Desconstruir super-heróis é algo fascinante para mim. Pois ao contrário dos pensamentos majoritários, não se trata de torná-los depressivos ou sombrios. Mas sim, desmembrar as suas características para encontrar a essência daquilo que torna o que eles são. Quadrinhos como: O Cavaleiro das Trevas e Reino do Amanhã e filmes como: Logan e Batman vs Superman são ótimos exemplos de como quebrar personagens e reconstruí-los. É surpreendentemente exatamente o que acontece em Vingadores: Ultimato, dirigido por Anthony e Joe Russo.
Ainda que apresente viagens no tempo, fan services, um grande confronto final e as costumeiras piadas fora de hora, Vingadores: Ultimato é a Marvel Studios como eu nunca a vi: Quebrada. Realmente quebrada. Esse é um filme sobre personagens e como eles tentam seguir em frente, lidando com seus erros e fracassos. Não é tão profundo ou complexo, mas ainda sim, é interessante comentar, em específico, sobre o trio trágico: Homem de Ferro, Capitão América e Thor.
SPOILERS A SEGUIR!
THOR: O DEUS DOS FRACASSOS
Independentemente da qualidade de seus filmes, Thor, é sem dúvidas, o personagem mais trágico da franquia. Conforme o decorrer dos filmes, o personagem acumula inúmeras perdas: Sua mãe, seu pai, seu martelo, seu irmão adotivo, sua irmã e seu lar. Mas não apenas isso, como herói, finalmente fracassa em escala universal. Não sendo o bastante, pensa ter reparado o seu erro durante os primeiros 20 minutos de filme, cortando a cabeça de Thanos. Quando na verdade, ele falhou, de novo.
Isso leva os roteiristas Christopher Markus e Stephen Mcfeely a quebrarem o personagem por completo. O filme realiza um salto temporal de 5 anos e apresenta Thor como um alcoólatra, sem sua escultura física divina. Ele desistiu. Ele simplesmente desistiu. Talvez a postura do Deus do Trovão (Agora, o Deus dos Fracassos) tenha incomodado a muitos fãs, eu incluso. A forma como o filme trata o seu estado melancólico algumas vezes, beira ao ridículo e provoca algumas risadas desnecessárias.
Por outro lado, existem cenas as quais aproveitam o potencial do conceito. Quando a narrativa retorna para O Mundo Sombrio (2013), horas antes do assassinato de Frigga, Thor abre o seu coração magoado para sua mãe, a qual afirma: Fracassos o tornam como qualquer um. Ela é responsável por humanizá-lo e fazê-lo enxergar isso. Como ela diz: “Você está aqui para mudar o seu futuro, não meu.” Após o diálogo, há uma cena extremamente simbólica: Thor consegue segurar o Mjolnir. Mesmo com seus fracassos e falhas, ele ainda é digno.
Ao final do filme, cansado de profecias e predestinações, Thor abdica do trono de Asgard e como ele mesmo explica: Passou tempo demais tentando corresponder às expectativas de outras pessoas. Isso é muito bonito e pode ser interpretado como um meta comentário para a situação de seus filmes em que sempre esperava-se um épico, devido ao seu material-base, mas como a abordagem inicial não havia funcionado, Marvel precisou reformular o personagem a partir de Ragnarok, ignorando tudo o que os fãs esperam sobre ele e agora esse arco de revitalização se conclui em Ultimato. Decepcionante para alguns (E eu compreendo), mas uma mensagem bonita e coerente para o personagem estabelecido nos últimos três filmes.
Thor deixa de ser Deus e se torna homem.
CAPITÃO AMÉRICA: O SENTINELA DA PERSISTÊNCIA
Enquanto isso, Capitão América, segue um caminho mais comum. Ele é o meu personagem favorito do filme e da franquia. Sua trajetória ao decorrer desses filmes, tentando se adequar uma época a qual ele não pertence, é tão fascinante e trágica para mim. Desde O Soldado Invernal, os Russo provam o quão bem eles entendem Steve Rogers e sua dinâmica complicada com o mundo contemporâneo. Ele não é um homem procurando por uma vida normal, pois o momento em que poderia ter experimentado algo assim, passou. Rogers tem medo que a guerra tenha um fim e perca o seu propósito.
5 anos após Guerra Infinita, Ultimato traz o personagem como um coordenador de um grupo de auto-ajuda para pessoas incapazes de seguir em frente após o genocídio imparcial do Titã Louco. Mas a ironia cruel é: Ele não apenas se sente incapaz, mas não quer superar. É interessante notar como os outros Vingadores parecem diferentes enquanto Steve, continua o mesmo.
Em um dos melhores diálogos de Vingadores: Ultimato, o personagem diz à Natasha: “Eu vivo dizendo para que as pessoas superem. Alguns conseguem. Mas nós não.” Rogers não suporta o estado de normalidade, ele precisa de um confronto. Um confronto em que eles vençam. Pois como ele mesmo afirma antes da execução do salto temporal: “Esta é a luta de nossas vidas.” Ele só irá parar quando eles puserem um fim a isso. De uma vez por todas.
Mas no decorrer da missão, infiltrado em uma base na S.H.I.E.L.D, ele encontra o amor de sua vida, Peggy Carter, do outro lado da janela, há uma distância entre os dois, a mesma entre o tempo o qual foi congelado e perdeu o encontro prometido. É o passado batendo à porta e lembrando a ele: Talvez seja melhor não superar. Talvez você deva persistir.
É uma característica a qual casa perfeitamente com o otimismo transmitido pelo Capitão América. Em uma das minhas cenas favoritas da história dos filmes baseados em HQs, as tropas de Thanos estão vindo e o Sentinela da Liberdade está no chão, com seu escudo quebrado. Com muita dificuldade, ele consegue se levantar. Ele está disposto a enfrentá-los sozinho. Provando que ele pode fazer o dia todo. Ele só terá seu fim quando a guerra também tiver.
Ao final de Vingadores: Ultimato, Steve precisa voltar no tempo e devolver as Joias do Infinito. Ele demora a reaparecer, mas logo após, lá está ele, admirando a paisagem. A câmera o revela envelhecido, pronto para passar o escudo adiante. A sua guerra acabou. Ele finalmente experimentou o que tanto almejava: Uma vida simples. Durante cena final do filme (A mais bonita) em que It’s been a Long, Long Time começa a tocar, ele finalmente tem sua dança com Peggy Carter.
Steve não é mais um vingador, ele é alguém que não precisa mais superar.
O ALTRUÍSTA PATERNO HOMEM DE FERRO
Já o Homem de Ferro, é o personagem com a maior responsabilidade moral em Vingadores: Ultimato. Ele é o profeta o qual não impediu a concretização da profecia. No decorrer dos filmes, Stark cometeu inúmeros erros em decorrência das suas paranoias e seu medos, com o intuito de proteger o mundo de uma ameaça maior a qual ele acreditava estar por vir. Em Guerra Infinita (2018), ele finalmente confronta o demônio o qual atormentava: Thanos. Porém é derrotado e credita 100% da responsabilidade para si, como sempre. O responsável pelos eventos precedentes da aguardada derrotada, foi ele mesmo.
É tudo sobre Tony Stark. Se ele morre, se ele vive. Se é essencial para a missão, para o macguffin e para o clímax, ou não. Se ele deve salvar o mundo, ou já fez bastante por ele. Até mesmo quando não é sobre um ato altruísta, é sobre Stark. Em Ultimato, 60 meses após o estalo, o filme apresenta uma vida perfeita para o personagem. Ele conseguiu tudo o que sonhou: Uma casa no campo e uma família. O arco do Homem de Ferro se fecha nesse exato momento, ou pelo menos é o que aparenta.
No momento em que os Vingadores pedem por sua ajuda, Tony imediatamente nega. Ele não está disposto a perder o que ainda lhe resta, sua vida estável. O que leva o espectador, mais uma vez, acompanhar uma jornada do personagem, indo do egoísmo para o altruísmo. Sendo sincero, quando assisti ao filme pela primeira vez, eu pensei: Ele passou por isso em todos os filmes. Por que fazer de novo?
Mas após assistir novamente, eu percebi, há um fator a mais nesse jogo: A paternidade. Para mim, esse aspecto, ao lado da ansiedade por conclusão, carregam o arco do Vingador Dourado na obra. Veja: O que o motiva a aceitar a missão é lembrar do fato de que ele perdeu Peter Parker no espaço. Claro, não é só isso, mas você entendeu. A paternidade é um tema central para o personagem nessa narrativa.
Ao tentar recuperar o Tesseract nas instalações da S.H.I.E.L.D, ele encontra Howard Stark, seu pai. O roteiro traça uma dinâmica interessante entre os dois, discutindo os temas propostos através de algo simples: O medo de Howard em se tornar um pai. Isso conversa indiretamente com a principal preocupação do Homem de Ferro nesse filme: Sua família. Não apenas isso, mas quando seu pai diz: “Digamos que eu nunca deixei que o bem maior agisse sobre mim.” ele percebe que o mesmo erro não pode ser cometido duas vezes.
Isso se relaciona diretamente com a jornada do egoísmo para o altruísmo. Durante o ato final, o Thanos do passado vem ao presente (Loucura) para impedir que os Vingadores frustrem o seu plano. As pessoas já foram trazidas de voltas pelo estalo de dedos realizado por Hulk, resta apenas um confronto para que a vitória não se transforme em derrota novamente.
Em determinado momento de Guerra Infinita, Doutor Estranho afirma que dentre os 14,000,605 futuros, apenas nesse existe uma possibilidade de vitória. Vingadores: Ultimato apresenta o único jeito. Quando Thanos consegue a manopla, ele realiza o estalo dizendo: “Eu sou inevitável.” Porém logo após, a câmera corta para Stark com as seis joias em mãos, usando a mesma frase dita ao final de seu primeiro filme: “E…eu sou…o Homem de Ferro.” O vilão é finalmente derrotado, a profecia, desfeita, mas com um custo: A morte de seu profeta, o maior protetor da Terra.
Quando Pepper diz: “Você pode descansar agora”, é o momento em o porquê desse sacrifício ser diferente dos outros é compreendido. Sim, esse é o único em que resulta em sua morte, mas essa não é a questão. O ato altruísta de Tony Stark em Ultimato pode ser considerado egoísta, no bom sentido, pois não era apenas sobre vingar o planeta, era antes de tudo, pessoal.
Com Thanos retornando ao pó, ele finalmente pode acordar de um longo pesadelo e descansar em paz.
“Parte da jornada é o fim.”
Vingadores: Ultimato está em exibição nos cinemas. Confira a crítica aqui.