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Aperta o play e viaje na batida de Na Quebrada – Quadrinhos de Hip Hop

Escrito por Ricardo Ramos

Eu tinha entre dez e onze anos, não me lembro direito, quando minha mãe me presenteou com um vinil. Era o Funk Brasil 1. Ali foi meu primeiro contato para valer com esse tipo de som. Minha veia musical estava começando a ser moldada, obviamente eu era um moleque que escutava de tudo um pouco, os sambas nas festas das minhas tias, os rocks que meus primos ouviam, os forrós dos discos do meu pai, mas sem entender nada direito. O disco tinha raps que são muito diferentes dos que conhecemos hoje em dia. Logo na primeira faixa era uma música do Cidinho Cambalhota com participação da Dercy Gonçalves chamada Rap das Aranhas (uma espécie de continuação de Rock das Aranhas do Raul Seixas). Outros clássicos do funk carioca se decorriam ao longo de suas oito faixas no primeiro disco do icônico DJ Marlboro. Essa sempre foi minha referência para esse tipo de som.

Ao longo dos tempos me encontrei melhor no rock, mais precisamente nos punks hardcores da vida, mas sempre que dava aquela vontade voltava para o Funk Brasil. Até que anos mais tarde, na escola, um amigo me emprestou uma fita cassete. Vale lembrar que estamos situados aqui na década de 90 e esse era o nosso modo de compartilhar músicas. A fita tinha uma penca de raps do RUN-D.M.C. e fiquei tipo: “Puta merda! Que parada foda demais!”. Logo após eu fui conhecer os Racionais MC, e um foi puxando o outro. Até as bandas de rock que na época misturavam com rap ajudaram nesse conhecimento. Como o Planet Hemp, Pavilhão 9, Cambio Negro etc e tal.

Fiz essa pequena introdução para poder falar que Na Quebrada – Quadrinhos de Hip Hop da Editora Draco, me fez ter essa sensação novamente de estar descobrindo um novo mundo. Ao longo das suas 184 páginas me senti não apenas lendo um gibi. E sim escutando um disco de rap. As suas histórias me remeteram a canções e como uma ironia incrível, algumas você pode até cantar. Como Preta Maravilha Contra a União Golpista e Que Nem um Morcego. As letras (ou histórias) falam do cotidiano da comunidade, de preconceitos, de revolução, de correr atrás do seu sonho, de batalhar o seu sonho, a eterna luta contra os poderosos e de evoluir. Mas usando a magia que somente as HQ’s podem proporcionar. E faz todo o diferencial.

A primeira faixa é O Sampleador, com roteiro de Raphael Fernandes e arte de Braziliano, com uma bela história de um rapaz que tem um dom amaldiçoado que atormenta a sua vida. Depois o álbum pula para trama heroica Preta Maravilha contra a União Golpista com arte e texto de João Pinheiro. Aqui somos apresentados a uma super-heroína urbana que está em combate contra os poderosos iniciando uma revolução. A história toda é um grande rap e como disse antes, dá para ler cantando com uma batida imaginária na mente. Que Nem um Morcego do trio Cirilo S. Lemos, Giovanni Pedroni e o rapper De Leve. É a minha preferida da coletânea. A história do cativante Ramiro descobrindo o hip hop e iniciando nas batalhas de MC’s te abraça e te leva para um mundo fantástico. Fechando o “lado A” do disco Na Quebrada, vem a importante Meu Corpo, Minhas Regras escrito pela ótima Larissa Palmieri e com arte de Vitor Flynn. Uma trama cyberpunk que mistura fanatismo religioso, direitos das mulheres, machismo, corrupção e o poder da fake news. Mais atual impossível.

Virando para o “lado B” de Na Quebrada, começamos com Um Conto de Duas Cidades, onde dois grupos rivais se unem contra um mal comum que ameaça a todos. Um aviso bem real para os dias de hoje. O texto é de Felipe Cazelli e arte de Marc Weslley, com os desenhos mais bonitos da coletânea. Em seguida vem Darréu – A Lei do Mundo, uma divertida e leve trama escrita pelo entregador de gás Alessio Esteves e com artes de  Felipe Sanz. A história de dois meninos que queriam tirar uma onda com os amigos é a mais descompromissada da coletânea, lembrando até aqueles filmes gostosos de assistir como Goonies ou Uma Noite de Aventuras. Já em Olido de Juju Araújo e com o retorno de Braziliano na arte, trata da famosa arte urbana. Assim como a galeria homônima que fica em São Paulo, o texto abraça os traços grafiteiros de Braziliano e apresenta uma trama de poder, busca pelo sucesso e reconhecer suas raízes. O fechamento fica por conta da excelente O Rei do Groove que tem arte e texto de Guabiras. É uma grande homenagem ao hip hop mundial disfarçada em um conto fantástico de um DJ que beirava o fracasso e se torna um dos maiores. A história, em todos os seus quadros têm referências ao hip hop, é uma aula de história sobre o estilo com artistas dos mais variados tipos que contribuíram de alguma forma com o movimento. É bem legal ficar caçando as referências.

Além dos quadrinhos, o volume conta com uma introdução de Alê Santos, contador de narrativas negras (confira seu trabalho em sua conta no Twitter), e comentários do grande Gil Santos, o popular Load, e do rapper Rashid.

Na Quebrada – Quadrinhos de Hip Hop tem na sua maior qualidade o fato de ser um trabalho necessário para a galera. Disseminar essa cultura para o leitor é de suma importância. E tomara que quem venha a ler, passe a se interessar e a consumir as artes que o movimento gera no total. E como disse o meu amigo Gigalovax Cândido, todas as histórias acabam de forma positiva. Apontando que o futuro pode sim ser melhor.

Na Quebrada – Quadrinho de Hip Hop tem formato 17 x 24 cm, 184 páginas e capa em papel cartão. A coletânea está em pré-venda no site oficial da Draco.

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Sobre o Autor

Ricardo Ramos

Gibizeiro, escritor, jogador de games, cervejeiro, rockêro e pai da Melissa.

Contatos, sugestões, dicas, idéias e xingamentos: ricardo@torredevigilancia.com