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Matar e Morrer: os dois Prelúdios de Dario Argento

Escrito por Gabriel Faria

Em 1975 o renomado cineasta italiano Dario Argento lançava o que viria a se tornar sua obra-prima mais cultuada: Prelúdio para Matar (Profondo Rosso no original), um suspense policial escrito por Argento, com produção de seu pai e de seu irmão mais novo, e trilha sonora composta pela banda Goblin.

Dario Argento iniciou sua carreira em meados dos anos 60 e ganhou notoriedade pelo trabalho realizado ao lado de Bernardo Bertolucci no filme de Sergio Leone, Era uma Vez no Oeste (1968). Após o sucesso de sua produção de 1970, O Pássaro das Plumas de Cristal, o diretor investiu em outros dois filmes que seguem a mesma temática, e esta trinca foi apelidada de “trilogia animal“. Outro filme foi lançado em 1973, e exatamente em 75 Profondo Rosso chegou aos cinemas.

Uma das cenas de Prelúdio para Matar, em que o protagonista investiga o misterioso assassino.

Prelúdio para Matar, um trabalho que Argento dividiu com Bernardino Zapponi, une as características dos filmes thriller do diretor com pitadas de sobrenatural e fantasia. Na trama, um pianista vivido pelo ator David Hemmings é testemunha do assassinato de Helga Ulmman (Macha Méril), e decide investigar os fatos contando com a ajuda de uma amiga repórter, interpretada por Daria Nicolodi.

O filme tornou-se um sucesso de público e crítica e hoje figura no topo das listas de melhores obras da filmografia do diretor. A produção envolveu particularidades da vida pessoal de Argento, tal qual sua separação com a segunda esposa. O título do longa significa, em português, Sangue Profundo, e a composição única que dá vida à história contada, com ambientação espetacular por parte da direção das cenas e da trilha sonora desenvolvida pela banda italiana de rock progressivo são os pontos altos da fita.

O diretor e roteirista elabora um mistério intrigante e cheio de surpresas enquanto o protagonista está em sua investigação. Levando o espectador a um ponto final graças às descobertas, Dario não falha em surpreender e entrega um plot twist memorável. O sombrio assassino, que no filme é interpretado pelo próprio Argento (nas cenas em que somente as luvas estão visíveis), promove uma verdadeira chacina no decorrer das – rápidas – duas horas de mistério. Quando chega ao fim, sobra a satisfação por ter presenciado tamanho esmero em uma tela. E a influência deixada por suas obras ao legado do cinema é gigantesca, retirando-se do posto de ícone italiano para se tornar referência mundial.

Mais de quarenta anos depois, Dario Argento revisitou as principais características de sua obra definitiva. Agora, nas páginas de um personagem das histórias em quadrinhos: o Dylan Dog.

“O maior ícone italiano de terror depois de mim”, disse o diretor com um sorriso.

Foi através do roteirista da Sergio Bonelli Editore Stefano Piani que Dylan Dog teve uma história escrita por Argento lançada na Itália, na edição 383 da revista do personagem, datada de junho de 2018. Amigo pessoal de Dario, Piani abordou-o ao mesmo tempo em que trocou mensagens com o editor de DyD, Roberto Recchioni. Foi dada a largada para que o Investigador do Pesadelo criado por Tiziano Sclavi, tal qual uma marionete, fosse conduzido pelas hábeis mãos do diretor. O título da obra: Profondo Nero (Terror Profundo), seguindo o italino, e no Brasil, Prelúdio para Morrer.

Uma misteriosa mulher é destaque na bela capa de Prelúdio para Morrer.

Mas as semelhanças entre o clássico filme e a história de Dylan não se limitam ao título. Aqui, com colaboração de Piani, Argento cria uma história de investigação mestrada por BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo), e apesar do plot geral não se assemelhar ao de sua obra máxima, a condução de ambas possuem paralelos.

Os dois Prelúdios de Argento têm início com uma cena ambientada no passado. No filme, alguém assassina um homem e uma criança está com a faca em uma das mãos. No quadrinho, duas filhas de um nobre são pegas roubando a gaveta de dinheiro do pai. Ambos os prólogos são, ao final da narrativa, trazidos de volta para mente do espectador/leitor e utilizados como gatilho para solução de um mistério maior. E como o clássico de 1975, Prelúdio para Morrer traz alguns elementos fantasiosos que o diretor trabalha em algumas das suas produções, uma vertente favorita do mesmo.

A cena inicial do filme mostra uma criança presenciando uma faca ensanguentada.

A sinopse desta história é direta: ao visitar uma exposição de quadros e fotografias BDSM, o herói avista uma linda mulher de longos cabelos pretos e muitas cicatrizes nas costas. Ao segui-la através da multidão, ela desaparece na cidade e Dylan se vê em uma experiência bizarra onde, seminua e amarrada, com uma estranha multidão assistindo ao redor, a mulher que avistara anteriormente pede para que ele a chicoteie. Ao acordar do que se assemelhou a um sonho, o dever é descobrir quem diabos é essa mulher.

“A dor é prazer, Dylan!”

A paixão do autor por obras de arte se faz presente em seu filme como elemento chave para a resolução do mistério, e é o principal gatilho para que o Investigador do Pesadelo dê início às suas buscas, motivadas também por avistar uma mulher em situação estranha. E as referências ao filme também se apresentam de forma visual: há um pôster da banda Goblin em determinado quadro, dividindo cena com uma marionete que, no longa, protagoniza uma das mais impactantes cenas de ação e terror.

A utilização de bonecas e marionete em Prelúdio para Matar cria um suspense único.

Enforcamentos, desmaios, facadas e mortes por um ataque de cutelo promovem a sanguinolência, que sempre se encerrará com balas e pólvora. E além dos paralelos, esta é uma aventura cronológica do herói, com utilização dos aparatos tecnológicos que o leitor conheceu na aventura A Serviço do Caos, cronologia esta situada em um texto editorial.

“Quem junta tudo é Dario, que, como faz todas as vezes, se fecha em um quarto de hotel em algum lugar, junto com um computador sem wifi, para escrever.”

O desfecho, mais uma vez remetendo ao Prelúdio para Matar, entrega uma reviravolta que esteve o tempo todo escancarada para o leitor, incapaz de notar e mergulhado na assombrosa arte do genial artista Corrado Roi.

E enquanto adiciona componentes novos para sua trama, incluindo até mesmo algumas atitudes polêmicas às mãos de Dylan Dog, esta revisitação histórica de um clássico do suspense e terror demonstra a força não somente do Old Boy que vive a aventura, como também do autor, que hoje possui 78 anos de idade e ainda é capaz de mergulhar-nos em tanta ansiedade curiosa.

A obra foi trazida ao Brasil pela Mythos Editora em uma graphic novel luxuosa, com capa dura e textos que complementam a leitura. Confira detalhes clicando aqui.

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Sobre o Autor

Gabriel Faria

Assistente Editorial, apaixonado por quadrinhos, redator da Torre de Vigilância, criador do blog 2000 AD Brasil e otaku mangazeiro nas horas vagas.