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Torre Entrevista | Charlie Adlard

Escrito por Marcus Santana

Procurando diferenciar suas publicações, a editora norte-america Image Comics começou a publicar The Walking Dead ao fim do ano de 2003, dando início a uma transição editorial que só chegaria ao seu ápice em 2012, justamente no seu vigésimo aniversário. Desde então a Image vive o que é, para muitos, seu melhor momento: Lazarus, Saga, The Wicked & The Divine… todos títulos premiados são provenientes de uma fase que teve início exatamente com a epopeia de Rick Grimes, Carl, Michonne e cia.

A obra começou a ser publicado no Brasil bem antes de seu auge comercial: Em 2006, pela extinta Editora HQM. Duas versões foram lançadas: Sob o título de Os Mortos-Vivos, vieram encadernados com seis edições mensais cada em formato menor que as versões norte-americanas. Depois foi publicada a versão mensal, já com o título original, entre 2012 e 2017.

Em 2017, após o fim de contrato da HQM e ainda incompleta, a obra foi retomada desde o início em encadernados no formato original pela Panini Brasil e, após uma frequência intensa de publicação com encadernados quase mensais, chegamos ao fim da saga por aqui, agora em setembro de 2020.

Para falar não só a respeito The Walking Dead, mas sobre vários de seus projetos que vão além dos quadrinhos, conversamos com Charlie Adlard que, substituindo Tony Moore para ilustrar os roteiros de Robert Kirkman, tomou as rédeas do traço da publicação a partir da edição mensal nº 7 e só saiu na edição nº 193, justamente a última da série.

Depois de 16 anos, The Walking Dead chegou ao fim. Essa decisão é “como deixar a casa dos pais”: Difícil, mas necessária?

Com certeza! O que mais posso dizer? Eu acho que [eu e Robert Kirkman] regemos o caminho da história em quadrinhos para um fim natural. Passamos por vários percursos e arcos de história para completar a narrativa. Eu estava começando a ficar, digamos… exausto. Exausto no sentido de não saber onde iríamos parar. Então cheguei a dizer ao Robert que, quando quer que terminemos a HQ, teríamos que acabar por cima. Não queríamos chegar ao fim quando ninguém percebesse, pois ninguém mais se importava e não lia mais a história. Fizemos uma promessa mútua que seria assim que iria acontecer.

The Walking Dead Volume 32 – Descanse em Paz. Panini Comics Brasil (2020) Imagem: Panini.com.br

A todo tempo durante a história vocês falavam sobre a morte, que é a situação mais desconhecida pelo ser humano, porque ninguém sabe o que de fato acontece depois. Os zumbis são uma interpretação da morte. Como é para você ter que voltar frequentemente a este assunto tão nebuloso e não deixar o leitor saturado sobre isso?

Hmmmm… bem, quer dizer… Zumbis são obviamente uma dessas coisas que você disse. Uma das coisas mais assustadoras sobre eles é isso aí. Já disse muito. É quase como… a derradeira forma de sair desse plano. Porque se pensa “[depois de morrer] olha o que vai acontecer contigo!” É um panorama muito assustador. Especialmente do jeito que fizemos. Então é… ah! Perguntinha difícil essa que você fez pra mim!

Estou aqui pra isso!

É… eu espero que, esperançosamente, tenhamos demonstrado isso, porque essa é uma HQ de terror. Não é de terror por ser um pouquinho assustadora ou chocante: Nosso terror é aquele que arrepia a mente na ideia de que, quando você morre, é isso que vem depois. É algo muito horroroso.

Capa dupla de The Walking Dead nº 100, que apresentava vários personagens da trama que haviam falecido até então. Image Comics (2011). Imagem: Amazon.com

Falando da sua banda Cosmic Rays, onde você toca bateria, Dave Mckean declarou em um painel que não tem uma arte dominante. Ele também faz teatro, música, cinema… porque, caso contrário, fica entediado. Para você é o mesmo? Como administrar essas duas tarefas uma vez que você é quadrinista e vive com prazos bem rígidos?

Cosmic Rays – Trust the Process (2017). Imagem: Bandcamp.com

Diferente de Dave, eu tenho uma paixão dominante que são as HQs. Eu acho que sou melhor quadrinista que baterista e sou o primeiro a admitir isso. Por isso provavelmente escolhi essa carreira para viver a tentar a sorte como músico. Mas, por outro lado, é ótimo ter outra veia criativa além de quadrinhos. Entretanto, o que eu faço para, digamos, contribuir a mais para esse mundo, é fazer coisas diferentes nas HQs. Sempre estou interessado em… bem: The Walking Dead claro que foram mais de 15 anos fazendo um estilo similar de HQ, depositando meu esforço na mesa de desenho e fazendo o lápis e nanquim para um determinado estilo de arte. Porém, já explorei outros mundos em outras HQs que fiz, como anos atrás em White Death, com Crayon no papel cinza. Também existem as narrativas que fiz com Joe Casey, uma batizada de Codeflesh e outra chamada Rock Bottom, essa última que teve um traço mais puro sem cores ou sinais de textura porque eu queria sair da zona de conforto onde eu usava tons mais sombrios no traço, então foi bem diferente de anos atras, no momento que eu estava produzindo White Death com Robbie Morrison…

Comparativo entre técnicas de Rock Bottom (2006) e White Death (2004). Image Comics. Imagens: Comixology.com

Lá para 2004…

Isso! E agora fazendo um livro cuja produção é totalmente digital, mas uso ferramentas que emulam lápis ao invés de arte-final digital porque eu quero dar um tom mais rústico. Então, variedade é o tempero da vida. É um clichê, eu sei, mas é o que me deixa animado como meu livro Intitulado Life, esse meu trabalho é composto por desenhos sobre a vida como uma nova avenida de criatividade onde eu desenho modelos, já que você nunca aprende o suficiente durante toda a vida. Isso é muito útil.

Nesse livro você desenha modelos nus e sketches de diversas proporções. Como você o vê: Um livro de estudos, de anatomia… qual seu veredicto?

Para mim, todos nós devemos desenhar sobre a vida, não importa o quão bom você seja, pois você está sempre aprendendo…

Porque é muito diferente dos seus trabalhos anteriores!

Com certeza! Esse é um dos motivos porque eu fiz: Ser bem diferente. Me dá a oportunidade de experimentar outras técnicas, materiais… me dá outras oportunidades. O interessante também é que [nesse livro] tive um tempo limite, porque quase sempre tive que abandonar a ideia de ter uma peça mais trabalhada. É algo mais rápido e sem pensar muito. O que eu, na verdade, gosto. Quanto menos se pensa [a respeito do desenho], mais acidental fica a arte e pode terminar com algo feito em 5 minutos pensando que tal peça foi a melhor coisa que você já desenhou. O desenho de capa na versão branca foi feito literalmente em 5 minutos. Lembro de olhar e pensar “Opa, beleza! Tem uma verdadeira paixão e movimento aqui!”. Mas eu nunca replicaria algo assim nos quadrinhos, porque lá se pensa muito e se quer sempre se refinar. Então fazer esse exercício é muito bom para a alma, sabe?

Life. Independente (2020) Imagens: Infinitybeyond.co.uk

Muitos artistas depois de tantos anos no mesmo título, desistem em fazer projetos mais longos. Tem planos para fazer algo desse tipo novamente ou ficará só nas capas?

Eu nunca mais vou fazer algo longo como The Walking Dead. Estou com na casa dos 50 anos, se fazer isso de novo, eu terminaria outra obra desse tamanho com… cerca de 70. Posso dizer categoricamente que não! Nunca mais vou fazer uma série regular.

Mas ainda fará páginas internas?

Estou fazendo agora em Heretic, minha nova HQ com Robbie Morrison, quer seja uma coletânea de narrativas ou uma história só. Não sei bem ainda, vamos ver. Mas estou fazendo. Sou de coração um contador de histórias, então o que eu predominantemente farei sempre será páginas internas. Sou um quadrinista, é isso que eu e outros fazemos para viver.

Ilustração de Heretic. Sem lançamento ou editora definida. Imagem: Charlieadlard.com

 

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Sobre o Autor

Marcus Santana

O que seria de nós sem quadrinhos?