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Shikimori não é “apenas” um Slice of Life

Escrito por Vini Leonardi

Hoje, eu acordei mais cedo do que costumo acordar. Levantei, tomei banho, e comi cereal (colocando o cereal primeiro, e depois o leite, é claro, pois não sou maluco) enquanto assistia ao Jornal na televisão. Não foi uma manhã super animada, mas foi a minha manhã. Momentos do dia-a-dia podem não parecer especiais, justamente por fazerem parte do cotidiano: Tudo que vira mundano, perde a magia. Mas em certas circunstâncias, o mundano tem seu valor como uma lembrança; um desejo; um refúgio; ou simplesmente, uma esperança.

Toda essa introdução em tom poético para justificar o fato de que eu gosto de animês Slice of Life, mesmo sendo um gênero “chato” e que não agrada muita gente. Tudo bem, eu entendo, realmente é um grande “nada acontece, feijoada“. Mas não estou aqui para te convencer a assistir um show Slice of Life, pois isso não daria certo. Estou aqui para, caso você já goste do gênero, te indicar um excelente exemplar que acabou de acabar.

Baseado em um mangá de mesmo nome e com autoria de Keigo Maki, “Shikimori’s Not Just a Cutie” foi recém-adaptado para animê pelo estúdio Doga Kobo. O animê está disponível na Crunchyroll, enquanto o mangá é inédito no Brasil.

Se você chegou até aqui, eu não tenho mais motivos para enrolar, então vamos direto ao ponto: Não espere nada de extraordinário. A maior reviravolta que você vai encontrar nesse animê é descobrir que a Crunchyroll disponibilizou dois especiais com os dubladores japoneses comentando sobre os episódios. A “trama” simplesmente acompanha um grupo de adolescentes vivendo sua vida escolar, se divertindo e criando memórias juntos.

Apesar de ser “mais do mesmo” nesse quesito, “Shikimori” se destaca em outros, três em especial que eu gostaria de comentar, e que, na minha opinião, já valem completamente a recomendação: A situação romântica dos protagonistas; a qualidade do elenco de apoio; e o visual.

Em comédias-românticas escolares, a norma é uma relação complicada entre as personagens. Desentendimentos, confusões e muitos sentimentos reprimidos funcionam como base para o humor, e fazem com que o clímax da história seja o momento em que um casal se solidifica. Inclusive, acabei de escrever sobre um show que é exatamente assim, e faz isso muito bem: Kaguya-sama.

É claro, normas existem por um motivo. Nada se torna “a norma” se não for bom o suficiente para isso. Mas, de vez em quando, sair da norma é algo interessante de se fazer, seja pela experiência ou pela curiosidade. Em “Shikimori“, a história já começa com o casal em “pleno” relacionamento, e essa diferença já basta para gerar um tipo diferente de trama. Temos menos desencontros e mais momentos de afeto genuíno, do tipo que só existe quando se sai da norma.

Captura de tela do episódio 2 de "Shikimori's not just a cutie", mostrando Shikimori e Izumi

Imagens para postar com a legenda “eu e quem?” (Reprodução: Crunchyroll)

Entrando no segundo ponto, preciso comentar sobre o quão bons são os amigos e personagens secundários presentes na série. Isso já contrasta com o parágrafo anterior, pois “coadjuvantes excepcionais” é algo extremamente comum no mundo dos Slice of Life, e “Shikimori” não poderia ficar pra trás.

Eu poderia ficar o dia inteiro aqui falando sobre cada uma das personagens individualmente, mas vou poupar o meu tempo e o seu: Com um episódio dedicado a entender e aprofundar na vida de cada um deles, os colegas da Shikimori se tornam muito mais que apenas estereótipos ou ferramentas de roteiro, mas pessoas com motivações, sonhos e coisas acontecendo na vida, mesmo que fora da tela. Até mesmo terciários que aparecem uma única vez para uma única piada acabam sendo trabalhados e se tornando icônicos.

Captura de tela do episódio 9 de "Shikimori's not just a cutie", mostrando Hachimitsu vestida de detetive

As – esporádicas – quebras de quarta-parede da Hachimitsu foram uma das minhas partes prediletas do show, e nem precisa ser Sheroque Rolmes pra descobrir. (Reprodução: Crunchyroll)

Por fim, o terceiro ponto é possivelmente o mais marcante: Os visuais. Isso é algo que qualquer um consegue notar imediatamente ao começar a assistir o animê. Até pelo trailer (acima, caso não tenha visto ainda) você já tem total noção da ideia que permeia a fundação desse show.

Antes de ser um mangá, “Shikimori” começou com um web-comic, publicado no Twitter do autor. No mundo de 280 caracteres, as linhas do tempo voam, e um tweet que não chama atenção é facilmente perdido num oceano de piadas, discussões duvidosas, pornografia e notícias de desgraça. Por conta disso, quadros marcantes são essenciais. E obviamente que, ao ser transformado em animê, esse aspecto também viria para a mídia animada.

Acima de tudo, “Shikimori” é um espetáculo visual. A história é uma mera desculpa para gerar cenas cinematicamente impressionantes, com quadros belíssimos da protagonista que dá nome ao animê. A quantidade de vezes que eu pausei um episódio para apreciar a beleza do desenho é muito maior do que eu gostaria de admitir. Felizmente, essa beleza estética se estende aos demais níveis técnicos do show: Os cenários são tão bonitos quanto as personagens; a música, efeitos sonoros e vozes são charmosas e combinam com a situação; e a direção das cenas permite tirar o melhor de cada acontecimento.

Captura de tela do episódio 12 de "Shikimori's not just a cutie", mostrando um cenário noturno

Eu sou um cara simples, eu vejo luzes refletidas num corpo d’água, eu já acho lindo. (Reprodução: Crunchyroll)

Nem tudo são flores, porém, e o show possui seus defeitos. O maior e mais gritante deles, na minha opinião, é a ideia e o uso da sua “sinopse”: O protagonista, Izumi, é super-azarado, sempre sofrendo com todo tipo de desgraça aleatória; enquanto a protagonista, Shikimori, é super-habilidosa e consegue zelar pela segurança do namorado.

O conceito em si não é ruim, e funciona como mote substituto para o humor, no lugar dos clássicos desentendimentos românticos. Mas o uso dele é um pouco… como posso dizer… “Exagerado“, em especial nos primeiros episódios da temporada. Exagero é um dos pilares da comédia, mas quando se exagera no exagero, podemos chegar num ponto em que a coisa já perde a graça. Ao menos para mim, não chegou a ser algo que me fez torcer o nariz, mas ficou claro que conforme nos afastamos dessa insistência em bater na mesma tecla, e começamos a explorar novos horizontes, a obra ficou muito mais divertida e gostosa de acompanhar.

A segunda metade, em especial, conseguiu encontrar um equilíbrio perfeito onde ainda se apoiava na sua premissa, mas sem passar dos limites. O “azar” do Izumi e as capacidades quase sobre-humanas da Shikimori, quando combinadas com a qualidade do elenco de apoio, criaram o ápice que todo Slice of Life deseja: Situações de alta-tensão, mas de baixíssimo risco. Olhando de fora, minha afirmação lá do começo do texto se mantém: Realmente não há reviravoltas ou coisas extraordinárias. Mas tudo se organiza de forma a te fazer ficar empolgado com os mais simples dos acontecimentos, onde uma ligação telefônica faz seu coração saltar, ou uma simples jogatina te faz ficar na ponta da cadeira.

Captura de tela do episódio 10 de "Shikimori's not just a cutie", mostrando os cinco personagens principais

Se você é a Hachimitsu ou a Nekozaki enquanto assiste, depende de o quanto você gosta de feijoada. (Reprodução: Crunchyroll)

Sendo assim, “Shikimori’s not Just a Cutie” é um animê de nicho, mas que certamente agradará aqueles que buscam exatamente o que ele oferece. E para os que não buscam, ainda vale uma tentativa, nem que seja apenas como turista visual. Na opinião do redator, o show vale um 4,0/5,0 para quem está interessado em uma comédia-romântica pé no chão e mais focada no Slice of Life.

O animê está disponível na plataforma de streaming Crunchyroll, completo em 12 episódios. Também há opção de áudio dublado em português.

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Sobre o Autor

Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.

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