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Thor: Ragnarok: Vale a meia-entrada

Thor: Ragnarok tinha uma missão grande nas mãos, as expectativas estavam altíssimas pela primeira empreitada do diretor Taika Waititi no universo Marvel, que poderia mudar completamente o jeito do estúdio de fazer cinema e apresentar um filme digno para um personagem tão querido pelos fãs de quadrinhos. Infelizmente, posso afirmar que este terceiro longa de Thor (Chris Hemsworth) é só outro genérico da Marvel, porém, se prova um ótimo filme para o personagem. Isso já paga metade do ingresso.

Em seus minutos iniciais, o filme abre com um monólogo do protagonista consigo mesmo, contextualizando os acontecimentos mais recentes com humor e até uma sutil imaturidade incomuns ao herói. Logo após, nos é apresentado um vilão VISUALMENTE ameaçador dentro de um cenário bem feito com cores escuras, que logo iriam contrastar com o resto do filme (colorido e vibrante), além da sequência de ação com a trilha “bombando” mostrando como a dupla Thor e Mjölnir são imbatíveis, colocando a câmera seguindo o homem e o martelo no excelente tratamento da pós-produção. Se você entender todo esse início, não é difícil desvendar o que te espera nas próximas duas horas.

E se essa previsibilidade já incomoda – as piadas excessivas, os personagens descaracterizados, um vilão “tanto faz” e esquecível, além das cenas de ação sem nenhum impacto – o potencial que é desperdiçado pelo subtítulo “Ragnarok” é outro incômodo para a cabeça. O apocalipse nórdico, numa visão completamente pessoal de Waititi, está lá para ser o centro dos problemas… só que apenas no ato final. Enquanto este não chega, todo o problema que está acontecendo em Asgard, a repressão que os asgardianos estão sofrendo pela vilã Hela (Cate Blachett) (esquecível em grande parte), fica completamente em segundo plano.

Como em Doutor Estranho (2016), Ragnarok não consegue se entender no ritmo e é mal resolvido. O diretor deve ter se lembrado no meio das gravações todo o potencial que tinha nas mãos, e coloca cenas – relação entre Odin (Anthony Hopkins) e os filhos, valquírias contra Hela são algumas delas – que não estão aliadas com a proposta cômica do filme. O problema é que elas representam um peso e até uma qualidade cinematográfica significativamente maior do que nos é apresentado, deixando o gostinho de que poderia ser uma história maior e melhor do ponto de vista narrativo. Poderia realmente mudar os rumos da Marvel Studios para sempre.

Mas Taika Waititi parece não se importar com grandes feitos e entrega uma aventura pelo menos decente ao seu personagem. Começando pela forma como este trata a relação entre Loki (Tom Hiddleston) e Thor, que não recebe o apelo melodramático como em O Mundo Sombrio (2013), mas que ganha outra abordagem interessante e leve ao procurarem seu pai na Terra até a diferença de ideais: Thor quer salvar Asgard, enquanto Loki quer ganhar os holofotes de Asgard. Além disso, há um envolvimento enorme de Thor com o universo compartilhado, talvez esse seja um dos filmes solo com mais conexões. A pequena participação do Doutor  Estranho (Benedict Cumberbatch) e a relevância de Hulk (Mark Ruffalo) demonstram isso.

Seguindo o padrão de título: Homem Formiga e Vespa, poderia muito bem se chamar Thor & Hulk. Já que o envolvimento de Bruce Banner/Hulk o torna protagonista ao lado de Thor. Todo o ato que se passa dentro do Planeta Sakaar é o mais divertido e envolvente. Não só pelos ótimos personagens introduzidos: o grão-mestre colorido e com a dose ácida de sarcasmo interpretado por Jeff Goldblum, perfeito para o papel. A valquíria interpretada por Tessa Thompson é ótima como alavanca para ação, e Korg que é realmente engraçado pela sua voz e seu jeitão desajeitado de ser. Mas também pelos diálogos e cenas escritas por Eric Pearson, que não necessitam de nenhum requisito tecnológico para se sustentarem, deixando a ação para a batalha entre os vingadores. E essa não é apenas uma jogada marketeira como Optimus Prime vs. Bumblebee.

Relacionado aos cenários escolhidos, as cores, os formatos, os figurinos, as câmeras em constante movimento, a cinematografia de Thor: Ragnarok é ótima. Remete à genialidade de Jack Kirby em criar quadros cósmicos perfeitos, utilizando pinturas e estruturas para construir uma ambientação perfeita. Sendo que todas as cores, tanto quente quanto frias, são completamente presentes e poluem a tela intencionalmente. Parece carnaval quando as tintas e as poeiras coloridas vão sendo jogadas pela população de Sakaar; ou até mesmo o visual de Thor que adquire marcas e faixas coloridas, representando sua inserção forçada com o planeta.

Após muita aventuras entre Hulk e Thor, o foco do terceiro ato finalmente está em Ragnarok e toma uma posição séria e madura, mas sem perder a leveza. Tudo o que o filme poderia ser foi reduzido em um ato, que literalmente salva a comédia muitas vezes forçada de Taika Waititi. E esse caminho poderia ser adotado pela Marvel. O ato que traz ação, emoção e humor sem se colidirem, criando um ritmo natural e muito melhor do que nos fora apresentado. Importante salientar como o público na sessão riu mais no terceiro ato, já que as piadas pontuais soavam em tom de equilíbrio com os apelos emocionais.

Thor: Ragnarok é longe de ser uma catástrofe. Tem muitos pontos positivos e diverte enquanto entretenimento. Porém, o que esse filme poderia representar para os heróis no cinema fica só na nossa mente, decepcionando expectativas que esperavam um filme empolgante, emocionante e memorável da Marvel. Deixando na dúvida a capacidade do estúdio de conseguir fazer algo que realmente nos faça lembrar e se apaixonar novamente.

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Como se Tornar o Pior Aluno da Escola: o politicamente incorreto da forma correta

Em um momento tão turbulento no nosso país, esse novo filme baseado no livro de Danilo Gentili, Como se Tornar o Pior Aluno da Escola, chegou na hora certa. Uma história que destaca várias problemáticas modernas – abusos sexuais, postura escolar desleixada, educação precária são algumas delas – e as coloca em um patamar completamente incorreto, mas que agrada por quebrar qualquer paradigma e não ter medo do que precisa ser dito, usando o humor do melhor jeito: uma forma de expressão.

Aos adolescentes, crianças e até professores que vivem no ambiente escolar: Como se Tornar o Pior Aluno da Escola foi feito para vocês. Toda a ambientação demonstra críticas severas para a educação. Como a escola cria um redoma em cima do aluno, pressionando-o a estudar e pensar sobre o futuro a todo momento, além do relacionamento entre professores e alunos, que se dá por desgastado e frustrante em alguns casos. Não que a mensagem do diretor Fabrício Bittar e a do roteirista, ator e produtor Danilo Gentili seja largar a escola, mas às vezes a socialização e o próprio aproveitamento da vida está ficando de lado, e estes precisam ser resgatados.

As piadas exageradas baseadas no humor negro, que sempre estiveram ligadas ao polêmico Gentili, criam boas passagens e provocam risadas sinceras. O filme não irá funcionar para  muitos, dependendo do espectador exclusivamente; sua visão de mundo e a forma como recepciona uma piada influenciam na forma de assistir. Para os mais sensíveis, que não gostam de um humor mais sarcástico, sujo e crítico, passe longe desse verdadeiro manual de como ser um pesadelo na escola. Particularmente, suas gracinhas funcionam e são eficazes, principalmente pelo elenco completamente diverso e cômico.

Carllos Villágran, o famoso Quico de Chaves, não consegue se desprender do personagem mexicano, mas seu esforço é satisfatório. Apesar do português péssimo, a tentativa de falar a língua nacional e ser um diretor escolar clichê, o inimigo dos alunos, encaixa perfeitamente na trama proposta. Fábio Porchat é um personagem polêmico que participa da cena mais polêmica do ano. Rogério Skylab faz a personificação perfeita do professor desleixado. E, surpreendentemente, no meio de grandes nomes, o ator/personagem que mais se destaca é o faxineiro rabugento interpretado por Moacyr Franco. Um dos humoristas mais importantes e esquecidos da nossa época tem uma presença incrível nas cenas, misturando o descontentamento do personagem com a sua dose humorística própria.

Já o núcleo principal composto por Danilo Gentili e os dois adolescentes Pedro (Daniel Pimentel) e Bernardo (Bruno Munhoz) seguem o caminho do Senhor Miyagi e de Daniel San para salvarem Pedro da reprovação, tendo que tirar 10 na prova final. Daniel Pimentel e Bruno Munhoz não parecem ser grandes atores, mas têm potencial. Dá para perceber que as falas e as atuações são mais robóticas do que naturais. Gentili interpreta a si próprio, não conseguindo tirar a sombra de sua fama como apresentador do personagem. Porém, tudo é bem intencionado, o humorista é consciente de que ele não é ator, forçando na interpretação que lembra o jeito exacerbado de Mike Myers em O Gato (2003).

Fabrício Bittar é o responsável pela direção, não é preguiçoso em usar efeitos práticos e ousar nas sequências. As cenas da perseguição de carros e a destruição dos banheiros destacam qualidades técnicas pouco vistas nos filmes de comédia brasileiros. Entretanto, no quesito de montagem, onde a história tende adquirir um fluxo narrativo coeso, talvez seja onde Como se Tornar o Pior Aluno da Escola falhe. Transições de cenários como nas novelas, narrações exageradas para cobrir buracos no roteiro, pulos temporais curtos feitos por linhas e desenhos de caderno não são tão eficientes pelo uso excessivo. E a montagem rápida atrapalha o background do protagonista. Sua insatisfação pela escola e os professores é óbvia e bem representada, mas na hora de construir o personagem, as justificativas e as consequências finais dele perdem impacto por essa interferência.

Como se Tornar o Pior Aluno da Escola foi uma das maiores surpresas na comédia desse ano. É um filme que não se leva a sério, e que não deve ser levado a sério. Faz jus ao nome de Danilo Gentili pelas polêmicas colocadas e o nítido descontentamento com várias situações da vida moderna. Seguindo um dos ensinamentos mais importantes de Curtindo a Vida Adoidado (1986): aproveite.

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A Morte Te Dá Parabéns: a diversão dentro da simplicidade

O péssimo título adaptado para o Brasil te dá vergonha. Originalmente intitulado Happy Death Day, o filme conta a história de  uma garota universitária que entra em um ciclo vicioso no dia do aniversário sempre que é morta  por uma figura misteriosa. O conceito chama a atenção, mas é cercado por uma estrutura extremamente desgastada e simples. A Morte Te Dá Parabéns não foge dos clichês do gênero terror B para adolescentes. Apresenta a estudante bonitinha que tem um círculo de amigas invejosas, conflitos amorosos e uma grande lição de amadurecimento. Apesar disso, as cenas bem humoradas e o conceito temporal formam uma boa combinação e um entretenimento válido para assistir com os amigos.

Christopher B. Landon não tenta criar algo muito complexo. Sua direção está alinhada com a história e as atuações, totalmente básicas e feitas para arrecadar uma quantia regular de dinheiro (o longa não deve se sair tão bem nas bilheterias). A câmera do diretor foca nos eventos repetitivos da vida da garota Tree (Jessica Rothe) para mostrar que ela está passando pelo mesmo momento várias vezes. Suas demonstrações detalhistas e excessivas não exercem nenhuma função significativa para a narrativa, tratando o público como burro. Até mesmo alguns diálogos e falas parecem querer conduzir o pensamento do espectador, porque este não terá a capacidade mínima de compreender uma simples ação.

Landon não é de todo ruim. Dá para sentir boas intenções na ambientação que ele tenta criar em várias cenas. Seja pelo o uso da luz e das sombras ao favorecer o assassino com máscara de bebê, que sempre está bem posicionado em tela exalando perigosidade. As sequências de perseguição são muito bonitas de acompanhar, o travelling e o plano holandês tornam satisfatória a sensação de assisti-las. A falta de violência sanguinária incomoda, provavelmente por conta da classificação indicativa, e talvez deixaria o próprio filme mais interessante.

Não só na direção, mas também no roteiro desenvolvido por Scott Lobdell há boas intenções e erros. Os dias similares guardam características e consequências próprias provocadas pela protagonista. Enquanto ela morre e o dia renasce novamente, o emocional e a personalidade da personagem vão evoluindo constantemente. Suas descobertas e decisões são pautadas pelo o que acontece durante as tentativas de descobrir quem é o assassino. Méritos do roteiro, que tem coerência quase total, tirando alguns tropeços no timing dos acontecimentos e na falta de profundidade ao tratar suas mensagens.

O filme, porém, não guarda um resultado negativo. Seu conceito de morte e ressurreição é chamativo aos adolescentes em geral. Ainda há várias cenas que inserem um humor agradável e pontual. O próprio assassino tem um estilo mais moderno, seguindo os traços parecidos com os da série Scream da Netflix. A trilha sonora guarda uma junção entre traços musicais infantis e de suspense. Além desses atrativos, há um plot twist óbvio para alguns e surpreendente para outros, que trará algumas discussões breves após a sessão.

Apesar das imensas oportunidades perdidas, ao todo, A Morte Te Dá Parabéns traz um bom divertimento, uma trama instigante até certo ponto e alcança os seus pequenos objetivos. Junte seus amigos e vá assistir uma prova concreta de que a simplicidade traz bons frutos às vezes.

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Blade Runner 2049: Uma obra-prima da ficção moderna. Por Dennis Villeneuve.

Blade Runner 2049 é uma extensão da obra de Ridley Scott. O diretor trouxe uma visão distópica e obscura no ano de 2019 para mostrar a crueldade da verdadeira natureza humana. Blade Runner, o Caçador de Androides revolucionou a forma de fazer ficção científica nos cinemas, mudou a visão das pessoas em relação ao gênero e criou uma legião de fãs conforme se passaram os anos. Agora, com Dennis Villeneuve no comando, a sensibilidade aliada à técnica do canadense demonstra reverência ao gênero, a ampliação de conceitos e temáticas já conhecidas, e uma verdadeira exemplificação das relações humanas com a tecnologia. O termo “blockbuster inteligente” se mostra insignificante para o que 2049 realmente é.

“Uma extensão” em todos os sentidos, literalmente. O roteiro escrito por Hampton Fancher, um dos roteiristas originais, e por Michael Green, que nos presentou este ano com o fantástico Logan, apresenta um forte embasamento na obra de 82, explorando velhos conceitos, mas apresentando e aplicando novos, introduz e desenvolve personagens profundos, e cria discussões que não eram possíveis naquela época. Atualmente, a nossa concepção tecnológica é muito mais abrangente. Nossas relações com as máquinas e nossos conhecimentos sobre elas estão avançando constantemente, e os roteiristas colocaram isso como um dos centros reflexivos da trama. A relação humano e máquina está presente em grande parte do corte do diretor.

O embate entre humanos e replicantes continua, traz novos pensamentos e perspectivas, deixando as mesmas questões no ar: o que nos faz humanos? Quais são as diferenças entre nós e eles? Perguntas sem respostas definitivas, sendo todas bastante subjetivas. Por isso se cria uma narrativa instigante, que pela construção dos personagens e dos diálogos vai se obtendo variadas respostas, mas nunca uma definitiva. Passaram-se 35 anos e todo o debate iniciado por Scott continua nos trazendo reflexões válidas.

Difícil falar sobre o enredo sem contar partes importantes. A história é completamente independente do primeiro, tem um ritmo lento, apresenta todas as evoluções que aconteceram nos 30 anos com os replicantes e a humanidade minuciosamente. Todos os elementos vão sendo colocados na tela com uma riqueza de detalhes muito pouco vista nos cinemas atualmente. É para apreciar gradativamente e criar uma interpretação pessoal sobre a obra. Rick Deckard (Harrison Ford) e K (Ryan Goling) têm um caminho emocionante, angustiante e épico para percorrerem, com algumas reviravoltas que fazem a longa duração (2h40min) passar voando. Voltar para esse universo pode ter sido apenas mais uma das várias jogadas da indústria hollywoodiana, mas valeu a pena o investimento.

Na direção, Dennis Villeneuve troca a sutileza de A Chegada pela agressividade e obscuridade de Blade Runner. Em conjunto com Roger Deakins, Villeneuve se preocupa com cada detalhe dos planos, dos cenários, das luzes e das cores que remetem ao estilo noir. Los Angeles continua caótica, mas muito mais depressiva. A poluição parece ter se agravado com o tempo, prédios mais altos são quase indistinguíveis e difíceis de se visualizar de longe. Tudo é neutro, a cidade é padronizada pelas cores pretas e cinzas dos prédios e das imundícies. A única demonstração de cor e vida são os hologramas de marcas famosas, poderosas e ricas que representam os objetivos inalcançáveis da população por cima de suas cabeças: renda e qualidade de vida.

Toda essa mudança no design de 82, criada por Villeneuve e Deakins, refletem no psicológico do personagem de Ryan Gosling, o  Agente K. O blade runner entra em conflito consigo mesmo na hora que quer descobrir as verdades sobre a sua própria existência, este é corpo do roteiro. Os acontecimentos estão conectados à ânsia de respostas por K. Sua jornada remete Rick Deckard e seu jeitão incômodo de viver a vida como ela é na Terra, sem grandes esperanças e feitos.

Deckard está de volta com a brilhante interpretação de Harrison Ford, que não trabalhou apenas pelo dinheiro, e sim, pela qualidade do roteiro, como o ator mesmo dissera em várias entrevistas. O aposentado blade runner parece estar mais cansado e desgastado, carregando fardos do passado nas costas, lidando com o vazio existencial que remete à futurística Las Vegas apresentada. Outro mérito de Villeneuve e Deakins. Como Blade Runner 2049 se comporta como cyberpunk, é necessário colocar elementos extremos para comparações entre presente e futuro. Troque a iluminação e o neon dos cassinos e bares pela simples luz do sol, as estruturas que remetiam diversão e entretenimento por estátuas monumentais quebradas que exalam tristeza e solidão. O centro movimentado da antiga Las Vegas foi preenchido pelo deserto inabitável: o novo recanto de Deckard e o reflexo do seu vazio íntimo.

San Diego também aparece como um dos cenários, e assusta pela proximidade da nossa realidade. A cidade virou um lixão completo, onde todos os resíduos orgânicos e restos de outras cidades são despejados. Crianças trabalham como escravas para as colônias, e são lideradas pelo ator Lennie James. Escravidão, meio ambiente e trabalho infantil são discutidos, embora não diretamente, em toda a sequência que se passa na cidade.

Para mostrar mais uma relação entre os personagens e a direção, temos Jared Leto como Wallace, o antagonista e criador de replicantes da sua companhia. Sua participação pequena não interfere na importância do personagem em mais um grande debate oferecido pelo longa, entre a lógica pura e o amor. Nota-se quando a câmera entra no prédio da corporação de Wallace como as sombras formam linhas simétricas, ondulações perfeitas que seguem um fluxo coerente, representando as ideias racionais e matemáticas do personagem, sem a interferência das emoções.

Além da fotografia, das sombras e cores perfeitas para aplicar o tom correto do cyberpunk, a trilha sonora composta por Jóhann Jóhannsson, Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch, e os efeitos sonoros, completam a ambientação de 2049. Não tem como negar a forte influência de Vangelis na composição sonora, propositalmente, claro. Seus traços musicais não têm como serem esquecidos, e os compositores homenageiam criando novas tendências em cima deles. Já no primeiro plano geral do filme, a presença da trilha nos faz retornar ao universo dos replicantes de mente e “alma”. Os efeitos sonoros das armas, dos carros e dos aparelhos tecnológicos são super bem aproveitados. A mixagem de todos quando K está nas ruas de Los Angeles movimentadas e barulhentas é absurdamente incrível. As salas XD e IMAX são as mais apropriadas para este tipo de experiência.

Aos fãs de Blade Runner, o Caçador de Androides, há uma quantidade significativa de referências ao filme. Vamos de algumas notas da composição da trilha até em acontecimentos da própria obra. Atenção também na maquiagem excepcional e o figurino extravagante, que guardam algumas relações sutis com o original.

Blade Runner 2049 não é apenas um “blockbuster inteligente” e uma “homenagem ao antecessor”. É uma obra de arte cinematográfica independente e única, com um senso de estética deslumbrante, uma história emocionante e filosoficamente rica, que ficará nos corações e mentes de todos os fãs por suas mensagens e reflexões. Palmas para Dennis Villeneuve, as lágrimas na chuva nunca foram tão reais.

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Kingsman: O Círculo Dourado é a boa e velha ação sem originalidade

Kingsman: O Círculo Dourado é a primeira continuação no currículo de Matthew Vaughn. A essência de toda a história da agência de espiões está nas mãos do diretor em seu jeito único de contá-la utilizando os mesmos elementos, narrativos e técnicos, do antecessor. Tudo é levado a uma escala maior, desde o divertimento até o próprio conflito, os personagens são mais carismáticos e próximos ao público, mas este novo filme demonstra um déficit na originalidade e um desgaste na direção de Vaughn.

Matthew Vaughn sabe fazer cenas de ação como ninguém. Exerce planos sequência com maestria, mescla cenas e cenários com os efeitos visuais, alterna entre planos gerais e planos mais fechados e deixa a trilha sonora altíssima para criar uma violência agradável aos olhos e ouvidos. Não há novidades aqui, o diretor aperta o botão “automático” e produz as mesmas cenas que já tínhamos visto antes. Apesar de suas boas ideias pautadas no exagero, não há uma sequência que aborde novos elementos que ainda não foram usados. O que mais chama atenção é, logo nos minutos iniciais, uma perseguição no melhor estilo Velozes e Furiosos, que nos conecta novamente com o universo e aos personagens principais.

Eggsy (Taron Egerton) e Merlin (Mark Strong) estão de volta e muito mais interessantes do que no primeiro. A química entre os atores evoluiu, os diálogos apresentam contrastes interessantes diante do amadurecimento de Merlin e das transformações na vida pessoal e profissional de Eggsy. Na trama principal, ambos são obrigados a encontrarem a filial americana, chamada Statesman, depois da destruição completa da Kingsman pela a organização criminosa Círculo Dourado, comandada por Juliane Moore.

Depois de todo o glamour britânico, entramos em território americano. A agência Statesman reúne um elenco de grande calibre, que tem um potencial desperdiçado. Jeff Bridges interpreta Champagne, uma interpretação parecida com a de Michael Caine, mas que quase não aparece na telona. Channing Tatum e Halle Berry também estão apagados, a participação de ambos é esquecível e servem mais como promessas para futuras sequências. Pedro Pascal é o único que se salva, o roteiro o requisita bastante, deixando-o confortável no papel. Seu desfecho não é o dos melhores, mas totalmente cabível com o que vai se construindo.

Juliane Moore é a antagonista principal da continuação. Interpreta Poppy, uma empresária desconhecida mundialmente que infecta vários tipos de drogas com um veneno mortal. Os planos e a própria atuação de Moore remetem a Samuel L. Jackson. A atriz não é tão presente e interessante como o ex-vilão Valentine, não exala nenhuma ameaça séria e, rapidamente, acaba caindo no clichê do próprio gênero. Os temas mais polêmicos e as cutucadas conhecidas de Vaughn estão relacionados à vilã, o presidente dos EUA e o combate contra as drogas são uma forma do diretor se expressar e tecer várias críticas em forma de ironia, deixando Poppy deslocada entre elas.

Passando pela Statesman até a vilã, o personagem que mais se destaca pela construção evolutiva do arco só podia ser Harry Hart. Colin Firth protagonizou O Serviço Secreto e ganhou a empatia do espectador.  Seu retorno não foi surpresa para ninguém, já que o marketing do filme estragou uma bombástica revelação em potencial. A justificativa para o seu retorno não atrapalha o background do agente. Todo o aprofundamento no psicológico do herói até o seu firme retorno é o ponto alto da história. Após essa fase de transição, Harry domina grande parte do filme para si mesmo.

Com a ação no automático e os personagens estabelecidos, o entretenimento é garantido pelo divertimento durante a sessão, mas como obra cinematográfica, essa continuação apresenta mais do mesmo, sem originalidade, além de alguns retrocessos. Soluções rasas e previsíveis, falas clichês e desfechos de subtramas preguiçosos. O timing cômico também incomoda (Elton John que o diga.). As piadas não funcionam e são excessivas, estragando completamente a seriedade de algumas partes. O uso da palavra fuck em metade das frases perde o impacto depois da terceira vez… O descompromisso com a lógica é aceitável até este atingir o roteiro e criar desequilíbrio na história longa e repetitiva.

Kingsman: O Círculo Dourado prova que Vaughn devia ter parado em O Serviço  Secreto. A sequência é divertida e funciona como um decente filme de ação, além de apresentar ótimas relações entre os personagens. Só que todos nós já vimos isso anteriormente, e o que seria uma excelente continuação, só ficou na mediocridade da boa continuação com várias oportunidades desperdiçadas, deixando no ar promessas empolgantes para o futuro da franquia.

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Mãe!, uma obra definitiva da humanidade

Atualmente na internet, inclusive em vídeos e posts direcionados ao debate da sétima arte, há uma expressão que aparece nas escritas e nas falas destes: “este é um filme feito para pensar”. Infelizmente, com a degradação da indústria cinematográfica de arte para produto, a expressão se transformou em um gênero. A consequência foi a divisão concreta entre o entretenimento tosco e a “obra artística”, que engloba os próprios filmes, diretores e artistas em geral. Se pegarem o nome de Darren Aronofsky no meio dessa discussão, provavelmente haverá discórdias, principalmente pela interpretação individual de cada espectador. Com seu novo filme Mãe!, talvez o tema e sua perspectiva não agradem a todos novamente, mas não há como negar que é uma obra artística, o que todos os filmes devem ser.

Aronofsky é um diretor de grandes qualidades técnicas e até emocionais. Provas concretas disso são os filmes: Réquiem para um Sonho (2000), Cisne Negro (2010) e O Lutador (2008), que se usa da técnica para atingir a emoção. Veja como ele utiliza seus planos fechados, close-ups em Réquiem para um Sonho, que funcionam na demonstração do vício de cada personagem. A câmera giratória que se envolve à personagem de Natalie Portman, captando seu desenvolvimento e suas batalhas internas em Cisne Negro. Ou até mesmo a câmera por trás das costas de Mickey Rourke, representando as discrepâncias profissionais vividas pelo lutador.

Já em Mãe!, Aronofsky, com suas habilidades mais apuradas como nunca, se permite abusar dos planos fechados, close-ups e dos planos detalhe para construir a protagonista interpretada por Jennifer Lawrence. Há um uso tão excessivo, que toda a experiência se torna claustrofóbica, tanto para a personagem quanto para o espectador. O diretor traz uma parte da conexão emocional por meio das câmeras, até os planos sequência que acompanham a movimentação dos atores buscam trazer uma ambientação incômoda. Como parte da trama, os planos ainda são muito relevantes, pois com um olho atento e uma leve interpretação, dá para entender conceitos apresentados de primeira.

Conceitos que são a raiz de todo o longa, se tornam poesia no audiovisual. A junção da montagem com a sonorização, além dos símbolos e metáforas que ocupam grande parte do roteiro, transformam Mãe! em uma jornada angustiante para entender a questão central. Há uma quantidade enorme de conceitos que são introduzidos nos primeiros frames e que se passarem despercebidos, influenciarão na interpretação final. Cada detalhe, seja em uma ação ou diálogo, ajudam na construção imaginativa e no entendimento metafórico da história.

Para ajudar no engrandecer do tormento, há as interpretações incríveis (já esperadas) de Jennifer Lawrence  e Javier Bardem. Ambos experientes no ramo, os atores demonstram uma química muito natural, porém com psicológicos extremamente distintos. Enquanto Lawrence parece sofrer constantemente e querer debater todos os acontecimentos, Bardem, apesar de frustrado por sua falta de inspiração para escrever seus livros, demonstra tranquilidade, serenidade e controle nas cenas. Trabalhos grandiosos para papéis grandiosos. Já Ed Warren e Michelle Pfeiffer parecem os opostos dos dois, contracenando incrivelmente com o casal.

É importante salientar que não há como comentar a história, já que qualquer citação pode estragar as surpresas e descobertas que este filme nos proporciona. Porém, vale citar o nervosismo acompanhado da emoção ao assistir Mãe!. A calma do primeiro ato não condiz com a exaltação do último, surpreende pelas reviravoltas ocasionais, os desfechos dos personagens e pelos momentos que beiram o absurdo, mas com um senso realístico apurado. Os sentimentos se fundem ao longo do desenvolvimento, tornando a experiência memorável.

Uma trama envolvendo religiosidade e política, nada convencional, para discutir fatos sociais através dos simbolismos metafóricos e do charme poético provocado por Darren Aronofsky prova que Mãe! é uma das maiores surpresas do ano, que além de não ser só a obra definitiva do diretor, se mostra uma obra definitiva da humanidade. Basta conferir para entender e refletir.

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Bingo: O Rei das Manhãs demonstra a força do cinema brasileiro

O cinema brasileiro está fragmentado em dois extremos nesse ano, com poucas exceções. Ou o filme apresenta um humor escrachado com situações absurdas, ou foca na discussão sobre o cenário político, que está bem turbulento atualmente. Já Bingo: O Rei das Manhãs, é uma das exceções que coloca em tela técnica e qualidade cinematográfica, fugindo do clichê nacional e aplicando otimismo no mercado da sétima arte no Brasil.

Inspirado na história de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do Bozo, Bingo detalha todas as particularidades de sua vida profissional com muito charme e competência. Porém, o filme deixa claro que sua história é apenas uma inspiração, e não está com objetivos de construir uma cinebiografia. Não houve um charme em sua vida, mas neste filme, o glamour está presente em todas as camadas preparadas por Daniel Rezende, experiente montador em sua primeira empreitada como diretor de longa-metragem.

Rezende é um renomado montador brasileiro. Trabalhou nos filmes Tropa de Elite (2007), Tropa de Elite 2 (2010) e até o famoso Cidade de Deus (2002) . Sua colaboração como montador no Brasil foi deixada de lado para ele tomar o posto de diretor… e que baita diretor! É na direção que está o coração do Rei das Manhãs. Começando pela construção dos personagens, o diretor busca imagens, composições de cores e luzes para criar uma identificação própria com os atores/atrizes. A predominância das cores quentes, principalmente, transmitem a intensidade do psicológico perturbado do protagonista Augusto (Vladimir Brichta) e cria um ambiente intenso e às vezes melancólico.

Há também a preocupação em retratar a época em que a história está inserida: os anos 80. Os mais velhos devem sentir uma dose nostálgica e os mais novos devem começar a entender mais a cultura artística e de entretenimento do país. Até os jovens que assistem TV devem se surpreender em algumas cenas. Figurino, contextualização, trilha sonora e cenários trazem os anos 80 de uma forma natural, um grande feito entre as produções brasileiras.

Como montador, é perceptível o equilíbrio que o trabalho do Daniel Rezende traz como bagagem. Entender como se constrói uma narrativa faz toda a diferença. As várias camadas contém extremos como humor e drama, sucesso e fracasso, além de reconhecimento e esquecimento. Todos esses momentos são encaixados como peças de uma base que irá sustentar o conflito interno de Bingo.

O clímax de Bingo: O Reis das Manhãs se resume ao conflito do protagonista. A busca faminta e ao mesmo tempo suja e obscura pelo reconhecimento e o estrelato, toma o espectador como um refém da situação, que reconhece a escuridão que assola o mundo do entretenimento. Até onde uma pessoa iria para conquistar o sucesso e os holofotes? E essa questão vai sendo desenvolvida ao longo do filme e ganhando maturidade pela a atuação de Vladimir Brichta.

Brichta é o curioso caso de envolvimento entre ator e personagem. Cada passo e evolução do protagonista, o próprio ator se engrandece. A sua atuação é tão fragmentada como a própria montagem. Seu sarcasmo somado à sua frustração, criam uma angústia dentro de si, consequentemente, Vladimir Britcha personifica Augusto e Bingo, que se tornam uma mente própria e hipnotizam pela naturalidade de ambos.  O ator participou de algumas novelas e séries, além de filmes focados na comédia, mas este parece ser o ponto alto da carreira.

Outras participações merecem ser mencionadas. Leandra Leal continua atuando como a profissional que é. Como Brichta, Leal se molda em sua personagem Lucia, diretora do programa infantil. Há aparições pontuais como a de Pedro Bial, Tainá Müller, o falecido Domingos Montagner, Augusto Madeira e Emanuelle Araújo como Gretchen. Ana Lúcia Torre é uma das mais experientes do elenco, sua interpretação é estonteante como mãe de Augusto, que tem as mesmas ambições do filho.

Ao todo, o resultado se mostra satisfatório e nos deixa perplexos pela vida de Arlindo Barreto e pela estrada podre ao reconhecimento exagerado. Como troféus e  holofotes não trazem a felicidade e a sensação gloriosa que fingem dar. Uma crítica profunda para a própria indústria televisiva e cinematográfica. Há mais de 30 anos atrás e as semelhanças espantam.

Bingo: O Rei das Manhãs é o resultado do trabalho nacional. O projeto de Daniel Rezende e Vladimir Brichta se mostra um grande concorrente ao Oscar pelo Brasil, mas, primeiramente, que deve ser prestigiado pelo próprio brasileiro por seu significado e importância. Uma estatueta não substituí isso.

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Crítica | It: A Coisa

Andrés Muschietti é o Stephen King nos cinemas. As ideias de ambos parecem seguir os mesmos caminhos nas telonas e nas páginas, respectivamente. No livro It: A Coisa, King deixa seus personagens em primeiro plano, desenvolve seus conflitos internos e molda o terror da história com os conceitos criados pela visão inocente das crianças sobre o mundo. Agora, com a estreia do filme It: A Coisa, Muschietti não se prende à obra e tem grandes liberdades criativas, mas mantém a essência da trama que é ser carregada por ótimos personagens e seus problemas particulares.

Derry é a cidade que abriga os integrantes do Clube dos Otários. Bill Denbrough (Jaden Lieberher), Richie Tozier (Finn Wolfhard), Eddie Kaspbrak (Jack Dylan Grazer), Ben Hanscom (Jeremy Ray Taylor), Mike Hanlon (Chosen Jacobs) e Beverly Marsh (Sophia Lillis) são uma das maiores surpresas do ano. Os atores mirins dão um show de atuação, criam perfis únicos para os seus personagens. A química do grupo impressiona e se torna orgânica na tela. Todos os conflitos e os momentos do filme são resultados das ações deles. São uma orquestra com uma sinfonia sincronizada.

Richie Tozier e de Beverly Marsh se sobressaem do resto. Tozier funciona em uma mistura de comicidade e descrença, o timing de Wolfhard parece agradar o público e acaba colocando a atenção de várias cenas para si próprio. Sua atuação agrupa os atores, enaltecendo os diálogos rápidos e ágeis entre eles. Já a atriz Sophia Lillis foi a escolha certa para interpretar a única garota do grupo, que tem o psicológico bastante explorado e ao mesmo tempo mais denso. Desde sua transformação até as consequências de suas escolhas, Beverly se prova uma personagem feminina poderosa e relevante em todo desenvolvimento.

Ainda no núcleo de atores e atrizes, temos Bill Skarsgård, que dá vida à Pennywise, o Palhaço Dançarino. A atuação incrivelmente assustadora e bizarra remete a várias misturas de personagens conhecidos por nós. Uma junção da loucura de Beetlejuice e o sarcasmo de Freddy Krueger somadas à monstruosidade de Pennywise no telefilme de 90 exemplificam a Coisa. Apesar do bom trabalho, Skarsgad foi prejudicado pelo excessivo uso do CGI, tornando a atuação um pouco limitada, que deve ser mais aproveitada no próximo capítulo.

Não só o ator, mas até sequências e cenas foram prejudicadas pelo excesso da computação gráfica. Os designs das criaturas são bem feitos, porém faltou um maior cuidado na apresentação deles. É visível as passagens que exageram na quantidade de efeitos, que poderiam ser contidas para trazer uma sensação “sóbria” do que estaria acontecendo.

Outro problema é a falta de ritmo no primeiro ato. As apresentações dos personagens e suas experiências com a Coisa são mal encaixadas e sobrepostas umas nas outras, criando um problema de fluxo inicial, mas que vai se acertando próximo ao começo do segundo ato.

A direção de Andrés Meschietti, além de segura e precisa, homenageia todos os elementos do universo da Coisa. Derry é a típica cidade repleta de lendas urbanas e profundos segredos internos. A ambientação oitentista e o clima macabro formam o palco perfeito para o espetáculo. As locações remetem aos trechos em que Stephen King a descreve, principalmente o cruzamento entre a Rua Jackson e a Witcham, além da casa na Rua Neibolt. Há cenas icônicas (Georgie encontrando a Coisa, Beverly no banheiro ensanguentado) que também foram traduzidas para as telonas, com uma pitadinha de exageros agradáveis do diretor.

Sem contar com os problemas iniciais, a palavra reinterpretação cabe exatamente nesse molde. A liberdade criativa permitiu o roteiro montar decisões próprias e trazer novas resoluções e consequências, que provocam um ar inovador e de portas abertas para novos caminhos.

Com um dos melhores elencos do ano e a direção estilizada de Andrés Meschietti, o primeiro capítulo de It: A Coisa imita o livro em não ser exatamente uma obra que provoque medo, mas sim uma história que explore a sua essência, abordando vários outros sentimentos que se iniciam na nossa infância. Agora é saber como lidarmos com eles em uma fase mais madura. Só o segundo capítulo trará essas respostas.

You’ll float too…

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O Death Note da Netflix é aquilo que ele precisava ser

Confesso que nunca fui muito chegado em animes, mas não pude evitar quando a minha timeline do Facebook só estava falando sobre um assunto: O Death Note da Netflix. Claro que como toda adaptação de anime/mangá, os comentários foram negativos. Foram tão negativos, a ponto de eu assistir aos 37 episódios do anime para assistir ao filme. O anime é uma obra fantástica e derruba o estereótipo criado por alguns (inclusive eu) de que os desenhos são japoneses só tem lutinha e humor nonsense, é um thriller policial focado no embate entre duas mentes geniais: Light e L. E o filme da Netflix? É completamente diferente do anime, mas é um exemplo de uma boa adaptação.

Quando falo em adaptação, falo em se adequar a algo, no caso, o Death Note de Adam Wingard se adéqua perfeitamente à sociedade ocidental. Se no anime acompanhamos o perfeito e futuramente sociopata Light Yagami, aqui acompanhamos o imperfeito e instável Light Turner(Nat Wolff), que é basicamente o retrato do adolescente da geração millenium. Ele é o cara esperto, emocional e loser. Ele quer impressionar a garota que ele gosta e não, ser o Deus do Novo Mundo. Sendo assim, posso dizer que o Light da Netflix é você, ou pelo menos, é mais relacionável com o espectador. Vai me dizer que você também não contaria que tem um caderno da morte para impressionar uma garota?

Principalmente uma garota como a Mia(Margaret Qualley), que deixa de ter o papel de namorada submissa e se torna aquilo que Turner não consegue: Kira. É uma decisão muito mais interessante, para falar a verdade. O detetive L(Keith Stanfield) deixa de ser aquele cara estranho com olheira – você provavelmente já quis se sentar como ele se senta – e se torna alguém mais instável e mais equilibrado, alguém mais real. Realidade em um filme sobre um caderno que mata? Real não, verossímil. Se Light e L no anime são tão parecidos por causa da inteligência, os respectivos personagens da adaptação são parecidos em outro aspecto: A instabilidade.

Nesse conjunto de ideias interessantes do novo Death Note, nem todas são bem executadas devido à duração. 1 hora e 40 minutos é muito pouco para ter seu público totalmente investido nos personagens e ele sofre com isso no terceiro ato, em que ele deveria atingir o seu ápice. O trabalho de CGI em Ryuk é incrível e a voz de William Dafoe, é provavelmente a escolha mais acertada do elenco. A direção de Wingard é competente e criativa. As mortes escritas no caderno são criativas e bizarras, como se a intenção do diretor fosse trazer um filme trash repleto de sangue. A montagem também é eficiente e divertida ainda mais com a presença de músicas como The Power of Love. Em nenhum momento é possível ficar entediado devido a rapidez, em um piscar de olhos o filme já terminou.

Death Note definitivamente deveria ser um pouco mais longo em prol do desenvolvimento de personagens, mas é divertido e tem ideias interessantes para se encaixar no contexto ocidental. É aquilo que ele precisava ser, um filme sobre um cara que quer impressionar a garota e não, escrever nomes em um caderno enquanto faz poses comendo batatinhas.

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Atômica: Uma sinfonia de ação e espionagem para Charlize Theron

Antes de David Leitch apresentar-nos Deadpool 2, ele entra muito perto no território de John Wick com seu novo suspense de ação, Atômica, produzido pela Universal Pictures.

O filme é uma adaptação da graphic novel de espionagem de Antony Johnston e Sam Hart, The Coldest City, sendo protagonizado por Charlize Theron como uma espiã letal MI6, ao lado de John Goodman e James McAvoy.

David Bowie, A Flock Of Seagulls, George Michael, Alice Cooper, Marilyn Manson e Tyler Bates são alguns dos nomes que fazem parte da incrível trilha sonora de Atômica. A música desempenha um importante papel na trama ambientada no final dos anos 1980 no auge da Guerra Fria com a Alemanha dividida em duas, em colapso pelo muro de Berlim, e dominada pela espionagem entre Inglaterra, França e Rússia.

O roteiro de Kurt Johnstad é não-linear com a personagem de Charlize Theron, Lorraine Broughton, narrando para os seus chefes a sua missão no território alemão, de recuperar dados secretos, que podem expor toda a operação dos agentes ocidentais. O texto traz muitas sutilezas daquele período, que foram bem exploradas pelos setores de arte, som e fotografia.

Os cenários são graficamente belos. Carros, lugares, figurinos, locações escolhidas, tudo reflete bem a reconstrução histórica criada por Leitch para que a suspensão da descrença seja feita com êxito. O espectador adentra naquele universo sem desconfianças.

James McAvoy (David Percival) Sofia Boutella (Delphine) são também grandes destaques no filme. Percival é a ambiguidade da espionagem com muitos segredos a serem desvendados. Delphine é a fragilidade de Lorraine. Ela mostra os perigos de quando uma espiã se envolve emocionalmente em uma missão.

Charlize Theron domina o filme do começo ao fim. Ela fez suas próprias cenas de ação, sem a necessidade de dublês. Essas sequências são extremamente brutais e violentas, sendo graficamente belas. Elas expressam um desejo no público que não demore um crossover entre Lorraine e John Wick. Atômica é uma carta de amor de David Leitch para Theron desenvolver seu trabalho como atriz.

A produção que custou 30 milhões de dólares merece ser vista em IMAX. Vale cada segundo. Mundialmente, ela já arrecadou 81 milhões.

Atômica tem no seu elenco: Charlize Theron (Lorraine Broughton), James McAvoy (David Percival), John Goodman (CIA Agent), Til Schweiger, Eddie Marsan (Spyglass), Sofia Boutella (Delphine), Toby Jones (Gray), Bill Skarsgård (Merkel), James Faulkner (C) e Roland Møller (Beckmentov).