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Torre Entrevista | Chuck Dixon

O pai de um dos maiores vilões do Batman, prolífico roteirista e uma pessoa dotada de extrema simpatia, Chuck Dixon é um grande nome do mercado de quadrinhos norte-americanos. Algumas de suas obras inéditas foram lançadas no Brasil recentemente, enquanto outras ganharam republicações, e motivados pela cena atual, resolvemos entrevistá-lo para falar um pouco sobre duas histórias em específico:

Primeiramente, gostaria de agradecer por ter aceitado fazer esta entrevista. No período de alguns meses, os leitores brasileiros foram agraciados com os lançamentos de alguns quadrinhos de sua autoria, tais quais as edições de luxo de Robin: Ano Um e Batgirl: Ano Um (pela editora Eaglemoss), e o lançamento da inédita Bane: A Conquista (Panini), bem como a publicação de um encadernado especial de Mundo Invernal (Mythos Editora) compilando as duas aventuras originais ilustradas por Jorge Zaffino, e a recente La Niña. Gostaria de centrar, nesta entrevista, nestes dois quadrinhos citados por último.

Muito obrigado por vir falar comigo!

Chuck Dixon em sua mesa na MegaCon Tampa Bay em 2016. (Reprodução: bleedingcool.com)

Vamos começar falando sobre você. Em quaisquer sites como a Wikipedia ou até mesmo no Dixonverse qualquer um pode encontrar detalhes sobre o início de sua carreira. Entretanto, eu gostaria de saber como você se envolveu com os quadrinhos inicialmente, como leitor, para depois ir trabalhar no mercado.

Quando eu era criança havia quadrinhos em todo lugar. A maioria das casas tinha pilhas deles. Eles estavam na barbearia, farmácia e todo lugar que eu ia. Eu ficava muito doente quando criança, e membros da família traziam quadrinhos para mim como presentes. Eles se tornaram meu mundo. Ainda muito novo, eu estava estudando a “linguagem” dos gibis. Eles também se tornaram meu interesse central. Eu queria criar meus próprios quadrinhos e até desenhei centenas de páginas ao longo do ensino médio. Não havia nada mais que eu queria fazer além de trabalhar com quadrinhos, então arranjei alguns empregos simples para ter condições mínimas e fui para Nova York para ir à Marvel e DC sempre que eu pudesse.

Finalmente, no meio dos anos 80, quase simultaneamente eu chamei a atenção de duas empresas, a Eclipse Comics e a Marvel Comics. Então trabalhei duro para provar que eu era confiável e que poderia apresentar histórias competentes. Logo, fui contratado como roteirista e nunca mais olhei para trás!

Em 1987 você criou a série Mundo Invernal. Alguns textos de sites especializados dos EUA comparam a série original (e suas continuações modernas) com Mad Max, apelidando-a de “Mad Max no gelo.” Gostaria de saber quais foram as influências e inspirações para a criação de Mundo Invernal, e se realmente Mad Max foi parte das mesmas.

A maior influência foi Jorge Zaffino [o artista de Mundo Invernal]. No mesmo instante em que vi seu trabalho, eu soube que eu queria fazer algo cru e perigoso. Uma história pós-apocalíptica situada em um ambiente estéril e hostil pareceu perfeita para o estilo único de Jorge, seu dom de desenhar pessoas reais e suas habilidades em coisas elementares como clima e ação.

Há alguma influência de Mad Max [em Mundo Invernal] mas não nos aprofundamos no lado “punk” daquela série. Era mais algo como o mundo real, e menos fantasioso. Essas pessoas estavam muito ocupadas tentando sobreviver para ficar pensando em estilo!

Capa da edição nacional de Mundo Invernal, da Mythos Editora. (Reprodução: mythoseditora.com.br)

Em um texto seu escrito em 1988 e publicado em Winter World 3, você menciona o fato desta história ser sobre pessoas sobrevivendo sem um rumo exato, e não sobre salvar o universo. Esta é uma característica que se manteve quando a série retornou em 2014?

Com certeza. Eu sempre preferi histórias onde os personagens estavam mais preocupados com seus interesses pessoais do que com objetivos mais altos. Eu consigo me relacionar melhor com alguém tentando sobreviver, procurando comida e abrigo. Eu me relaciono menos com alguém tentando mudar o mundo.

Como foi retomar esta série após tantos anos? Quais foram os principais processos para que você pensasse “ok, Mundo Invernal deveria retornar às comic shops”.

A IDW tinha um interesse real em uma série de TV. Simples assim. Isso permitiu que eles pensassem em me chamar para criar uma nova série de quadrinhos. Pra mim, foi como se o tempo não tivesse passado. Eu estava de volta ao mundo de Scully e Wynn facilmente, como andar numa sala familiar.

Primeira página da série original Mundo Invernal, de 1987. Arte de Zorge Zaffino. (Reprodução: amazon.com.br)

Scully, Wynn e Rah-Rah formam um trio único. Como você descreveria a relação entre Scully e Wynn?

Não é uma relação de pai e filha. Eu suponho que eles sejam mais como irmãos. Apesar dela ser mais nova, Wynn é de um mundo onde todos devem crescer rapidamente. Então, apesar da diferença de idade, eles são equivalentes, iguais. Em um mundo onde você não pode confiar em ninguém, eles contam um com o outro para sobreviver e sabem que eles se apoiam juntos.

Já pensou, alguma vez, em dar maiores detalhes acerca de como o planeta chegou ao ponto que está neste universo? Durante La Niña [história presente no encadernado da Mythos Editora], um dos personagens dá dicas acerca do ocorrido, mas nada muito aprofundado. Esta vontade de contar em detalhes os acontecimentos que congelaram o mundo já passou pela sua cabeça?

Eu nunca quis ir às origens. Fazer isso iria sugerir que há uma solução [para a situação do mundo congelado]. Eu não queria que meus personagens lidassem com nada disso. Eu queria que suas histórias fossem sobre pessoas frágeis em um mundo duro, violento e quase inabitado. Eles não se importam sobre como o mundo chegou onde chegou. Suas únicas preocupações são comida e calor. E as dicas dadas nesta história são apenas teorias.

Capa da primeira edição do retorno de Mundo Invernal, publicada pela IDW em 2014. Arte de Butch Guice. (Reprodução: idwpublishing.com)

Migrando para a DC Comics e as perguntas direcionadas à Bane: A Conquista. Primeiramente, como foi trabalhar com basicamente toda a Batfamília? Você ainda acompanha regularmente o que é feito com os heróis e vilões do Batman?

Eu não mais acompanho os quadrinhos de perto, já que eu não trabalho mais para a DC regularmente. Eu tenho que pensar nas minhas próprias continuidades!

Trabalhar para a DC Comics foi uma tremenda oportunidade pra mim. Eu ainda não acredito que pude brincar naquele playground por tanto tempo! Eu me arrepiava sempre que escrevia “Batman e Robin.” Isso nunca foi embora!

Bane é, talvez, sua criação mais famosa para o universo do Batman. Como foi ver seu personagem adaptado duas vezes nos cinemas (Batman e Robin em 1997 e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge em 2012), e quais as impressões que ambas as adaptações lhe passaram como “pai” deste personagem?

A primeira versão (vivida por Jeep Swenson) teve o melhor visual de todos. Mas ele foi interpretado como um viciado em um filme muito ruim. O Cavaleiro das Trevas Ressurge foi muito melhor, mostrando o Bane como um intelectual. Mas ainda não foi o que Graham Nolan e eu tínhamos em mente.

Capa do segundo e último volume da série Bane: A Conquista, que está atualmente nas bancas em lançamento da editora Panini. (Reprodução: hotsitepanini.com.br/dc)

Atualmente, Bane: A Conquista está sendo publicada no Brasil. Sobre esta série, como foi retornar à sua cria após tanto tempo, e quais foram seus principais objetivos com o desenvolvimento desta história?

Graham e eu tínhamos mais histórias para contar. Quando começamos, foi como se nem um dia tivesse passado desde a última vez. Nós “lidamos” com o Bane melhor que qualquer um pois nós o criamos. Há muita profundidade lá.

Conhece o Brasil? Se não, gostaria de conhecer?

Eu gostaria de conhecer. Meu grande amigo Sergio Cariello mora não muito longe de mim aqui na Flórida. Ele fala sobre ter crescido no Brasil o tempo todo.

Em que você está trabalhando atualmente? Poderia dar algumas dicas do que virá no futuro?

Estou trabalhando em uma nova série do Van Helsing para a Zenescope, e também em uma série chamada Avalin para a ArkHaven, uma nova empresa. E tenho muitos projetos que ainda não foram anunciados, incluindo uma graphic novel para a Marinha dos Estados Unidos.

Van Helsing vs. The Werewolf #2, da editora Zenescope. Arte de Mike Lilly. (Reprodução: blog.zenescope.com)

Chuck, gostaria de agradecer imensamente a atenção depositada para responder estas perguntas, e tenho certeza que os fãs brasileiros irão gostar de ler suas respostas. Por fim, queria pedir que mande algum recado para os leitores daqui, e também aproveitar o espaço para lhe desejar todo o sucesso do mundo!

Para todos meus amigos brasileiros, muito obrigado por ler e curtir meu trabalho! Acreditem, eu gosto de ter minhas histórias sendo desfrutadas em cada canto do mundo!

Acessem meu site em https://dixonverse.wordpress.com/ e conheçam Bad Timeshttps://amzn.to/2yrs5bC

Agradecimentos ao Roberto Nicácio pela colaboração.

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Torre Entrevista Panini Brasil sobre o aumento de preços

O recente aumento de preços nas edições de luxo da Panini Brasil está gerando imensa polêmica por parte dos lojistas e leitores da editora.

Encadernados estão chegando a 120 reais no preço de capa por menos de 300 páginas, que até pouco tempo eram comercializados na casa dos 80 reais.

Leitores já se mobilizam pelas redes socias com campanhas de boicote à editora, ao mesmo tempo que outros aproveitam promoções de grandes sites de varejo, que colocam descontos de até 40% em produtos recém lançados.

Campanha seguida com a hashtag #vaiencalharpanini surge no Instagram

Enquanto isso, lojas de quadrinhos independentes ficam sem ter como concorrer com os preços das gigantes do mercado e esperam o que pode ser feito por parte das editoras caso o projeto de lei 49/2015, que pretende taxar uma porcentagem máxima de desconto em livros nos seus primeiros 12 meses de circulação, seja aprovado.

Em resposta à algumas dúvidas, a editora soltou uma nota oficial à imprensa, mas perguntas ainda ficaram no ar. Agora, em entrevista exclusiva à Torre de Vigilância a Panini Brasil, através de sua assessoria de imprensa, busca esclarecer as principais questões que surgem no mercado.

Como funciona a distribuição às grandes redes de varejo (Amazon, saraiva…) e para comic shops que vendem os mesmos produtos? Por que as lojas grandes oferecem ao consumidor descontos maiores em relação ao preço de capa do que lojas menores, como Itiban, Comix, Gibiteria…?

A Panini vende os produtos para as redes de varejo sempre da mesma maneira, isso é, a Panini não beneficia nenhuma rede em especifico. Entendemos que dessa maneira não interferimos nas estratégias dessas empresas. A política de descontos das livrarias não tem qualquer ligação com a Panini.  O preço de capa sugerido aos varejistas, sendo online ou não, são iguais. Cada varejista utiliza a estratégia de desconto que melhor lhe convém.

O aumento do preço tem a ver com a política de altos descontos da Amazon, que costuma aplicar descontos de 30% a 50% do preço de capa pouco tempo depois de seu lançamento, assim fazendo seu preço ser similar ao praticado meses atrás pela Panini? Exemplo: A Noite das Trevas hoje está custando 48 reais, já com o desconto aplicado sobre o preço de capa de 72 reais. 48 reais era o valor de capa similar (com margem para maior ou menor valor dependendo do produto) meses atrás em edições da Panini nesse formato e número de páginas. Tal prática faz os leitores hoje dificilmente pagar o preço de capa do material destinado à livraria.

O aumento não tem qualquer ligação com os descontos praticados por qualquer loja, online ou off, do varejo. O preço de capa sugerido aos varejistas, sendo online ou não, são iguais. Como respondido anteriormente, enfatizamos que cada varejista utiliza a estratégia de desconto que melhor lhe convém.

A Noite das Trevas: R$72,00 por 126 páginas

Esse aumento fez algumas edições serem mais caras que sua versão importada. Exemplo: Escalpo Volume 1 está custando 94,02 reais mesmo com desconto aplicado sobre o preço de capa de 120 reais; A versão Importada, Scalped Deluxe Edition book One está saindo por 82,44 reais no mesmo site (Amazon Brasil). Sendo que as duas edições são em capa dura, o valor da Panini está acima do valor internacional, algo que foi informado no comunicado que está abaixo. Por quê?

Apesar do realinhamento de preços que tivemos que fazer para manter, em muitas oportunidades, aproveitamos para melhorar a qualidade editorial e gráfica de nossos produtos.

Dessa forma evidenciamos que o preço praticado no mercado nacional, está quando não abaixo, em linha do mercado americano, quando convertido para a moeda Real, mas com qualidade gráfica equivalente.

Diferenças de preço como o caso do título “Escalpo”, se deve a variações como tiragem, negociação com a licença para um título especifico ou mesmo obrigatoriedades contratuais.

As edições antes eram impressas na China para baratear os custos de produção. Esta tática ainda é aplicada?

Com a constante flutuação da moeda e o aumento de preço das commodities,as impressões no exterior tem se tornado menor e menos atrativas para a empresa, do ponto de vista do planejamento de custos a longo prazo.

Estão cientes do projeto de lei 49/2015 que, caso aprovada, visa impedir descontos acima de 10% sobre o preço de capa nos primeiros 12 meses após seu lançamento? De acordo com o projeto, acabaria com a ação predatória das grandes redes sobre lojas menores. O que acham sobre o assunto e  Em outros países que a Panini atua essa lei já existe. Essa lei faria o valor do preço de capa abaixar?

Essa lei, se aprovada, não afetaria a precificação da Panini, uma vez que não usamos como base os possíveis descontos do varejo para a formulação dos preços.

Tal situação do mercado editorial de quadrinhos será assunto de outra matéria, a ser publicada aqui na Torre em breve. Aguardem!

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Torre Entrevista | David Mack

Ele torna a violência, a agressão em uma folha de papel em algo suave como sua arte. David Mack é um dos maiores de sua geração. Em sua visita ao Brasil na CCXP, conversamos com o roteirista, capista e pintor que, inclusive, abriu o jogo sobre futuros projetos:

Vamos começar falando do Demolidor, cuja popularidade se multiplicou nos últimos anos, especialmente desde sua fase com Kevin Smith e, posteriormente, Brian Michael Bendis. Como é mexer com um herói tão cheio de imperfeições e quanto sua fase influenciou as outras mídias (filme, seriado…) ?
É um personagem que pode ser considerado um herói imperfeito desde sua infância, além da marca de “deficiente”, taxada por algumas pessoas. Mas, sua forma única de perceber o mundo torna-se sua vantagem. Então, gosto dessa ideia: Ele é bem diferente por causa disso e se destaca do resto da humanidade por essas experiências [sensoriais] com a realidade. Gosto dessa diferença pois o obstáculo vira uma qualidade e também como o tema da história. Quando comecei minha primeira história [do Demolidor] que o [Joe] Quesada desenhou, ele me pediu para criar um novo personagem e vim com a Echo porque achei que ela seria outro personagem que percebe o mundo de forma única, também transformando desvantagem em atributo. Cada um tem um forte ponto de vista, e quando os une, podemos fazer histórias muito interessantes. A terceira pessoa com fortes pontos desde sua infância foi Wilson Fisk. Assim, gostei muito de fazer a história que considero a origem de Fisk. Aliás, considero esta a primeira história cronologicamente dizendo que fiz sobre o DD. Várias ideias desse número foram parar no seriado em Vincent D’Onofrio, com o martelo, rachaduras na parede, as brigas dos pais… Se você olhar bem, eles usaram até as mesmas cores de roupas dos quadrinhos. Então, algumas partes da minha história foram para a Netflix.

Echo e a origem de Wilson Fisk por David Mack e Joe Quesada em Daredevil nº15. Abril de 2001. (Reprodução: Comixology.com)

Em Demolidor – Fim dos Dias, você apenas fez o roteiro. Como foi dessa vez, salvo algumas páginas, voltar a somente essa função? Tem ambição de regressar ao universo dele?
Claro. Eu amo o Demolidor! Como você disse, comecei fazendo o roteiro do Demolidor e não a arte interior. De fato, na maioria das histórias fui escrevendo, mas há uma que não o fiz e foi esta uma das primeiras que o Brian [Michael Bendis] escreveu para Marvel justo quando mudei para a arte interior. Isso foi basicamente para conseguir um emprego para o Brian como escritor. Era uma grande oportunidade de trabalharmos juntos em um projeto que selasse nossa longa amizade. Também gosto de saber que foi um dos seus pontos de partida na Marvel e fizemos coisas maravilhosas por lá de lá para cá. Então, foi fantástico voltarmos juntos em Demolidor – Fim dos Dias e de quebra, adoro que os artistas sejam Bill Sienkiewicz e Klaus Janson, porque Brian e eu crescemos e aprendemos lendo-os nas histórias do DD quando garotos…

Dois muito influentes artistas do DD!
Muito influentes também em storytelling em geral para mim e Brian. Aprendemos tanto que colocamos em nossas histórias e arte. Trabalhar com esses caras em uma história que eles também trouxeram à vida era um sonho. Agora é real. Desde então estou escrevendo uma sequência para DD – Fim dos Dias com a mesma equipe criativa na medida do possível. Klaus agora é um artista exclusivo da DC, queríamos que ele fizesse parte também, mas provavelmente o Bill vai fazer a maior parte da arte. Essa sequência se chamará Justiceiro – Fim dos dias. Amei escrever o Justiceiro em DD – Fim dos dias e penso que seria ele o ideal a próxima história fluir. Ainda terá os outros personagens da história anterior, onde Ben Urich a fez desenrolar em sua parte urbana mas, obviamente, ele não estaria em uma história subsequente. O Justiceiro então seria sucessor e já trabalhei muito nisso com o Brian antes dele assinar com a DC. Agora vamos ver como vai ser daqui em diante.

Justiceiro em Demolidor Fim dos dias (Reprodução: comicstore.marvel.com)

Frank Castle é um personagem mais urbano, assim como o Demolidor. Já pensou em fazer quadrinhos com um herói de características mais clássicas?
É uma boa pergunta. Também vejo o Justiceiro e Demolidor como personagens mais “de rua”. Quando escrevo-os, penso que devem permanecer por lá, para manter essa perspectiva de um núcleo do Universo Marvel, por isso foi bom o aspecto em colocar o Ben Urich nessa situação. Há uma parte em que ele quer se encontrar com Os Vingadores, mas eles não se encontram com ele. Nessa história, gosto da limitação entre esses personagens, deixando de lado a parte mais cósmica da Marvel. Apesar disso, eu adoraria fazer uma HQ do Doutor Estranho, Batman ou algo a mais.

Seu trabalho mais autoral é Kabuki. Esta vem de uma cultura estrangeira. Há pintores de alto nível no Japão, como [Ayami] Kojima, Yoshitaka Amano… Como esse sincretismo artístico o influencia?
Essa questão é interessante porque estive recentemente no Japão por duas semanas. Tenho muita influência em meu trabalho de culturas globais e do Japão especificamente em Kabuki. O divertido em roteirizar quadrinhos, fazer arte e até escrever histórias é que não há um dispositivo de desligamento para de onde vem sua inspiração. Você pode constantemente viajar entre diferentes níveis, mundos e, quando leva aos quadrinhos, isso se torna seu laboratório, seu playground para processar tudo que te inspira. Para pegar um pedaço de tudo que faça sentido, e essa é minha área de lazer.

página interna de Kabuki (Reprodução: Davidmackguide.com)

Você hoje é mais um capista. O quanto um roteirista tem poder sobre suas capas e o quão tênue é sua linha para não interferir na arte do miolo, feita por outro desenhista?
Não sei bem o quanto minha arte influencia ou interfere o conteúdo, é mais fácil falar com cada artista em individual. Em alguns momentos no começo de Alias – Jessica Jones fiz alguma arte interior mas eu estava satisfeito de fazer as capas. Em Deuses Americanos, de Neil Gaiman, fico feliz em fazer a arte de capa dessa nova série em quadrinhos assim como em Clube da Luta, de Chuck Palahniuk

Como é trabalhar com Gaiman?
Fantástico. Fazemos também pôsteres algumas vezes durante o ano, em feriados… inclusive estava fazendo um hoje de manhã no hotel! Este, um pôster promocional. Estou muito satisfeito em estar nessa com Neil. Muito contente de estar em Deuses Americanos e espero fazer mais coisas com ele.

Capa de American Gods: Shadows nº4 (Reprodução: Darkhorse.com)

Falando em autor, há uma história muito engraçada e curiosa porque existe um outro David Mack, que vocês inclusive dividem o mesmo website! Qual é sua relação com ele e como isso funciona?
David Alan Mack é um cavalheiro que escreve livros como os de Star Trek e tenho a honra de dividir meu nome. Há outros “David Macks” por aí, como um que é embaixador do oriente médio. Em geral, tenho uma ótima relação com eles.

 

Com o outro David Mack, o escritor, considero que seria interessante um trabalho conjunto, fazendo a capas dos livros. Quem sabe um dia…

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Torre Entrevista | Steve Oliff

Nesta semana de aniversário de Akira, aqui na Torre esmiuçamos a versão brasileira do mangá. Mas uma particularidade ainda carecia de maiores explicações: As cores. Steve Oliff, possivelmente o mais famoso colorista dos quadrinhos também foi o primeiro a colorir digitalmente uma HQ, exatamente em Akira. Para falar mais sobre o assunto, conversamos com ele que, diretamente da Califórnia, nos contou seu lado sobre os bastidores de um dos seus mais famosos trabalhos e explica por que tantos leitores até hoje preferem sua versão colorida pela Marvel/Epic à obra original de Katsuhiro Otomo.

Akira foi o primeiro mangá de muitos leitores. A primeira pergunta é simples: Você teve algum contato com mangá, seja como leitor ou colorista antes de Akira?

Não. Resposta simples [risos]. Havia pouquíssimos mangás naquela época disponíveis por aqui quando comecei a colorir Akira.

Quando Archie Goodwin o indicou para ser o colorista de Akira, você já era um candidato ou nem sabia sobre essa publicação?

Ele [Archie] me pediu para fazer algumas páginas de teste. Eu já estava na Marvel desde 1978 e eles procuravam alguém para fazer essa nova HQ que seria longa. Me mandaram 4 páginas e fiz algumas amostras. Mas algo sobre Akira me chamou atenção de que parecia ser um trabalho importante. Então me empenhei muito no meu guia de cores e amostras para ver se eu conseguia a vaga, e as minhas foram escolhidas.

Durante esse processo, [Katsuhiro] Otomo viajou aos Estados Unidos e ficou uns dias por aí…

Sim, ele viajou!

E quanto tempo você trabalhou pessoalmente com ele?

No início, o que aconteceu quando eu recebi a autorização para continuar com o trabalho, fui até Nova York para conhecer os editores e o Otomo. Um amigo meu tinha aqueles volumes grossos em preto e branco, acho que eram os volumes 1 e 2, e um amigo dele falava japonês e traduziu esses volumes para ele! Os peguei emprestado já traduzidos e durante o voo da Califórnia para Nova York eu li o primeiro antes mesmo de me encontrar com a equipe. Passamos de algumas horas para até um dia ou dois em reunião. Depois de estabelecer contato, voltei para casa e comecei a minha parte para valer.

Steve Oliff (agachado na ponta esquerda) e Katsuhiro Otomo (em pé na ponta direita) com convidados em um dos encontros (Reprodução: youtube.com)

Ainda sobre o Katsuhiro, ele passou alguns dias nos EUA e, pelo que dizem, falava inglês muito bem…

Posso acrescentar algo? Quando fomos ao hotel e discutimos sobre as páginas, ele parecia que não falava muito inglês. Depois fomos a um sushi bar e foi a primeira vez que comi sushi. Após relaxarmos um pouco e dizer que fui aceito na equipe ele se soltou e falou muito mais!

Quais eram as maiores preocupações dele sobre esse processo de cores?

Se eu seria capaz de contar a história com as cores, pois haveriam transições evidentes e como o ritmo da história, uma vez que era uma longa história, não seria a afetado e [as cores] não seriam um problema e sim uma contribuição para a narrativa.

Os Japoneses são conhecidos por trabalhar muito. Os mangakás mais conhecidos têm 5 ou 6 assistentes para desenhar junto com eles e nesse processo chegam a produzir 20 páginas por semana…

Otomo desenha mais sozinho. Ele tinha alguns assistentes, mas quando o visitei no Japão e pude ver como era sua produção, às vezes até seus editores o ajudavam, passando a noite preenchendo a arte-final dos cenários e fazendo o letreiramento dos balões para que ele pudesse cumprir os prazos.

E sobre a cores. Qual era a média de tempo que se levava para terminar uma página?

Não é exato pois houve dois processos. O que aconteceu com Akira foi que ele seria adaptado para as HQs da Marvel, que são quadrinhos com cores mais vivas e chapadas. Fizemos alguns testes para o guia de cores, porque era minha função na época. Feito isso, eu enviava as páginas junto com um sistema numérico para Connecticut. Lá, avaliavam o que eu fiz, que era compatível a um sistema equivalente a 64 cores diferentes. Fizemos alguns testes, mas ninguém ficou satisfeito com o resultado. Então lembrei de um amigo que tinha um programa de cores para computador e sugeri à Marvel se poderíamos usar um sistema digital, que me daria a possibilidade de usar milhões de cores ao invés das 64 anteriores. Eles aceitaram e, na História das HQs pelo que sei, com exceção de alguns casos isolados como Richard Corben que faz suas próprias seleções, foi a primeira vez que o artista do guia de cores também foi o selecionador. Esses eram dois processos distintos.

O projeto durou de 1988 até 1996. Quando o Katsuhiro voltou ao Japão, como funcionou o processo de edicão da HQ?

O equivalente ao primeiro volume original de Akira, que tinha umas 300 páginas, ele me mandava em fotocópias alguns “mini-guias de cores”. Nada muito específico ou que eu era obrigado a seguir à risca, mas para mostrar as ideias que ele tinha. E então eu já com papeis de qualidade superior, usava airbrush, caneta hidrográfica, guache e outros artifícios e os mandava ao Japão para ele olhar como ficou. Após sua aprovação, ele mandava de volta para nós e aí começava o processo por computador. Foi dessa forma até ao número 6 da edição Norte-americana. Depois disso, ele disse: “Está bem, você entendeu o que queremos por aqui” e eu não precisava mais mandar meu guia de cores ao Japão.

Exemplo de página de Akira colorida à mão por Oliff (Reprodução: Twitter.com)

Então os guias viajavam o mundo?

Sim, pelas primeiras seis edições da Epic. Outro fator no começo da produção foi que eu não tinha uma impressora ou scanner. Apenas a máquina para guia de cores. Kenny Giordano escaneou todas as páginas, me mandava em disquetes para eu colorir no processo digital. Eu devolvia dos disquetes para Kenny, ele imprimia as provas de impressão e as enviava para a Marvel. Aqui na Califórnia nós não tínhamos visto estas provas. Só víamos o a versão final impressa. Isso só mudou à partir da edição 11 quando no nosso estúdio chegou uma impressora Mitsubishi G650-10 e nos deu a chance de marcar as cores por conta própria. Antes disso, estávamos completamente cegos. Se cometêssemos algum erro, não saberíamos até ver a versão final impressa.

Um elemento importante foi quando a publicação entrou em hiato na época que Katsuhiro foi trabalhar em outros projetos…

Foi pela edição 33 da versão da Epic.

Aqui no Brasil Akira só voltou em 1997, após muita preocupação por parte dos leitores da HQ de ela ficar incompleta por aqui. Mas por parte da Marvel, esse medo também foi real?

Sim. Não estávamos seguros que Otomo retornaria, mesmo que já tínhamos ido tão longe. Na época, o mercado estava mudando, com a Image Comics surgindo com Spawn, The Maxx, Savage Dragon e toda a equipe que criei para mexer com Akira saiu da minha companhia para outras empresas. Então tive que recomeçar com uma nova equipe para as últimas edições e, infelizmente, o resultado não foi bem o que eu queria. A edição 32, que é minha favorita de toda a série, eu tinha a melhor equipe que treinei desde o começo e foi muito satisfatório, falando tecnica e artisticamente. Para as últimas edições, só pudemos mexer com elas quando ele [Katsuhiro] as mandou revisadas e até redesenhadas para nós.

Página de Akira nº 32. Marvel/Epic Comics. Abril de 1992.

Sobre seu estúdio, hoje as páginas são coloridas usando Photoshop. Na época de Akira, apesar do programa que vocês usavam, era diferente. O quanto você acha que a forma com que as páginas de quadrinhos feitas hoje, seu estúdio Olyoptics tem influência?

O que tínhamos era um software muito primitivo chamado Kaleidoscope, depois chamado de sistema Codd/Barrett e não chegava perto do poder do Photoshop. Como analogia, o que usávamos era como um carro de três marchas e câmbio manual. Photoshop é uma Ferrari ou Maseratti. Tínhamos que achar formas de compensar as limitações de nosso software com a criatividade de nossas escolhas. Quando começou a era digital muitos não tinham a expertise e nós já estávamos calejados. Desenvolvemos um novo estilo de coloração chamado The Cut Color. Com o Photoshop e bitmap, nosso software foi fragmentado. Tínhamos que saber a representação numérica que cada cor tinha porque era necessário saber se o que era apresentado em nossos monitores casava com o sistema CMYK. Quando se pintava com Photoshop no começo muitos se maravilham com as cores na tela, mas não entendiam as diferenças do sistema RGB do monitor com o CMYK que ia para a impressão final. Sei que é uma explicação bem técnica, mas esse era nosso diferencial.

Todos sabem que o processo de cores de Akira tinha o aval do seu autor. Há fãs que não gostam quando uma obra é modificada dessa forma, quando é colorida ou descolorida. O que acha dessa situação?

Quando a Marvel veio até mim falar de Akira, sendo este seu primeiro mangá, eles estavam convictos de que o público norte-americano não estava pronto para o material em preto e branco. Então vi que meu trabalho de colorir Akira era de comunicar com o autor e tentar o meu melhor em entregar uma versão colorida digna da história. Na Olyoptics pensamos que quanto melhor se desenha, melhor colorimos, e o traço de Otomo é fabuloso. Sempre tentávamos nosso melhor. Eu respeito quem prefere a obra original, mas para mim se o espírito essencial da obra está lá preservado mesmo que a colorindo, acho que não há nada errado nisso. Eu prefiro a versão colorida à preto e branco. A versão original é linda mas acho que as cores deram uma dimensão extra à forma de contar a história. Porque eu sempre considerei cores uma “trilha sonora silenciosa”. Vou contar a você um segredo: Quando colori Akira, eu tinha um estúdio com poucas pessoas e muito espaço. Então peguei 56 páginas, o que equivalia a uma edição da Epic, as coloquei no chão em ordem e observei cada segmento da história, cada parte e corte e o que vi é que precisávamos de “cores de cena” para determinados personagens. Quando mudava de um personagem para outro havia uma mudança de cores que, você pode não perceber, mas nosso subconsciente capta que a história está mudando. E dessa forma nós narrávamos a trama usando as cores.

Em 2012, a Norma Editorial lançou na Espanha uma caixa celebrando os 30 anos de Akira. Essa versão era colorida. Você soube ou teve algum envolvimento nesse projeto?

Não. Ninguém nunca sequer me disse sobre as versões internacionais de Akira, apenas as da Marvel. Cheguei a ver somente uma edição alemã.

Versão alemã de Akira (Reprodução: Abebooks.com)

Já nos EUA agora em 2017 será lançada uma caixa parecida para os 35 anos de Akira…

Essa será em preto e branco. Porque eles teriam que usar os filmes que usamos para impressão e eu não tenho certeza se esse material sobreviveu na Marvel. Entretanto, eles levaram os filmes para França, Espanha, Brasil… por isso, em outros países há cópias desses filmes e há a possibilidade de eles terem os conservado melhor do que a Marvel fez.

Caixa comemorativa de 35 anos de Akira sem as cores de Oliff. Kodansha Comics. 2017 (Reprodução: Amazon.com.br)

Em vários casos, as cores precisam ser restauradas ou refeitas em novas edições. Como você mesmo fez no Thor por Walter Simonson e Miracleman. Além do processo digital, o que você acha que fez as cores de Akira serem tão atuais até hoje?

Você chegou a ver algum dos meus guias de cores originais?

Sim! Em Felixcomicart!

Isso. Eu vendi alguns por lá! Pois bem: Os guias foram tratados como arte totalmente pintada e renderizada. Colori esses guias junto com meus assistentes então passamos aos responsáveis pelo processo digital e esse trabalho era de casar todos os artifícios que tínhamos feito manualmente. Depois eram feitas provas de impressão já que nessa época, como disse, tínhamos uma impressora Mitsubishi G-650, então eu sabia que as provas de impressão iam sair bem. Sabia que ia “traduzir” bem. No final, atuei como um diretor de arte passando pelo processo de pintura, impressão e revisando para ver o que precisava ser consertado. Ainda tenho algumas daquelas provas de impressão com notas nas margens dizendo o que era preciso ser feito. Por todo esse esquema, éramos uma equipe rigorosa como nunca se havia antes visto na indústria dos quadrinhos.

Impressora Mitsubishi G650-10 igual àquela usada por Oliff (Reprodução: PC Magazine nº7. Março de 1988)

Os Estados Estados Unidos ainda é um país muito fechado em sua própria cultura. Há, por exemplo, versões estadunidenses de filmes em língua estrangeira ou até de produções britânicas porque não é comum nos EUA o público consumir produtos dublados ou legendados. No Japão, de certa forma é parecido: Há personagens da Marvel e DC que foram adaptados ao mangá. Por que você acha que Akira uniu esses dois mundos e ainda por cima fez sucesso no resto do planeta?

Pelo meu histórico na indústria, recordo que a cultura Japonesa foi introduzida aos quadrinhos norte-americanos após a Segunda Guerra Mundial com a ocupação do país pelos EUA (1945-1952). Os soldados, que eram representados em HQs, também levaram quadrinhos para lá e os japoneses adoravam. Mas, por sua economia estar sofrendo com o pós-guerra, eles não tinham capital para investir em impressões em cores e todo o estilo em preto e branco foi desenvolvido a partir daí. Portanto, o desenvolvimento cultural com quadrinhos foi diferente com o que acontecia nos EUA. Nesse cruzamento de culturas eu sei que, por exemplo, foi publicado um mangá do Homem-Aranha e dessa vez em preto e branco. Tanto aqui quanto lá em seu estilo de publicação e traço. Akira era especial por duas razões: 1 – Por trazer o conceito de narrativa do mangá aos EUA. 2 – A sua versão animada era um passo adiante em seu meio e isso mudou como a audiência por aqui pensava sobre anime e esse assunto. Muitas pessoas que vêm até mim em convenções de quadrinhos sabem que fiz Akira e várias não sabem sobre a versão em quadrinhos, somente a animação. Então, Akira inovou em dois níveis: Na questão do anime e na forma de colorir mangá. Entre essas duas formas, mudou como a audiência daqui pensava sobre anime e mangá.

Influência estadunidense nos mangás (Reprodução: Gijoecomicsinternational.com)

O quanto a versão animada influenciou nas cores do mangá?

Um pouco. O que houve foi que, quando consegui o emprego, Otomo já estava bem adiante no desenvolvimento da animação. Então o que ele me mandou foi uma série slides com frames destaVendo isso e os guias de cores eu poderia escolher minhas cores para a versão da Marvel/Epic. Era uma referência, então não foram trabalhos isolados. A animação influenciou o mangá.

Amostra de Slide da animação de Akira (Reprodução: pinterest.com)

Mas apesar do sucesso de Akira, por que você acha que nunca mais teve um projeto como esse pela Marvel ou nenhuma outra editora? Por exemplo, a Dark Horse lançou vários mangás nos Estados Unidos inicialmente com formato similar: Número reduzido de páginas, formato americano, leitura ocidental… mas não em cores.

Bem… uma vez que Akira saiu, este tinha sua individualidade. Ele abriu o caminho para o mangá e materiais em preto e branco, como Lobo Solitário e similares. Editoras, como a Dark Horse, viram que nem todos poderiam colorir tão bem como nós fizemos. Isso sem falar dos custos de produção. Então produziram em preto e branco para poupar investimento e também para dar aos leitores a sensação de como é o mangá em sua forma natural. Foi uma combinação, mas acho que Akira mostrou às pessoas todo esse universo do mangá poderia ser apreciado nos EUA. Além disso, houve uma explosão de quadrinhos em preto e branco e influenciados pelo estilo por aqui, como As Tartarugas Ninja. Isso ajudou ao mercado daqui a aceitar os quadrinhos em preto e branco.

Em 2016 uma caixa similar à versão espanhola também foi lançada na Alemanha. Em cores, esta edição ainda está disponível e custa ‎€199,00.

Semanas após a entrevista, enviei 4 edições de Akira da Globo junto com um exemplar de Astronauta – Magnetar (cores da Cris Peter) a Oliff pelos correios. Nunca soube se chegou a seu destino final, mas se sim, espero que ele tenha gostado. Oliff também me informou o desejo de vir ao Brasil em alguma convenção. Espero que essa entrevista chegue à alguma organização de evento sobre HQs e pensem no assunto.

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Torre Entrevista | Dan Goldman

Um dos grandes lançamentos dos quadrinhos aqui no Brasil no final de 2017 foi com certeza Imobiliária Sobrenatural de Dan Goldman. Publicado pelo Plot! Editorial, o selo de quadrinhos da editora Alto Astral, e lançada oficialmente na CCXP, a HQ conta sobre uma empresa que vende casas desassombradas. Você pode ler a nossa resenha sobre Imobiliária Sobrenatural clicando AQUI.

Dan Goldman é autor de obras aclamadas pela crítica como Shooting War, Priya’s Shakti, 08: A Graphic Diary of the Campaing Trail entre outras. Apesar de ter morado no Brasil alguns anos atrás, Imobiliária Sobrenatural é o seu primeiro trabalho publicado no país.

Um dia, então, Felipe Castilho, editor da Plot! me falou que Dan Goldman estava vindo ao Brasil para lançar a HQ por aqui, e me falou que uma entrevista com o autor poderia ser realidade. Contato feito (obrigado Felipe!), Dan foi super gente boa, muito solícito e simpático, e recebeu as nossas perguntas que você, lindo leitor, pode ler a seguir:

Você está lançando finalmente Imobiliária Sobrenatural aqui no Brasil. E lendo a HQ percebe-se que a história é sobre crises com um tempero fantasmagórico. Crise no mercado imobiliário, crise no casamento, crise pela falta de dinheiro…  De onde surgiu a ideiade misturar isso tudo com esse tom de sobrenatural?

Nós vivemos num tempo de crise e senti que está piorando ainda mais. Quero falar sobre isso, porque essas épocas revelam nossas forças e fraquezas… e tudo isso é fonte de um bom drama. Quando um personagem não tem nenhuma outra forma de providenciar para a família ou para a empresa, o leitor entende a essência dele de verdade. É misturando esses dramas universais com coisas sobrenaturais e metafísicas, que a estrutura narrativa se conecta com conceitos que nos abrem as outras maneiras de experienciar a estória.

Foto: Papo Zine

Eu li que existiram planos para Imobiliária Sobrenatural se tornar série de TV ou até mesmo um longa metragem. Ainda existem essas possibilidades? E se viesse a acontecer como você veria a sua obra sendo adaptada para outra mídia?

Sim. Eu estou trabalhando com uma equipe de produtores em Los Angeles para adaptar o série para a tv a cabo. Meu sonho tem sido montar um show com ideias mais profundas sobre a vida depois da morte, amor e consciência em nossa “cultura-pop” (que contém mais pop e menos cultura) que ainda se mantém bem anti-intelectual.

A coisa mais importante para mim é a história, a narrativa. Acredito na ideia da narrativa transmídia que existem entre formas diferentes de mídia ao mesmo tempo (por exemplo, O Matrix)–e sempre penso qualquer forma de mídia servirá melhor a estória e as jornadas dos personagens.

No painel que você participou na CCXP, você falou que tem um projeto que é voltado para o Brasil. Poderia adiantar alguma coisa?

Quero que a história se mantenha em segredo, mas posso revelar que ela irá falar muito de corrupção espiritual nas cidades e nas florestas, a força venenosa do capitalismo, e o retorno dos espíritos nativos meio-esquecidos. Quando morei em São Paulo, gostava de passar meus dias em Sebos, tentando ler e entender alguns livros antigos de lendas e folclores brasileiros. Mas agora, já falei demais.

Você chegou a conhecer algum quadrinho de artistas brasileiros durante a CCXP ou por esse período que está aqui no Brasil?

Encontrei os trabalhos de Marcelo D’Salete em 2011 quando fui convidado para a Rio Comic-Con, e neste ano peguei o livro novo, ANGOLA JANGA, na CCXP. As obras dele são importantes, representando a face afro-brasileira antiga (e moderna) que a mídia nacional prefere ignorar por uma fantasia de ser branco e rico. Conheci também os trabalhos do ilustrador Kako, e dos excelentes quadrinistas Georges Schall, Hector Lima e Felipe Cunha.

Durante a CCXP, conheci as obras de Psonha, de Felipe Castilho e de Tainan Rocha que gosto muito. O show foi gigantesco, e por isso não tive bastante tempo na Artists Alley para conhecer todos os animais mágicos de lá.

Painel do Dan Goldman na CCXP.

Você é um dos grandes nomes no mercado de webcomics.  Este segmento não é tanto explorado aqui no Brasil como acontece nos Estados Unidos; por exemplo, a primeira empresa de quadrinhos online, a Social Comics, só apareceu aqui tem dois anos. Com todo o avanço que a tecnologia deu, o mercado evoluiu bem ou ainda tem mais a crescer?

Hoje em dia, eu acho que “webcomics” é uma nomenclatura bem do passado. HQs digitais precisam ganhar um nome novo porque as tecnologias de touchscreen, realidade-aumentada (e virtual, ou misturada) estão crescendo agora, e HQs tem que fazer parte na evolução da forma.

Atualmente você está com um projeto muito bacana, que ainda é inédito no Brasil: Priya’s Shakti em parceria com Ram Devineni e Lina Srivastava. Trata de um assunto bem delicado que é a violência contra as mulheres na Índia. E você esteve naquele país. Quando Priya’s Shakti foi lançado na Índia, inicialmente teve alguma rejeição?

Na realidade, não. Mas eu fiquei nervoso na época – sendo o único não-indiano na nossa equipe – mas foi mais por isso. Durante meses, eu fiz uma investigação cultural para representar a cultura indiana, roupas e artes e deuses deles. Se a cara do meu trabalho fosse inautêntica, a missão do nosso projeto não serviria os jovens, o que era o nosso objetivo.

Felizmente, a primeira HQ foi lançada e rapidamente viralizou, saíram muitas notícias, quando nós fomos para a Índia, fizemos workshops com os jovens e fomos indicados com honras pela UN Women (ONU Mulheres). Nosso segundo livro também foi viral.

Cena de Priya’s Shakti.

Eu fiquei sabendo que cópias físicas de Priya’s Shakti foram distribuídas em escolas rurais na Índia para servirem de projeto piloto para criar consciência em crianças e jovens sobre o mal da violação e sobre como as vítimas de estupro são tratadas. Eu particularmente achei fantástico isso. Era o ponto que vocês queriam chegar ao criarem a HQ?

Absolutamente. Nossa equipe conversou durante nove meses antes de escrever o roteiro: sobre como montar esse projeto e de que forma poderíamos criar consciência nesses jovens. Não queremos apenas criar diversão… queremos transmitir a mensagem do ativismo no mundo real dentro dos quadrinhos.

Você sempre foi bem ligado em política, e isso reflete em alguns de seus trabalhos ao longo da carreira. Você deve estar sabendo do momento conturbado que vivemos aqui no Brasil. Acho que as sucessões de escândalos de nossos políticos dariam até boas HQs. Nos estados Unidos, como você enxerga o início da “Era Trump”? Rende alguma história?

Não quero criar uma obra só contra o Trump. Assuntos políticos são pústulas na pele. Seria mais poderoso montar uma obra contra a máquina global que ele faz. Isso é um câncer de ego e ganância que está infectando todas as nações do mundo. Trump e Temer e nacionalismo e racismo e sexismo são sintomas de problemas muito mais profundos.

Quais são os planos para 2018?

Quero salvar o mundo — e depois, vou dormir.

Para quem não pôde ir à CCXP e quer mais uma chance de comprar Imobiliária Sobrenatural e conseguir trocar um bom papo, na Ugra Press em São Paulo, vai rolar o Plot Day com participação de Dan Goldman, Felipe Castilho e Tainan Rocha (de Realezas Urbanas). Saiba mais sobre o evento AQUI.

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Torre Entrevista | Wagner Willian

Em mais uma entrevista feita durante a CCXP, dessa vez conversamos com Wagner Willian. Pintor, quadrinista, fotógrafo… e mais de uma pessoa que condensa todas essas artes em suas HQs. Em seu lançamento O Maestro, o Cuco e a Lenda, Wagner aborda uma narrativa diferente de suas obras anteriores e aqui explica o porquê:

Depois de Bulldogma, agora vem O Maestro, o Cuco e A Lenda. Bulldogma eu vejo com uma história mais adulta, mais densa. Já O Maestro… lembra mais um conto. Por que mudança entre um título e outro?

Eu quis tentar algo diferente do Bulldogma. Não penso em uma série de histórias e seguir o mesmo padrão. Eu gosto de tentar novas formas narrativas, novos conceitos, novos estilos de história. O Maestro… apesar de ser um desenho mais caracteristicamente infanto-juvenil do que o Bulldogma em si, a história também serve para um leitor adulto. Não é tão infantil assim, ela consegue abranger um público maior. Mas a história em si ainda tem sua carga dramática, tem um engine do mal…

Uma coisa engraçada do Bulldogma é que em seu livro derivado O Flerte da Mulher Barbada a sua personagem (Deisy Mantovani) toma vida. Ela é a autora do livro e não você. Como você se sente hoje como um heterônimo dentro dos seus quadrinhos?

A Deisy só me deu frutos positivos. Foi um charme fazê-la. Ela criou uma vida própria como você mesmo falou e acho que acertei meio que na mosca com ela ou ela que me acertou… estamos decidindo ainda quem vem antes e quem vem depois. Mas acho que é meio que sorte também de acertar e transformar o zeitgeist do momento, transpor e colocar voz a um personagem como quis dizer e agir, como o pessoal esperaria que um personagem atual se movimentasse e agisse.

Vendo O Maestro… vejo que seu traço do interior da publicação é diferente do que você, por exemplo, apresenta nos seus quadros. Não só pelas cores mas o estilo é diferente. Por que em quadrinhos você adota essa forma de traço?

Justamente por ser uma outra linguagem. Ela requer a sequencialidade. Outro ritmo e outra leitura. Então, não dava… até daria para outro tipo de história. Mas para o que eu estou fazendo, foge um pouco do conceito que eu faço para pintura em si. Telas únicas e separadas… ela requer o ritmo e velocidade da leitura. Por isso tenho que adaptar o meu estilo e desenho, para funcionar melhor enquanto quadrinho.

Pátria Amada, Salve-se Quem Puder!! 120x80cm. 2013. Autor: Wagner Willian

Uma coisa que a Laerte disse uma vez (no documentário Malditos Cartunistas) é que a movimentação dos quadrinhos vem do cinema. Quando você tem um quadro você tem a obra com uma representação. Nos quadrinhos você tem uma sequência. Para você que faz quadros, qual o maior desafio de transpor essas duas formas de arte?

Entre a pintura e o quadrinho em si? Acho que é a questão do tempo. A questão de saber condensar o tempo. Criar um ritmo desse tempo e condensá-lo. E principalmente, tendo isso em vista, saber fazer a questão do fluxo da leitura. De não emperrar, empacar em um ponto. Então é a questão da movimentação. Quadrinho é muito mais movimentação em si. A questão de passar a página e tal. E isso cria uma matemática própria para isso. Acho que a grande dificuldade é essa: Pensar essa questão de fluxo narrativo. Já que é uma narrativa.

Aos que não foram à CCXP e querem conferir esse lançamento, eis a sua segunda chance! Neste sábado, dia 16 de de Dezembro, das 16h às 19h ocorre o lançamento pós-CCXP na Ugra Press que fica na R. Augusta, 1371 – Consolação, São Paulo – SP. Compareçam!

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Torre Entrevista | Pedro Mauro

Durante a CCXP 2017 tive a oportunidade de conversar com vários artistas convidados do evento. Assim, uma nova série de entrevistas começa hoje aqui no site. Para começar escolhi Pedro Mauro, desenhista brasileiro que atua nos quadrinhos europeus, principalmente Itália e França. Mauro nos contou como funciona o processo de criação das HQs por lá e suas diferenças com o mercado nacional e norte-americano. Confira!

Você ficou muito tempo afastado dos quadrinhos. Foi para a publicidade e fez ilustrações por lá. O que te atraiu para voltar à HQs aqui no Brasil e no mercado europeu, onde hoje você trabalha majoritariamente?

Eu fiz dois anos de quadrinhos de Western aqui em São Paulo. Nessa época o mercado ficou muito ruim. A editora fechou e eu fiquei desempregado. De repente eu tive que trabalhar e o único mercado que tinha para eu continuar fazendo meu trabalho que parecia com quadrinhos eram os storyboards para publicidade. Por isso entrei nessa. E nesse ramo fiquei quase minha vida toda, de 35 a 40 anos fazendo storyboards, aqui e para fora. Em 1996, visitando Nova York um amigo meu tinha um estúdio lá e me ofereceram trabalho. Me mudei com a família e fiquei 12 anos lá. Mas eu sempre quis voltar aos quadrinhos. Sempre brinquei e fiz páginas de Western e Cangaço…. mais para treinar mas nunca publiquei. Tenho alguma coisa inclusive guardada mas nunca fiz uma história completa. Mas sempre pensei em um dia voltar mesmo que fosse mais tarde. E consegui voltar 5 anos atrás e a publicidade ficou em segundo plano para mim.  Estou praticamente só nos quadrinhos agora. […] Nos anos 60/70 desenhei o Pancho, um personagem bem à la Clint Eastwood de Western Spaghetti pois era o que vendia bem na época. O editor pediu um estilo bem estilo bangue-bangue italiano e foi quando criei esse personagem que era bem clássico de Sergio Leone e Clint Eastwood. Fiz isso por dois anos. Foi que o que fiz de quadrinhos na época antes de voltar agora.

Gatilho, novo trabalho autoral de Pedro Mauro

Você disse que tem um material guardado e que nunca publicou. Você pensa em revisitá-los? Além disso, por que você opta por histórias mais de época e não contemporâneas?

Porque na verdade o que mais gosto dos quadrinhos é a aventura. Uma aventura que conta, por exemplo, o desbravamento do oeste. No Brasil, gosto muito do tema Cangaço. Não era um desbravamento mas marcou a História do Brasil. Eu gosto de história. É lógico que existe uma história mais contemporânea das coisas mas prefiro algo mais para trás. Não sei te dizer porque, mas de repente é um gosto. Está em mim. Eu gosto de desenhar esse tipo de personagens do século passado como é o oeste americano. Desde criança eu gosto porque é aquele desbravamento de uma cidade começar a ser erguida, tudo uma construção das coisas… isso eu gosto.

Arte interna de Gatilho

Você hoje trabalha para o mercado europeu. Para a Bonelli (Itália), para a Glenát(França) que publicou L’Art du Crime… Você se considera mais um autor de escola europeia? Inclusive falando de cangaço, o Hermann (autor belga de HQs) publicou Caatinga que é um álbum europeu sobre a História brasileira…

Os europeus num modo geral, principalmente a Bonelli [editore], o Sergio Bonelli adorava o Brasil e o cangaço. Ele tinha cartazes do filme O Cangaceiro em sua sala. Visitei seu escritório e vi lá os pôsteres originais. Então isso realmente é uma coisa que o europeu gosta. Mas o meu estilo se encaixa mais no europeu pois a minha escola, meu estilo quando comecei era mais calcada e baseada nos artistas europeus e também nos americanos clássicos. Que eram Joe Kubert, [Burne] Hogarth, Alex Raymond, Milton Caniff… que eram mais de uma escola clássica americana mais parecida com o estilo europeu. Era aquilo que eu adorava além dos quadrinhos europeus. Acho que esse estilo da old school americana bem parecido com os europeus. Não sei… acho os americanos que vieram depois foram olhando os europeus para começar a fazer Hqs… eu imagino. A semelhança existe. Então esse estilo me cativava e era esse que a gente estudava. A molecada que começa hoje estuda mais DC e Marvel. Que tem grandes artistas, mas não é tanto meu estilo ou o que eu faço. A geração de hoje vê mais esse lado mais a minha geração estudava mais os artistas daquela época.

A Bonelli ela tem um processo de publicação bem diferente do resto da Europa. Eles têm quadrinhos que são mensais com 100 páginas cada. É claro que fica impossível repetir o ilustrador do interior de uma edição para outra. O roteirista é o mesmo, mas o artista é revezado. Como te chamaram para desenhar para a Bonelli e como é o processo que te escalam para fazer uma história deles?

É uma pergunta interessante. Perguntam muito isso porque o pessoal sabe mais como funciona o mercado americano por ter mais informações e material por aqui mas o [mercado] europeu o pessoal muitas vezes não sabe bem como funciona. Na verdade realmente eles trabalham com muito mais páginas por episódio. Quando fiz a primeira [HQ] quando o Gianfranco Manfredi me convidou […] quando comecei a voltar aos quadrinhos eu procurei o mercado americano pois eu conheço o pessoal daqui que trabalha para lá. Falei com o Greg Tochini, Joe Prado e tal… quando eu comecei a preparar trabalho para mostrar eu estava postando desenhos meus em minha página do Facebook. Desenhos normais, não voltados para quadrinhos. Piratas, mulheres… Pin Ups basicamente. O Gianfranco viu. Ele não estava na minha lista de amigos mas alguém compartilhou e ele viu aí ele me convidou por Facebook via inbox. Ele só me mandou uma mensagem particular se apresentando e disse que “estava criando uma nova série [Adam Wild] e buscando artistas para participar pois precisava de vários. Gostei do seu estilo de gostaria de saber se está interessado em fazer um episódio para mim”. Quando vi que era o Gianfranco até fui conferir em um exemplar de Magico Vendo para ver se era o mesmo cara! Aí eu respondi e na hora começamos a trocar e-mails. Respondi que estava voltando aos quadrinhos e ele disse que gostou, me mandou um roteiro e se eu gostasse a gente fazia a história. Li metade do script e falei “Tô nessa! Pode mandar!”.

Ele mandou (o roteiro) em italiano?

Mandou em inglês. Ele perguntou se eu falava italiano e disse que não. Somente inglês por ter morado nos EUA e ele disse que ia traduzir e me mandar. Depois de um mês ele mandou o roteiro de 110 páginas e me perguntou se eu queria fazer a continuação antes mesmo de eu começar o primeiro pois era uma história que tinha a continuação e ele não queria mudar o desenhista e com o prazo de dois anos e eu aceitei. Aí comecei a fazer. Fiz até umas 10 páginas  primeiro, mandei para ver se ele gostava e a resposta dele foi “Ok. Perfeito! Continua” e desde então tô com ele já no quarto trabalho. Estou em uma nova série agora que vai ser lançada ano que vem, mas que ele pediu para não divulgar por enquanto pois vai ser lançada em maio e vou fazer os volumes 3 e 4 e já tem artistas fazendo os volumes 1 e 2 sendo que ele [Gianfranco] já está no 12º episódio.

Mas poderia dizer ao menos se é uma minissérie ou uma nova mensal?

Até ele falou muito pouco sobre isso. Ele me mandou o roteiro e estou desenhando. Mas ele disse que vai ser uma série mensal publicada em tamanho menor (formato Bonelli) em branco e preto e provavelmente a cores em formato maior para livrarias. Estou fazendo só a parte branco e preto. Não me disse ainda se vai ser uma série de 1, 2 anos ou se vai depender da aceitação do público como aconteceu com o Adam Wild que parou na edição 26. Mas tenho a impressão que pode ir longe. Mas ele não me confirmou.

O Gianfranco revisita as suas criações. Como é o Caso de Magico Vento que ele parou mas voltou agora. Adam Wild mesmo que tenha parado pode ser que no futuro volte…

Pode ser que volte porque tem um público grande que gostou de Adam Wild. Tanto que criaram um blog lá na Italia. Eu acompanho e quando anunciaram que ia parar esse pessoal fez um abaixo-assinado. Não lembro se foi de 3.000 ou 5.000 assinaturas e eles mandaram para a Bonelli. Público tem mas por algum motivo a Bonelli não continuou. Mas o Gianfranco sempre respondia “quem sabe volta…”. Ficou em aberto assim como o Magico Vento que está voltando em um especial agora.

Adam Wild de Pedro Mauro (reprodução: texwillerblog.com)

Vendo seu traço dá para ver uma influência muito grande do Sergio Toppi. É bem visível. Por que, em relação aos leitores brasileiros, o mercado europeu apesar de lançamentos ainda é um tanto tímido por aqui? O Sergio Toppi mesmo tem poucos títulos em português… E por que tão poucos brasileiros no mercado europeu? Há poucos “Pedros Mauro” por aí.

Muita gente pergunta porque a Bonelli não está aqui na CCXP. Acho que até vou sugerir para os organizadores ano que vem trazer alguém. Mas realmente o exemplo de Toppi é pouco publicado aqui. O que mais temos no Brasil é Ivo Milazzo, Milo Manara… mas aqui no evento sinto que o pessoal pergunta muito disso para mim “Por que seu trabalho não vem para cá?”. Acredito que aí falta ao editor ou editoras que invista. Porque tem mercado, desde que lance bem lançado. Que faça um trabalho bem feito. A Mythos que lança Bonelli aqui mas acho ainda tímido. Eles trazem, param… Não sei se falta divulgação mas tenho certeza que tem mercado…

Pode ser também o formato que é publicado…

Sim! Investir num formato maior. Quando visitei a Bonelli e conversei com o Gianfranco e que, apesar de aqui ter Tex por exemplo, primeira coisa que ele falou foi que “é, mas eles lançam (no Brasil) muito pequenininho” O formato deles é um pouco maior e agora a Bonelli está investindo em álbuns em formato maior como as edições francesas de capa dura para livrarias. Eles estão entrando nesse nicho pois a Bonelli é mais banca. Agora eles estão entrando em livrarias e a própria Bonelli já abriu suas próprias livrarias em parceria com editoras pela Itália. Então você percebe que ela está mudando o jeito de fazer. Acho que o Brasil precisa fazer a mesma coisa em relação à Bonelli.

Todos os exemplares da primeira impressão de Gatilho levados à CCXP foram vendidos no primeiro e segundo dia de evento, mas uma nova tiragem está programada para janeiro de 2018. Aos interessados, basta pedir para inserir seu nome da lista de espera pelo e-mail Gatilhohq@gmail.com

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Música Torre Entrevista

Torre Entrevista | Michelle Bensimon, a voz da Canário Negro

Talvez o nome não soe tão familiar, mas com certeza sua voz já é bastante conhecida por todos os que amam quadrinhos, em especial, para os fãs da DC e da Canário Negro. Michelle Bensimon, dona de uma voz marcante e um timbre único, é a responsável por trazer para o mundo real a voz e a musicalidade de Dinah Drake Lance. Convidada pela DC para lançar um EP parte integrante da série O Som e a Fúria (Kicking and Screaming), ela voltou este ano em um segundo EP em homenagem aos 70 anos da personagem (você pode conferir as matérias aqui e aqui).

Michelle é também a vocalista da banda de indie/pop Caveboy, na estrada desde 2015, data em que lançou o primeiro EP “Caveboy“. Desde então já teve músicas incluídas em algumas séries, como “Awkward” (MTV) e “Orange Is The New Black” (Netflix). Em 2016 lançou também os singles Superbia e Color War e, na última sexta-feira, lançou o single Raconteur, e nesta segunda-feira o vídeo oficial, que você confere ao final da entrevista.

Com imensa simpatia e simplicidade, ela concedeu à Torre sua PRIMEIRA ENTREVISTA para um veículo brasileiro.


Segundo a biografia no seu site pessoal, você é uma ex-atriz teatral e já teve experiências com bandas e projetos solos. Como aconteceu essa mudança de estrada e como você se juntou ao Caveboy?

Há mais ou menos 5 anos atrás eu vivia em Toronto terminando a faculdade e estudando atuação, mas percebendo o quanto eu não queria ser uma atriz. Eu sempre amei música e cantar mas nunca realmente encontrei onde ou o que eu queria fazer a respeito até que eu voltei à minha cidade natal (Montreal, QC) para fazer um teste para a banda da Lana e Isabelle (as outras integrantes da banda CAVEBOY). Após conversarmos e tocarmos, eu nunca voltei para Toronto. Me apaixonei por estar em uma banda, escrevendo junto e o resto é história! Começamos Caveboy há mais ou menos 2 anos e meio atrás e isto se tornou a mais incrível e satisfatória experiência.

Quais suas principais influências musicais e como elas te ajudam a compor? Você gosta ou conhece algum cantor ou banda brasileira?

Desde criança, eu sempre ouvi músicas dos anos 60, 70, 80… Eu amo Fleetwood Mac, The Beatles, mas também coisas recentes como Portugal the Man, LP. Eu também amo Freddie Mercury, ele é uma das maiores influências para mim como artista. Eu acredito que escutar músicas mais antigas ajuda a manter este tipo de composição viva. Eu amo compor músicas atuais. Versos, pontes fortes, refrões fortes e tudo em torno simples mas cativante. Eu acredito que “música pop” é uma categoria mais ampla do que pensamos que quando escutamos à rádio, e isto não é algo que devemos temer como compositores indie/alternativos. Fazer música que muitas pessoas possam se apaixonar, não há nada de errado nisso nos meus manuais. Sobre cantores brasileiros, eu gostei muito do que Seu Jorge fez em ‘The Life Aquatic’! Eu adoro escutá-lo.

Em 2015 a banda lançou seu primeiro EP homônimo e depois teve músicas inclusas em várias séries de TV como no sucesso da Netflix “Orange Is The New Black”. O que mudou desde então?

Caveboy teve bastante sorte em ter nossa música em incríveis shows de TV e filmes, como Orange Is The New Black. É uma forma das pessoas ficarem curiosas sobre nossa música e a banda em si, e uma forma das pessoas associarem suas emoções e histórias conforme escutam à música. Isto realmente nos ajudou alcançar lugares no mundo que nós nunca imaginaríamos ter acesso, estes shows mais populares virou uma plataforma para que expandíssimos nossa base de fãs.

Em 2016 foram lançados dois singles (muito bons na minha humilde opinião), e outro agora em 2017. Podemos esperar por um próximo álbum ou EP nos próximos meses?

Fico muito feliz que tenha gostado da música e empolgada em compartilhar mais com vocês. Nós estamos muito, muito empolgadas por termos recentemente lançado nosso primeiro novo single ‘Raconteur‘, gravado na Irlanda em Maio. Estamos planejando um segundo single em alguns meses, e ainda mais para 2017. Eu acho que pode-se dizer que podem esperar um monte de músicas novas no próximo ano! Decidimos produzir de forma independente este set  de novas músicas, o que nos assusta um pouco pois tudo recai sobre nós – mas aceitamos o desafio.

Da direita para a esquerda: Michelle, Isabelle e Lana.

Mudando um pouco de foco, no ano de 2016 você foi contatada para gravar o primeiro álbum da Canário Negro, parte da série em quadrinhos O Som e A Fúria. Como se deu o contato para este projeto?

Joseph Donovan foi quem produziu o nosso primeiro EP e mixou algumas das músicas, e instantaneamente sentimos esta conexão musical que deu muito certo. Ele me procurou com a proposta do primeiro EP (em correspondência à estupenda série de Brenden Fletcher) e eu não pude dizer não. Ele escreveu todas as músicas, todas as 6 contando com as atuais, e nós forçamos minha voz a novos limites para assegurar que conseguiríamos o som adequado para esta maravilhosa, forte e importante personagem.

Qual foi a sensação de gravar como uma super-heroína como a Canário Negro?

Honestamente? As músicas eram realmente muito difíceis de cantar, as quais eu penso que faça com que seja mais intenso e mantenha a integridade e verdadeiro sentido da personagem. Ter que forçar minha voz e encontrar novas formas de fazer esta personagem se expressar foi desafiador mas muito recompensador.

Como foi o processo criativo?

Joseph é muito brilhante e ele verdadeiramente sabia como estas musicas soassem. Ele tinha estas influências, Siouxe and the BansheesBauhaus, e nós tivemos que jogar com minha voz para ter certeza que pegássemos todas as nuances dessas músicas e suas melodias. Nós queríamos que soassem cruas, autênticas e verdadeiras ao personagem enquanto mantivessem esta vibe oitentista.

O que você acha que tem em comum com Dinah Lance/Canário Negro, tanto a cantora quanto a vigilante?

Bem, eu acredito seguramente que nós tentamos e usamos nossas vozes como armas, com formas de expressarmos a nós mesmas, em boas e más situações. Nos voltamos para nossa voz pela força – e eu acredito que esta dualidade e o que nós compartilhamos realmente me fazem sentir conectada a ela. Ela é tão forte, durona , e precisa lutar através de situações difíceis e como uma mulher ser respeitada e vista por quem ela é. Isto é algo que eu definitivamente relaciono como uma mulher na indústria musical.

Além dela, há alguma outra personagem que você goste, mesmo que não seja da DC?

Eu adoro o Demolidor. Eu acredito que ele seja uma personagem complexa e intrigante que nunca se distancia de uma situação, ele sempre PRECISA se envolver. E claro, Mulher-Gato. Quem não ama a Mulher-Gato?

No Brasil temos uma “rixa” que é mais uma brincadeira que qualquer outra coisa, então eu preciso perguntar: Mavel ou DC?

Ah não, eu acho que não consigo responder isso! Ambas possuem suas personagens espetaculares, mas eu sou uma fã dos Batman e Superman clássicos… Acho que eu diria a DC de uns 40-50 anos atrás.

Você acha que existe a possibilidade da Caveboy vir ao Brasil proximamente ou teremos que esperar um pouco mais?

Nós adoraríamos ir ao Brasil, possivelmente vocês não precisem esperar muito tempo! Apenas diga-nos onde e quando, e nós estaremos lá.

Você pode deixar uma mensagem para os seus fãs brasileiros?

Muito obrigada por acompanhar minha voz como Canário Negro e também a Caveboy. Não posso esperar para continuar compartilhando novas músicas e enviando bastante amor a vocês.


Confira abaixo o vídeo oficial do novo single, “Raconteur” e os links para as mídias da banda Caveboy.

Caveboy no Spotify:

Facebook: Caveboy

Site: https://www.caveboymusic.com/home

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Torre Entrevista | Paul Pope

Há um bom tempo queria entrevistar o Paul Pope. Dono de um traço original e versátil, suas histórias chamavam minha atenção. Nos encontramos em uma cafeteria no meio de uma tarde chuvosa em São Paulo e Pope, muito atencioso como em todas as vezes em que conversamos, falou sobre suas experiências com a Marvel e DC, trabalhos passados, sobre a tão aguardada conclusão do segundo volume de Bom de Briga, projetos futuros, artes e muito mais que você confere logo abaixo, na PRIMEIRA entrevista concedida por ele em 2017!


Muitas das suas HQs são ligadas aos quadrinhos underground pelo estilo do seu traço, que apesar de ter influências de Hugo Pratt, Victorio Girardino, Alex Toth e etc. tem um quê de alternativo. Você já se sentiu como um ”estranho no ninho” ao trabalhar para grandes editoras como Marvel, Dc, Kodansha, Dargaud…?

Às vezes. Vejo a Marvel e DC como se fossem selos de gravadoras. Assim eu seria como um músico de jazz em uma gravadora de música pop. Porque meu estilo é bem diferente comparado ao que é publicado no mainstream americano.

Você já trabalhou para mercados dos Estados Unidos, Japão e Europa. Como essa mistura de ideias e cultura influenciaram em suas histórias?

Sempre me interessei em procurar uma síntese de estilo, quando se tira os melhores elementos de Bande Dessineé, Mangá e os quadrinhos americanos. Deste último, mais precisamente os quadrinhos clássicos e underground, como os do Robert Crumb. Assim se constrói um novo estilo.

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Capa de Strange Tales #1 (Marvel Comics, 2009)

Lá pelo ano de 2010 você fez apresentações como DJ. Essas, eram acompanhadas de um vídeo. Algo interessante é que esse vídeo não está disponível em lugar algum. Você também já disse que gosta que as pessoas imaginem como é algo que não é tão fácil de se obter…

Sim, acho importante. Principalmente nessa era onde está tudo tão fácil disponível online acho bom que ainda haja algum mistério. Também acho que há um grande valor em não ter acesso a tudo pois assim pode exercitar sua imaginação. O vídeo ao qual você se referiu tem cerca de 30 minutos de duração e é uma série de trechos de filmes de ficção científica e documentários sobre explorações espaciais, porém exibidos em um ritmo mais lento. São luzes, lens flares, planetas e imagens cósmicas. Uma espécie de filme impressionista para reagir com a música…

…é por isso (o não tão fácil acesso às coisas) que o protagonista de Bom de Briga tem um passado obscuro? Algo que não acontece com a Aurora West, que tem uma HQ contando seu passado?

Acho que porque o Bom de Briga é descendente de deuses; A Aurora, de humanos. Aurora representa heróis como o Homem de Ferro ou Batman, que não têm superpoderes, apenas trajes e aparatos modernos. Pelo BB ser um Deus acho que é necessário ter um quê de mistério sobre suas culturas, por isso não vemos muito sobre ele.

Você costuma desenhar ouvindo música. Em imagens do seu estúdio já vi pedais de distorção e cabos de amplificador pelo lugar. Música é seu Heavy Liquid (referência a uma HQ homônina de Pope. Inédita no Brasil)? É como o Robin que seu Batman na história Teenage Sidekick precisa para não se tornar um Coringa?

[Risos] Eu vim de uma família de músicos. Sempre gostei de tocar e gravar. Essas coisas estão lá porque costumo usá-las. Já fiz trilhas e vários amigos meus de Nova York são músicos e compositores de Jazz e Rock. Sou muito influenciado por música pois não há aspectos visuais nela, apenas sons. Por sua vez, quadrinhos não tem som. Por isso penso que música pode ser um complemento para a arte de fazer HQs.

Uma grande influência sua, Hugo Pratt, depois que criou o Corto Maltese se tornou mais sério perante seu público. Ele achava que não levariam a sério o Corto caso os leitores percebessem que seu autor era frívolo. Algum personagem ou autor influenciou sua forma de pensar e agir depois de você ler suas histórias?

Você diz sobre a relação entre arte e o autor ou sobre mim mesmo?

Pode ser sobre as duas coisas.

Pratt é intrigante porque ele é uma figura tão internacional. Admiro muito ele e Moebius, que deixaram seu país para ir a outros lugares. Também vejo isso em Attilio Micheluzzi, que era arquiteto na Líbia até  Muammar Gaddafi chegar ao poder e aí [voltando à Itália] começou a fazer quadrinhos. Outro é Daniel Torres, que foi escultor na Espanha. Como minha formação é de História da Arte e Artes Visuais, comecei nos quadrinhos após 8 anos de faculdade, onde eu pintava esculpia e fazia coisas do gênero. Dessa forma, me sinto mais como um autor europeu, desses autores que transitaram entre outras artes antes ir aos quadrinhos…

Por isso você se tornou um quadrinista ao invés de músico?

De certa forma. Quando eu era mais jovem toquei muito. Tive bandas, fiz shows. Era necessário muito tempo dedicado para ambas as artes então tomei a decisão dos quadrinhos ser a arte dominante. Já fiquei sem tocar guitarra por 2 ou 3 anos daí voltei. Hoje em dia voltei a fazer e gravar música. É interessante, porém não tem como tomar a maior parte do meu tempo. Também tenho interesse em esculturas. Estou fazendo esculturas de brinquedo, porém não tenho tempo de fazer algo em bronze ou outro tipo de metal.

Quando Escapo foi reeditado, sua publicação veio em cores. A primeira era preto-e-branco. No posfácio da edição em capa dura você diz que obras em cores vendem. São mais atrativas aos leitores.

Saíram duas histórias de Escapo. Existe uma terceira história dele que devo publicar quando os direitos sobre o personagem voltarem para mim. Quando eu reeditar, vai ser em preto-e-branco novamente. Alguns projetos levam muito tempo para serem concluídos. Comecei as histórias do Escapo em 1995; A segunda história saiu em 2001. Por volta de 2008 voltei a mexer com Escapo, quando finalmente tive ideias para uma nova história. Portanto, demorou quase 20 anos para chegar ao fim.

É por isso (sobre o uso de cores) que Bom de Briga tem um traço mais limpo, sem muito uso de preto e sombras? Mas porque Rise of Aurora West é em preto-e-branco?

[sobre Bom de Briga] Sim, é isso mesmo. [sobre Aurora West] foi uma decisão editorial, não minha. Assim como o formato de Bom de Briga. Não gosto muito daquele formato publicado. É muito pequeno. Mas estou conversando com a editora para ter edições publicadas em um formato maior.

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Capa de Fall of the House of West (First Second books, 2015)

Mas esse formato não foi uma ideia para poder encaixar em estantes de bibliotecas?

Sim. Nesse sentido, isso é muito bom porque a First Second (selo da editora Roaring Brook Press que publica Bom de Briga nos Estados Unidos) é bem conservadora. Publicaram diversos livros mas apenas recentemente começaram a publicar Graphic Novels. Mas acho que precisamos, além de experimentar esse formato que custa em média 10 dólares e de disponibilidade em bibliotecas, também ter publicações em formatos maiores e em preto-e-branco atrativo a outros públicos, que gostam de apreciar a arte. Por isso estou conversando com a editora para tornar isso possível.

Agora que você finalmente está concluindo Bom de Briga, você mira fazer desta obra algo imortal, uma HQ para ser lembrada para esta e as próximas gerações. Quais obras você considera neste nível?

Os quadrinhos d’O Pato Donald feitos por Carl Barks, o Tintim de Hergé, qualquer obra do Katsuhiro Otomo ou [Osamu] Tezuka, Robert Crumb, o Bone de Jeff Smith, espero que Bom de Briga… Tudo que Jack Kirby fez para a Marvel nos anos 60 e começo dos anos 70, qualquer uma feita por Moebius, como Incal… acho que essa já é uma boa lista.

Você considera Bom de Briga sua obra mais pessoal? Pelo tempo dedicado, ideias colocadas na história e etc.

Acho que foi a mais exigente, porém não a mais pessoal. Tenho um projeto com a Dargaud chamado Psychonaut que considero muito pessoal. É sobre sonhos e análises sobre os mesmos. E isso é um contraponto com Bom de Briga que é algo mítico, uma jornada heroica ou a minha versão a respeito disso. Por isso [em BB] tentei colocar tudo que acho bacana e que não existe em quadrinhos para leitores mais jovens. Algo contemporâneo e ainda assim clássico. O lado interessante da publicação é que tenho conhecido leitores de cerca de 12 anos de idade que leram BB e essa é a única HQ que eles têm até então. Isso é ótimo, um jeito de apresentar graphic novels a uma nova geração.

Curiosa essa resposta porque eu estava para perguntar sobre um projeto da Dargaud antes chamado La Chica Bionica. O que aconteceu com esse projeto? E qual é o novo nome?

Agora se chama La Bionica e é um tipo de ópera. No momento tenho dois contratos com a Dargaud: Um para Psychonaut, outro para La Bionica. Sobre o cronograma, ambos são projetos exigentes. Psychonaut se tornou mais dominante. Então, estou terminando Psychonaut junto com Bom de Briga e La Bionica virá depois. Desta última, tenho cerca de 30 páginas finalizadas de um total de 76. Psychonaut é um pouco maior e faltam, talvez, 10 a 15 páginas para terminar.

Há algum prazo para o lançamento de tal?

Não. Haverá quando sabermos exatamente onde acaba e quando eu puder entregar estas páginas. É o mesmo com Bom de Briga no momento, que está em processo de enviar das páginas para os próximos estágios de produção. Em BB a história já foi escrita e estou terminando as páginas do segundo volume mas não há como colocar no programa de lançamento antes de tudo estar finalizado e daí podemos trabalhar a respeito disso. Eles [os editores] não querem que eu divulgue exatamente quando a HQ deve sair ainda mas acredito que no próximo ano, provavelmente.

Bom de Briga é para todas as idades, igual várias séries animadas do Cartoon Network (Hora de Aventura, Apenas um show…). Qual foi a parte mais difícil de agradar todos os públicos, sendo que hoje a média de idade dos leitores de quadrinhos nos EUA varia de 27-35 anos para homens e 17-26 para mulheres? A DC Comics já recusou um projeto seu sobre o Kamandi por este motivo (não coadunar com o público-alvo).

Respondendo a primeira parte da pergunta, eu procuro não me preocupar sobre às expectativas do público. A parte mais difícil de Bom de Briga além da história por completo, o quanto levará para ser feita e todos os diferentes altos e baixos tem sido a necessidade de compromisso com a editora porque também sou diretor de arte, todas as minhas HQs têm se saído bem e eu tenho controle sobre o design de minhas publicações e, à partir do momento que não tenho é muito frustrante para mim porque é limitar o que os leitores mais jovens estão aptos a ver sobre o potencial da obra. Por isso também estão disponíveis apenas estes volumes menores por enquanto, mas como eu disse, estou trabalhando para mudar isso. E é verdade, eu tive conversas com a DC sobre uma publicação dedicada um público mais velho. Na época, era para ser do Kamandi mas, conversando com Frank Miller e tendo em vista a repercussão da minha HQ do Batman [Ano 100] e o potencial de trabalhar com uma grande editora, esta dentre as seis maiores do mundo [Holtzbrinck Publishing Group, atual dona da Roaring Book Press] com possibilidade de licenciamento em diversos idiomas ao redor do mundo e a chance de minha publicação sempre estar em circulação, acho que esta foi a decisão mais sábia, especialmente considerando quando o projeto do Kamandi não foi adiante e vim com uma ideia original. São meus personagens. Eu poderia fazer um personagem como o Batman mas ELE é o original. Ele é diferente. Acho que os mais jovens estão procurando por isso porque eles já têm o Capitão América, Star Wars, Mickey Mouse… todos estes hoje são da Disney. Então eles precisam de coisas novas. Hora de Aventura é este sucesso porque é novo.

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Página interna de Bom de Briga (Companhia das Letras, 2014)

Em uma entrevista ao Omelete durante a Comic Con Experience de 2016, você disse que só recentemente estava descobrindo novas HQs graças a todos esses anos dedicados a esta graphic novel. Qual foi a última grande HQ que você descobriu?

Acabei de comprar aqui uma HQ muito perturbadora chamada Psico Sour [de Ronaldo Bressane e Adams Carvalho]. É uma história muito pornográfica e violenta, mas que prende muito sua atenção por ser poderosa. Esta é literalmente a última HQ que comprei. O Daniel Semanas [que estava presente na cafeteria durante a entrevista] também acho que é um talento muito promissor. Gosto também do Bruno Seelig, que visitei esta semana. [Rafael] Coutinho também gosto muito. Acho que aqui no Brasil há muitos artistas talentosos. Essa uma das razões porque estou investindo tempo aqui além de ter amizade com artistas como Rafael Grampá, Fabio Moon e Gabriel Bá. Estou interessado em conhecer mais artistas aqui porque acho que têm uma cultura e abordagem diferente de fazer quadrinhos. Não me sinto tão à vontade, por exemplo, comparado aos quadrinistas independentes dos Estados Unidos e Canadá, apesar de por lá conseguir trabalhar sem problemas no mainstream.

Você planeja falar sobre este sincretismo da sua arte com a forma que fazemos quadrinhos aqui durante a sua Masterclass no b_arco*?

Espero que sim. Pretendo focar em compartilhar ideias fundamentais sobre como desenvolver um estilo. Quando eu estava na Escola de Artes sempre tínhamos críticas sobre pintar e até passávamos o dia debatendo ideias de como fazer e entregar esse método de trabalho. Acho que essa é a coisa mais importante para alguém: Esse senso de processo pessoal. De você saber como desenvolver, produzir e sobreviver nos quadrinhos, design, Graphic Novels ou mesmo enquanto se administra [estas artes] com outro trabalho. Tudo que pode te ajudar a se tornar melhor no que faz penso que é importante. Até de forma comercial, talvez.

Para finalizar, uma bem rápida: O que você acha que precisa ser feito para, igual sua mensagem ao fim da história Teenage Sidekick, fazer as pessoas lerem mais quadrinhos?

Pessoas precisam continuar fazendo material surpreendente e recompensador [de ser lido]. Continuar inventando. Eu estou tentando o meu melhor, Bom de Briga é novo e chegou ao topo dos mais vendidos  do New York Times em sua categoria, é publicado em vários idiomas, possui contrato para a produção de um longa-metragem que está em desenvolvimento pela Paramount, há uma linha de brinquedos a serem lançados em breve… há muita energia em volta de Bom de Briga. Novos desafios necessitam mais tempo e concentração nas novas áreas da franquia, mas no fim das contas estou escrevendo e desenhando uma história original então procuro balancear todos estes elementos.

*Nota: A entrevista foi concedida na véspera da Masterclass  na escola de artes b_arco, ocorrida em 27 de abril de 2017.

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Quadrinhos Torre Entrevista

Torre Entrevista | Carlos Ezquerra

Artista espanhol que trabalha para o mercado britânico de quadrinhos, responsável por colaborações em séries como Bloody Mary, War Stories e Preacher ao lado de Garth Ennis, tive a honra de falar, em nome da Torre de Vigilância, com o co-criador do Juiz Dredd e da série Strontium Dog: Carlos Ezquerra! Confira abaixo este papo na íntegra.