uma impressionante direção de arte, e um sistema aprimorado de batalha contra os boss e modos de jogo inéditos!

 

O modo Retro Mode, da ao jogador a possibilidade de a qualquer momento, modificar o estilo gráfico de Alex Kidd in Miracle World DX, assim,  jogando este novo título como se estivesse no clássico Master System; já no novo Boss Rush Mode, poderemos experimentar partidas infinitas de Jan Ken Pon. Conteúdos extra e de imensa qualidade que expandem a amada versão do Master System.

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Conheça “Chainsaw Man”, o mangá sobre um… adolescente motosserra!

Antes de eu entrar de cabeça no mundo otaku, sempre ouvia (e não entendia) quando me diziam que existem animes e mangás sobre literalmente qualquer assunto, por mais improvável que pareça.

Escrito e ilustrado por Tatsuki Fujimoto (Fire Punch), Chainsaw Man foi publicado no Japão pela Weekly Shōnen Jump entre 2018 e 2020, sendo a sua primeira parte concluída em 98 capítulos. Contando com 4.181.650 cópias vendidas no Japão durante o primeiro semestre de 2021 e ocupando o 5º lugar no pódio de vendas, o jovem motosserra ultrapassou títulos como Boku no Hero, Haikyuu!! e One Piece. Aqui no Brasil, a obra está sendo publicada pela editora Panini.

No mundo de Chainsaw Man, os demônios já fazem parte do dia-a-dia da humanidade. Estes, que são dos mais diversos tipos (tem demônio tomate, demônio katana, demônio pistola, demônio tubarão…), se alimentam dos seres humanos, também podendo possuí-los ou usá-los como desejarem. Por oferecerem tamanho risco para a população, os demônios são caçados, tanto por civis como pelo próprio Governo. Além da caça, o Governo também realiza “contratos” com alguns demônios, oferecendo algo em troca do uso das habilidades do infernal.

Demônio Tomate: o terror das saladas.

Nosso protagonista, Denji, é um jovem de apenas 16 anos que, por dever uma enorme quantia de dinheiro à Yakusa (dívida essa que foi herdada do seu pai), trabalha cortando árvores e caçando demônios, usando os ganhos para tentar abater o valor que deve aos mafiosos. Em razão dessa dívida, o pobre adolescente já vendeu um olho, um rim e até um testículo para arrecadar ainda mais dinheiro, e vive em condições completamente miseráveis.

Denji em frente ao túmulo de seu pai. No carro, o chefe dos Yakusa.

Você deve estar se perguntando: ok, mas onde que a motosserra entra nessa história toda? Tudo começa quando, ainda criança, Denji encontra um demônio com a aparência de um cachorrinho, tendo o diferencial de ter uma motosserra na cabeça. Como o cachorrinho-serra estava quase morrendo, o jovem lhe oferece um pouco de seu sangue, ação que salvaria o pequeno demônio. Contudo, o salvamento não foi de graça: em troca, Denji usaria as serras do cachorro para trabalhar e conseguir ganhar dinheiro. Começa, então, a grande amizade dos dois, sendo o demônio batizado de “Pochita“.

Denji e Pochita.

É em uma noite, porém, que a vida de Denji muda completamente. Chamado pela Yakusa para matar um demônio, o jovem é levado até um prédio abandonado, sendo encurralado em uma armadilha. Os mafiosos, que tinham como objetivo ficarem mais fortes, decidem realizar um contrato com um demônio e entregam Denji à ele. O infernal, que tinha como poder transformar as pessoas em zumbis, manda a sua horda esquartejar o adolescente, que é rapidamente morto e jogado em uma lixeira.

Nesse momento, como única opção de manter seu parceiro vivo, Pochita se une ao corpo de Denji, dando a ele seu coração em troca do jovem lhe mostrar seus sonhos. Com seu corpo totalmente regenerado, Denji agora possui uma pequena corda em seu peito, que, ao ser puxada, lhe dá os poderes do pequeno demônio. Saindo da lixeira cheio de raiva, o jovem puxa a corda, se transforma em motosserra e dizima todos os zumbis em uma cena extremamente violenta. Após o massacre, caçadores de demônios do Governo chegam ao local e encontram Denji, lhe fazendo uma proposta: se o garoto aceitar trabalhar como um caçador para o Governo, será tratado como um humano e recebera comida, abrigo e um salário; se recusar, será considerado como um demônio e, consequentemente, morto. Em uma escolha nem um pouco difícil para o protagonista, este vê no novo “emprego” uma maneira de finalmente ter uma vida descente e não passar mais necessidades.

Denji se transformando em Chainsaw Man.

Agora que Denji virou um caçador de demônios do Governo, somos apresentados a mais personagens importantes do mangá. A primeira que temos contato é Makima, a mulher que encontrou Denji após sua primeira transformação e que lhe fez a proposta de emprego. Logo de cara, vemos que o jovem se apaixona pela moça, tendo em vista que ela é a primeira pessoa que o trata “bem”. Ao longo da história, vemos que Makima esconde grandes segredos e mistérios, nos fazendo duvidar de que lado ela realmente está. Sem se importar muito com os sentimentos de Denji, e mesmo tendo consciência do que o rapaz nutre por ela, a personagem não liga de iludir e dar esperanças amorosas ao adolescente.

Makima.

Como não pode faltar, temos o personagem estilo Sasuke em Chainsaw Man também! Aki Hayakawa é um jovem caçador do governo que trabalha em uma unidade experimental, unidade essa que tem como integrantes pessoas que possuem algum poder derivado de demônios, como Denji. Sua maior motivação para se tornar um caçador foi a trágica morte de sua família, que foi assassinada pelo temido Demônio Pistola (demônio que é de grande importância na trama).

Denji muito animado ao lado de seu colega, Aki.

Uma integrante um tanto quanto “diferenciada” também faz parte da equipe experimental. Sendo uma possessa, ou seja, uma humana que foi possuída por um demônio, Power se torna parceira de Denji nas patrulhas e missões. Com o passar da história, vemos como a relação entre ela e o protagonista vai se desenvolvendo, e como ambos fazem para lidar com as evidentes diferenças.

Power, a humana que foi possuída pelo Demônio do Sangue.

O interessante de Chainsaw Man -além das serras, é claro- é que nosso protagonista não é daqueles personagens clássicos de shonen: Denji literalmente não tem grandes ambições. Em decorrência da sua vida miserável, seu objetivo se torna o que para muitos é apenas o básico do básico. Tendo 3 refeições diárias, um teto sobre sua cabeça, uma cama para dormir e podendo tomar banho todos os dias, o jovem está pra lá de feliz. Além disso, como toda pessoa adolescente, Denji também pensa -e muito- em sexo; sem nunca ter beijado e muito menos ter feito atos além, o jovem sonha em ter uma namorada, e em finalmente poder tocar em seios. Não posso negar que as repetidas piadas em torno do assunto “seios” se tornaram, pelo menos pra mim -uma jovem de 22 anos-, um tanto quanto cansativas. Por outro lado, consigo entender perfeitamente que, para alguém de 16 anos, sexualidade é realmente um tópico que não sai da cabeça, afinal também já tive essa idade.

Mesmo sendo um mangá publicado pela Shonen Jump, Chainsaw Man usa e abusa da violência, tanto gráfica como nos próprios diálogos. A situação de vida do protagonista, por si só, já é algo bem pesado, e a forma como ele inicialmente encara a vida nos mostra um adolescente que já perdeu quase que completamente a ambição e até mesmo a própria dignidade. Conforme a história se desenrola, novos personagens aparecem, novos demônios e muitas, mas muitas lutas. Carregado no senso de humor um tanto quanto ácido, o mangá consegue transitar de forma muito satisfatória entre os gêneros do humor, da ação, do drama e até mesmo do mistério, nos entregando uma obra viciante e que nos prende até o último capítulo.

Recentemente, foi anunciado que a obra ganhará uma adaptação em anime pelo estúdio MAPPA, mesmo estúdio que produziu Jujutsu Kaisen e Attack on Titan: Final Season. Sem uma data de estreia definida, temos pelo menos a data de lançamento do trailer oficial, que será em 27 de junho, no Japão.


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A experiência incrível, insólita e única em Mundo Pet de Lourenço Mutarelli

Para começar a falar de Mundo Pet é necessário saber o que não se trata apenas de uma coletânea de histórias. E sim são fragmentos de uma viagem insólita que mescla utopia, aversão as coisas tradicionais, mistério e um tanto de autobiografia de seu autor Lourenço Mutarelli. Aliás, peço aqui permissão para poder falar de Mutarelli, essa é minha primeira resenha sobre o escritor e penso que ainda preciso conhecer muito mais para poder falar sobre. Mas no bom clichê de toda resenha, nesse momento eu preciso escrever: “vamos lá!”.

E o temível clichê é muito presente nessas histórias. Mas não como uma falta de ousadia e inventividade do autor, mas porque ele deve estar ali mesmo. Como um personagem. Assim como a repulsa, o medo, a satisfação, a inocência, a alegria, o choro. Como a vida e a morte. Todos esses elementos e um pouco mais estão presentes em Mundo Pet. Um mundo criado por Mutarelli em cima de experiências próprias e que bizarramente em algum momento você reconhece alguma dessa experiência. Que pode ter acontecido com algum conhecido ou até mesmo com você.

Ler Mundo Pet é um exercício fora da caixinha. Não é como ler os quadrinhos que estamos acostumados a ler normalmente. E nem estou falando dos imbecis tradicionais super-heróis. Hoje o leitor brasileiro tem uma gama de diferentes formas de leitura, não tem a necessidade de ficar datado a Marvel/DC e suas tradicionais ideologias e modos de contar histórias. E para ler Mundo Pet você tem que abraçar o mundo que não está acostumado a ler, assistir e viver. Mas que está presente em todo momento em todos os lugares. Só insistimos ignorar com nossa presunção e arrogância.

Quando você abraça a leitura de Mundo Pet, que confesso pode ser difícil pela ausência de similaridades que muitos não tem ou não estão acostumados a ter, um novo campo de visão te encontra, te abraça e te beija como um amante desconhecido. Um beijo que te leva para casos bizarros em que você não sabe se torce para o protagonista das histórias se darem bem ou para simplesmente acontecer algo para terminar suas agonias. Como para Alfredo Consuelo em Crianças Desaparecidas ou para José Manoel Rotundo, vulgo Risadinha, em A Ninguém é Dado Alegar o Descobrimento da Lei.

Nesse misto de sentimentos existentes nas histórias de Mundo Pet, nos pegamos em sua arte diferente, bizarra e linda, nos espelhando em situações e casos. Lourenço Mutarelli escancara as portas da alma, revelando um sujeito fora dos padrões, sedimentado e esmagado por momentos irreversíveis da condição humana. Assim como em Kafka, a degradação humana se dá de maneira insólita, a partir de situações absurdas apresentadas como algo definitivo, incontornável e familiar.

Como em toda coletânea algumas histórias se destacam mais do que as outras. Mas em Mundo Pet, acredito que, a experiência de leitura de cada leitor faça que suas escolhas de histórias preferidas fique muito individual. Da minha parte eu destaco: Estampa Forjada, Meu Primeiro Amor, Dossiê Stick Note e a história que dá o nome a coletânea, Mundo Pet.

As histórias de Mundo Pet foram publicadas entre os anos de 1998 e 2000 originalmente para o site Cybercomix. Em 2004, a Devir Brasil chegou a publicar Mundo Pet. E agora ficou a cargo da editora Comix Zone, em um belo trabalho de resgate das obras em quadrinhos de Lourenço Mutarelli, que iniciou em Capa Preta (2019), trazer a experiência única de Mundo Pet para os leitores.

É uma experiência diferente, que raspa no fundo da alma e da sua mente. Mas é uma grande experiência. Grande e única.

 

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Vamos Salvar o Simbolismo do Superman! E isso é um trabalho para Calvin Ellis!!

Super-força? Visão de raio X? Sopro-congelante? Super-velocidade? Qual o melhor poder do Superman? Você pode enumerar poderes do maior super-herói de todos os tempos, ou melhor, o super-herói definitivo. O Superman é o personagem que sempre será visado, em visões diferentes, versões diferentes e de formas diferentes. Mas as melhores versões do Superman (e acredite tem muitas versões) são aquelas que o maior poder do personagem é melhor executado e utilizado: o simbolismo.

O Superman é um símbolo. E quando qualquer escritor usa esse poder especial que poucos heróis tem, possivelmente o Steve Rogers/Capitão América chega próximo, são as melhores fases e histórias do personagem. Quando pegamos o quadrinho Entre a Foice e o Martelo, que Mark Millar apresenta o Superman soviético, resolve se transformar em um símbolo e mudar toda trajetória daquele país. O simbolismo em que Grant Morrison apresenta em Grandes Astros, como é importante ser o Superman no mundo. Até mesmo o Superman do Frank Miller, em Cavaleiro das Trevas, é um símbolo. Mesmo que seja um símbolo da derrocada dos heróis, o maior e mais forte homem do mundo virou um fantoche do governo. São alguns dos exemplos.


Então entendemos que o Superman é um símbolo. E só isso responde a pergunta que está encravada no título desse artigo. Mas como isso pode funcionar nos cinemas? É só fazer o simples e convicto no estilo Pantera Negra. Com representatividade, com respeito, amor e sendo um símbolo para as pessoas. Não que o Pantera Negra não tenha sido, ou melhor, não seja. Mas estamos falando do maior super-herói de todos os tempos.

Criando uma comparação meio forçada até, é como colocar o Martin Luther King com todos esses poderes. É o símbolo que até então na grande mídia e até mesmo nos quadrinhos, nunca conversou com a raça negra. Apesar de existir o Superman da Terra-23, ele nunca teve tanta importância no Universo DC, aparecendo em sagas entre as Terras ou algo similar. Ninguém na DC Comics nunca usou Calvin Ellis para ser protagonista de algo grande e único. Calvin Ellis precisa deixar de ser esse personagem que simplesmente somente representa uma contraparte de outra Terra e ser utilizado no como o símbolo que o Superman sempre teve.

Em um mundo em que as diferenças sociais estão cada vez mais ativas, em que casos como George Floyd, ou então em casos de pessoas famosas cometendo falas ou atos racistas em programas de realitys shows, e mesmo assim essas pessoas ainda ficando em evidência e ganhando milhares de seguidores, ou as infindáveis injustiças sociais que ocorrem no dia a dia e que se tornaram “rotina”. Um personagem do peso e da importância do Superman ser negro é extremamente importante. É um símbolo que pode e deve ter um efeito fantástico sobre a sociedade. Para os dois lados, tanto para inspirar para o bem, para inspirar, como para os milhares de imbecis vomitarem seus preconceitos em seus teclados covardes e seus relinchos que nada passa de uma “lacração”.

O Superman sempre foi a figura do imigrante. Aquela pessoa que tenta se incluir em um mundo que não é seu, que não pediu para ficar, mas escolheu ficar lá e proteger aquele povo que ele adotou. E o super-herói que vive de escolhas, que com sua audição escuta milhares de quilômetros e todos os problemas em volta, e precisa estar em vários lugares e salvamentos em locais diferentes. O Superman precisa decidir, usando um exemplo “idiota”, se vai se dar o luxo de jantar ou salvar um trem caindo de uma ponte.

Algo como a população negra hoje em dia. Como a população nordestina. Como a população indígena. Como a comunidade LGBTQ+. Como muitas mulheres. Pessoas que precisam escolher entre andarem sozinhas, entrar em lojas sem serem desconfiadas, de ter o um aparelho telefônico mais moderno ou ficar em casa para não correr o risco de acontecer nenhum preconceito/agressão contra.

Em uma época em que desconstruir as características benevolentes e inspiradoras do Superman virou moda em diversas mídias, e simplesmente sucatear o personagem como um super-herói violento é sinônimo de vendas, poder colocar o personagem com o simbolismo como sua maior virtude, seria muito bem-vindo. Provavelmente a última vez que o simbolismo do personagem foi melhor utilizado foi na, excelente, Superman: Smashes the Klan de 2020.

Possivelmente, eu, Ricardo Ramos, não seja a melhor pessoa para escrever esse texto. E tenho minha consciência isso e nem é minha intenção tentar me colocar no lugar de ninguém, eu não tenho esse direito. Eu não sofro como as pessoas que citei sofrem no dia a dia, como uma rotina maldita que não escolheram. Mas eu tenho certeza de que o Superman negro, e seu simbolismo, seria de suma importância para o mundo de hoje. Espero que realmente a Warner saiba fazer isso acontecer.

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A poesia e a apatia em Vozes e Vultos

Produções cinematográficas e televisivas que abordam uma casa mal-assombrada não é um assunto recente para quem consome esse tipo de conteúdo, pois é só olhar para trás e perceber que já tínhamos The Amityville Horror (1979), O Iluminado (1980) e Poltergeist (1982), entre muitos outros. Esse tema está tão recorrente atualmente, que ficamos completamente indiferentes quando um novo filme é lançado e o culpado disso tudo é a forma como o roteiro não sai de sua zona de conforto, e como consequência, nada nos prende. Alguns longas até conseguiram sair dessa estatística amarga, mas o saldo ainda pende em sua maioria para o lado mais preguiçoso. E sim, Vozes e Vultos se encaixa neste saldo negativo.

A recente produção da Netflix acompanha uma artista de Manhattan (Amanda Seyfried) que se muda com sua família para o Vale do Hudson. Conforme ela começa sua nova vida num vilarejo histórico, ela passa a suspeitar que seu casamento e sua casa está cercado por algo obscuro.

James Norton (George Clare) e Amanda Seyfried (Catherine Clare) interpretam o típico casal feliz e empolgado pela mudança, porém tudo começa a desandar conforme a presença inicia as suas manifestações para Catherine. O roteiro abre uma discussão sobre o poder feminino quando deixa claro que a personagem se tornou o centro das aparições sobrenaturais. Isso não foi um mero acaso, pois uma explicação é dada para tal. Não vou entrar em mais detalhes para não estragar a experiência de quem ainda não assistiu, porém foi uma das poucas coisas que gostei do filme.

Enquanto isso, o filme afasta um pouco (até certo momento) George dessas manifestações e entra num contraponto com a discussão mencionada acima. Aqui o vemos assumindo um lado adúltero com a jovem Willis (Natalia Dyer) e conforme a trama avança, as aparências de bom moço continuam rachando até o seu ponto de ruptura. Assim como sua parceira, ele também possui um motivo específico que é revelado posteriormente. Não é um plot twist digno de revirar na cadeira sedento por mais, uma vez que fica completamente óbvio a direção que o roteiro pretende seguir para seu ato final.

A poesia sobrenatural foi bem trabalhada através da obra de Emanuel Swedenborg (1688-1772). Ele foi um filósofo e espiritualista sueco que era visto como iluminado e louco por causa de sua visão sobre o mundo espiritual. Segundo ele, os mortos não precisam causar medo, isso o que faz é a vida. O eterno debate sobre as consequências de nossos atos em vida foi pauta entre os personagens principais e quem guardou esses diálogos, claramente percebeu a referência na cena final.

Vozes e Vultos acerta em trazer essa atmosfera poética para o campo sobrenatural, mas peca pela apatia em não trazer mais nada de novo para o gênero. Então, acaba se tornando uma adaptação cinematográfica (baseado no romance All Things Cease to Appear de Elizabeth Brundage) esquecível um pouco depois que você termina de assistir antes de pular para a próxima diversão do dia. Aliás, já assistiram À Espreita do Mal?

Nota: Prata. 

Vozes e Vultos está disponível atualmente na Netflix.

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Requiem: a morte (e vida) do Surfista Prateado

De todas as histórias do Surfista Prateado, Requiem foi a que mais me emocionou. Talvez eu seja ligeiramente suspeita para falar, já que Norrin Radd é, e sempre foi, meu personagem favorito da Marvel. Mas o que torna essa graphic novel tão especial? A resposta é simples: aqui, não temos mais a inviolabilidade do até então “indestrutível” corpo do Sentinela das Estrelas; tendo seus dias de vida contados, adentramos completamente em sua alma, sentindo seus medos, tristezas, alegrias e emoções. Sendo publicada pela primeira vez em 2007, essa obra prima em forma de quadrinhos é escrita por Michael Straczynski e desenhada por Esad Ribic, contando com apenas 4 edições.

Diagnóstico

A história começa com Surfista refletindo sobre a existência – a própria e a do universo. A morte, constata, faz parte de um ciclo, e é justamente ela a responsável para que a vida possa existir.

Com o intuito de investigar uma condição ainda desconhecida, Norrin vai à Terra para se encontrar com Reed Richards, seu amigo de longa data, e a quem sabe que pode confiar até mesmo seus temores. Depois de dolorosos testes, temos o resultado: o Surfista Prateado está morrendo; o material que recobre e protege seu corpo das mais perigosas adversidades está se desgastando, e resta à Norrin cerca de um mês de vida.

Em uma lembrança de tempos muito distantes, vemos a origem do Sentinela das Estrelas; vemos a chegada do temido Galactus a Zenn-La, e a decisão que mudou para sempre a vida do personagem. Em troca da preservação de seu planeta, Norrin se oferece para ser arauto do Devorador de Mundos, procurando planetas para que seu mestre pudesse devorar e saciar sua fome. É nesse momento que Norrin vira o Surfista; nesse momento, Norrin perde suas memórias e sua consciência, sofrendo a metamorfose que seria a responsável pela destruição de incontáveis vidas em nome de seu mandante.

Porém, é na sua primeira vinda à Terra que a chama esquecida do antigo Norrin Radd se acende. Vendo a relutância e a voracidade com que os humanos lutam pela sua sobrevivência, o Surfista percebe o mal que irá fazer se permitir que Galactus devore o planeta. Unindo forças com o Quarteto Fantástico, consegue expulsar seu mestre da Terra, deixando finalmente de ser seu servo.

Tais lembranças, além da função de ambientar o leitor no cânone do personagem, servem principalmente para nos mostrar toda a angústia e arrependimento que cercam o Surfista. Requiem não é apenas uma história sobre a morte; é uma história de redenção, um conto reflexivo sobre erros e acertos, sobre guerra e paz, sobre encontrar a plenitude que por anos foi incansavelmente buscada. Depois dessa retrospectiva, vem a pergunta: o que Surfista irá fazer nesse tempo de vida que lhe resta?

Bom… ele irá viver.

Encontro com o Homem-Aranha

Na segunda edição da história, temos esse épico encontro entre os dois heróis da Marvel. Enquanto Peter está tendo dificuldades em acabar com um vilão na cidade, surge o Surfista para lhe dar um auxílio. Após o embate, temos o início de uma conversa entre os personagens, que culminaria em uma experiência única para toda a humanidade.

No topo de um prédio, Surfista explica a Peter que não lhe resta mais muito tempo para ficar na Terra, e que gostaria de fazer uma última ação ao planeta que o acolheu por tanto tempo. Nesta cena, temos um dos diálogos mais incríveis que já tive o prazer de ler em uma história em quadrinhos, com o Aranha dando diversas sugestões ao Sentinela, cada uma com alguma ideia de como Norrin poderia agraciar as pessoas com seus poderosos dons. Neste momento, vemos o quanto o Surfista se importa com os humanos, o quanto gostaria que nós pudéssemos ter a capacidade de enxergar a vida com a mesma importância que ele enxerga; o quanto os humanos, mesmo com os mais diversos defeitos, ainda merecem a bondade e a paz.

Durante a conversa, o Surfista fala para Peter como é maravilhosa a sensação de liberdade que tem ao percorrer o cosmos com sua prancha e pergunta se o mesmo gostaria de experimentar. A escolha, contudo, acaba sendo de dar a oportunidade a outra pessoa: Mary Jane.

Após retornar de sua viagem transcendental, faltam palavras para M.J. relatar o que sentiu: a vivência, mesmo que por pouco tempo, do poder de Norrin, já foi suficiente para que a jovem se sentisse completamente livre, extasiada, e deslumbrada com o poder cósmico emanado pelo Sentinela, e que à ela foi concedido. Enquanto o Surfista se despede, Peter lhe diz que tem uma resposta para a pergunta que lhe fez mais cedo:

“Eu lhe disse que as pessoas não podem mudar o que são enquanto e a não ser que entendam o que podem ser. A não ser que elas saibam e sintam em seus corações. Se ele pôde estender o poder cósmico à M.J. e deixá-la sentir o que ele sente, deixá-la experimentar o tipo de liberdade que ele experimenta, deixá-la ver o mundo como ele vê… toda beleza, com o prospecto de paz sempre no centro disso… então não seria possível, por um mero momento, deixar o mundo todo sentir como isso é?”

E assim Norrin o faz. Em um esforço homérico, cede, por 5 minutos, seus poderes à todos os habitantes do planeta Terra, permitindo que toda a humanidade sinta o que ele é capaz de sentir, e que desfrute de toda a liberdade e entendimento que o Surfista Prateado possui. Em todos os cantos, por mais remotos que fossem, as pessoas foram agraciadas com o seu poder; em prisões, em lugares tristes e sem esperanças, em zonas de guerra e campos de tortura, a força do Sentinela das Estrelas conseguiu alcançar todas as almas humanas; nesses meros 5 minutos, a humanidade finalmente soube  – e Norrin também – o que é a paz e a esperança.

Stephen Strange e a batalha espacial

Logo antes de sair da Terra, Norrin é surpreendido com a presença de Stephen Strange, que diz estar ciente de sua condição graças a Reed. Nesse momento, soubemos através do Mago que as maiores mentes do universo Marvel estavam trabalhando para encontrar uma cura para o Surfista, embora não tenham obtido sucesso. Mesmo sem encontrar uma solução para o terminal problema, Stephen entrega ao amigo uma chama com todo o conhecimento da humanidade, dividida em duas partes: uma referente à vida na Terra antes da vinda do Surfista, e outra que foi criada após a sua chegada. Dessa maneira, além de uma forma de agradecimento por tudo que o Norrin havia feito em prol de seu lar adotivo e de seus habitantes, o Surfista teria noção de tudo de bom que conseguiu realizar com sua presença no nosso planeta.

Agora viajando pelo espaço e com destino à seu planeta natal, Zenn-La, Surfista se depara com um chamado vindo de uma grande nave. Ao adentrar o local, se depara com dois líderes, ambos de raças diferentes, que conversavam avidamente a respeito da guerra que ocorria há mais de 50 gerações entre seus povos. Os líderes, que tinham o conhecimento de que Norrin havia sido um arauto de Galactus, esperavam que o Surfista dissesse qual das raças estava mais evoluída, tendo em vista que se desenvolveram de forma paralela.

O grande ponto desta edição é o motivo pelo qual as duas raças estão brigando: intolerância. Por serem mundos que orbitavam a mesma estrela e que por eras não foram capazes de viajar de um planeta para outro, esperavam que o outro lado tivesse as mesmas crenças e dogmas. Contudo, quando conseguiram finalmente visitar seus conterrâneos, descobriram que eram completamente diferentes; tinham outros deuses, outros templos e outras ideologias. Dessa forma, ambas as raças decidiram investir anos e anos em armas de guerra, usando todos os recursos disponíveis e exigindo um enorme sacrifício das suas populações, no intuito de que um dia pudessem se enfrentar e impor o seu entendimento sobre o outro.

Durante gerações, a guerra se perpetuou, sendo mantida independente das mortes ou perdas. Os templos religiosos eram cada vez mais pomposos e engrandecidos, enquanto a população padecia. Ao saber desses fatos, Norrin questiona os líderes que o convocaram, perguntando qual o sentido de sacrificar o povo em nome de um conflito sem fim, e, porque, mesmo com toda a guerra que ocorria, os dois representantes estavam ali, sentados, conversando como se suas populações não estivessem sendo dizimadas em nome das desavenças.

Seguindo seu ímpeto de justiça e caráter, Norrin decide ele mesmo por um fim na interminável guerra. Destruindo as frotas armadas e, consequentemente impedindo os dois povos de se atacarem, partiu em direção aos planetas, um de cada vez. Com a intenção de mostrar que nenhuma das raças era superior à outra, destruiu seus templos até então invioláveis, fazendo com que as populações entendessem que haviam sido exploradas em prol de um conflito sem razão. Nesse dia, os povos finalmente se rebelaram contra seus líderes, e a “guerra sagrada” deu lugar à “paz sagrada”.

Como sua última mensagem, Norrin transmite seu suspiro de esperança e liberdade àqueles que antes estavam presos às amarras da dor e do sofrimento, mostrando que a violência da guerra jamais emergiria novamente.

“Se lugares sagrados são poupados das devastações da guerra, então façam de todos os lugares sagrados. E se o povo santo é mantido ileso da guerra, então façam de todos os povos santos”.

Zenn-La

De todos os destinos possíveis e existentes, dentre todos os mundos habitados pelas mais diversas raças e banhados pelas mais brilhantes estrelas, Zenn-La é aquele que outrora foi o berço da vida – e agora o leito da morte – do solitário Surfista Prateado. Desejando encontrar com sua amada e com seu povo, Norrin chega à sua terra natal, depois de viajar pelos confins do espaço. Seu estado terminal já é notável, e seus dias se tornam ainda mais curtos; mesmo empreendendo esforços para descobrir uma possível cura, os habitantes do planeta não encontram nada que sua ciência seja capaz de desenvolver.

Contudo, Norrin não foi à sua casa apenas para morrer: ele está em Zenn-La para viver seus últimos instantes. Já tendo aceitado e entendido seu destino, o Surfista quer aproveitar o tempo que ainda lhe resta ao lado daqueles que ama; quer garantir que, independentemente da sua morte, sua amada, Shalla-Bal, ainda será feliz.

Com o passar dos dias, a notícia do retorno de Norrin – e de sua morte iminente – se espelham pelo planeta. Os habitantes, como forma de agradecimento à tudo que o Sentinela fez em defesa do seu povo, prestam suas últimas homenagens, indo ao encontro do agora frágil Surfista. Em meio às despedidas, o planeta é novamente surpreendido, mas agora com a chegada do temido Galactus. Este, contudo, não tem a intenção de infligir nenhum mal àquelas pessoas: sua intenção é, assim como a de todos, poder se despedir do seu antigo arauto.

Ao conversar com Norrin, é lhe oferecida por Galactus uma tentativa de cura, afirmando, porém, que não sabe esta irá ou não funcionar. Mesmo com a oferta, o Surfista, que já fez de sua morte parte da sua jornada, nega; em contrapartida, pede ao seu antigo mestre que jamais tente destruir ou consumir o planeta, deixando que Zenn-La e seu povo vivam em paz.

E é com a promessa de Galactus que Norrin, finalmente, descansa. Entregando seu padecido corpo ao incontestável destino, o Surfista Prateado falece, deixando que sua alma siga para o plano do desconhecido. Pelos próximos três dias, Galactus permaneceu no planeta, velando o corpo de seu velho arauto juntamente com o povo que jurou proteger. Como uma última forma de honrar seu amado, Shalla-Bal pede ao Devorador de Mundos que, quando este partir e alcançar uma boa distância de Zenn-La, transforme o corpo de Norrin em uma estrela. E assim é feito.

Agora imortalizado como um astro brilhante, Norrin Radd virou a lembrança – e a esperança – de que tempos melhores sempre virão. Ao olharem para o céu noturno, os habitantes de Zenn-La se recordarão daquele que fez de sua jornada a própria busca pela paz, imortalizando a perseverança e a luta pelo que é certo.

“Quando ele morrer, leve-o e o corte em pequenas estrelas… e ele deve fazer a face do céu tão bela, que todo o mundo se apaixonará por esta noite, e não irão fazer adoração para o sol extravagante”. – Shalla-Bal


Mais do que uma indicação para fãs do personagem, Requiem é uma obra de arte que deveria ser lida e relida por todos. Sem a necessidade de conhecimentos prévios do Surfista Prateado ou mesmo do cânone da Marvel, essa graphic novel consegue entregar com uma maestria excepcional a mensagem que deseja passar. Como é de costume em histórias do Sentinela das Estrelas, a filosofia existencial e momentos profundamente reflexivos tomam conta das páginas, nos fazendo sentir, a cada palavra, um pouco do poder cósmico que os humanos experimentaram na história. Apenas leia… e sinta, por você mesmo, toda a lufada de esperança e liberdade que Norrin Radd sentiu em seus anos de vida.

Nota: Diamante.

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Detective Comics Quadrinhos

O Imortal Hulk: Os monstros condenados

Para aqueles – como eu – que nunca colocaram a mão em uma revista do Golias Esmeralda, O Imortal Hulk, da dupla criativa Al Ewing e Joe Bennett, é, além de ótima porta de entrada, uma obra precisa ao explorar as raízes da humanidade e destrinchar o sentido, a razão e o fardo de ser humano (ou monstro?). A escrita ágil e a arte incomparável são as principais razões da qualidade surpreendente do material, que não só fará qualquer curioso se interessar a explorar o vasto universo do personagem, como também servirá de comparação para obras futuras e passadas.

Sem ter qualquer contato com materiais do Hulk, houve um receio inicial ao comprar as primeiras seis edições lançadas até a data desta publicação pela editoria Panini; pelo simples fato de um dos personagens que menos me atraiu no universo dos heróis ser o título da revista. Embora nunca tivesse motivos para desgostá-lo, Hulk nunca foi foco da minha atenção e tampouco do meu tempo de leitura, e as histórias provenientes dele ficavam fora do radar, sem contar o seu universo riquíssimo que foi deliberadamente negligenciado por mim. Contudo, a experiência elucidou o quanto estava errado sobre o personagem-título.  Isto prova o brilhantismo da linha comandada por Ewing e Bennett; ambos construíram uma trama tão atraente, complexa e reflexiva, que mesmo o cara mais desinteressado ficaria com os olhos vidrados da capa à quarta capa.

Essa foi minha experiência ao ler O Imortal Hulk, que ainda não foi finalizado – e no Brasil está um pouco atrás das publicações americanas por conta da distribuição, fator comum aos leitores brasileiros cientes das dinâmicas do mercado de quadrinhos no país. Todas as edições contam com um trecho inicial, que simplifica os temas abordados no quadrinho e promove uma marca registrada e exclusiva de edição por edição, dando importância às suas individualidades e abordagens, enquanto algumas priorizam a ação, principalmente quando os Vingadores, a Tropa Alfa e a Base Sombra aparecem, outras partem para construções filosóficas – marcadas por tentativas de conceber e interpretar imagens sobrenaturais e divinas -, além daquelas que fogem um pouco dos temas principais, e demonstram a inventividade da dupla pela alternância dos traços e do conteúdo, como a terceira revista, que trabalha com relatos fragmentados de um mesmo caso específico suspeito da presença do Hulk.

Homem, Monstro ou… ambos? Eis a primeira pergunta do quadrinho, eis o legado de Bruce Banner… conviver com um monstro interior que desperta à noite, mas de dia o atormenta – e o reflexo de vidro é um ótimo artifício para ilustrar o conflito de sua identidade. Porém, as escolhas artísticas acabam favorecendo a presença do Hulk em detrimento de Banner, com visual assustador; um monstro em forma de demônio verde. A arte de Joe Bennett é a razão para O Imortal Hulk ser tão aclamada pela crítica e público. Através do roteiro de Ewing, o quadrinista retorna às raízes do personagem para desenhá-lo da maneira mais assustadora e terrível possível. Hulk é um monstro? Demônio? A outra face de Deus? Diabo? Maldição? Bem, toda maldade grotesca – e bondade aparente – imaginável cabe para descrever as figuras traçadas por Bennett.

A exploração física dos membros, dos músculos e das transformações do Hulk é outro ponto para se prestar atenção. E as escolhas sempre trabalham a favor da história a ser contada; quando Hulk se assemelha ao herói comum, que busca trazer justiça (um tanto quanto distorcida), sua representação é grandiosa, peito estufado, a clássica imagem do personagem. Contudo, quando ocasiões mudam sua aparência (absorção de radiação, mega explosões, secreções digestivas que drenam energia) a imagem do Hulk se transforma em algo grotesco, lembrando um demônio em pé.

E a dinâmica entre os artistas fica ainda mais evidente em momentos pontuais; quando Hulk está no inferno com a radiação absorvida, como se estivesse sofrendo uma punição divina, um julgamento moral e religioso, seus músculos enormes dão espaço para sobras de pele, penduradas pelos ossos finos, e mesmo assim sua ânsia por violência o faz lutar bravamente e incansavelmente, confundido-se com um morto-vivo. Há outras sequências que o tornam como um espantalho, pernas, braços e olhos arrancados, enquanto em outras seus membros são divididos em prol de experimentos. É absolutamente agonizante e igualmente extraordinário, uma arte de tirar o fôlego restitui a figura monstruosa do Gigante Esmeralda.

Essa mesma arte colabora com a construção narrativa de toda a saga do Imortal Hulk. A exploração física de Hulk é proporcional à exploração psicológica de Banner; a pergunta Homem, Monstro ou… Ambos? é, desta maneira, o condutor das opções de Ewing. Qual é a maior atribuição de Hulk? O físico. E a de Banner? A mente. Dessa forma, as maiores notoriedades de ambos tendem a ser desmembradas e exploradas por Ewing, em uma jornada que julga – ao mesmo tempo que venera – as figuras do homem e do monstro. Hulk é a sombra, o reflexo do homem, que surge à noite; soa como maldição, pagamento dos pecados de Banner, mas também soa como milagre, um dom único, já que a essência de Hulk é – por Ewing e Bennett – naturalmente dúbia (repare as distinções entre a mão esquerda e direita de Deus).

Se a essência de Hulk é dúbia, os nossos temores a ele também seriam? O medo das pessoas é devido à sua monstruosidade, capacidade destrutiva, ou há um componente de inveja humana? Afinal, a capacidade de exteriorizar demônios e emoções, vista como fardo e milagre, se tornou inerente a Banner, sendo assim, o medo pelo Hulk não é apenas por representar uma ameaça física e psicológica, mas ser a prova frustrante da nossa incapacidade enquanto humanos: não podermos, nem um dia sequer, nos transformarmos em nossos próprios reflexos.

Pensando na perturbada mente de Banner, que compartilha-a com outras identidades, o quadrinho aborda a inquietude e o tormento do protagonista – desde elipses por conta de trocas de identidade, quando o quadrinho apenas salta de um momento para outro sem explicação, até a maneira quando os pensamentos, tanto de Bruce como de outros personagens secundários, se intercalam com as sequências de ação, do seu desenvolvimento ao desfecho. As próprias citações iniciais também são exemplos de como Ewing traça o tom da edição com certo estilo de contexto, variando da literatura à religião, do cinema ao teatro, flertando com lições da psicologia analítica.

Nota-se como o artigo tem mais perguntas do que respostas concretas. Isso ocorre de forma semelhante no quadrinho. Em nenhum momento, pelo menos até onde li, os autores resolvem seus raciocínios e julgamentos, apesar de apresentarem respostas possíveis. Não batem o martelo, levantam questões, criam e desenvolvem dúvidas pertinentes que acompanham os pensamentos de Banner e do leitor. Há um movimento contemporâneo nos quadrinhos de herói, pegando o exemplo do roteirista Tom King, que é de explorar mais a humanidade nas histórias de heróis; enquanto King gosta de experimentar uma relação íntima com o fã, através da emoção e dos dramas dos personagens, a dupla trata de trazer questionamentos constantes, que colocam em xeque a própria humanidade do leitor.

Ewing e Bennett traduzem questões reflexivas contemporâneas em um ótimo quadrinho de ação, aventura e terror. Enquanto a ação e a aventura estão ao longo da história, o terror circunda por fora ao enaltecer e insistir nas perturbações de Banner e explorar sua relação com o Hulk, partindo de argumentos, citações e alegorias religiosas, filosóficas e políticas. Se Banner parece estar condenado a viver para sempre em seu confuso e tenebroso universo pessoal, o quão diferente nós somos dele, ao compartilharmos um fardo tão semelhante quanto viver neste mundo?

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Tela Quente

Sem Remorso apresenta boa ação numa trama genérica e previsível

O Amazon Prime Video encerrou o mês de abril com mais um lançamento original em sua extensa grade de produções e para quem curte uma boa pegada de ação misturada com conspiração, então Sem Remorso será uma excelente recomendação para você que está neste momento lendo esse texto.

Baseado no universo literário de Tom Clancy, sua adaptação cinematográfica apresenta um militar de operações especiais, John Kelly (Michael B. Jordan) que, após voltar de uma missão secreta, vê seus companheiros serem assassinados juntamente à esposa grávida. É isto! A sinopse é simples, nada além disso. O filme também não tenta ser além do que é e por isso que ele é ótimo. Apesar disso, uma contrabalança veio ao apresentar uma trama genérica e que em certos momentos, o telespectador já conseguia adivinhar as reviravoltas. Claro que nada que te faça se sentir traído pela proposta ou ficar com um gosto amargo na boca. Longe disso! 

A trama já recebe sua movimentação ainda no início e segue até o fim com uma dosagem ótima de ação intercalada com pequenos momentos de calmaria. Michael B. Jordan atua muito bem e foi outro ponto positivo para gostar do filme. Ele consegue entregar todo o sentimento de dor pela perda de sua família e também consegue expressar maravilhosamente o sentimento de alguém que pretende se vingar. Isso é facilmente corroborado em diversas cenas. Temos todo o ódio acumulado dentro de um homem que carrega a morte em suas mãos e pretende esvaziar esse peso da melhor forma que faz: em campo lutando.

Essa adaptação ganhou muito com Jordan no elenco. Não só ele, pois Jodie Turner-Smith, Guy Pearce e Jamie Bell também atuaram bem. Ainda mais pelo terceiro, uma vez que criamos uma antipatia pelo seu personagem de imediato e como consequência, o fantástico mundo do previsível se faz presente para determinar quem está por trás disso tudo.

Sem Remorso segue de forma bastante modesta em toda a sua duração, porém ganha um elemento promissor com a sua cena pós-créditos ao deixar clara a intenção de expandir a sua mitologia. Uma pesquisa rápida para você descobrir que o autor Tom Clancy possui uma obra de livros com o personagem John Kelly e esse é o mesmo universo de Jack Ryan. É fácil concluir que o longa foi uma história de origem para John e que caso confirmem uma sequência, poderemos revê-lo futuramente com a adaptação do livro Rainbow Six. E que venha uma franquia!

Nota: Ouro.

Sem Remorso de Tom Clancy está disponível atualmente no Amazon Prime Video.