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A Leitura Que Te fez Bem! As Indicações de 2020!

Olá pessoal! Que ano né? Nossa parece até que estamos somente esperando o 2021 começar para soltarmos um grande “UFA!” por tudo que aconteceu em 2020. Lá no réveillon de 2019, quando todos comemoravam, brindavam e projetávamos o 2020, nunca imaginaríamos que iriamos estar passando pano com álcool em pacote de arroz.

Esse foi um ano marcado com a morte. E em uma escala em que afligiu à todos no mundo inteiro. De forma direta ou indireta. Alguém sofreu ou presenciou o sofrimento de alguém. As políticas controversas. As pessoas que insistiam em “desafiar” e desacreditar no que estava acontecendo. Ficar em um isolamento. Longe dos amigos, dos familiares, foi e estar sendo difícil. E não pense que o tal grande UFA! se passa à meia-noite de 31 de dezembro. Não, o ano seguinte ainda terá muitas dificuldades e ninguém aqui está esperando que seja diferente e nem enganando ninguém.

Mas nada impede de tentarmos fazer algo melhor. De tentar ser melhor. Pelo menos, alguns de nós, aprendemos a limpar melhor as mãos.
Essa lista de indicações fala muito sobre se sentir melhor. É uma lista de leitura que em algum momento desse ano, fez uma pessoa sorrir, refletir, pensar ou mesmo se distrair. Aqui tem publicações que nem foram lançadas em 2020. Mas o intuito não é nem esse. É apresentar/indicar uma leitura que fez bem para a gente em algum momento do ano. Que mexeu com a gente. Que fez entender (ou aceitar) melhor o que está acontecendo.

Agradeço a todos que participaram dessa lista (até mesmo porque foi idealizado aos 45 do segundo tempo). Nomes importantes que produzem quadrinhos, que divulgam quadrinhos, que falam sobre quadrinhos e principalmente os que “somente” leem quadrinhos! Pois no final de tudo, somos todos leitores.

Confira a nossa lista de indicações e que 2021 seja uma jornada mais leve para todos!

O Azul Indiferente do Céu (Shiko) Por Ricardo Ramos

Francisco José Souto Leite, mais conhecido como Shiko, conta em um clássico dos quadrinhos brasileiro, por meio de ficção os fatos que antecederam o assassinato do ativista colombiano, jornalista e especialista em saúde pública Héctor Adad Gómez. A “encomenda” pela vida de Héctor aconteceu após ele publicar como funcionava o universo dos matadores de aluguel naquele país que agiam para o forte narcotráfico e a tensão política da América Latina mergulhada em conflitos.

Mas o que me chamou muito atenção com Azul Indiferente do Céu, foi o final do último texto escrito por Héctor Abad Gomez em 1987: “El Facismo por más que quisiéramos, no há desaparecido de la faz de la tierra”. Sentir que um continente, que desde do México para baixo, sofreu com mazelas das ditaduras militares que bebiam e se fortaleciam de religiosidade, ter uma frase, escrita em 1987, que apresenta o fascismo ainda forte em pleno 2020 é assustador. E quando vemos alguns governantes, vemos que o pavio já está acesso, mas a bomba realmente ainda não explodiu para valer.

O Azul Indiferente do Céu é um publicação da Editora Mino



Um Conto de Natal (Carlos Giménez) – Por Marcelo Naranjo (Universo HQ e COACH DE QUADRINHOS)

Uma das HQs que mais me impactou em 2020 foi Um Conto de Natal, de Carlos Giménez (Comix Zone). O motivo está nas últimas páginas, que mostram as opções que a vida nos oferece e a maneira com a qual lidamos com elas – esquecendo, por vezes, que o capítulo final é igual para todos nós. Em um ano tão complicado, ficou impossível não lidar com escolhas difíceis.

Um Conto de Natal é uma publicação da Editora Comix Zone.


Habibi (Craig Thompson) – Por Eduardo Bautitz (Leitor, baterista e churrasqueiro)

Desde o início, Thompsom parece ter a intenção de abalar o psicológico do leitor, de rasgar a simplicidade e de enaltecer a relação entre os personagens protagonistas de forma trágica, fazendo com que você adentre a história não só por empatia, mas muito por conta do envolvimento com o paralelismo que entoa em cada retomada da narrativa. O desenrolar da trama demonstra uma beleza que caminha ao lado de cortes profundos no imaginário, ilustra consciências e posicionamentos sobre qualquer estigma que podemos carregar. Em preto e branco, a obra arrebata, cativa, enfurece, ensina, oferece conhecimento e transforma, da melhor e pior maneira possível, demonstrando uma maestria de condução e de construção de um cenário tão próprio.

Com passagens lindíssimas e um trabalho de pesquisa invejável, Habibi trabalha mais do que uma simples narrativa, ela choca, machuca, cura, renova e fere mais uma vez as únicas coisas que podem ser preservadas em um ser humano; sensibilidade, integridade, honestidade e caráter.

Habibi é uma publicação da Quadrinhos na Cia


Cais do Porto (Brendda Maria) – Por Pablo Sarmento (Podcast Emoções Misturam Ovos, ComicPod e Terra Zero)

Cais do Porto foi um dos gibis mais bonitos que eu li esse ano. Com texto e arte da quadrinista premiada esse ano 2020 com HQ Mix melhor desenhista revelação o quadrinho mostra a encontro de duas amigas, falando sobre vida e coisas mundanas. Apesar a premissa simples, em tempos de pandemia um gibi de slice of life é algo que pode lembrar como coisas simples no mundo como andar de ônibus e falar sobre rotinas pode ter um peso tão na grande. Esse quadrinho mudou demais meu ano e me fez muito bem.

Cais do Porto é publicado pela Conrad Editora


Chainsaw Man (Tatsuki Fujimoto) – por Rodrigo Cândido (quadrinhista e membro do Coletivo Sarjeta)

Chainsaw Man é meu quadrinho no ano! Dentre muitas história fechadas bem especiais que me surpreenderam (a maioria, quadrinhos nacionais), acabei sendo pego por essa série que começa como típico “mangá de lutinha” para um misto de ação e terror totalmente inesperado, com reviravoltas na trama totalmente imprevisíveis e muitas, muitas tripas voando. Pra mim foi uma aula de onde se pode levar um personagem, que mesmo sendo reflexo de um clichê ainda traz elementos que nos fazem querer ler mais e mais sua história e ate torcer para seu sucesso. Mesmo que ele seja um diabão com cabeça de serra elétrica.

Chainsaw Man (Tatsuki Fujimoto) – por Bruno Brunelli (ilustrador, diretor de arte e membro do coletivo Sarjeta)

A leitura que mais me impactou esse ano horrendo de 2020 foi o mangá Chainsaw Man. Esse projeto é totalmente desgraçado da cabeça, cara! Não tem uma parte que eu não pensei QUE PORR@ É ESSA! Todo mundo é vilão, é mocinho, é humano, é demônio, daí aparece um anjo, depois uns 20 cachorros, conspiração política, trairagem, e também repleto de humor e “non sense”.

Casou perfeito para 2020, te asseguro 😉

Chainsaw Man é uma publicação da Panini


A Grande Farsa (do Carlos Trillo e Domingo Mandrafina) – Por Jean Jefferson (Leitor e Comix Zoner Boy)

Pra mim a leitura que mais curti no ano foi a Grande Farsa, do Carlos Trillo e Domingo Mandrafina. Incrivelmente divertido, ágil e com uma arte incrível, eu fiquei absurdamente envolvido e li numa tacada só. Acho que é o mesmo sentimento de assistir um filme massa do Tarantino pelo ritmo, com uma pegada latina que faz lembrar novela da Globo. O Iguana merece ser reconhecido com um dos maiores vilões dos quadrinhos e seria personagem cult se o gibi fosse adaptado pros cinemas (algo que eu torço fortemente).

A Grande Farsa é uma publicação da Comix Zone


Grama (Keum Suk Gendry-Kim) – Por Maria Eduarda Maggi (podcaster do HQ CORP)

Pensar no quadrinho que mais marcou meu 2020 não foi difícil. Geralmente essa é uma decisão árdua, pois com tantas leituras na bagagem, nossa mente acaba se perdendo em tantas histórias que, no fim, acabamos chegando no mesmo ponto que começamos. No meio desse pensamento, Grama me veio instantaneamente à memória: uma leitura diferente de tudo que eu havia conhecido, tanto em narrativa, traço, e, principalmente, abordagem. A autora, Keum Suk Gendry-Kim, nos apresenta à real história da pequena Ok-sun Lee, uma menina sul-coreana que foi vendida pela própria família e acabou sendo forçada a virar uma escrava sexual do Exército Imperial Japonês durante a Segunda Guerra Mundial. Além de Ok-sun, muitas outras mulheres foram forçadas à escravidão sexual no período, sendo comumente chamadas de “mulheres de conforto” – um eufemismo profundamente machista.

A HQ nos mostra, além da triste história da protagonista, um panorama histórico da Coreia durante a guerra, bem como o retrato – muito sofrido – de outras mulheres vítimas do Exército Japonês. Além de uma história sobre mulheres de conforto, Grama é a história de superação de toda uma vida. Ok-sun Lee, hoje já idosa, continua lutando bravamente para que esse período jamais seja esquecido, e para que as vítimas recebam o pedido de desculpas que merecem, pois “mesmo derrubada pelo vento e pisoteada por muitos, a grama sempre se reergue”.

Grama é uma publicação da editora Pipoca & Nanquim


Berlim (Jason Lutes) por Lucas Fazola (Vortex Cultural)

Berlim foi uma HQ que me impactou sobremaneira desde as primeiras páginas. Contudo, apenas ao finalizar a leitura da obra pude entender o que me pegou tanto ali: a assustadora semelhança do contexto da capital alemã nos anos vinte e trinta com os tempos que vivemos atualmente. O descrédito nas instituições, a escalada política do autoritarismo chancelada por uma parcela considerável da população, o obscurantismo cerceando qualquer possibilidade de diálogo e de pensamento crítico e pluralista… todo o contexto que permitiu a ascensão de Adolf Hitler ao poder encontra semelhanças indigestas com o absurdo representado pelo ressurgimento da extrema-direita na contemporaneidade. A “Berlim” de Jason Lutes fala do passado, sim, mas alerta também sobre o presente, afinal de contas, como diria Bertold Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”, e diante de uma ameaça tão nefasta, precisamos estar sempre atentos e fortes.

Berlim foi publicada pela Editora Veneta


1Q84 (Haruki Murakami) e muitos outros – Por Felipe Coutinho (escritor, artista, professor e membro do coletivo Sarjeta)

Olá, pessoal do Torre de Vigilância! Tudo bom? 2020 foi o ano que todo mundo que esquecer por motivos óbvios, mas ao mesmo tempo, foi o ano em que ficou evidente o papel das artes em tornar nossas vidas melhores, mais leves; essa é sem dúvidas uma grande lição para levarmos adiante e que acho que prendemos como público. Saímos de 2020 valorizando mais as manifestações artísticas. Por aqui, ouvi muita música e li bastante. Nas leituras, normalmente, me relaciono com essa coisa kafkiana. Adoro um absurdo e tramas psicológicas, mas neste ano foi relativamente diferente: alternei entre a habitual desgraceira de mente e coisas mais leves para distrair. Destaco alguns na literatura: 1Q84, do Haruki Murakami; A arte de produzir efeito sem causa, do Mutarelli; Abusado, de Caco Barcellos; Estação Carandiru, do Dráuzio Varella e Trainspotting, de Irvine Welsh.

Em termos de quadrinhos, li bastante umas Webtoons que acho muito interessantes, elas são: My Giant Nerd Boyfriend, de Fishball; Hellper, de SAKK; Lorem Olympus, de Rachel Smythe; Aisopos, de Yangsoo Kim/DOGADO e reli alguns clássicos dos quadrinhos, como New York, do Eisner e a trilogia sobre quadrinhos do Scott McCloud. Também folheei algumas vezes o Dois irmãos, dos Gêmeos Bá e Moon e Estórias Gerais, de Wellington Srbek e Colin. Esses clássicos estão sempre na minha mesa de trabalho, leio e releio com frequência, além de usar muito como referência. Sobre música: Nine inch Nails, risos.

Desejo a todos um ano novo melhor. Saúde, paz e harmonia. Um abraço.


Ten Years (Randall Munroe) – Por Érico Assis (Tradutor e colunista)

A leitura que mais me marcou em 2020 tem só uma página – ou seja lá como você chamar uma tripa só de webcomic. Chama-se Ten Years, faz parte da série XKCD, e é uma história autobiográfica de Randall Munroe e companheira comemorando dez anos desde que ela descobriu um câncer. E se recuperou, claro. Munroe é um engenheiro, técnico, objetivo, pragmático, com uma sensibilidade artística e narrativa que a gente não costuma ver em engenheiros técnicos objetivos e pragmáticos. E essa noção de engenheiro das coisas entra no jeito como ele faz quadrinhos pra emocionar. É único.

*“Quando me mostraram o gráfico de expectativa de vida em dez anos, eu nunca achei que fosse chegar aqui. Não entendo como você casou comigo quando eu estava horrível. Mas foi muito fofo.”“Você é a pessoa mais legal que eu já conheci. Eu só queria todo o tempo que a gente pudesse ter junto.”“Bom, boas notícias: vou seguir inabalada na minha existência horrenda e inexplicável! Toma essa, biologia!”*

Você pode ler Ten Years clicando AQUI.


Blue Note: Os Últimos Dias da Lei Seca (Mathieu Mariolle e Mikaël Bourgouin) – Por Roberto Siqueira (Leitor e futuro quadrinista)

Por se tratar de algumas temática que eu adoro como, música, lutas, máfia e o período histórico em que se passa, meados dos anos 1920-1933. Período este que sempre rendeu boas histórias, sobretudo para o cinema, e é aí a grande homenagem desse quadrinho europeu para o cinema noir. Roteiro cativante do Mathieu Mariolle e Mikaël Bourgouin, apresentando duas histórias paralelas que se conectam. E a arte e cores do já citado Mikaël Bourgouin e o ponto alto do quadrinho, com uma narrativa envolvente que não deixa o leitor se perder. Uma obra para ser lida e estudada.

Blue Note: Os Últimos Dias da Lei Seca foi publicado pela editora Mythos.


Sabrina (Nick Drnaso) por Vinicius (2Quadrinhos)

“Ninguém retratou os nossos tempos tão bem quanto o Nick Drnaso”. Esta foi a frase que me ocorreu assim que eu acabei a leitura de Sabrina. Na mesma hora, olhei atrás da graphic novel para ver se não foi dali que saiu e… não. Então, por enquanto, vou atribuir a mim mesmo esta frase maravilhosa. A tal Sabrina mal aparece na HQ, na verdade a história vai mostrar as repercussões do desaparecimento da garota na vida das pessoas próximas. Sem nenhum monstro ou criatura sobrenatural, este é o quadrinho mais apavorante que li nos últimos anos.

Em Sabrina vemos como uma vida humana é transformada num suculento espetáculo para alimentar sites famintos por cliques. Além de ilustrar como este mesmo espetáculo dá força a conspiracionistas que, no Brasil, usam termos como “extrema imprensa”, entre outras sandices.

Sabrina foi publicada pela Editora Veneta.


Paracuellos (Carlos Giménez) por Ricardo Ramos

Esse foi um ano em que li bem menos do que eu queria, mas as minhas leituras deram um salto considerável de qualidade. E fico com o misto de emoções em que senti quando li Paracuellos do Carlos Giménez. A história autobiográfica dos meninos nos abrigos, chamados de Auxílio Social, faz você se sentir um deles. Você sente a angustia de estar lá, o medo das governantas, a expectativa perto da visita dos pais, a alegria de alguma brincadeira entre eles, os sonhos de cada um, a violência que sofriam… até quando sentem fome, você sente também.

E sem contar a importância histórica de apresentar para o brasileiro, que parece que esqueceu, como funcionava as ditaduras e suas mazelas. Ela em certos momentos é muito difícil e faz você engolir seco. Em alguns momentos e arranca risos. E te faz sonhar juntamente com as crianças. Que apesar de estarem vivendo o pior momento de todos, são apenas crianças. Com sonhos, brincadeiras e desejos. Foi como estar em 2020. Em 2020, nos fomos essas crianças sonhando e desejando algo melhor.

Paracuellos foi publicado pela Editora Comix Zone

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Reanimator: Uma nova tentativa de realizar um velho desejo

Passados 4 anos de seu último lançamento pela Veneta, Juscelino Neco volta com seu terceiro título que, mesmo apresentando diferenças em seu traço, mantém as raízes já fincadas na sujeira e podridão de seu submundo particular.

A forma mais fácil e eficaz de introduzir medo em um ambiente é apresentando-o ao desconhecido. Dentre os campeões na categoria, temos a morte. Não à toa, esta condição que marca o fim da vida levou o Imperador de Roma Constantino I a se converter ao cristianismo, convencido de que seu profeta na terra de fato ressuscitou após ser pregado em uma cruz e, três dias depois de ser dado como morto, escapou do mal irremediável para todos. Se hoje em dia temos a comemoração da Páscoa, Natal e outros feriados cristãos, a culpa em boa parte é pelo medo de morrer.

Tentando vencê-lo, o médico Herbert West cria uma substância parecida em forma e efeito com a heroína, mas a descrença na possibilidade do resultado final o faz ser humilhado e achincalhado por seus companheiros de profissão.

Foto: Reprodução/Veneta

Sem alternativas, West encontra no crime a única forma de progredir com seus estudos de trazer os mortos de volta à vida e, não por coincidência, a semelhança de sua criação com a popular droga ilícita acaba deixando as pessoas vivas que a experimentam “mais vivas ainda”, o que resulta em um consumo inesperado por seu parceiro de empreitada e outras pessoas, fugindo de sua ideia inicial e gerando um novo problema na saúde pública.

Todos os personagens de Reanimator são antropozoomórficos: Ratos, porcos, cavalos, vacas e todos os outros comumente usados como adjetivos que, convenhamos, já atribuímos a algum ser-humano em momentos de nossas vidas, estão lá. Dessa forma, somos tão animais quanto eles e, muitas vezes, mais ainda que os nossos companheiros de reino biológico.

O espaço expressivo de datas entre os lançamentos de Parafusos, Zumbis e Monstros do Espaço (2013), Matadouro de Unicórnios (2016) e Reanimator (2020) mostra também que o tempo contribuiu para a mudança no traço do autor: Juscelino Neco vai de uma arte praticamente em linha clara em Parafusos para um desenho mais hachurado, curvo e com muito uso de preenchimentos em preto aqui em Reanimator.

Foto: Reprodução/Veneta

O preto é tido pelas leis da física como uma “cor egoísta” que absorve todas as outras cores e concentra o calor só para si. A escolha artística para representar o obscuro e underground com o uso cada vez maior do preto por Juscelino mostra que, em todo esse período, o desenhista também foi influenciado por outros, absorvendo para si a influência de outras vertentes mas, diferente do que em teoria deveríamos ter aprendido nas aulas de óptica em Física IV, Juscelino compartilha o que aprendeu conosco e não guarda essa energia armazenada apenas para seu âmbito privado. Caso fosse seguida a rigorosidade científica o preto não é uma cor e sim a ausência de cores, mas o que temos na obra é a junção de elementos e não a subtração de artifícios.

Foto: Reprodução/Veneta

Apesar da inspiração em H P Lovecraft, o que se vê aqui é muito mais a presença do escritor norte-americano como “uma pitada de sal” e com isso a história passa bem longe de ser considerada uma adaptação literária. O prefácio pra lá de sincero escrito por Rafael Campos Rocha já denotava o que estava por vir e Juscelino, apesar de se equilibrar no lombo de Cthulhu tomando todo o cuidado para não cair, maneja as rédeas e tentáculos de seu “mascote” fazendo o que quer com ele.

Foto: Reprodução/Veneta

Dentre as diferenças de condução com o autor original, um instrumento muito evidente na narrativa de Reanimator é o humor, que também esteve presente na adaptação cinematográfica de 1985 baseada no mesmo conto. Diversas sacadas são vistas nessa área que por vezes se desvencilha da questão do horror tão famoso de Lovecraft e a história mais se aproxima dos quadrinhos de Gilbert Shelton, Robert Crumb e Simon Hanselmann, autores não publicados apenas pela Veneta, mas por outras editoras por onde passaram os editores que, assim como os que toparam cair no experimento de Mr. West, aceitaram dar vida às doideiras de Juscelino.

Juscelino é, mesmo que de forma subliminar, uma criação de Rogério de Campos. Rogério foi editor das maiores influências de Juscelino em editoras passadas e continua sendo agora na Veneta, editora que além de publicar Reanimator, trouxe vida aos outros já citados títulos do autor. Rogério é como se fosse Mr. West, os quadrinhos são a substância misteriosa e Juscelino é… bem, melhor ele escolher em qual personagem se encaixar.

Foto: Reprodução/Veneta

Mesmo contendo mais de 130 páginas (mantendo a média narrativa do autor que gira sempre entre 100 e 150 páginas) que abrigam não só a história mas também pin-ups de artistas convidados, Reanimator é uma leitura rápida e leve que facilmente pode ser devorada de uma vez só. Assim, não há o que temer aqui: Pode experimentar sem medo.

Reanimator
Juscelino Neco (roteiro e arte)
Howard Phillips Lovecraft (conceito)
152 páginas
22 x 15 cm
R$54,90
Capa cartonada
Veneta
Data de publicação: 10/2020

 

 

 

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Apagão, da Editora Draco, Ilumina e Reflete a Mudança da Sociedade Atual

Nos anos de 2014 e 2015, o roteirista Raphael Fernandes imaginou como seria o mundo se caíssemos em um caos total sem luz. Como a sociedade suportaria tendo que abrir mãos de todas as “maravilhas” tecnológicas, que faz mais parte das nossas vidas, e ao mesmo tempo ter as autoridades não se pronunciando sobre a situação. E ao mesmo tempo diversas vozes e grupos surgindo para demostrarem seus ideais e exemplos de como a lei deve ser.

Ou como eles acham que a lei deve ser.

As edições Apagão – Ligação Direta e Cidade Sem Lei/Luz apresenta no melhor estilo dos quadrinhos de The Walking Dead, onde o ser humano pode chegar e como ele pode se organizar em um lugar sem regras. Ou melhor, em um lugar onde cada um faz a sua própria lei, ideologia, regra e as apresentam como superior em cima das outras. Muitas vezes (ou na maioria delas) essas leis ou ideologias são empurradas goela a força dos mais fracos. Como pequenas ditaduras que se formam por territórios, à la Mad Max, buscando a sobrevivência do mais forte ou simplesmente colocarem para fora o pior de si.

O clima da São Paulo sem luz é aterrorizante e te faz pensar como você sobreviveria naquela situação distopica. A arte de Camaleão é gigante e os personagens, principalmente os Macacos Urbanos, que parecem que vão saltar da página em cada lance de capoeira. A mesma emoção e sentimento temos nas cenas de perseguições, ou nas pancadarias em auto velocidade das Irmãs Canivete. E do mesmo jeito em que os personagens parecem saltar, a arte te leva para vivenciar as ruas escuras e sujas da cidade. O constante pensamento de que não saber o que encontrar virando cada beco escuro ou página faz o leitor aprofundar mais na história.

Eu não li Apagão quando foi lançado. Somente agora consegui ler as HQs e considerando os fatos das gangues, as ideologias de algumas como Guardiões da Moral e dos Filhos de Deus, podemos afirmar que essas gangues já estão por aqui proliferando as suas ideologias. Racistas, nazistas, religiosas ditatoriais e até mesmo narcisistas. O que Raphael Fernandes escreveu lá em 2015 foi uma previsão do que surgiu nos esgotos de alguns fóruns de internet e de pessoas que se reuniam secretamente. E que por meio de personalidades e políticos A e B tiveram a coragem de começar a sair dos seus armários.

 

 

De lá para cá, o universo de Apagão cresceu, ganhou audiobook interativo Apagão – Entre o lobo e o cão. Narrado por Guilherme Briggs, o áudio-jogo se passa durante uma série de protestos políticos contra e a favor do presidente do Brasil. E vemos a jovem Heloísa no meio da calamidade, sendo obrigada a duas escolhas: salvar sua namorada que está presa em no elevador de um hospital próximo, ou voltar para o Capão Redondo e levar a insulina para a sua avó debilitada. O jogo foi produzido pela Rede Geek e você pode conferir AQUI.

E agora mais uma edição intitulada Apagão – Fruto Proibido, com desenhos do Abel e cores da Fabi Marques, e um belo card game Apagão – Ruas de Fúria criado por Gustavo Barreto e que será publicado pela FunBox Editora. O jogo foi ilustrado por Abel e Tiago Palma, além da arte da capa ser do Camaleão. Você pode conferir e apoiar a campanha no Catarse clicando AQUI.

Se algum dia a luz será ligada no universo de Apagão, somente o Raphael Fernandes pode falar. Mas acredito que ainda temos muito o que andar, correr, saltar e discutir sobre as ideologias das gangues e de como assustadoramente elas se aproximam da nossa realidade.

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E quando Maradona foi personagem de Mauricio de Sousa? Conheça a Turma do Dieguito

Eram o começo dos anos 80, quando o jovem Diego Maradona começava a ser considerado o melhor jogador da época, sua passagem para ir defender a camisa do Barcelona já estava pronta. Então em um encontro realizado na concentração da seleção argentina, Mauricio de Sousa teve apresentou uma proposta para El Pibe. Lá ele manifestou a vontade de transformar o jogador em personagem em quadrinhos.

Já existia, nessa época, o Pelezinho. Sucesso nos quadrinhos no Brasil, o projeto idealizado por Mauricio de Sousa era seguir os mesmos passos do brasileiro mas buscando atingir um publico argentino. Foram feitos testes e até um desenho animado foi produzido, a animação foi guardada para lançar em um melhor momento. A tática de guardar valeria a pena, depois de um amistoso da seleção argentina conta a Inglaterra, com mais um show de Maradona, o empresário Jorge Fisbein, representante de Maurício no país hermano, alegou que estavam com uma mina de ouro nas mãos. O brasileiro tinha acabado de recusar uma proposta de 500 mil dólares de um grupo italiano pelos direitos.

A animação foi exibida no La Noche del 10, programa de TV de Maradona, bem no dia em que ele recebeu o brasileiro Pelé. Confira abaixo:

 

O lançamento seria simultâneo na Argentina, Espanha e Itália. E não tinha previsão de chegar nas bancas brasileiras. As histórias de Dieguito Maradona (essa foi uma das exigências do jogador, de não chamar o personagem de “Maradoninha”), ou Turma do Dieguito, iam reunir momentos da infância do jogador, tendo como cenário os campos de futebol, ao lado de criações baseadas em amigos e familiares do atleta. Os personagens se chamariam El Negro, Vaquita, Peluza, Bombolito, Coloradito, Choco, Flaquito, Sylvia, Morena, Rosita e Chena.

Porém o projeto não foi para frente. As inúmeras transferências de carreira de Maradona, comprometeram o planejamento. Mas o seu comportamento fora campo também foi um fator importante para o Dieguito Maradona ficar para escanteio. Maradona frequentemente se envolvia em polêmicas com jornalistas, drogas, bebidas, violência etc.

Pela conta do Twitter da Turma da Mônica, Mauricio de Sousa lamentou a recente morte de Maradona e falou um pouco sobre o projeto, de como o jogador foi solicito e ainda sugeria temas para as histórias. Mauricio disse que todo o material foi encaminhado para a família do jogador.

E hoje, dia 25 de novembro de 2020, Diego Maradona veio a falecer de aos 60 anos em sua casa em Tigre, cidade vizinha de Buenos Aires, depois de sofrer uma parada cardiorrespiratória.

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Acertar a Cronologia e Reformular os X-Men é Importante Para Todos

Ter uma cronologia complicada beira ser uma característica dos X-Men e seu universo. São tantas indas e vindas. Xavier morre, Xavier ressuscita. Jean Grey morre, Jean Grey ressuscita. Magneto fica jovem, Magneto fica velho… se o leitor ficasse um tempo sem ler qualquer título dos Mutantes da Marvel, depois que voltava ficava mais perdido que cego em tiroteio. Mas os últimos lançamentos da Marvel Comics, pelo menos os mais importantes dos últimos anos, vem para colocar tudo no eixo finalmente. E chegou em boa hora.

Clássicos nunca morrem.

Os X-Men sempre foram um grande produto da Marvel Comics. Quantas e quantas vezes salvou a editora com seus diversos produtos, licenciamentos, games etc e tal. Reconheço que os títulos tiveram bastante sucesso nos anos 80, com grandes sagas e participando de momentos históricos. Muitos mesmo, ali fermentou uma base sólida com personagens se tornando verdadeiros arrebatadores de fãs, como o Wolverine e a Tempestade. Mas a grande popularização veio realmente na década de 90.

Os games presentes no Mega Drive, Super Nintendo etc, o icônico desenho animado e até mesmo as sagas de gosto duvidoso como Era do Apocalipse e Massacre não abalavam o sucesso dos Mutantes e muito menos as suas vendas. Com o passar do tempo, apesar dos filmes com sucesso de público, os quadrinhos já não cativavam tanto quanto antes, até chegar o momento em que praticamente foram “jogados para o escanteio” pela própria editora. Com o advento dos filmes dos Estúdios Marvel e os Mutantes (e também o Quarteto Fantástico) em outros estúdios, os títulos foram diminuindo, personagens importantes foram saindo de cena e muita coisa foi testada, usada, sem muito sucesso. Os, até então, um dos carro chefe mais lucrativos da editora ficaram à sombra até mesmo dos Inumanos.

X-Men: Grand Design
X-Men por Jonathan Hickman

Mas agora com X-Men: Grand Desing de Ed Piskor e a nova fase nas mãos do badalado Jonathan Hickman, um novo capítulo está sendo escrito. Sim, confesso que até agora não li nenhuma das edições, isso é uma verdade. Então escrevo aqui como o Ricardo, menino lá da década de 90, que comprava formatinho dos X-Men e do Wolverine, que está empolgado infinitamente com essa “guinada” dos Mutantes. Pelo o que já li de resenha das edições, ou de pessoas que leram e deram feedbacks sinceros, elas em sua maioria abraçaram os novamente os Mutantes. E isso é muito importante, para os personagens, e para o mundo em que vivemos. Isso mesmo.

X-Men Gold e Red

O principal fator dos X-Men e toda comunidade mutante, sempre foi enfrentar o inimigo chamado preconceito. Cada vez que vemos um caso de racismo, homofobia ou algo do tipo, e que esse tipo de idiotice vem de algum “nerd” ou leitor de HQ, usamos um jargão: “esse não entendeu X-Men”. E realmente ele não deve ter entendido. Até porque esse tipo de pessoa não se conectou com as histórias e personagens que trazem o peso do preconceito. Esse tipo de pessoa conheceu os personagens em games lutando contra Ryu, Ken e CIA. Conheceu por cima dos filmes que abordam muito superficialmente o assunto e nas HQs, esse tipo de pessoa leu um mundo sem mutantes, ou então eles lutando contra os Vingadores, ou contra sua própria extinção por causa da Névoa Terrígena dos Inumanos. Qual foi a última grande história ou momento dos quadrinhos em que vimos os mutantes abordando o preconceito de forma efetiva contra aqueles que os temem? As mais recentes foram nas HQ’s X-Men Gold e na ótima X-Men Red. Que sinceramente, apesar de serem boas publicações, não fizeram o estardalhaço do peso do assunto.


“Ah Ricardo, você está sendo um radical chato. A culpa de existir preconceito é da Marvel que não publicou histórias de racismo contra os mutantes?”

Não, estimado leitor, não mesmo. É algo maior do que isso. Mas se cada um fizer a sua parte, usando as “armas de propagação” que tem, podemos subir um degrau de cada vez. Hoje mais do que nunca é importante que as pessoas entendam os X-Men. Por que são justamente com essas “armas de propagação” ou com a “máquina de propaganda”, usadas de forma errada e maliciosa, que as fakes news são espalhadas. Mas também o ódio, o preconceito, ignorância contra outras pessoas e até governos são eleitos com ela. Hoje mais do que nunca é importante que as pessoas saibam que preconceito de qualquer forma é nocivo e maligno. Por isso é muito bom que os X-Men sejam acertados cronologicamente, reformulados e venham ensinar.

E lá em cima, no começo do texto, eu disse que Ed Piskor e Jonathan Hickman vieram em boa hora para colocar tudo no eixo e criar novos leitores e arrebatar os antigos. XMenGrand Design veio para recolocar a galera na cronologia e nova fase do Hickman para dar uma nova… digamos… roupagem, atualizada… nos personagens e tudo aquilo que os cercam. Os Mutantes daqui a algum tempo vão estar de volta aos cinemas e agora pelos poderosos Estúdios Marvel. Vão surgir/criar novos fãs e quem sabe novos leitores. Mais uma incrível chance de usar personagens queridos e poderosos na mídia, para ensinar, de forma clara, o que sempre foi um alicerce na criação deles no passado. Sim, os X-Men tem um papel importante na “criação educacional e moral” de muita gente.

E aquele, que mesmo depois de ler sobre X-Men e continuar com o mesmo sintoma de preconceito imbecil… sim, esse nunca vai entender os X-Men.

Vida longa aos X-Men!

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Torre Indica | Alguns Quadrinhos para Ler no Dia dos Pais

Listamos alguns quadrinhos que apresentam algum tipo de relacionamento entre pais e filhos. Sentimentos que vão de amor, descobertas, surpresa, humor, superação e até mesmo rejeição.

A Vida Com Logan (Japuti)

Criado originalmente como webtiras, A Vida Com Logan de Flavio Soares, é um retrato bem humorado e sensível das aventuras e da imaginação de uma criança com síndrome de Down e sua família. A HQ foi indicada quatro vezes para o Troféu HQ Mix.


Fala, Maria – Um romance gráfico sobre autismo (Skript)


O quadrinhista mexicano Bef relata os vários anos de sua Rebeca (sua ex-esposa) e Maria. E toda a trajetória do casal tem que aprender a conviver com o diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo da filha. Em uma bela história autobiográfica, o autor fala sobre paternidade, amor e esperança.


Não Era Você Que Eu Esperava (Nemo)

Fabien Toulmé fala com emoção, humor e humildade sobre um encontro inesperado de um pai com sua filha que possui Síndrome de Down. O casal enfrenta o nascimento de uma criança especial. Indo da fúria à rejeição, da aceitação ao amor, o autor fala sobre a descoberta de como é ser diferente.


A Terra dos Filhos (Veneta)


Em um tempo no qual a humanidade definha, um pai tenta educar seus dois filhos à sua​ maneira. É uma pedagogia dura, sem qualquer traço de ternura, reduzida ao essencial:​ aprender a sobreviver.


Batman e Filho (Panini)


A misteriosa Talia, filha do gênio criminoso Ra’s Al Ghul e amor efêmero de Batman, retorna com um garoto chamado Damian, o qual alega ser filho do Homem-Morcego.

Atordoado, o Cruzado Encapuzado assume a criança, mas o garoto, criado entre os brutais preceitos da Liga dos Assassinos, tem seus próprios planos. Logo, tanto Tim Drake, o recém-adotado herdeiro de Bruce Wayne, quanto o fiel mordomo Alfred se encontram na mira de um jovem geneticamente perfeito e completamente furioso. De Grant Morrison e Andy Kubert.


Batman & Robin – Nascido Para Matar (Panini)


A Dupla Dinâmica agora é formada por pai e filho. Mas, diferente dos outros Robins, Damian Wayne treinou durante toda a sua curta vida para ser um assassino brutal e impiedoso, o que obviamente o coloca em conflito direto com seu progenitor e mentor. Paralelamente, nas sombras de Gotham City, novas ameaças espreitam, decididas a dar um fim ao Morcego e à sua impulsiva prole. De Peter J. Tomasi e Patrick Gleason


Os últimos Dias do Xerife


O Thiago Ossostortos relata os últimos dias de convivência com seu pai, Messias. Dividindo com o leitor as sensações que passou com ele e observando de fora a própria relação com o pai.


A Arte de Voar (Veneta)


Um filho tenta entender nas lembranças das histórias que o pai contava, o porque deste tomar uma atitude inesperada. Avança em suas pesquisas e mergulha em uma jornada pelas tormentas que assolaram a Espanha e a Europa do século 20.


O Guia do Pai Sem Noção (Zarabatana)


Já em seu terceiro volume na França, O Guia do Pai Sem Noção traz as divertidas situações vividas pelo autor e seus dois filhos: Louis e Alice.


Darth Vader e Filho + A Princesinha de Vader (Alpeh)


O maior vilão de todos os tempos nas aventuras e desventuras para criar os filhos. Os livros de Jeffey Brown refletem de forma hilária a relação entre pais e filhos, levando ao leitor um Darth Vader que, no final das contas, é um pai como qualquer outro. A obra ganhou o prêmio Eisner.


O Soldador Subaquático (Mino)


Jack é um jovem profissional responsável pela manutenção de uma plataforma petrolífera no litoral do Canadá e à espera do nascimento de seu primeiro filho. Chamado para realizar um serviço de alto risco, ele vive uma experiência fantástica relacionada à morte de seu pai, também soldador submarino e morto em um acidente de trabalho.

 

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A Importância Histórica e Sentimental de Paracuellos

“Adeus Pablito… cê é meu melhor amigo… valeu… se não fosse por você…”

Em muitas resenhas usamos o famoso jargão: “esse quadrinho provoca uma mistura de sentimentos enquanto lemos”, e Paracuellos de Carlos Giménez não foge disso. Mas o diferencial da obra é que incrivelmente você se sente como um dos meninos nos abrigos, chamados de Auxílio Social. Você sente a angustia de estar lá, o medo das governantas, a expectativa perto da visita dos pais, a alegria de alguma brincadeira entre eles, os sonhos de cada um, a violência que sofriam… até quando sentem fome, você sente também.

Particularmente, em alguns momentos foi uma leitura muito difícil. As seis primeiras histórias me deixaram com o coração muito apertado. Paracuellos já começa com os dois pés na porta, onde Carlos Giménez já deixa claro a proposta de contar aquela história. Como eu disse, em alguns momentos a leitura foi muito difícil para mim. Os meninos dos abrigos, em sua maioria tem entre três, quatro, cinco, seis anos… e muitas vezes pensava em minha filha que tem quatro. Como a crueldade de um regime fascista pode chegar e atingir não somente os adultos e locais, mas também as crianças. De como uma uma ideologia religiosa forçada e doentia é perigosa e violenta. Mas, também como eu disse antes, Paracuellos também tem seus momentos mágicos. De esperança. Em que sorrimos das brincadeiras dos meninos. Sonhamos os seus sonhos.

E acho que seguir os sonhos dos meninos é uma das coisas mais gostosas em Paracuellos. Carlos Gímenez, que foi um desses meninos, e também sofreu, sentiu fome, saudades da família, sentiu o abandono… mas também sonhou. Giménez conduz em histórias que passam do limite de ser “somente quadrinhos”. Paracuellos tem sentimentos e desperta sentimentos. E engana-se que somente é no sofrer que nos vemos na pele de Pablito, Modesto, Adolfo, Peribañez e outros. O humor faz esse papel muito bem! O humor que Giménez emprega cria empatia juntamente com um traço um tanto cartunesco.

Além de demonstrar os sentimentos, medos, sonhos desses meninos, Paracuellos tem um papel importante em quebrar um longo período de silêncio, apesar de inúmeros esforços para deixar as atrocidades no limbo, e desnuda um capítulo da história espanhola que não era mais falado. De como os acólitos de Francisco Franco usavam de todas as ferramentas para subjugação (disciplina, regulamentação do tempo, classificação corporal e segregação forçada) para reeducar as mentes jovens. A denúncia de Giménez ao próprio regime que criou os lares para moldar a ferro e fogo meninos obedientes, transformada em uma linha narrativa perfeita. Muitas vezes o leitor esquece que os volumes são tiras costuradas e a transição entre uma história e outra fascina e envolve o leitor de tal forma que, sendo repetitivo aqui, faz o leitor criar laços e se sentir como um dos meninos.

Paracuellos é um registro histórico importante e fundamental para os dias de hoje. Vale lembrar que muita dessas histórias do Regime Franquista ficou escondida, acobertada, sendo deturpada como qualquer ditadura covarde faz. E sabemos disso, porque a história brasileira recente ainda é muito nebulosa. Giménez começou a fazer Paracuellos um ano após a morte de Franco, o maior simbolo desse tempo terrível. A farsa dentro das casas sociais eram embasadas com as cartas dos meninos que só iam para os seus pais ou parentes, se estivessem de acordo com os administradores dos abrigos, é somente um dos exemplos do desvio de verdades que acontecia.

A edição da Comix Zone está com todo luxo que uma obra que tem um peso histórico importante e em seu currículo praticamente todos os prêmios de quadrinhos europeus, inclusive o Melhor Álbum no Festival de Angoulême (1981). O volume de 208 páginas e capa dura, apresenta metade da obra de Paracuellos. O prefácio de Pedro Bouça introduz o leitor no clímax da época e de Carlos Giménez e a edição está muito competente. A tradução é de Jana Bianchi. Mais um belo trabalho da editora que vem se firmando no mercado nacional com grandes obras.

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Você perdoaria Caravaggio?

Após um espaço de quase cinco anos a contar do lançamento da primeira parte no Brasil, a Veneta traz o segundo e derradeiro tomo da saga contada pelo veterano quadrinista Milo Manara a respeito de seu compatriota Michelangelo Merisi de Caravaggio, pintor renascentista cuja obra garantiu sua imortalidade em museus e igrejas desde o século XVI. Neste segundo volume, Caravaggio se empenha em suas pinturas em busca de seu perdão espiritual. Em maioria focadas em temas religiosos, essas podem ser um deleite para os que apreciam, mas dificilmente entregam o calvário de seu autor para concluí-las.

Para surpresa de quem já teve contato com a bibliografia de Manara, aqui sua mais famosa característica quase não é vista. O autor é conhecido por transformar inclusive seus roteiros adaptados em contos eróticos (Gulliveriana) e pornográficos (A Metamorfose de Lucius), mas aqui sua marca está em segundo ou terceiro plano, sendo apenas a nudez presente e ainda assim de forma pontual. O foco está na mente perturbada de Michelangelo Merisi de Caravaggio e seu comportamento explosivo que lhe devolve como frutos mais e mais problemas em sua vida.

Inclusive este foco maior no âmbito psicólogo e menor no físico pode ser considerado raro quando trata-se de uma obra “solo” de Manara. Em sua extensa carreira, suas obras onde a mente dos personagens é melhor explorada quase sempre acontece quando outro artista faz o roteiro e ele cuida apenas da arte. Quando trabalha sozinho, o quadrinista já várias vezes caiu em sua própria armadilha de valorizar somente o prazer e fetiche do erotismo, resultando em roteiro de histórias medianas e até fracas como em Clic, Kama Sutra e Encontro Fatal, este último talvez seu trabalho mais chocante. Em Verão Índio, El Gaúcho, Viagem a Tulum e Borgia temos uma faceta totalmente diferente, mas muito por estas terem roteiros assinados por Hugo Pratt, Federico Fellini e Alejandro Jodorowski. Em Caravaggio, Manara consegue um êxito no roteiro que poucas vezes conseguiu sozinho, a vasta bibliografia sobre o pintor rebelde descrita ao fim da publicação claramente ajudou nesta construção.

Em um estilo de traço usado desde Borgia, sua série anterior, temos uma progressão na arte de Manara que pouco se vê ou até se espera de alguém já nesta fase de sua carreira. Note-se que, quando a publicação de Borgia teve início, posteriormente resultando em quatro partes, Manara já era um sexagenário e por uma expectativa um tanto pejorativa que naturalmente que o ser humano faz, espera-se que o desempenho de uma pessoa em diversas áreas, inclusive na ilustração, esteja em uma descendente com o avanço da idade.

Não é o caso aqui. Seu traço só evoluiu desde então e em Caravaggio visualmente podemos contemplar o, por enquanto, auge de sua carreira nesse aspecto, pois mesmo após uma breve observação nas páginas pode fazer pensar que este possa ser a conquista do topo de sua escalada como artista, não se pode duvidar que o autor ainda possa extrair mais de si mesmo. Aqui suas cores são densas e vivas, ganhando maior profundidade e expressão, assim como Caravaggio fazia em suas telas. Como o período histórico deste título é o mesmo de Borgia, é possível ver referências em comum nos dois trabalhos, como se Caravaggio fosse uma sequência de Borgia dentro de um “Manaraverso”.

Neste período, o interessante é ver como a transição da Idade Média para a Idade Moderna não é muito diferente do que se vê hoje no alto patamar da sociedade. A hipocrisia sempre esteve presente com líderes religiosos que sequer cumprem os Dez Mandamentos Bíblicos, que recriminam manteúdas e meretrizes mas de certa forma as aceitam como modelos para obras de arte com cenário angelical. Caravaggio está oscilando neste limiar, e isso é o que mais o perturba.

Chega a dar angústia acompanhar o sofrimento do pintor em seus últimos anos de vida. Seu talento na pintura era diretamente proporcional ao de conseguir desafetos, por isso viveu como nômade entre várias cidades-Estado da hoje República Italiana, necessariamente fugindo de seus problemas e não teve seu trabalho reconhecido em vida como pensou que deveria, deteriorando cada vez mais sua condição mental.
Caravaggio – O Perdão é o quarto título de Manara publicado pela Veneta. Da extensa obra do autor, uma grande parte já foi publicada no Brasil, algumas inclusive em mais de uma edição e/ou editora. Porém, justamente outra história sua que tem o meio artístico como tema principal teve apenas uma tímida publicação por aqui e parece ter caído no esquecimento. Trata-se de Rever as Estrelas, uma narrativa da série Giuseppe Bergman que foi publicada no Brasil somente uma vez na revista Heavy Metal nº22 em 1998. Nesta obra, Bergmann segue os passos de uma mulher obcecada por quadros retratados em um livro. Não satisfeita, esta recria a cada momento poses e cenários das vênus presentes em cada uma delas. Assim como todo o material da saga de Giuseppe Bergman, esta história merece ser republicada em uma nova edição por aqui. 

A obra de Caravaggio ganhou toda posteridade da História humana. Inclusive no Brasil seus quadros foram tema de uma disputada exposição no Museu de Arte de São Paulo em 2012 alavancando para o recorde de 556 mil o número de visitantes do museu naquele ano, marca só superada em 2019 com mais de 729 mil. Os números mostram que, mesmo que não precisasse pedir, Caravaggio já foi perdoado há muito tempo. Manara “apenas” fez sua parte para ajudar nesse propósito.

 

Caravaggio – O Perdão
Milo Manara (roteiro e arte)
Michele Vartuli (tradução)
Lilian Mistunaga (letras)
Andréa Bruno (revisão)
64 páginas
31 x 24 cm
R$94,90
Capa Dura
Veneta
Data de publicação: 03/2020

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O Melhor que Podíamos Fazer Amassa o seu Coração para Depois te Amar

Amassar o seu coração em uma viagem temporal. Essa deve ser a principal proposta de O Melhor que Podíamos Fazer, Graphic Novel autobiográfica de Thi Bui, publicada aqui no Brasil pela Editora Nemo. A história me levou às lágrimas algumas vezes, me trouxe aflição, me deu asco e me encheu de esperança. Uma saraivada de sensações e sentimentos na história da sofrida família.

Thi Bui escreve e desenha O Melhor que Podíamos Fazer, que começa com a protagonista em trabalho de parto acompanhada por sua mãe Má e por seu marido Travis. As primeiras impressões de conflito de gerações já começa ali, com sua mãe e seus ideais e costumes diferentes em relação a maridos. Thi, com muita maestria, começa a contar a história de sua família e de seus seis irmãos. Uma viagem do tempo regressa, somos apresentados a cada nascimento e como cada costume atingiu cada um de seus irmãos. E ao mesmo tempo, a ser contada a biografia da mãe, acabamos assumindo a sua visão e sentimentos. E é nesse momento que as coisas ficam mais tensas para o leitor.

é uma mulher criada com os costumes orientais no Vietnã. Com as mazelas daquele país. E sentimos em cada nascimento. Em cada aperto, perda, alegria ou como ela se vira com o seu marido. A narrativa apresenta um pai frio e orgulhoso. Às vezes o olhamos como o “vilão” da história. Mas quando voltamos no tempo e acompanhamos a vida de , com sua infância extremamente difícil,  sem muitas esperanças, começamos a ter uma certa empatia e passamos a entender sua frieza. E em meio essa salada de emoções temos a Guerra do Vietnã como personagem e fato que faz todo o destino da família mudar.

A família vai para o s EUA e começa uma jornada entre fagulhas de esperança por uma vida melhor e mais próspera, misturada com a convivência com o ódio e xenofobia. Agressões físicas, morais e trotes telefônicos de mau gosto são rotineiros e convivem com as crianças. E cada uma leva um jeito para reagir sobre cada caso. E não somente pesam sobre seus ombros e mentes infantis os casos de violência racial, mas também o convívio com o pai.

Thi Bui

O Melhor que Podíamos Fazer também não se prende somente aos dramas de Thi Bui e sua família. A Graphic Novel é uma aula de história. Os detalhes do Vietnã, desde sua colonização, passando por uma época da Segunda Guerra Mundial, e culminando no famoso conflito da década de 60 são ricos e de fácil entendimento. Mas a “aula” se dar mesmo quando vemos que cada período histórico, cada fato, atinge e influencia o seu povo. E como sempre durante décadas a família de Bui é atingida por esses fatos. Como um grandioso fantasma, o Vietnã assombra até mesmo quando a família vai para os EUA fugindo da guerra.

Mas como uma narrativa sensível, O Melhor que Podíamos Fazer é uma leitura esperançosa. E a esperança começa no início da Graphic Novel com o nascimento do bebê de Thi. E como a família se renova. Como o mundo se refaz. E como todo nascimento temos um novo começo, mas com a sabedoria do passado. O Melhor que Podíamos Fazer faz jus ao nome, mas não por conformidade, e sim que apesar de tudo, de todas as dificuldades, tentamos fazer o melhor.

Já pensou em levar isso para a sua vida?

Em tentar fazer o melhor que se pode fazer?

 

 

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Canil | O Terror e Agonia Que Amadurece a Trilogia Carniça

Canil é um amadurecimento. Ou pelo menos tem um gosto de amadurecimento. Além do sabor de horror e sangue. Mas a HQ que encerra a trilogia de terror de Marcel Bartholo e Rodrigo Ramos abrilhanta com uma evolução a série que começou em Carniça, continuou em Lama e termina agora. Essa parceria, uma das mais talentosas dos quadrinhos nacionais na atualidade, rendeu o selo Carniça Quadrinhos, abrindo um leque para o horizonte nas produções do gênero.

O amadurecimento que Canil traz para a trilogia, e muito fundamentada com a base da ousadia. A série tem essa marca de criticar e expor mazelas da sociedade e dos maus tratos de seus governantes ou então das grandes empresas e seus conglomerados milionários. Canil não fica atrás e apresenta uma critica social onde envolve, política, ego, abuso de menor, crime organizado e o corrupto sistema carcerário. E no meio disso tudo ainda temos espíritos e o mito da licantropia sendo explorado. E com uma ousadia de inovar em um lobisomen original, monstruoso e único.

Fica impossível analisar o roteiro de Rodrigo Ramos sem mesclar com a arte de Marcel Bartholo. Impossível. Assim como queijo com goiabada, é incrível como eles se completam. O roteiro do Rodrigo é reto e sem firulas. Você assimila bem o que está sendo proposto principalmente na metáfora do Homem e a Besta-Fera Interior. Um rapaz condenado vivendo em uma prisão, quando na realidade a verdadeira prisão é ele mesmo. A agonia, o medo e o prazer depois de transformado é repassado na narrativa de Canil. Assim como o pavor dos outros detentos e oficiais da prisão.

E todo esse horror, agonia, terror e prazer depois da transformação, é bem reproduzida na arte do Marcel Bartholo, que está entre um dos melhores desenhistas nacionais. O olhar profundo e sem esperança do jovem amaldiçoado é como uma prisão, um canil, durante a sua estadia na cela enquanto luta contra o seu monstro interior e entrega sua desistência para a vida exterior. Os obscuros cenários com o tom vermelho sangue, em alguns momentos incomoda. Passa desconforto. Como toda prisão brasileira passa com seu falido sistema. É tenebroso e assustador a sequência após a transformação e o Lobisomem atacando os outros presos e guardas.

Como dito antes arte e roteiro fazem um casamento perfeito em Canil, e acaba transformando a HQ na mais madura em termos de roteiro e arte da Trilogia. Assim como Rodrigo Ramos e Marcel Bartholo repassam esse amadurecimento para o leitor com uma história que traz critica social, terror e repulsa. Tradicional característica da Trilogia Carniça.

Carniça, Lama e Canil podem ser adquiridas no site e pelas redes sociais dos artistas. Links abaixo:

marcelbartholo.com

facebook.com/CarnicaHQ