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“The Aquatope on White Sand” e o pecado de amar demais

Escrito por Vini Leonardi

Procurando um animê para toda a família? Algo que poderia muito bem passar na Sessão da Tarde, irritar o seu tio, fazer sua mãe chorar, e seu primo que é redator de um blog de cultura nerd reclamar sobre escolhas de roteiro que ele entende que não são feitas para um público-alvo como ele? Pois “The Aquatope on White Sand” é possivelmente o show para você!

Captura de tela do episódio 18 de "The Aquatope on White Sand", mostrando Kukuru entregando bonecos para várias crianças

“Essa garotada vai se meter em altas confusões enquanto se aventuram no incrível mundo dos aquários!” (Reprodução: Crunchyroll)

Antes de começarmos, porém, vai ser necessário entender com quem estamos lidando. “Aquatope” é mais um animê original da P.A. Works, estúdio conhecido por criar lindos cenários e histórias que destacam o comum como mágico e a magia como corriqueira. A direção é de Toshiya Shinohara, que também fez coisa parecida em “IRODUKU: The World in Colors”, e “Nagi-Asu: A Lull in the Sea”.

Isso faz com que um novo animê vindo deles tenha uma certa expectativa, de seguir a “fórmula P.A. Works”: Uma trama adolescente que tica todas as caixas na lista de “coming-of-age” da Wikipédia; uma parte técnica linda e que vai agradar todos os nerds das respectivas áreas; e a garantia de um sucesso cult entre os que não gostam tanto assim de mecha dos anos 70. E “Aquatope” é exatamente isso, surpreendendo por o quão nos eixos ele conseguiu seguir semana após semana.

Abaixo, a sinopse e o trailer do show, que estreou em julho deste ano e terminou sua exibição recentemente, conforme fornecidos pela Crunchyroll:

“Em um pequeno aquário localizado na ilha de Okinawa, trabalha Kukuru Misakino, uma jovem de 18 anos. Lá ela encontra Fuka Miyazawa, uma ex-idol que perdeu seu emprego em Tóquio e está desnorteada. Elas começam a passar os dias juntas no aquário, conhecendo melhor uma a outra, mesmo com a iminente crise financeira ameaçando fechar o estabelecimento. Em meio aos sonhos e à realidade, à solidão e à amizade, aos laços e aos conflitos, as duas amigas vão virar uma nova e brilhante página neste verão.”

O contraste entre a primeira e a segunda parte da história é um dos pontos mais interessantes de se assistir pelo simples ato de compará-los. Começamos com uma adolescência mágica e inocente, onde tudo se resume a uma única coisa em um pequeno espaço. A jovem Kukuru é um retrato do próprio Aquário Gama Gama: enraizado a um alicerce instável, mas que sobrevive com base na boa vontade e no apoio de diversas mãos amigas. É um lugar intrinsecamente sobrenatural, que consegue mostrar a magia que só existe nos olhos de alguém naquela faixa etária.

Então, na segunda metade, a vida adulta mostra como o mundo é muito maior – e mais cruel – do que um conto-de-fadas teen. A magia se esvai conforme o chamado das responsabilidades se sobressai a qualquer oportunidade de sonhar. O Aquário Tingaara pode ser maior, mais tecnológico e possuir muito mais espécies, mas ele não passa de uma casca vazia para quem não entende a função daquele lugar, ou para quem o vê como um substituto de algo insubstituível.

O próprio conceito de histórias coming-of-age é mostrar que, na vida adulta, você precisa correr atrás de criar a sua própria magia. Buscar satisfação pessoal – seja com seu trabalho, hobbies, amizades ou amor – é a mensagem que o gênero tenta passar, e que “Aquatope” tentou contar de forma tão agridoce.

Captura de tela do episódio 1 de "The Aquatope on White Sand", mostrando Fuuka no oceano

Não tente prender a respiração durante as cenas aquáticas desse animê! Eles respiram com magia, você não! (Reprodução: Crunchyroll)

Um dos comentários que eu mais fiz (e que mais vi sendo feito por outras pessoas) durante a exibição do animê foi o realismo com que ele retratou os ambientes de trabalho. Em uma empresa pequena e familiar, foi mostrada a contratação de parentes e amigos, mesmo que sem experiência ou qualificação para o cargo; e uma hierarquia nada meritocrática onde a garota de 18 anos consegue se tornar chefe simplesmente por ser neta do dono. Já na empresa da “cidade grande”, o que vemos é uma relação nada saudável entre funcionários; uma equipe de marketing que não se importa nem um pouco com a equipe técnica e que simplesmente joga a bucha para eles e sai andando; estagiários desinteressados e que estão vendo o circo pegar fogo e simplesmente vão embora 17h em ponto… São pequenos toques de coisas que vemos no dia-a-dia que dá credibilidade para o slice of life do show.

Outro ponto desse realismo contextual é sobre como a história se foca nas suas protagonistas, mas sem deixar de mostrar que o mundo ao redor delas é orgânico e que coisas estão acontecendo mesmo longe de seus olhos. Ao longo de todo o animê, vemos situações sendo comentadas, ouvimos boatos sobre acontecimentos relevantes de personagens secundários, histórias que parecem ser extremamente interessantes, mas que nunca são contadas. Como acompanhamos a jornada da Kukuru e da Fuuka, o roteiro apenas explicita o que tem contato direto com o desenvolvimento das duas. Pode ser frustrante para quem tinha interesse nesses arcos que aconteceram fora da tela, mas é uma escolha proposital para destacar ainda mais que, na vida real, você apenas se importa com o seu pequeno círculo, e raramente se envolve em problemas alheios.

Captura de tela do episódio 18 de "The Aquatope on White Sand", mostrando Fuuka, com a legenda: "Acho que o mais incomum é gente como você, que escolhe trabalhar porque gosta."

O animê não só mostra como o trabalho funciona, como entende o principal ponto sobre trabalhar: Que ninguém gosta de trabalhar (Reprodução: Crunchyroll)

Agora, um problema que todos deveriam se envolver, é o tema que pairou sobre toda a história do animê: A conscientização ecológica e ambiental. Estamos assistindo um show sobre criaturas marinhas, com um roteiro que se baseia nos oceanos. É óbvio que teríamos ao menos uma mensagem sobre isso, né?

Se me perguntar, acho até que abordaram pouco o assunto! Ele foi bem suave, quase invisível, mas presente, durante 90% da duração do animê, e só decidiram deixá-lo mais descarado na parte final. Sei que sou suspeito ao falar isso, por ser ambientalista de formação, mas acho que informar e interessar as pessoas em questões ambientais deveria ser feito com maior frequência. Se botar garotas fictícias para sofrer semanalmente por seis meses é o que vai ajudar a fazer a nova geração se importar com o destino do planeta, que façam mais histórias tristes!

Captura de tela do episódio 22 de "The Aquatope on White Sand", mostrando uma tartaruga marinha e um amontoado de lixo, com a legenda "Mês passado, a maré trouxe uma tartaruga enrolada em cordas"

União sinistra P.A. Works e Projeto TAMAR (Reprodução: Crunchyroll)

Sei que acabei de falar no parágrafo anterior sobre como as garotas sofrem e como a história é triste… Mas a verdade é que “Aquatope”, em sua essência, não é uma tragédia. O que nós temos é uma série de pequenos problemas, uma morte por mil cortes. Claro que alguns cortes são maiores e mais profundos que outros, mas todos eles acontecem não pela existência de um vilão, uma figura malvada ou um desastre inimaginável. Eles acontecem pelo excesso de amor das personagens, e é aí que a piada do título se torna real. O único erro das protagonistas é amar demais, se apegar demais, ter empatia demais.

Cada drama, na verdade, não passa de uma simples dificuldade corriqueira. Para alguém que não se importa, seria uma mera inconveniência. Mas, para quem é apaixonado por aquilo, a coisa se torna uma questão de vida ou morte. Vemos diversos tipos de dificuldades se tornando trabalhos hercúleos por motivos diferentes, mas todos relacionados ao amor: A dificuldade de espalhar o seu amor para outros; a dificuldade de se recuperar de um amor perdido; a dificuldade em encontrar seu amor… O show faz um excelente trabalho de mostrar cada personagem sofrendo por um motivo diferente, te permitindo entender o quanto cada um ama o que está perdendo (ou lutando por).

Captura de tela do episódio 23, mostrando Kukuru cercada por três pinguins

Acho que “lutar pelos pinguins fofinhos ownn cuticuti” é o drama mais fácil de se identificar que o show oferece (Reprodução: Crunchyroll)

A mensagem final que o animê deixa é que a vida continua, você olhando para ela ou não. O que assistimos nos vinte e quatro episódios é apenas um pedaço da vida das personagens: Elas viveram coisas antes, muita coisa que não vimos aconteceu no durante, e elas continuarão vivendo depois. A história de “Aquatopetem um começo, um ponto onde as coisas mudam drasticamente… Mas ela não tem um fim. Encerramos um capítulo e uma nova página se abre, mas essa ainda está em branco. E fica claro que cada uma das personagens tem em mãos a tinta para escrever o seu próprio futuro.

The Aquatope on White Sand” é perfeito para quem gosta de recortes de uma vida incomum e mágica, mas racional e realista, e quer ver o crescimento de uma garota cujo único pecado foi amar demais. Divertido e complexo, engraçado e trágico, com contrastes na medida certa e pontos o suficiente em aberto para te deixar curioso ou irritado, depende do seu ponto de vista. Como um todo, a nota do redator é 4,0/5,0 e mais um adendo de que eu me esforcei para não colocar uma comparação entre o animê e um pagode no final do churrasco, pois ambos são bem parecidos.

Você pode assistir “The Aquatope on White Sand” na plataforma de streaming Crunchyroll, onde o animê está completo com 24 episódios e possui legendas em português.

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Sobre o Autor

Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.

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