Breaking Bad foi e continua sendo um marco televisivo. Uma série que começou com seus tropeços e problemas, mas que em pouco tempo cresceu imensamente e se tornou sucesso absoluto no mundo inteiro. Para aqueles que estão iniciando suas empreitadas, ou até para os mais experientes, a série de Vince Gilligan se tornou referência para trabalhos nesta mídia. Tal fama se deve muito ao próprio diretor, roteirista e produtor, que trouxe identidade ao apresentar um trabalho de transformação de personagem completo e competente. Após a conclusão da série, foi decidido a criação de um spin-off, Better Call Saul, que contaria a origem do advogado corrupto Saul Goodman (Bob Odenkirk). Repetindo o feito, Gilligan tenta trazer seu toque autoral e um novo ponto de vista para esse universo. Mesmo que esta série não esteja tendo tanta notoriedade quanto a sua fonte, seu quarto ano se demonstrou corajoso em criar pernas próprias e não depender do passado.
Em três temporadas, Bob Odenkirk, Gilligan e Peter Gould, tentaram reproduzir o mesmo discurso do sucesso de cinco anos atrás. Desde a fotografia até o tratamento de personagens e cenário, Better Call Saul parecia ser apenas uma homenagem a Breaking Bad. Tinha seus bons momentos, guardando linhas próprias e originais. Porém, a falta de identidade era o que faltava para ela realmente se estabelecer como um programa televisivo autêntico. E a morte de Chuck McGill (Michael McKean) no final do terceiro ano foi a cartada final para a reviravolta completa.
Os primeiros episódios da quarta temporada já demonstram diferenças em relação aos seus antecessores, além de serem constituídos por uma pesada carga de luto, houve mudanças na caracterização dos personagens. Parecia que eles estavam transformados pelo ocorrido, e esta mudança se refletiu na condução do restante dessa temporada. Novos personagens e novos conflitos, que estão relacionados com o futuro de Breaking Bad, mas que não são introduzidos a favor da primeira obra. A preocupação está em como os personagens serão representados e trabalhados NESSA trama, com dilemas pessoais e morais sendo desconstruídos de forma absolutamente brilhante.
Jimmy McGill está suspenso de seu cargo de advogado e precisa buscar um novo emprego e certa dignidade perante Kim Wexler (Rhea Seehorn), atual namorada. A busca por emprego é moldada pelos discursos persuasivos de McGill, que serão o trunfo dos conflitos do protagonista. Se nos últimos anos o desenvolvimento focava no trabalho de Wexler e nos trambiques de Jimmy, o quarto foca na vocação pessoal do protagonista em advogar. O enredo fica nos jogando na cara o tempo inteiro a necessidade de ele voltar para os tribunais, sua vida está dentro deles e só com a sua carreira poderá provar seu valor e utilidade para a sociedade.
A morte de Chuck também está pesando na relação de Wexler e McGill, ao passo em que a advogada não entende o porquê de seu namorado não estar impactado com a morte do irmão. Essa problemática é o principal elemento dramático que Gilligan irá se utilizar até o nascimento de Saul Goodman, um ponto final entre a relação dos irmãos e o desprendimento de Jimmy da sua vida atual.
Há, como de costume, um outro lado dessa história. Enquanto Jimmy está resolvendo sua vida, Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks) e Gustavo Fring (Giancarlo Esposito) estão em uma narrativa própria e bem particular. Suas narrativas giram em torno da construção do famoso laboratório subterrâneo, que será utilizado por Walter White no futuro. Surpreendendo a todos, Mike e Fring se mantém mais nas sombras nesta temporada, deixando a equipe de construção como o principal condutor. Fica nítido a mudança de perspectiva trazida pelo diretor, de demonstrar as dificuldades do grupo e de seu líder: Werner Ziegler (Rainer Bock), o reflexo da vida de Mike.
O estranhamento de tratar personagens desconhecidos, e até dispensáveis, é válido. Porém, tal prática guarda um objetivo maior, que é trazer uma contraparte de Mike. Zigmur tem esposa e uma vida tranquila. Seu cotidiano é completamente distinto do que nós conhecemos neste universo. Com isso, a vida dele é utilizada para completar a transformação de Mike, negando a vida comum e tranquila, se fechando para o mundo. Aliás, a cena de ambos na montanha durante a season finale é uma das mais sensíveis e bonitas já feitas nas duas séries.
No entanto, há um único problema em todos os núcleos presentes, que é o arco da família Salamanca. Depois de tantos bons momentos trazidos por Jimmy e Mike, parecia que não havia espaço para o desenrolar necessário dos personagens envolvidos na máfia mexicana. Talvez o único que deva ser ressaltado seja Hector Salamanca (Mark Margolis), que, como os outros protagonistas, torna-se o que veremos em Breaking Bad.
Tecnicamente a série continua impecável. O nível de paciência e detalhamento de Gilligan e seus diretores, aliado ao seu senso estético apurado em deixar seus planos parados, silenciosos e um tanto quanto reflexivos, torna a experiência de assistir a série agradável. Aqui dá para encontrar diferenças em relação aos anos passados, há mudanças nas colorações dos ambientes, antes mais saturados, agora mais limpos e claros. Há um sentimento de quietação e lentidão, estamos presenciando a virada da trama e de seus componentes.
Ao final da quarta temporada, presenciamos o começo de uma nova era para todos. Mike se transformou no pior dos seres humanos, e Jimmy McGill deu o último passo para virar Saul Goodman. Com tantos pontos positivos e autenticidade, nota-se o amadurecimento de Better Call Saul como série. Enquanto ela se aproxima cada vez mais de Breaking Bad, parece criar autonomia para estabelecer sua própria voz e essência.
It’s all good, man.