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Relacionamentos e seus problemas com “Rent-a-Girlfriend” e “Oregairu”

Escrito por Vini Leonardi

Nessa altura do ano, acho que nem preciso mais comentar sobre o estado absurdo de insanidade que o planeta Terra está, não é? Para todos os lados que você olha, é um absurdo atrás do outro. E um dos principais problemas que muitos de nós estamos precisando lidar é a falta de contato humano. Seja em maior ou menor escala, todo mundo precisa se relacionar com outras pessoas.

Relacionamentos são coisas complexas, com tantas nuances quanto você desejar pensar, e isso que faz com que sejam algo tão fascinante, e o esqueleto de nossa sociedade. Não à toa, temos o relacionamento humano como sendo o mote de praticamente toda obra de ficção que existe. Algumas se debruçam mais no tema do que outras, mas é inegável que seja um fator onipresente em seja lá o que você esteja consumindo.

E é claro que os animês não são exceção. Não importa o quão frio e calculista Peaky Blinder você pense que é por ficar dentro de casa o dia inteiro só assistindo seus shows japoneses, você ainda está lidando com relacionamentos humanos. E na temporada atual, existem dois animês em especial, onde toda a história é centrada em relacionamentos, e seus impactos na vida daqueles que estão envolvidos neles: “Rent-a-Girlfriend” e “My Teen Romantic Comedy SNAFU” (Apenas “Oregairu”, para encurtar). São shows absurdamente diferentes, voltados para públicos diferentes e com origens diferentes, mas com um ponto em comum: ambos se baseiam em relacionamentos problemáticos e nos problemas que eles causam.

Baseado em um mangá de Reiji Miyajima, Rent-a-Girlfriend é mais um dos típicos haréns absurdos que já conhecemos e vivemos numa relação problemática de amor e ódio. Premissas e questionamentos à parte, o ponto que precisa ser levantado é o aspecto predatório e abusivo do protagonista, Kazuya.

Relacionamentos abusivos não são brincadeira, e podem causar sequelas permanentes nas pessoas envolvidas. Uma das práticas mais comuns nesse tipo de relacionamento é o abuso psicológico e a chantagem emocional, que são usadas como ferramenta de vitimização para buscar estender a duração de algo que já deveria ter acabado. Mesmo que acidentalmente ou sem perceber, Kazuya usa de ambas as táticas para manter sua namorada de aluguel, vizinha e colega de universidade em cheque.

Felizmente, eu nunca passei por um relacionamento abusivo, mas apenas de assistir as interações de Kazuya com a Chizuru, já fiquei meio deprê. Fui buscar, nos cantos mais remotos da Torre, por algum redator que tenha passado por esse problema no passado, e encontrei dois. Sem qualquer consideração por seus traumas, os forcei a assistir os primeiros episódios do show, e a resposta foi imediata: reconhecimento instantâneo de que aquilo é, de fato, um abuso absurdo, e que eles nunca mais vão assistir qualquer coisa sob recomendação minha.

Nem precisa esperar muito não. No PRIMEIRO EPISÓDIO ele já tá se vitimizando.

E a questão não para por aí. Queria eu que parasse! Não só o protagonista se vitimiza e força suas vontades na garota, como todos os relacionamentos do show são quebrados por dentro. Fica claro que a intenção do autor é justamente expor esse tipo de comportamento, e buscar dar visibilidade para um problema que muitas vezes não é levantado com tanta frequência quanto deveria. Ao menos, isso é o que eu gosto de imaginar.

O show em si é uma montanha-russa de emoções, te deixando irritado, ansioso, triste e alegre em questão de minutos. Além disso, é um raro caso de comédia romântica que não se passa num ambiente escolar. E com personagens adultos (bem, na faixa dos 20 anos), a história tem muito mais liberdade em abordar temas e acontecimentos que jamais seriam vistos num show colegial. Vale uma conferida, nem que seja para passar nervoso comigo.

Por outro lado, temos “Oregairu”, uma light novel de Watari Wataru, que está recebendo sua terceira e última temporada agora no meio do ano. A busca de um relacionamento “genuíno” é a força-motriz da terceira iteração de Hikigaya Hachiman, e olha rapaz, quantos problemas isso não vai causar.

O grande conceito que Oregairu aborda é a importância dos relacionamentos, e como a moderação é a chave para um relacionamento saudável. Começamos com nosso protagonista, Hikigaya, no extremo negativo da balança: ele é o clássico “isoladão”, que odeia as pessoas populares e não entende o motivo de precisar de outras pessoas em sua vida. Temos todo o show como uma grande jornada de aprendizado e autorrealização, mostrando para o nosso Batman do clube de voluntários a relevância que um relacionamento pode ter em sua vida.

Acontece que essa jornada é efetiva até demais. O clímax da história (que dá até nome para a temporada final) mostra o extremo positivo da balança: quando um relacionamento passa a ser tão vital para sua existência, que acaba se tornando prejudicial para ambas as partes. A chamada “codependência” é uma relação perigosa que é tratada pela psicologia como um risco que pode instigar novos comportamentos negativos e reforçar os já existentes.

Quando um relacionamento passa do plano da confiança e começa a se tornar perigoso, é aí que os problemas começam.

Sendo um dos mais populares animês dos últimos anos, “Oregairu” merece toda a glória que recebe, por ser engraçado, irônico, ríspido e absurdamente ciente de si mesmo, sem perder o seu senso de realidade. É um drama adolescente que chega a assustar de tão pé no chão que é, fazendo qualquer adulto olhar para a situação e simplesmente rir com um “aiai, como adolescente é bobo né”.

Em ambos os shows, temos pessoas sofrendo, causando e participando de uma gama de diferentes tipos de relacionamentos problemáticos, e se esforçando (ou não) para sair da (ou se afundar ainda mais na) situação em que estão. Enquanto não conseguimos vivenciar e superar nossos próprios relacionamentos na vida real, e enquanto as novelas forem reprises de coisas que já assistimos antes, Rent-a-Girlfriend e Oregairu suprem nossa cota de problemáticas, semanalmente.

Caso tenha se interessado por alguns desses shows, e queira conferir por conta própria, “Rent-a-Girlfriend” está disponível na Crunchyroll, com novos episódios toda sexta-feira. Já “Oregairu” possui suas três temporadas disponíveis no Hidive (Primeira temporada | Segunda temporada | Terceira temporada), e também está disponível na Crunchyroll. Novos episódios são disponibilizados nas duas plataformas toda quinta-feira.

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Sobre o Autor

Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.