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“My Home Hero”: Um ensaio sobre os limites do amor

Escrito por Vini Leonardi

Uma motivação comum, em filmes de ação de Hollywood, é fazer o mocinho lutar para defender sua família. Vilões que sequestram ou ameaçam familiares do protagonista existem aos montes, e a satisfação está em saber que o Schwarzenegger, Mel Gibson ou o Bruce Willis vão descer a porrada em tudo e em todos para proteger seus entes queridos.

Acontece que, na maioria dos casos, o personagem principal desses filmes é alguém já preparado para lidar com a situação: Policiais, espiões, agentes do governo, soldados… São pessoas que possuem treinamento formal para porte de armas e combate. O que é bem menos comum é o caso onde o protagonista é apenas uma pessoa qualquer. Um homem comum, que não tem artes marciais ou um três-oitão a sua disposição. O mocinho que não passa de um homem caseiro. Um “Herói do lar“, talvez?

Ok, perdão pela forçação de barra. Baseado num mangá de mesmo nome (recentemente anunciado no Brasil pela editora JBC), com autoria de Naoki Yamakawa e Masashi Asaki, “My Home Hero” foi animado pelo estúdio Tezuka Productions e dirigido por Kamei Takashi. Com doze episódios, o anime recém-concluído teve transmissão simultânea na Crunchyroll, e também recebeu dublagem brasileira. O trailer e sinopse, conforme a plataforma de streaming, seguem:

Durante seus 47 anos de vida, Tetsuo Tosu nunca cometeu um crime sequer. Mas quando ele descobre que sua filha Reika está apanhando do namorado, ele começa a investigar o rapaz e descobre que, não só ele possui laços com a yakuza, como tem um histórico de suspeitas de feminicídio em sua ficha. Determinado a proteger sua família, Tetsuo faz o impensável e mata o homem, mergulhando de cabeça no submundo da marginalidade e colocando em risco sua pacata vida burguesa.

Uma coisa que precisa ficar bem clara logo de cara é a seguinte: “My Home Hero” não é um animê para quem é fraco de coração. Em vários sentidos.
Para começar, como a sinopse deve ter explicado, a história trata de temas um pouco pesados. Não só temos violência física, como temos abusos psicológicos, degradação mental e social, apologia ao crime e ao uso de drogas… Fora coisas piores que seriam spoiler de te contar.
Depois, tem a questão de que, meu amigo… Não existem palavrões o suficiente na língua portuguesa para descrever o sentimento que se tem ao final de cada episódio. Nem a maior das hipérboles fálicas basta. Todo episódio você pensa “ok, não tem como a situação ficar pior“. Aí ela vai e fica.

E esse último ponto foi o que acabou me prendendo na obra, o que me deixava ansioso para assistir o próximo episódio na semana seguinte. Toda vez, passávamos por uma montanha-russa de emoções, que começava com o Tetsuo tendo que lidar com um problema aparentemente irreparável, apenas para vê-lo puxar um coelho da cartola para “resolver” a situação… Até chegarmos no final do episódio e darmos de cara com mais uma coisa que me fazia xingar o céu e o mundo.

A direção também ajuda nesse quesito. O jeito como as cenas vão e voltam no tempo, pequenos detalhes são apenas mencionados, e te deixam curioso para entender como aquela aparentemente inofensiva parada na loja de conveniências pode ser útil no futuro… As coisas acontecem e parecem absurdas e sem explicação… Para então voltarmos e descobrirmos que tudo só aconteceu por causa daquela parada.

Captura de tela do episódio 12 de "My Home Hero"

“Próxima estação: Palmeiras-Barra Funda. Acesso a linha 3-vermelha do metrô, e linha 7-Rubi da CPTM. Desembarque pelo lado direito.” (Reprodução: Crunchyroll)

Tetsuo pode não ter nenhuma forma de se defender fisicamente, como mencionado no início, mas o uso criativo da sua esperteza e seu hobby acabam salvando a sua vida (e o colocando em ainda mais perigos) várias vezes. De uma forma positiva, o animê consegue fazer com que as jogadas de xadrez 5D do protagonista pareçam mais como tentativas desesperadas que acabaram dando certo do que planos meticulosos de um mestre intelectual, e essa incerteza adiciona ainda mais tensão na história como um todo. Algumas explicações podem parecer inconsistentes, mas o show se esforça para tentar deixar claro que isso só deu certo por causa do passado e presente extremamente específicos do cinquentão.

E tudo isso acontece por uma motivação única e simples, quase primitiva e animalesca: O desejo incontrolável e até mesmo irracional de defender aquilo que é seu e que lhe faz bem. O animê demonstra, em vários momentos, que a vida que Tetsuo leva é extremamente medíocre. Ele é um homem de meia-idade, classe média, com um emprego qualquer, um casamento aparentemente desgastado, ambições impossíveis em seu hobby, e um relacionamento difícil com a filha. Mesmo assim, ao se deparar com uma situação onde o que ele tinha foi colocado em risco, ele se transforma no Hulk, vai até os limites da sua capacidade (e, muitas vezes, até passa deles!) para evitar qualquer perda.

Sabe aquele ditado, de que só damos valor para algo quando o perdemos? A reação visceral de rejeição que o Tetsu tem de perder a filha, de perder a família e a vida que tinha, mostra que ele percebeu o valor das coisas à sua volta. Onde outros shows poderiam trabalhar em cima da mediocridade e encará-la como um aspecto negativo, “My Home Hero” se apoia na busca pela continuidade dessa mediocridade. Não é muito, não é extravagante, mas é a vida e a família que Tetsuo Tosu construiu com as próprias mãos, e que ele está satisfeito em ter. É algo que ele ama, e esse amor é o que faz com que ele lute com tudo que tem para defendê-lo.

Captura de tela do episódio 12 de "My Home Hero"

Assim como ogros e cebolas, essa imagem tem camadas. O show inteiro tem, aliás. (Reprodução: Crunchyroll)

Com uma trama cheia de suspense, adrenalina e emoção, que apesar de exagerada e fantasiosa, ainda consegue entregar uma história até que bastante pé-no-chão, “My Home Hero” existe a partir de uma única pergunta: Qual é o limite do amor? Até onde você iria para proteger aqueles que ama? E o animê mostra que a resposta pode ser muito mais assustadora do que se esperaria.
O mangá ainda está em publicação, mas o animê se encerrou em um ponto que muitos podem ver como anticlimático, mas que eu vejo como uma forma de passar uma mensagem, e a nota do redator é 4/5, ainda com o asterisco de que não é um show para todo mundo. Mas que show que é, não é?

O animê está disponível na plataforma de streaming Crunchyroll, completo em 12 episódios, com legendas e dublagem em português.

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Sobre o Autor

Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.

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