Anime Cultura Japonesa

“Kaguya-sama” e seus mistérios ultra-românticos

Escrito por Vini Leonardi

Algumas coisas são difíceis de se definir. São conceitos complexos que, se perguntado para cem pessoas, teremos cem respostas diferentes. O caso fica ainda pior quando tratamos de entretenimento, pois além de “diversão” ser subjetivo, nerd costuma ser muito chato com isso.

Pra hoje, a discussão é sobre o termo “clássico“. O que transforma uma obra em um clássico? O que é necessário para tal? A definição de dicionário diz apenas que é algo “exemplar” em seu gênero e que venceu o teste do tempo. E eu acredito que nisso, todos podemos concordar. Já os detalhes, fica para cada um preencher do seu jeito, e ajustar conforme sua própria necessidade.

Mudando totalmente de assunto, “Kaguya-sama: Love is War” é um mangá de autoria de Aka Akasaka, ainda em publicação com 26 volumes no Japão. No Brasil, ele é publicado pela Editora Panini desde fevereiro de 2021. A obra foi adaptada em animê no estúdio A-1 Pictures, e conta com três temporadas, sendo a última, “Kaguya-sama: Love is War – Ultra Romantic“, recém-terminada no final de junho.
E é sobre a animação que nós vamos falar. Especialmente da sua interação mais recente, mas não exclusivamente dela.

Comédias-românticas são um conceito que muitos conhecem, então basta dizer que “Kaguya-sama” é um animê desse gênero que a figura já irá começar a tomar forma.
O que a sinopse e a primeira temporada da série nos apresentam é uma genial representação de gênios: O fato de que todo mundo tem um ponto fraco, por mais que se tente escondê-lo. E que para os dois gênios que protagonizam essa obra, Kaguya Shinomiya e Miyuki Shirogane, os seus pontos fracos são exatamente o mesmo: Serem genialmente idiotas.

Toda a história de “jogos mentais” entre os dois, num incansável e genuinamente hilário Xadrez 5-D foi o que me prendeu e me fisgou. Era uma proposta diferente dentro do escopo de comédias-românticas, e que foi executada à perfeição, por dar destaque justamente ao que lhe tornava tão única: As tentativas fúteis e estúpidas de tentar prever a previsão do adversário, sempre com um “vencedor” ou “perdedor” sendo declarado ao final do combate.

Captura de tela do episódio 1 da primeira temporada de "Kaguya-sama: Love is War", mostrando Kaguya e Shirogane

Tudo contado pela icônica voz do “Narrador”, que sempre acaba sendo o personagem predileto de todos (Reprodução: Crunchyroll)

Com a segunda temporada, vieram novas personagens, novas dinâmicas e um novo tipo de roteiro. As batalhas foram ficando cada vez mais de lado, abrindo espaço para histórias focadas no desenvolvimento e crescimento das personagens já conhecidas, e expandindo o mundo da Academia Shuchiin muito além da sala do conselho estudantil.

E num clássico movimento feito para agradar gregos e troianos, a terceira temporada juntou os dois lados da moeda em um único pacote. Graças aos esforços do roteiro, da direção e do elenco como um todo, a junção acabou funcionando, e trazendo o melhor aspecto de cada uma das temporadas anteriores para essa última.
E vocês se surpreenderiam com quantas outras obras tentam fazer isso e fracassam miseravelmente.

Claro, a mudança um pouco súbita da primeira pra segunda temporada é um ponto complicado (não necessariamente ruim) da obra, mas que fãs de comédias-românticas sabem que sempre chega. O temido (ou amado) momento onde a história se torna dramática é um assunto que eu já comentei em detalhes antes, mas que em resumo, só é um problema se você não souber que ele existirá, e uma simples mudança de expectativas já resolve.

Particularmente, eu sou um cara que curte mais a comédia, e que sofre quando o drama começa a aparecer. Por conta disso, vejo a segunda temporada de “Kaguya-sama” como o ponto mais fraco da série. Mas isso diz muito sobre a qualidade geral da obra, pois mesmo em sua pior fase, ela ainda se mostrou sendo um dos melhores animês do ano em que saiu.

Captura de tela do episódio 9 da segunda temporada de "Kaguya-sama: Love is War", mostrando Ishigami

Como dizia meu professor de teatro, “A verdadeira comédia é a desgraça alheia”. Então sei lá né, até um draminha pode ser engraçado de vez em quando (Reprodução: Crunchyroll)

E já que estou aproveitando esse pedaço da postagem para fazer auto-promoção descarada (todas com motivos nobres, juro!), aqui vai outra: O problema de se prolongar demais.
Com o último episódio de “Ultra Romantic“, a minha principal pergunta foi: “Espera aí… O mangá de ‘Kaguya-sama’ ainda está em publicação, não está? Eles acabaram de anunciar uma continuação animada, não foi? Mas por QUÊ?

SPOILER

Para uma história que começa por conta da rivalidade e da teimosia de dois gênios que se recusam a ceder, o único final que poderia acontecer é o que recebemos: Ambos cederam, mas nenhum deles cedeu. O resultado da batalha só podia ser o maior “empate” possível nessa “Guerra do Amor“.

Ultra Romantic” encerra a história principal de “Kaguya-sama” com uma das cenas de declaração mais cinematicamente incríveis que eu já vi na minha vida, onde o beijo serve como o mais poderoso dos pontos finais. O casal resolveu suas pendências, admitiram seus crescimentos, e planejaram o futuro. Não há mais nada a se dizer ou fazer aqui.

Você pode se perguntar sobre todo o resto, e essa é uma pergunta extremamente válida. Afinal, passamos um bom tempo desenvolvendo as personagens secundárias, dando destaque para suas histórias e relações, e… O final da terceira temporada não fecha nenhuma dessas pontas soltas.

Captura de tela do episódio 6 da segunda temporada de "Kaguya-sama: Love is War", mostrando Miko

Reação da Miko ao ver as pontas soltas é exatamente a mesma que eu tive ao ver que anunciaram uma continuação depois de um final perfeito (Reprodução: Crunchyroll)

Mas é aqui que eu trago de volta o que eu apresentei lá na introdução do texto: Às vezes, só é preciso de uma definição básica, que o resto vai ser preenchido por cada um, do jeito que a pessoa preferir. A arte de “Kaguya-sama” e seu elenco de apoio está em te dar apenas informações o suficiente para você conseguir ter plena noção de como as coisas vão prosseguir. É claro, nenhuma delas está, de fato, concluída, mas Aka Akasaka já fez o tracejado para você. Justamente por ficarem “em aberto”, a conclusão dessas histórias ganha um charme extra. O seu charme extra, da sua interpretação.

Sabe aqueles memes onde temos um jogo de “ligue os pontos” que claramente mostra uma coisa, e alguém consegue transformar aquilo em outra, completamente diferente, mas sem fugir das regras e das linhas propostas? É a mesma coisa.

Captura de tela do episódio 13 da terceira temporada de "Kaguya-sama: Love is War", mostrando um chaveiro de coração

Se você já assistiu, sabe exatamente que cena é essa. E esse é o melhor exemplo que posso dar. O pontilhado lhe foi dado, mas como VOCÊ vai preenchê-lo? (Reprodução: Crunchyroll)

Dessa forma, eu consideraria “Kaguya-sama” como uma história encerrada. Eu não acompanho o mangá, então não faço ideia de o que acontecerá a seguir, mas seja o que for, irei encarar como algo isolado e separado do que tivemos até aqui. A minha única certeza é de que certamente, Kaguya-sama se tornará um dos “clássicos”, um exemplo de anime que muito provavelmente vencerá o teste do tempo e ficará por muitos anos num pedestal, e com todo o mérito para estar lá.

Tenho meus problemas com a obra, mas não deixo de vê-la como é. E seria não apenas injusto, como criminoso de minha parte não dar nota máxima para ela: Kaguya-sama é 5,0/5,0 para mim, e acho que você deveria ao menos dar uma chance para a obra.

O animê está disponível na plataforma de streaming Crunchyroll, com três temporadas que totalizam 37 episódios. Há tanto opção de áudio original em japonês (e legendas em português), como opção dublada em português.

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Sobre o Autor

Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.

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