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“Fena: Pirate Princess” é uma bela e confusa mistura

A discussão de “piratas vs ninjas” é uma das mais antigas da internet, e já causou horas e horas de acalorados argumentos. Se me perguntarem, acredito que demorou até demais para termos um animê inteiro dedicado a responder esse questionamento.

Fruto de uma parceria entre a Crunchyroll e o Adult Swim, “Fena: Pirate Princess” é um animê original que estreou em Agosto na plataforma de streaming, e foi concluído recentemente com 12 episódios. Animado pelo estúdio Production I.G. e dirigido por Kazuto Nakazawa, o show foi inspirado por mangás shoujo” e possuía como objetivo “ser uma história de fantasia e romance, que não se preocupa em ser historicamente realista.

A sinopse e trailer do show, como apresentados pela Crunchyroll, seguem:

Fena Houtman se lembra pouco da sua infância. Orfã e criada como serva em um bordel, sua vida muda quando ela foge para uma ilha de piratas onde descobre a verdade por trás da sua família. Fena sendo a única capaz de desbloquear os segredos da sua família, e com um grupo formidável de piratas na sua cola, ela precisa assumir seu lugar como capitã de sua tripulação de Samurai para uma aventura em alto mar!

Falar de “Fena” é falar de visuais deslumbrantes, e qualquer comentário que diga menos que “espetacular” seria uma mentira. Do início ao fim, fomos presenteados com cenários desenhados a mão, baseados em diversas localidades históricas ao redor do mundo, trazendo uma imersão no tema de “aventura na era das navegações” de fazer inveja para muitos shows populares.

E não só os visuais, mas todas as partes artísticas do animê se mostraram como de alto nível e com uma consistência inacreditável: O design de personagens que deu um charme único para cada uma delas; a trilha e efeitos sonoros que se complementam perfeitamente com os visuais; a escolha e interpretação das vozes, que contou com um elenco de dubladores AAA; a coreografia das cenas de ação, que embora poucas, foram extremamente marcantes… O show se destaca positivamente como sendo um espetáculo técnico.

Visual da cidade de "Shangri-lá", em imagem utilizada na produção de "Fena: Pirate Princess"
“Shangri-lá”, apenas a primeira de muitas paisagens maravilhosas da série (Imagem cedida pela Crunchyroll)

Os problemas começam, porém, quando olhamos para o enredo. “Fena” parece ser uma obra com crise de identidade, que não consegue escolher o que quer ser ou qual rumo deseja tomar, e acaba ficando sem tempo para concluir sua trama quando finalmente se decide (se é que dá pra falar que uma decisão foi tomada).

No início, somos apresentados a um mundo incrível, com personagens de personalidade forte e com toda a parte artística supracitada como base. Terminei o primeiro episódio completamente boquiaberto, pronto para explorar os mares nessa história que parecia estar se moldando para ser uma jornada de auto-realização e de entendimento pessoal. Minha empolgação estava tão pra cima quanto o narizinho da Fena.

Captura de tela do episódio 8 de "Fena: Pirate Princess", mostrando Fena
Narizinho da Fena. É isso, essa é a legenda. (Reprodução: Crunchyroll)

Com o passar dos episódios, mais e mais elementos foram sendo adicionados, sem dar a chance para os anteriores se concretizarem ou serem explicados. Em pouco tempo, a trama já estava completamente perdida, com tantas coisas empilhadas que nenhuma delas conseguiu ser coerente. Acabamos com um monstro de Frankenstein, que juntou retalhos de diversos gêneros e bebeu de diversas fontes, mas não pensou na ética ou na consequência de seus atos. Eles estavam tão preocupados em saber se conseguiam, que não pararam pra pensar se deveriam.

Piadas à parte, a impressão que fica é que de duas, uma: Ou a produção foi muito ambiciosa, e precisava de pelo menos 24 episódios para explorar todos os pontos da salada de frutas que eles fizeram; ou a produção foi muito ingênua, e acreditou que conseguiria fazer sentido das ligações sem pé nem cabeça que inventaram com apenas 12 episódios. Um exemplo claro dessa linha de raciocínio são os próprios samurais que compõem a tripulação. Eles tiveram participações desiguais ao longo da série, e não sei dizer se os menos favorecidos seriam aprofundados se tivéssemos tempo para isso, ou se estavam lá apenas por estar desde o início.

Existe uma linha tênue entre o conceito de “ser misterioso e deixar as coisas no ar puramente pela estética do desconhecido“, e “não fazer absolutamente nenhum sentido“. E, embora consiga ficar no lado certo em alguns momentos, o animê acaba não apenas passando pro outro lado dessa linha em múltiplas ocasiões, como decide correr uma maratona além dela em sua conclusão.

Captura de tela do episódio 7 de "Fena: Pirate Princess", mostrando Fena e uma explosão ao fundo
Representação visual de como foi acompanhar a história do animê (Reprodução: Crunchyroll)

“Fena” não precisava ir tão longe, até porque ninguém estava esperando que fosse. O show precisava escolher se seria uma aventura mais pé-no-chão, focada em descobrir a história e o passado da protagonista, e como ela lidaria com essas descobertas… Ou se seria uma aventura fantástica, onde as personagens fossem apenas os veículos para nos mostrar a magia, que seria o verdadeiro ponto central. São duas visões completamente opostas, e justamente por isso, não funcionam quando unidas. E, pra mim, esse é o maior defeito do animê.

Com um embaraçado de temas, e pouco tempo para desembaraçá-los, “Fena: Pirate Princess” se perde em si mesmo e se torna uma mera experiência visual. Mas que os visuais são lindos, isso não dá pra negar. É um animê que entretê, mas que não possui substância, e por isso, minha nota pessoal e intransferível para ele é 2,5/5,0. Levemente decepcionado com a jornada que nunca me foi prometida, mas que eu achei que iria receber.

O animê está disponível na Crunchyroll, completo em doze episódios, e com legendas em português.

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TONIKAWA: “Fofura” e “Vergonha alheia”, faces de uma mesma moeda

O satélite natural do nosso planeta empresta seu nome para diversos ditados populares. Um deles, “Nascer virado para a Lua“, significa que a pessoa é bastante sortuda; Já outro, “Viver no mundo da Lua“, quer dizer que o indivíduo é muito distraído ou avoado. São ditados intrinsecamente brasileiros, mas que acabaram calhando de combinar perfeitamente com o protagonista desta história japonesa que também se baseia nesse corpo celeste.

Inicialmente um mangá, “Tonikaku Kawaii” (abreviado para “Tonikawa“) está em publicação desde 2018, com autoria de Kenjiro Hata (que também escreveu Hayate no Gotoku!/Hayate The Combat Butler). Em outubro de 2020, recebeu uma adaptação em animê, animado pelo estúdio Seven Arcs, e dirigido por Hiroshi Ikehata.

A Crunchyroll fez a transmissão simultânea do show, além de disponibilizar uma versão dublada em português (que vou comentar em maiores detalhes daqui a pouco). A sinopse e trailer do animê, disponibilizada pelo próprio serviço de streaming:

Após um encontro com a misteriosa Tsukasa, Nasa Yuzaki se apaixona à primeira vista. Nasa decide se declarar pra garota, mas ela responde: “Só vou sair com você se a gente se casar.” Assim começa a vida  cativante e amorosa destes dois recém-casados!

Tonikawa é um animê, acima de tudo, fofo. E quando digo fofo, quero dizer aquele tipo de história doce de doer o dente. Passamos boa parte do show com trocas tímidas de amor entre os dois protagonistas, Nasa e Tsukasa. A sensação de que eles realmente gostam um do outro é nítida a todo o momento, e soa genuína o bastante para não parecer forçada, mesmo quando acontece numa intensidade muito maior do que se julgaria “normal“.

Não conseguia não me divertir quando Nasa apontava para Tsukasa e, com um largo sorriso no rosto, dizia de boca cheia: “a minha esposa é linda“. Da mesma forma, todas as reações de Tsukasa para com a simples existência do Nasa, também trazia a quintessência de uma série piegas. Uma overdose de fofura.

Por outro lado… Sempre acompanhado de coisas fofas, vem também a vergonha alheia. É um sentimento bem fácil de entender, mas difícil de colocar em palavras. Cada declaração ousada do marido se torna um constrangimento para o espectador; Muitas vezes, até mesmo a esposa acaba ficando embaraçada com toda a situação, e a vergonha que ela sente acaba passando da fofura pra se tornar simplesmente… vergonhoso. Constantemente, a série se apoia em insinuações sexuais que abrangem desde pequenas piadinhas que te arrancam um riso, até pensamentos que te fazem questionar a moralidade das personagens e até mesmo a sua, por estar assistindo isso.

Captura de tela do episódio 7 de TONIKAWA: Over The Moon For You, mostrando Tsukasa e Nasa
Quando o amor por sua esposa é tanto que você manifesta SFXs na vida real (Reprodução: Crunchyroll)

Exageros à parte, a carga de conteúdo fofo e vergonhoso existe num equilíbrio quase perfeito, e é isso que faz com que o animê seja tão bem encaixado. Eles se intercalam com uma maestria, que não permite que nenhum fique tempo demais na tela. Cada cena existe num contexto onde faz sentido ela existir, e dura apenas o suficiente para ter o efeito desejado, sem sobrecarregar a pessoa assistindo. Na maioria das vezes, é claro. Vez ou outra, alguma coisa passa, o que me deixou um pouco desconfortável quando aconteceu. Mas foi raro o bastante para não afetar a experiência como um todo.

Então, você soma a essa equação um timing humorístico acima da média, que não tenta te fazer rir o tempo todo, pois sabe que quando precisar, vai conseguir entregar uma boa piada. Acabamos por ter uma comédia-romântica que se preocupa muito mais no balanço entre seus aspectos românticos, e a comédia surge naturalmente como resultado disso.

O show pode ser meio vago, com grandes buracos de roteiro que estão lá propositalmente… Mas todo o resto se complementa de uma forma tão excepcional, que acabam servindo de pontes para atravessar esses abismos, fazendo com que no final do episódio, você nem se lembre das perguntas que tinha.

Captura de tela do episódio 9 de TONIKAWA: Over The Moon For You, mostrando Tsukasa de costas
A Tsukasa de costas ser super parecida com um Among Us é uma das “referências” que provavelmente aconteceram por acaso… (Reprodução: Crunchyroll)

Outro ponto que gostaria de comentar é sobre a bagagem midiática que Tonikawa possui. O autor fez questão de inserir uma quantidade exorbitante de referências, salpicadas ao longo de toda a série. É o tipo de conteúdo que, caso você tenha o contexto necessário para entender, acaba adicionando ao humor, pois muitas vezes, são referências que soam naturais de serem feitas (como, por exemplo, comparar Nasa com Tony Stark), dando ainda mais autenticidade ao dia-a-dia do elenco.

Já algumas outras, existem como uma homenagem aos referenciados, sendo usadas como meros recursos visuais para uma narrativa dentro da história (é o caso do uso das silhuetas de personagens de “Danganronpa”, por exemplo). Nos dois usos de referências, porém, elas existem apenas como um extra, um conteúdo bônus para quem foi capaz de reconhecê-las, e não o centro da atenção ou da piada.

Levemente relacionado com o ponto anterior, é o enorme contexto cultural que o animê exige. Ele é uma história japonesa, que se passa no Japão, e nem a obra original, nem a dublagem, tentam “localizá-la” para um público internacional. Não quero (e nem devo!) entrar no mérito de se isso é uma coisa boa ou ruim, mas é claramente algo que precisa ser comentado.

O show fala de franquias de lojas japonesas; de bairros famosos de Tóquio; sobre pontos turísticos e históricos de todo o país; de costumes e tradições culturais pouco conhecidas no ocidente; e nenhuma dessas coisas são explicadas para você. A maioria delas é entendível dentro do contexto da cena, e muitas delas são coisas que se você for um fã de animê de longa data, já deve ter ouvido ou se acostumado ao longo dos anos. Mas fica claro que a intenção é ser uma história para quem já tem uma bagagem anterior, fazendo com que não seja uma boa escolha para “iniciantes”.

Captura de tela do episódio 7 de TONIKAWA: Over The Moon For You, mostrando Tsukasa
Para não dizer que o animê é só coisas doces, toma: Tsukasa chupando limão (Reprodução: Crunchyroll)

Finalmente falando da dublagem: A versão brasileira foi feita no estúdio Som de Vera Cruz (também responsável por Re:ZERO; Tokyo Revengers; entre outros), e contou com a direção de Leonardo Santhos (diretor das dublagens de Re:ZERO e Konosuba).

No elenco, queria destacar as duas personagens principais, que tiveram uma performance muito acima da média. Eu fiquei genuinamente surpreso com o quão bem a voz da Isabella Simi encaixou com a Tsukasa. Ela conseguiu trazer todas as nuances que a complexidade da personagem exigia, com uma interpretação que não perde em nada para a contraparte japonesa (voz de Akari Kito); Já para Nasa, a voz de Pedro Alcântara me soou um pouco estranha a princípio, principalmente por conta do original (voz de Junya Enoki) ter um tom tão mais grave que a da versão brasileira. Mas imediatamente após ouvir o primeiro solilóquio do rapaz, fui convencido de que o Pedro era o dublador perfeito para ele. 

Outros nomes no elenco de vozes foram Jeane Marie, Jéssica Marina, Vitória Crispim, Gabriela Medeiros, Lhays Macêdo, Milton Parisi e Tonia Mesquisa.

De forma geral, tanto a escolha de vozes como a interpretação dos dubladores foi excelente, e não estou exagerando quando digo que é, na minha opinião, o melhor animê dublado que eu assisti. Confesso que ainda tem muita coisa dessa “nova leva” de dublagens que eu preciso conferir, mas a qualidade de Tonikawa está assegurada.

Claro que o trabalho não foi perfeito (nada é!), e para não parecer que estou apenas elogiando cegamente, tenho uma reclamação: Todos os nomes e termos japoneses do animê foram estranhamente pronunciados, como se os dubladores estivessem se forçando a falar com um certo estrangeirismo. Cada vez que alguém falava “Chitose” (nome de uma das personagens), eu precisava checar para ver se entendi o que tinha sido dito. E lembram das diversas referências à cultura japonesa que eu comentei acima? Todas elas foram mantidas com seus nomes japoneses, e todos eles foram pronunciados de uma forma estranha. Uma gota de crítica num oceano de elogios.

Captura de tela do episódio 5 de TONIKAWA: Over The Moon For You, mostrando Nasa e Tsukasa
Todo casal é formado por uma pessoa que acredita que Sharknado é a melhor franquia que existe, e uma pessoa que está errada. (Reprodução: Crunchyroll)

Tonikawa funciona. Funciona pois escolheu um nicho e se aperfeiçoou nele, dando uma experiência ideal para qualquer um que esteja no clima que ele oferece. “Fofura” e “Vergonha alheia” são dois lados de uma mesma moeda, mas nesse cara-ou-coroa, o animê conseguiu um raro empate. Com muito mais qualidades do que problemas, e problemas que podem ser relevados (se você entender que eles existem para serem resolvidos num futuro que ainda não foi adaptado do mangá), o show se mostra como uma experiência gentil e alegre que passa voando por você. A nota do redator é de 4/5, junto com uma recomendação de assistir a versão dublada.

TONIKAWA: Over The Moon For You está disponível na Crunchyroll, completo em 13 episódios, com opções de áudio em português e japonês (e legendas em português para o segundo caso).

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Resenha: Guarani – A Terra sem mal

                   “Prepare-se Duprat… o front não está muito longe.”

A Guerra do Paraguai foi o maior conflito armado internacional que já aconteceu na América Latina. A batalha travada entre o Paraguai, liderado pelo Marechal Solano López, contra a Tríplice Aliança, composta pelo Império do Brasil, Argentina e Uruguai, iniciou por diversos motivos diferentes (mas que todos ou a maioria, envolve influência do governo Britânico) e durou cinco anos.

A Guerra teve seu final com a captura e assassinato do Marechal López em Primeiro de Março de 1870, mas o grande último embate foi a Batalha de Campo Grande, também conhecida como “Batalha de Los Niños” ou “Acosta Ñu” pelos paraguaios, em 16 de agosto de 1869, a partir dessa data, ela tornou-se o Dia da Criança naquele país. Essa batalha foi a última tentativa desesperada de defesa do Paraguai, onde ele recrutou de forma forçada, crianças de no máximo 15 anos contra as forças de 20 000 homens da Tríplice Aliança, entre as crianças, vários jovens índios da tribo Guarani.

É esse é o grande ponto de Guarani – Terra sem mal dos argentinos Diego Agrimbau (roteiro) e Gabriel Ippóliti (arte), publicada aqui no Brasil pela editora Comix Zone em mais um belo trabalho editorial que se tornou característica de suas publicações.

Na graphic novel o leitor segue o fotografo francês Pierre Duprat, que vem para a América Latina para realizar um ensaio fotográfico com as índias da tribo Guarani, e, inevitavelmente, ele está testemunhando e convivendo com a guerra, suas mazelas e ideologias. Pois Guarani não trata somente do horror e miséria que uma guerra traz em sua bagagem. Durante a sua saga pela batalha, Duprat convive com pessoas que defende cada lado, e como os dias atuais, discutem em exaustão para justificar cada tiro e morte. Convive com as vitórias mortais da selva em cima de soldados de ambos exércitos, o que acontece com desertores, com pessoas recrutadas forçadamente para a guerra e como a guerra atingiu os mais antigos dessas terras: os indígenas.

E os únicos momentos belos e de respiro que existem, são exatamente quando Duprat finalmente encontra os Guaranis e convive com ele, mesmo por pouco tempo. Ali testemunhamos costumes, algumas tradições, o outro lado da selva com beleza e ternura. Algo que nos dimensiona um pouco de como eram os tempos antes do homem branco chegar com sua maquina de morte e guerra. E assim segue até o recrutamento forçado de homens e crianças da tribo para a guerra.

O roteiro de Diego Agrimbau conduz como telespectadores desde a chegada de Duprat, fazendo-nos escorregar por dentro de um conflito que, apesar da proximidade geográfica, não parece ser nosso. Mas a arte de Gabriel Ippóliti, com cores… digamos… que “não vibram”… mas que impressiona como deveria ser uma guerra, dão um tom importante demais para a ambientar o leitor dentro da história. O quadro dos corpos boiando mescla um horror que está aproximando e sentimos uma melancolia arrependida do personagem principal como fosse algo do tipo “onde eu fui me meter?”. E esse sentimento que a arte proporciona é um dos grandes diferenciais da obra.

Uma grande importância de Guarani – A terra sem mal é ser um registro histórico de uma parte da história do Brasil que muitas vezes é renegada em prol da glória do “nosso” exército. Massacrar crianças com armas e cavalos, não é nada digno de nota e grandes feitos. Mas muitos usam essa guerra para falar de libertação do povo paraguaio das mãos de López, que foi o estopim para a abolição da escravidão e que o primeiro vento do surgimento da Republica contra o Império. Mas o massacre de crianças, muitas delas indígenas seguem negligenciado por grande parte de historiadores. Como acontece até hoje em dia.

O Brasil por exemplo, segundo dados divulgados pelo Atlas da Violência no dia 31 de agosto desse ano, as taxas de mortes violentas de indígenas aumentou 21,6%, nos municípios que têm terras indígenas apresentaram um crescimento mais acentuado na última década. Muito fruto de invasões, garimpo ilegal e uma série de ilícitos que vêm ocorrendo.

O mais irônico (se é que existe alguma coisa irônica em uma guerra) é que as duas cabeças pensantes mais poderosas, Solano López pelo Paraguai, e o D. Pedro II pelo Brasil, assumiram suas posições quando muito jovens. Solano López foi nomeado general-de-brigada aos 18 anos de idade. Já D. Pedro II tornou-se Imperador quando tinha 5 anos, depois de seu pai abdicar o trono, e assumiu para valer ao completar 15 anos. Ambos iniciaram jovens e se tornaram expoentes, Solano é visto até hoje como herói nacional no Paraguai, enquanto seu rival é visto como a pessoa que não descansou até capturar, o para ele, sanguinolento ditador paraguaio.

Mas como é apresentado em Guarani – Terra sem mal, o grande vencedor dessa guerra não teve honra e a herança deixada foi um país devastado. Apresentar esses fatos, muitas vezes tomando um ou outro lado, mas sabendo que o horror da guerra é o único vitorioso aqui.

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Gameplay Games PC

Grand Chase Classic: A Pequena Sombra de um Colosso

Se você possuía acesso a internet nos meados da década de 2010, é muito improvável que você nunca tenha ouvido falar de Grand Chase, um dos jogos online que mais fizeram sucesso na história do nosso país. Ele estava presente em redes sociais, vídeos, fóruns, e até mesmo no mundo real, com revistas, propagandas e embalagens de chiclete. Eu sempre tento fugir de clichês, mas Grand Chase foi o que se pode definir como um fenômeno cultural de uma geração. Por causa disso, a comoção na comunidade brasileira, ao descobrir que o jogo seria relançado em 2021, na Steam, com o nome de “Grand Chase Classic”, foi enorme. Principalmente por ter sido um anúncio repentino e que pegou todo mundo de calças arriadas.

Com o lançamento global do jogo no dia 28 de julho, eu passei quantas horas quanto eu pude (e fui capaz) dentro do jogo, para ver se encontrava a felicidade que eu tinha com 12 anos de idade. Não a encontrei, pois não é culpa do jogo, afinal de contas. Mas o jogo também não ajudou. Segue abaixo os meus pitacos nessa resenha sobre o relançamento de GC, o Grand Chase Classic!

Essa é a print mais antiga que eu consegui encontrar (de 2012). O resto se perdeu no Orkut…

História do jogo e minha história com o jogo

Um breve resumo da história do jogo, para quem está caindo de paraquedas: Criado pela empresa coreana KOG, o jogo foi originalmente lançado por lá em 2003, e chegou no Brasil, com administração da Level Up! Games (ou simplesmente “LUG”) em 2006. Se tratava de um jogo grátis com microtransações. Apesar de ter tido servidores em diversos países (como Japão, Estados Unidos e Filipinas, para citar alguns), o servidor brasileiro se estabeleceu como o maior e mais ativo do mundo, tendo frequentemente mais de trinta mil jogadores simultaneos (o que era bastante para a época, e ainda é bastante, embora menos impressionante nos dias de hoje).

Os servidores se mantiveram online até 2015, passando por diversas atualizações, recebendo novos personagens, mapas, sistemas e itens, até serem desativados por uma exigência da própria KOG, que encerrou os serviços oficiais do jogo em todo o mundo. Depois disso, os fãs ficaram órfãos por muito tempo, buscando exílio em outros jogos ou em servidores piratas. Até recebemos uma “continuação”, na forma de “Grand Chase Mobile“, que foi lançado para iOS e Android em 2018, e fez um relativo sucesso, mas ainda assim, não foi a mesma coisa que o original.

Quanto a mim… Bem, eu joguei Grand Chase desde o seu lançamento no Brasil. Eu era uma daquelas crianças que ficava em casa jogando no computador desde muito novo, e era viciado em Ragnarok Online, outro jogo famosíssimo (e que está online até hoje!), também administrado pela LUG. Quando GC foi trazido para o país, a distribuidora não poupou esforços para divulgar seu novo jogo para as pessoas que já jogavam Ragnarok, e com isso, eu acabei caindo em outro buraco sem fundo. Confesso não ter jogado continuamente pelos nove anos, mas usando outros jogos como referência, imagino ter colocado bem mais que cinco mil horas no jogo (Eu tenho 4,5 mil horas jogadas em World of Warcraft, e tenho certeza que joguei mais GC do que WoW, então…).

Grand Chase Classic continua sendo uma experiência de gameplay bem próxima do que era a Season 5 da versão original

Jogabilidade

Voltando para o presente, podemos falar sobre como o jogo se joga. Grand Chase é um jogo de plataforma 2D com modelos 3D, podendo se enquadrar como um “Jogo de Luta“. Cada uma de suas personagens (atualmente apenas quatro, mas com vinte no total) apresenta uma gameplay distinta, com estilos diferentes de combate, uma quantidade razoável de combos que podem ser feitos e emendados uns nos outros, e diversidade até mesmo dentro de um mesmo personagem, com o sistema de árvore de talentos e de classes.

O jogo oferece dois modos: O modo missão, equivalente a um PVE de MMOs, onde você enfrenta monstros em uma sala instânciada em grupos de até quatro jogadores; e o modo PVP, onde até seis jogadores podem se enfrentar em equipes ou cada um por si.

A jogabilidade de GC na nova versão continua praticamente identica àquela que conhecemos do passado. Atacar com “Z”, ficar pulando e correndo de um lado pro outro, emendar um combo com uma habilidade de uma barra de MP, para então tentar dar um agarrão no adversário com o uso do delay, etc. Uma coisa que eu notei, porém, é que o jogo é muito menos responsivo do que minha memória me dizia. As ações dos personagens são permanentes, e o uso de uma habilidade é a única forma de cancelamento que existe. Começou um combo de Lass, que tem uma animação enooooorme, e o chefão acabou de dar um golpe que você precisa pular para evitar? Bem, espero que você tenha uma barra de MP para ficar invunerável!

Talvez o jogo sempre tenha sido assim, e só agora estou notando, por ser mais velho e ter jogado coisas mais novas, mas Grand Chase Classic me pareceu punitivo demais. Você toma uma ação e precisa arcar com todas as consequências dela, mesmo se a sua decisão tenha sido tomada antes das circunstâncias mudarem. Isso é especialmente frustrante ao enfrentar chefes em missões, pois a inteligência artificial dos monstros não é lá muito refinada. De vez em quando, o chefe fica simplesmente parado por vários segundos, sem fazer nada, e então, repentinamente, utiliza várias habilidades e combos, um seguido do outro. Você pode ver a situação e pensar que não há problema começar um combo que irá te travar naquela animação por 1,0~1,5 segundos, para imediatamente ser recebido por um “DANGER” gritado em seu ouvido, sem chance de esquivar.

Porém, sempre dou crédito onde se é devido, e uma coisa boa que existe são as linhas de hitbox de algumas habilidades especiais. Isso não existia nas versões mais antigas do jogo, e muitas vezes você subia numa plataforma, julgando que ali era alto o bastante para desviar do laser do Paradom, só para ser atingido de qualquer maneira. Com a hitbox anunciando o trajeto de ataques, você pode se preparar para evitar os golpes com antecedência.

Eu sempre joguei só de espadachim mesmo, mas é bom ter a possibilidade de usar outras armas, né?

Desafios e progressão de personagem

Conforme você avança nas missões do modo PVE, você evolui de nível de personagem, e desbloqueia novos desafios. Eles funcionam como “quests“, onde você é desafiado (duh!) a fazer alguma coisa em específico dentro de um determinado mapa. Esse sistema, que foi arrumado nas últimas seasons da versão original e já veio como base no Grand Chase Classic, é muito mais instintivo e acompanha seus níveis de forma satisfatória, fazendo com que você sempre esteja numa missão de dificuldade adequada para você.

Acredito, porém, que a principal vantagem do sistema de desafios é que ele ajuda a fazer a repetição não ser tão monótona. O jogo tem, como design, a ideia de que você deve repetir cada missão algumas vezes. Inicialmente duas, mas conforme você vai avançando na história, você precisará repetir o mesmo mapa três, quatro, até cinco vezes. Ficar enfrentando os mesmos monstros, no mesmo cenário, várias e várias vezes acaba se tornando chato, mas os desafios te propõem jeitos diferentes de jogar, quebrando um pouco desse problema. Entre as opções de tarefas, temos coisas como “Realizar ataques pelas costas”, “ser acertado menos de X vezes”, “usar menos de X poções”, e “ativar a habilidade tal”. Parecem coisas bobas, mas que fazem com que você preste atenção no que está fazendo e ativamente altere seu modo de jogo para tentar realizá-las.

Além disso, os desafios oferecem recompensas interessantes, e que te fazem querer fazê-los. Muitos jogos criam sistemas incríveis de quests, mas que não valem a pena serem feitos. Em GC Classic, você recebe grandes quantidades de experiência, assim como itens, equipamentos, mascotes e materiais. Todo prêmio recebido é útil, principalmente no início do jogo, onde você está de bolso furado e qualquer tustão ajuda.

Agora sobre progressão, o jogo faz um trabalho relativamente positivo em te fazer se sentir mais forte, dar a impressão de que você está avançando junto com o seu nível. A árvore de talentos desbloqueia novas habilidades praticamente a cada dois níveis, te dando novas opções de como jogar com sua personagem. São pequenas mudanças que você pode escolher fazer, dependendo do seu estilo de jogo. Elas são pequenas o bastante para que você consiga de acostumar com ela, antes da próxima chegar. E o melhor? As habilidades “de cash“, aquelas que, no jogo antigo, eram bloqueadas e podiam apenas ser compradas com dinheiro real, estão totalmente liberadas, fazendo com que a diversidade de builds seja ainda maior. Jogando de Elesis, eu uso as habilidades e combos que eu costumava usar antigamente, e eu não encontrei nenhum outro jogador de Elesis com a mesma build que eu.

Você também pode realizar os testes de mudança de classe nos níveis 20, 40 e 60, desbloqueando a segunda, terceira e quarta classes do seu personagem, respectivamente. O nível em que os testes são desbloqueados, assim como as exigências deles, são bem colocados na curva de evolução, fazendo com que você faça missões condizentes com o seu nível, e liberando uma nova possibilidade de jogo no tempo certo. Cada classe de um mesmo personagem possui jogabilidade bastante diferente uma da outra, fazendo com que mesmo não possuindo uma árvore de talentos, você possa variar o jeito de matar coisas. Cansou de jogar de espadachim? Pois bem, a partir do nível 20, você pode equipar uma lança e jogar como uma cavaleira, que possui combos e habilidades completamente diferentes.

#ReleaseTheSnydercut do Grand Chase

Enredo e narrativa

Sejamos sinceros, a história de Grand Chase nunca foi seu ponto forte, e isso continua sendo verdade. Mesmo com a reformulação da narrativa nas seasons finais do jogo original, que fizeram com que a história fosse linear, e introduzisse as personagens em momentos mais oportunos, ela não deixou de ser medíocre.

Os diálogos são rasos; não vemos motivações ou vontades de ninguém, seja mocinho ou vilão; a maioria das coisas pode ser resumida em “oh céus! Monstros!” e não agregam em nada… E os momentos que realmente te dão informações interessantes ou mostram caracterizações das personagens, acontecem de uma forma bastante anti-climática.

[spoiler]O maior exemplo disso talvez seja a derrota de Cazeaje. Mesmo que o jogo não se esforce em te explicar o que está acontecendo, ele ainda te joga umas migalhas de vez em quando, dizendo que “óh, o vilãozão é a Cazeaje tá? Vocês tão aqui pra derrotar ela, tudo bem? Ela é a origem de tudo de ruim, ok?“. Então, espera-se que ao menos a sua luta seja algo épico, e os diálogos, impactantes.

Mas o que recebemos é um encontro que se passa no meio de um continente, como se não fosse nada de especial; uma das lutas mais fáceis de toda Ellia; e uma conversa que parece ter sido escrita por um adolescente que acabou de ouvir Evanescence pela primeira vez.

Eu diria que chega a ser decepcionante, mas de certa forma, acaba sendo consistente com todo o resto.[/spoiler]

Há, ainda, uma tentativa de tentar expandir um pouco mais a narrativa, com o texto dos desafios, que comentamos logo acima. Devo dizer que ouvir um panda me falar sobre como eu devo eliminar mosquitos gigantes foi, possivelmente, a parte mais interessante da história como um todo. E isso diz muito sobre a história.

No nível 53, ainda estou usando Elmo, Cota, Sapatos e Capa de nível 39… E meu GP mofando…

A loja e a monetização

E agora nós começamos a listar os muitos problemas do jogo. Como comentado na introdução, o jogo é gratuito para jogar (“free to play“), com microtransações disponíveis. A antiga moeda premium, chamada “Cash“, foi substituída por outra, chamada “VP“, embora sua funcionalidade esteja praticamente inalterada. O que foi alterado, porém, foi o valor da moeda, os valores da loja, e o quanto ela custa.

Por se tratar de um lançamento internacional, o VP é comercializado em dólares. Não houve nenhum esforço por parte da KOG em tentar fazer uma localização dos preços para nenhum país, mesmo tendo a maioria de seus jogadores vindo de locais com moedas fracas, como a Indonésia, a américa latina, e o próprio Brasil. E isso fica ainda pior quando lembramos que o jogo está na Steam, a plataforma que permite a localização de preços de seus produtos. Os valores causaram revolta imediata na comunidade, que fizeram cálculos para mostrar o quão caro o VP está, e entraram em contato com a desenvolvedora.

E quando olhamos para a loja do jogo em si, ficamos com uma certa pulga atrás da orelha. A moeda comum do jogo, obtida gratuitamente e farmável, é o “GP”. Ele costumava ser a principal fonte de equipamentos para as suas personagens, pois os conjuntos eram vendidos na loja, permitindo que você complete imediatamente um novo set, assim que passa de nível e pode equipá-lo. Uma das coisas mais legais do Grand Chase era finalmente chegar no nível 30 e comprar o Pacote do Luar; ou pegar nível 42 para liberar aquele super exagerado Pacote Celestial… E isso não é mais possível. Todos os conjuntos e armas de GP foram removidos da loja, e podem ser obtidos apenas através de drops aleatórios em missões, em baús obtidos após partidas de PVP, ou completando certos desafios. Eles compensaram essa mudança ao aumentar significativamente (acredito que por volta de 90%) as chances do item dropado ser para a personagem que você está jogando, mas ainda estamos a mercê da aleatoriedade.

Disponível na loja de GP, estão apenas alguns acessórios de nível baixo, os desafios de mudança de classe (e alguns outros), e poções de HP (e apenas HP, não há mais poções de MP ou mistas). A moeda se tornou praticamente irrelevante, pois não há nada para ser comprado a longo prazo, além das poções com preços extorsivos.

No geral, mantiveram todas as partes ruins do jogo original no quesito de monetização, enquanto fizeram alterações que pioraram as poucas partes boas que existiam. Eu nunca imaginei que diria isso, mas conseguiram criar um sistema ainda pior do que o que tínhamos sob a LUG.

Ah, você queria se divertir no PVP? Desculpe, não vai rolar. Talvez um dia coloquem rollback netcode? (Não vão)

Os servidores e o lag. Oh céus, o lag!!

Indo direto ao ponto: O negócio está injogável. Completamente sem condições de fazer qualquer atividade em grupo.

Como falado no tópico anterior, Grand Chase Classic é um lançamento global. O jogo está disponível para todo o mundo, e todos os jogadores, seja no Brasil, no México ou na Coreia do Sul, jogam no mesmo servidor. Até existem “servidores” para regiões diferentes (inclusive, a américa do sul é o que possui mais servidores, de longe), mas essa divisão é meramente ilustrativa, pois o servidor físico é, de fato, o mesmo para todos. Os “servidores” que eles oferecem são apenas shards diferentes de um mesmo sistema.

E para piorar, aparentemente eles mantiveram um sistema que era usado no Grand Chase lá de 2003, que é o de local host. Não sou programador, então peço perdão por erros técnicos, mas o que isso significa é que a pessoa que cria a sala (o Líder) é a responsável por enviar as informações pro servidor. Logo, quando você é o líder da sala, o seu ping é zero, pois as coisas estão acontecendo no seu cliente. Agora, quando outra pessoa é o líder, tudo que você faz precisa ser enviado para o líder antes, fazendo com que você experiencie um ping de 300 a 500 ms (OBS: eu não consegui confirmar essa informação, então não levem como verdade absoluta, mas os meus testes e depoimentos de outros jogadores corroboram com essa teoria). Já no PVP, a situação consegue ser ainda mais aterrorizante, pois nem como líder o lag parece passar, fazendo com que qualquer batalha contra outro jogador se torne mais um jogo de sorte do que de habilidade.

Isso faz com que jogar sozinho seja a estratégia mais efetiva. Ou, pelo menos, a menos estressante para todos os envolvidos. Você pode até criar a sua própria sala para ficar sem lag, mas você não se sente mal pelos outros três jogadores, que estarão tendo uma experiência miserável? Esse é um problema que acontece mesmo quando jogando apenas entre conhecidos. Uma sala liderada por um amigo meu, que mora no mesmo estado (questão de 80 quilometros de distância!) ainda gera o lag insuportável.

Tenho que admitir que essa print foi tirada em um momento bem calmo do chat… Normalmente ele está pior. Bem pior…

A comunidade e os jogadores

Talvez isso seja apenas chover no molhado, mas… Vocês sabem como é o gamer médio, não sabem? Grand Chase Classic não fica muito longe disso. Embora exista uma comunidade brasileira bastante ativa e, no geral, bastante amigável, especialmente no ambiente de PVE, a toxicidade absurda sempre vai existir, e a minoria vocal (nem tão minoria assim…) acaba passando a impressão que fica.

O problema da toxicidade é ampliado por dois motivos: O lançamento global, e a distribuição de VP. Vou falar de cada um deles:

Com um lançamento global, temos pessoas de vários países e idiomas jogando em um mesmo ambiente. Você poderia imaginar que a diversidade seria enriquecedora para a comunidade, mas para as pessoas tóxicas, é apenas mais uma forma de ofender o outro. A xenofobia que rola nos chats é um negócio absurdo.

Falando em chats, o segundo problema é justamente a existência de um “chat global“. Na loja de VP, existe um item chamado “Alto-falante”, que permite que você envie uma mensagem para todo o servidor, ficando exposta aos jogadores dentro e fora de jogo. Mesmo numa missão ou numa partida de PVP, essa maldita mensagem estará lá. Isso não seria uma questão tão grave, se o item não fosse acessível a literalmente todo mundo. O jogo te dá alguns “Desafios de Iniciante”, que te ensinam a usar alguns sistemas, e como recompensa, te dá VP. Mas o VP que você recebe após completar tudo é uma quantidade miserável. Não dá para comprar absolutamente nada com esse VP, de forma que gastar meros 100 VP por um Alto-falante acaba sendo um dos únicos usos úteis. Com isso, vocês não fazem ideia das obcenidades que eu li no chat global. Desde ofensas racistas, homofóbicas, xenofóbicas, transfóbicas; todos os palavrões que eu conhecia e até alguns que eu não conhecia; pessoas descaradamente vendendo hacks com pagamento via Pix (é mole?); ou fazendo propagandas de livestreams ou coisas piores.

E já que comentei sobre, o uso de hacks está absurdo e escancarado. Mesmo com alguns banimentos acontecendo, uma grande porção da comunidade está abusando de diversas ferramentas ilegais para ganhar vantagens no jogo. Nesse jogo de 15 anos atrás… Eles são usados em salas abertas, as vezes até mesmo entrando em salas de outras pessoas, e também no PVP. Como se a experiência de jogar com 500ms de ping já não fosse ruim o bastante, você ainda tem que lidar com isso…

Ah, sim, obrigado pelo cA44882Aviso, Elena

Localização, tradução e otimização

Vocês já devem ter percebido por todas as prints ao longo da postagem, mas o jogo está disponível em português do Brasil. Toda a interface, os sistemas, os textos e a dublagem podem ficar em português, inglês ou coreano, alterável nas configurações. Tudo que eles puderam aproveitar do antigo servidor brasileiro, foi aproveitado, e isso é ótimo, pois a localização feita antes era boa. Não era perfeita, mas era aceitável para os padrões da época (que não subiram muito, infelizmente). Acontece que muita coisa precisou ser arrumada, ajustada ou refeita, por conta das mudanças da versão Classic. E essas mudanças não foram muito bem trabalhadas…

Os textos antigos são bem escritos, mas muitos deles não se encaixam em seus devidos lugares, possuem quebras de linha erradas, ou unicodes que não funcionam. Já os textos novos estão um caos, com traduções literais e que parecem ter sido feita por computador, botões que dizem uma coisa mas fazem outra e aparecem com muita frequência (como os diversos botões que parecem ser um tutorial de algum sistema quando, na verdade, são o botão de “gastar todos os seus recursos“… Cuidado com o refinamento…), além de todos os mesmos problemas que os textos antigos.

Esses são detalhes que não afetam a jogabilidade do jogo, e não fazem nenhum estrago (exceto aos meus recursos… maldito botão de refinamento mal traduzido!), mas que no fim do dia, te mostram uma falta de profissionalismo por parte dos desenvolvedores, e passa a impressão de um trabalho mal-feito e apressado.

Não importa os defeitos, os desenvolvedores sabem que você vai ficar aqui por muito tempo. “Então que seja, caçar mil monstros, não importa, coloca aí, eles vão fazer” – KOG dev, provavelmente

Filosofia do jogo e considerações finais

Com todos os defeitos listados, e mais alguns que eu decidi que não valem a pena trazer, a impressão que o jogo passa é que ele não se importa em tentar ser um bom jogo. Ele não se esforça em tentar dar uma experiência agradável e divertida para seus jogadores. Todas as mudanças feitas no jogo parecem direcionadas ao puro e simples lucro. Não vamos ser hipócritas e pensar que empresas não precisam lucrar, não é isso. O que eu quero dizer é que Grand Chase Classic parece um projeto requentado, feito nas coxas por um pequeno time que não se dedica ao desenvolvimento, com o objetivo de arrancar dinheiro fácil e de forma rápida, e então descartar quando ele deixar de imprimir notas de 100.

Consigo dar vários exemplos para você: A remoção de diversas habilidades de esquiva de personagens, com a desculpa de “balanceamento”, junto com a redução de vidas em missão, de três para uma? Soa como uma desculpa para aumentar o uso de poções e itens de recuperação, que estão na loja de VP (alguns exclusivamente lá), ou absurdamente caros na loja de GP; A remoção dos equipamentos de GP na loja, fazendo o jogador depender de drops para se equipar? Pois veja só, os equipamentos de VP ainda estão disponíveis na loja, em diversas faixas de nível; Quer jogar com vários personagens, como era no passado? Ah, não comentei que agora você tem apenas quatro slots de personagem? Mas não se preocupe, pois vendemos mais slots por VP. E assim vai…

Grand Chase foi um grande fenômeno no Brasil, e a sua volta também parece estar sendo, como os números da Steam mostram: o jogo teve um pico de 78 mil jogadores simultâneos no dia do lançamento, e mantém uma média de 20 mil pessoas online desde então. Porém, grande parte desse sucesso vem da nostalgia e da saudade de um tempo bom que não vai voltar. Grand Chase Classic é um jogo de 2009, relançado em 2021 com alterações que não o ajudam a se adaptar aos tempos modernos, mas sim, ativamente prejudicam seu sucesso. Atrair novos jogadores será uma tarefa fácil, por toda a publicidade que os próprios fãs nostálgicos fazem (eu incluso, confeso!), mas retê-los é uma tarefa hercúlea. Em poucos meses, acredito que grande parte das novas pessoas deve desistir, deixando apenas um grupo iludido de seguidores fanáticos. Mas até mesmo esses doidos parecem estar vendo que o jogo não está se levando a sério.

Como uma experiência single-player – que é, afinal, a única forma satisfatória de jogar – Grand Chase Classic pode te garantir por volta de 10, talvez 20 horas de diversão. É a partir desse ponto que jogar sozinho se torna demandante demais, difícil demais, e você acaba sendo obrigado a fazer atividades em grupo, e precisando experienciar toxicidade, hackers, e um lag inaceitável para um jogo lançado nessa década. Serão quinze horas legais, de verdade. O jogo possui um esqueleto que pode ser usado como fórmula de sucesso, afinal, ele fez sucesso no passado! Mas definitivamente não é um jogo que vale a pena investir a fundo, ou tornar o seu “jogo principal”. Pelo menos, não no estado atual.

Com alguma sorte (e um pouco de fé), a KOG pode decidir se dedicar de verdade ao jogo, e aplicar atualizações que resolvam as falhas críticas que Grand Chase possui. Até lá? Eu vou me manter afastado. Jogarei de vez em quando, pois não sou imune à nostalgia, mas não é nem de perto a experiência que eu achei que teria, e me sinto decepcionado e enganado com o hype. O que vejo é uma mera sombra, pequena e tremulante, tímida nos pés do que um dia foi um colosso, imponente, surreal e indestrutível.

Já que normalmente damos uma classificação para os jogos que fazemos resenha, a classificação que eu dou para Grand Chase Classic é prata. O jogo garante diversão por um período, então não pode ser “bronze”, mas os problemas são pesados e prevalentes demais para deixar que ele seja “ouro”.

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O Quentinho no Coração de Só Mais Uma história de uma Banda

“Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo…”

Como a própria Germana Viana definiu em Só Mais Uma história de uma Banda é realmente sobre isso que fala esse quadrinho. Bobagem. Coisas meigas. Amor. Romance juvenil. Amigos da juventude. desencontros. Mágoas passadas. Mas veja bem, a HQ é uma lição de amor em todas as esferas em diversas escalas e notas musicais. E aquele tipo de história que causa aquele quentinho no coração, como se fosse aquele filme que você adora assistir, cheio de clichês e que cada vez que você assiste você se sente bem. Sente-se revigorado.

A história de Só Mais Uma história de uma Banda narra a carreira meteórica da banda Cecília Não Sabe Cantar, que era amada pelos alternativos e também pelo público mais pop. As pessoas mais próximas da banda dizem que o rompimento não foi bonito, embora nunca souberam o real motivo. Agora, mais de vinte anos depois, Gramophone Plugado, um grupo de influencers convida Marcelo Carvalho, Roberta Bueno, Raul Vieira e os irmãos Mariana e Robson Mendes para um show de reunião do Cecília Não Sabe Cantar. Mas a questão é: Eles vão conseguir recuperar o que perderam naquele verão de 1998?

Essa é a questão de Só Mais Uma história de uma Banda. Olhar para o passado e entender o que passou, as palavras ditas em momentos de raiva e os amores que se abre mão. Mas sempre que você perdeu, ou deixou de viver, uma história no seu passado o motivo pode ter sido diversos, mas na maioria está envolvido pelo ego de alguém. O não saber querer ouvir a outra parte, traz uma destruição de momentos que poderiam ser lindos. Quantas vezes engolimos o nosso orgulho quando jovens (e às vezes depois de velhos) e deixamos um momento importante escapar?

Germana Viana pegou esses sentimentos e em uma história leve apresenta uma lição de vida. E ainda fez isso se visto e criou empatia na vida de quem ler a HQ com um romance homossexual. Seria fácil a autora pegar e jogar para a galera uma história de amor que se perde pelos anos usando um homem e uma mulher. Como vemos aos montes por aí. Mas ao usar pessoas do mesmo sexo, ela faz o leitor se sentir dentro da pele tanto do Marcelo e/ou do Raul e relembrar que todos já agiram do mesmo jeito que eles.

Em um mundo que as pessoas estampam seus preconceitos com motivo de orgulho e bradam imbecilidades para que todos saibam, ter uma história que soa simples e clichê como Só Mais Uma história de uma Banda é fantástico. Pois ela espelha sentimentos e ações que todos, e digo todos sem exceção, alguma vez na vida (muitas vezes mais de uma vez) já realizaram, e no futuro ficamos pensando: “e se eu tivesse feito assim…”.

Só Mais Uma história de uma Banda é sobre isso. É sobre amor, arrependimento e recuperação. E entrega de forma incrível e formidável aquela história que esquenta o coração e te faz sorrir e ficar feliz no final. Uma bela história nesses tempos nebulosos.

A Germana Viana disponibilizou gratuitamente em PDF a HQ Só Mais uma História de uma Banda, em homenagem ao mês do Orgulho LGBTQIA+, para poder ler é só clicar AQUI.

 

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A experiência incrível, insólita e única em Mundo Pet de Lourenço Mutarelli

Para começar a falar de Mundo Pet é necessário saber o que não se trata apenas de uma coletânea de histórias. E sim são fragmentos de uma viagem insólita que mescla utopia, aversão as coisas tradicionais, mistério e um tanto de autobiografia de seu autor Lourenço Mutarelli. Aliás, peço aqui permissão para poder falar de Mutarelli, essa é minha primeira resenha sobre o escritor e penso que ainda preciso conhecer muito mais para poder falar sobre. Mas no bom clichê de toda resenha, nesse momento eu preciso escrever: “vamos lá!”.

E o temível clichê é muito presente nessas histórias. Mas não como uma falta de ousadia e inventividade do autor, mas porque ele deve estar ali mesmo. Como um personagem. Assim como a repulsa, o medo, a satisfação, a inocência, a alegria, o choro. Como a vida e a morte. Todos esses elementos e um pouco mais estão presentes em Mundo Pet. Um mundo criado por Mutarelli em cima de experiências próprias e que bizarramente em algum momento você reconhece alguma dessa experiência. Que pode ter acontecido com algum conhecido ou até mesmo com você.

Ler Mundo Pet é um exercício fora da caixinha. Não é como ler os quadrinhos que estamos acostumados a ler normalmente. E nem estou falando dos imbecis tradicionais super-heróis. Hoje o leitor brasileiro tem uma gama de diferentes formas de leitura, não tem a necessidade de ficar datado a Marvel/DC e suas tradicionais ideologias e modos de contar histórias. E para ler Mundo Pet você tem que abraçar o mundo que não está acostumado a ler, assistir e viver. Mas que está presente em todo momento em todos os lugares. Só insistimos ignorar com nossa presunção e arrogância.

Quando você abraça a leitura de Mundo Pet, que confesso pode ser difícil pela ausência de similaridades que muitos não tem ou não estão acostumados a ter, um novo campo de visão te encontra, te abraça e te beija como um amante desconhecido. Um beijo que te leva para casos bizarros em que você não sabe se torce para o protagonista das histórias se darem bem ou para simplesmente acontecer algo para terminar suas agonias. Como para Alfredo Consuelo em Crianças Desaparecidas ou para José Manoel Rotundo, vulgo Risadinha, em A Ninguém é Dado Alegar o Descobrimento da Lei.

Nesse misto de sentimentos existentes nas histórias de Mundo Pet, nos pegamos em sua arte diferente, bizarra e linda, nos espelhando em situações e casos. Lourenço Mutarelli escancara as portas da alma, revelando um sujeito fora dos padrões, sedimentado e esmagado por momentos irreversíveis da condição humana. Assim como em Kafka, a degradação humana se dá de maneira insólita, a partir de situações absurdas apresentadas como algo definitivo, incontornável e familiar.

Como em toda coletânea algumas histórias se destacam mais do que as outras. Mas em Mundo Pet, acredito que, a experiência de leitura de cada leitor faça que suas escolhas de histórias preferidas fique muito individual. Da minha parte eu destaco: Estampa Forjada, Meu Primeiro Amor, Dossiê Stick Note e a história que dá o nome a coletânea, Mundo Pet.

As histórias de Mundo Pet foram publicadas entre os anos de 1998 e 2000 originalmente para o site Cybercomix. Em 2004, a Devir Brasil chegou a publicar Mundo Pet. E agora ficou a cargo da editora Comix Zone, em um belo trabalho de resgate das obras em quadrinhos de Lourenço Mutarelli, que iniciou em Capa Preta (2019), trazer a experiência única de Mundo Pet para os leitores.

É uma experiência diferente, que raspa no fundo da alma e da sua mente. Mas é uma grande experiência. Grande e única.

 

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A Casa, de Paco Roca, tem em sua moradia saudades e lições de vida

– Pai, agora você vai ficar aqui e a enfermeira vai cuidar do senhor. Vai ficar tudo bem.
– Obrigado por cuidar de mim.
– Sempre vou cuidar do senhor, pai.

Esse foi o meu último dialogo com meu pai antes dele falecer em setembro de 2020, depois de passar uma madrugada com ele no hospital. Ele teve um câncer que em um mês e meio o levou. Fui o último filho a vê-lo com vida. E ainda não é fácil.

No posfácio de A Casa, Fernando Marías diz que a morte do pai é um dos grandes desafios da literatura. Por um lado é complicado para o autor não seguir somente os instintos e sentimentos, à mercê de dúvidas racionais que chegam de todos os lados. Por outro lado, a escrita meio que flui mais tranquila, parecendo que o pai morto está passeando com o filho. E realmente a obra de Paco Roca você sente a presença do pai dos personagens vivendo e pulsando pela casa em questão.

“As mesmas histórias tristes que se ouve dizer. Dessa vez o escolhido fui eu.” (Honrar teu Nome – CPM #22)

A história gira em torno de três irmãos que perderam o pai e agora precisam decidir o que fazer com a casa, que antes era de veraneio quando eram crianças, e veio se tornar a moradia definitiva dos pais. Assim como é o normal da vida, todos os filhos seguiram seus destinos, saindo das tutelas familiares, mas chegou o momento de encontrar novamente com o passado e o pior, ter que decidir o que fazer com esse passado.

Em meio a lembranças, que na maioria dos casos são boas, os três filhos se apegam a casa que o pai deixou em uma viagem no tempo com essas lembranças. E como eu disse são lembranças boas, porque é do ser humano lembrar somente das coisas boas de pessoas recém falecidas. Isso me remete ao pequeno dialogo que está no inicio desse texto, por mais que seja uma lembrança dolorosa é uma boa lembrança. Pois ali eu vi que pela primeira vez em um mês em meio, o meu pai estava em paz. Ele estava se sentindo bem. Por isso guardo esse momento com tanto carinho. Obviamente existem momentos melhores.

Com uma leveza pura e uma arte que descansa os seus olhos, A Casa de Paco Rosa é uma delícia de leitura, todo detalhe dela parece ter sido feita com amor e cuidado de não forçar um sentimento no leitor, mas sim de fazer a gente adentrar na casa e se sentir membro da família e se sentir apegado e amado pela casa. É como o leitor fosse um “quarto irmão”. Não é uma história de manter legados e sim de cultuar e celebrar o que foi construído. Não somente em bens materiais, mas também com sentimentos, ensinamentos e lembranças.

“Naquela mesa ‘tá’ faltando ele. E a saudade dele ‘tá’ doendo em mim” (Naquela Mesa – Nelson Gonçalves)

A Casa também fala de elos quebrados e “desquebrados”. A família tinha um elo de união que era a casa onde passavam as férias, quando cada um segue a sua vida, esse ela é partido. E o elo se refaz, e esse elo é o pai recém-falecido, ela já não se encontra mais unida há tempos (o que é normal também), a obra apresenta como o único elo que era a união da família depois de quebrado, pode vir a unir todos depois. Pois isso também é da natureza humana, sofrer um machucado e lamberem as feridas juntos. Mas se essa união irá continuar… quem sabe?

A Casa atinge em cheio quem já perdeu um ente querido, seja qual membro familiar for ou até mesmo aquela amizade. Mas a obra também atinge quem não perdeu ninguém. Pois faz aflorar a ideia que temos que celebrar enquanto estamos vivos, criar boas lembranças, pois um dia tudo vai passar. No meu caso não foi uma obra fácil de ler, mas também não me levou às lágrimas. Ela me passou uma coisa boa, e um tanto clichê, de que a vida é assim. Tudo passa e que devemos continuar sempre em frente.

A Casa foi publicada aqui no Brasil pela Devir, tem formato 24,7 x 17,9 cm, capa dura, 136 páginas coloridas e a tradução da Jana Bianchi.

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Cinema Tela Quente

O Novo Filme do Borat Incomoda por ser real (Mas incomoda quem tem que Incomodar)

O Ministério da Informação do Cazaquistão apresenta,
uma produção do Ministério da Agricultura e
da Vida Selvagem,

em associação com o Centro Almaty de Controle de Doenças:
A Resenha de Borat: Fita de cinema seguinte

 

Um ano complicado. O 2020 entrou para a história por ser um ano em que uma pandemia varreu o mundo e vitimou milhares de pessoas ao redor do globo. 2020 está sendo um ano pesado onde vemos casos de violências aumentando, racismo/preconceitos/xenofobias cada vez mais sendo explícito, líderes mundiais que tomam decisões equivocadas por simples orgulho e por nuances de ideologias políticas que disfarçam interesses obscuros próprios. E vemos cada vez mais as pessoas apoiando esse tipo de coisa.

E na quase reta final desse pardieiro trágico disfarçado de ano, temos o retorno de um polêmico personagem. E ele volta em momento muito oportuno. Borat: Fita de cinema seguinte traz de volta o segundo melhor repórter do Cazaquistão, com seu humor ácido e terrivelmente realista. Aqui temos Sacha Baron Cohen em grande forma, assumindo novos disfarces e buscando passar mensagens contra aqueles que consideramos os grandes vilões do mundo. O roteiro escrito por Sacha em parceria com Peter Baynham, Anthony Hines, Dan Mazer e Dan Swimer, é afiado e atinge de Disney passando por Kevin Spacey. Da Primeira Dama dos EUA e o Brasil. Nada escapa.

Mas apesar de tudo isso, o filme não é engraçado. E lá embaixo explico o motivo.

Borat: Fita de cinema seguinte não é tão impactante quanto foi o primeiro filme, sim o fator surpresa meio que se perde na continuação. Mas é o filme mais necessário que foi lançado em 2020 se tratando de como o mundo está reagindo a políticas fascistas, racistas, machistas em geral. Sacha ainda coloca pessoas em situações incomodas e aperta a ferida até o pus espirrar. E sim, como disse antes, é necessário colocar esse tipo de pessoas contra a parede. Como nas cenas que desmontam as finas camadas de hipocrisia como no baile das debutantes e na clínica médica, quando sua filha engoliu um brinquedo.

Aliás tem que ser destacado (e muito) a dobradinha Sacha Baron Cohen e Maria Bakalova. A atriz está imperdível como Tutar Sagdiyev, a filha adolescente e única da família que segue e acredita no pai. Pode-se dizer que a personagem é o ponto mais importante de Borat: Fita de cinema seguinte. Ela consegue ser engraçada e bizarra, como o seu pai tinha sido no primeiro filme e ainda evoluir para repassar uma mensagem importante. E essa mensagem é um tapa na realidade da sociedade e seus costumes patriarcais que são fortes.

Tutar Sagdiyev vive para satisfazer a sociedade patriarcal e desde tempo foi criada desse jeito. Como acontece na vida real de muitas outras meninas e mulheres, ela é condicionada em ficar como sempre como o ser inferior, que a vida é como o conto de fadas que ela assiste desde pequena, aceitando a submissão praticada por uma… digamos… “cultura”. O aterrador é saber que isso é a realidade em todo mundo, em qualquer país…

Mas Sacha Baron Cohen sabe muito bem onde atingir e expor as pessoas que praticam esses e outros costumes nefastos, ele atua em cima de suas decisões e onde eles se espelham: em seus líderes políticos e figuras da mídia. Quando ele mira em Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, que atualmente é advogado e conselheiro do presidente dos EUA, Donald Trump, ele sabe que está atingindo não somente um politico como Trump. Mas também toda a sua campanha (o filme foi lançado propositalmente momentos antes da eleição presidencial americana) e o orgulho de seus eleitores que acreditam no discurso de família em primeiro lugar que esse tipo de político branda sem praticar na vida real.

Quando eu falo que Borat: Fita de cinema seguinte não é engraçado, eu na verdade armei uma falsa chamada para você, estimado leitor, chegar até esse ponto da resenha. Sim, você caiu na minha pegadinha. E sim, Borat tem momentos engraçados, mas ao mesmo tempo os momentos vão desnudando pessoas e atos terríveis onde Sacha aperta as fakes news como as que negam o Holocausto, ou eleva pessoas a cantarem que devemos queimar outras pessoas por terem posições políticas diferentes e cutuca o conservadorismo presente em todo lugar. Quando acontece essa transformação, o filme aborda, em sua forma ácida, assuntos sérios que são assustadoramente reais, a comédia fica por ali mesmo e faz  os espectadores (não todos, infelizmente) pensar.

Como eu disse lá pelo meio do texto, Borat: Fita de cinema seguinte não tem o mesmo impacto do primeiro filme, mas é tão importante e tão necessário como o seu antecessor. Arrisco dizer que ele é até mais importante, dado o momento em que vivemos. Tornando-se assim um dos melhores filmes do ano. E com um final totalmente genial!

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A Importância Histórica e Sentimental de Paracuellos

“Adeus Pablito… cê é meu melhor amigo… valeu… se não fosse por você…”

Em muitas resenhas usamos o famoso jargão: “esse quadrinho provoca uma mistura de sentimentos enquanto lemos”, e Paracuellos de Carlos Giménez não foge disso. Mas o diferencial da obra é que incrivelmente você se sente como um dos meninos nos abrigos, chamados de Auxílio Social. Você sente a angustia de estar lá, o medo das governantas, a expectativa perto da visita dos pais, a alegria de alguma brincadeira entre eles, os sonhos de cada um, a violência que sofriam… até quando sentem fome, você sente também.

Particularmente, em alguns momentos foi uma leitura muito difícil. As seis primeiras histórias me deixaram com o coração muito apertado. Paracuellos já começa com os dois pés na porta, onde Carlos Giménez já deixa claro a proposta de contar aquela história. Como eu disse, em alguns momentos a leitura foi muito difícil para mim. Os meninos dos abrigos, em sua maioria tem entre três, quatro, cinco, seis anos… e muitas vezes pensava em minha filha que tem quatro. Como a crueldade de um regime fascista pode chegar e atingir não somente os adultos e locais, mas também as crianças. De como uma uma ideologia religiosa forçada e doentia é perigosa e violenta. Mas, também como eu disse antes, Paracuellos também tem seus momentos mágicos. De esperança. Em que sorrimos das brincadeiras dos meninos. Sonhamos os seus sonhos.

E acho que seguir os sonhos dos meninos é uma das coisas mais gostosas em Paracuellos. Carlos Gímenez, que foi um desses meninos, e também sofreu, sentiu fome, saudades da família, sentiu o abandono… mas também sonhou. Giménez conduz em histórias que passam do limite de ser “somente quadrinhos”. Paracuellos tem sentimentos e desperta sentimentos. E engana-se que somente é no sofrer que nos vemos na pele de Pablito, Modesto, Adolfo, Peribañez e outros. O humor faz esse papel muito bem! O humor que Giménez emprega cria empatia juntamente com um traço um tanto cartunesco.

Além de demonstrar os sentimentos, medos, sonhos desses meninos, Paracuellos tem um papel importante em quebrar um longo período de silêncio, apesar de inúmeros esforços para deixar as atrocidades no limbo, e desnuda um capítulo da história espanhola que não era mais falado. De como os acólitos de Francisco Franco usavam de todas as ferramentas para subjugação (disciplina, regulamentação do tempo, classificação corporal e segregação forçada) para reeducar as mentes jovens. A denúncia de Giménez ao próprio regime que criou os lares para moldar a ferro e fogo meninos obedientes, transformada em uma linha narrativa perfeita. Muitas vezes o leitor esquece que os volumes são tiras costuradas e a transição entre uma história e outra fascina e envolve o leitor de tal forma que, sendo repetitivo aqui, faz o leitor criar laços e se sentir como um dos meninos.

Paracuellos é um registro histórico importante e fundamental para os dias de hoje. Vale lembrar que muita dessas histórias do Regime Franquista ficou escondida, acobertada, sendo deturpada como qualquer ditadura covarde faz. E sabemos disso, porque a história brasileira recente ainda é muito nebulosa. Giménez começou a fazer Paracuellos um ano após a morte de Franco, o maior simbolo desse tempo terrível. A farsa dentro das casas sociais eram embasadas com as cartas dos meninos que só iam para os seus pais ou parentes, se estivessem de acordo com os administradores dos abrigos, é somente um dos exemplos do desvio de verdades que acontecia.

A edição da Comix Zone está com todo luxo que uma obra que tem um peso histórico importante e em seu currículo praticamente todos os prêmios de quadrinhos europeus, inclusive o Melhor Álbum no Festival de Angoulême (1981). O volume de 208 páginas e capa dura, apresenta metade da obra de Paracuellos. O prefácio de Pedro Bouça introduz o leitor no clímax da época e de Carlos Giménez e a edição está muito competente. A tradução é de Jana Bianchi. Mais um belo trabalho da editora que vem se firmando no mercado nacional com grandes obras.

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Graffic Noire Jersey | Scorsese, Tarantino e uma boa trilha sonora em quadrinhos

Uma leitura que passeia por influências de filmes de máfia de Martin Scorsese e os tiroteios violentos, tensos e uns tantos pastelões de Tarantino. Essa seria uma boa explicação para a Graffic Noire Jersey, HQ do estreante Gerson de Lima. Publicada esse ano via financiamento coletivo, a trama apresenta um jogo de assassinos nos melhores estilos dos filmes dos já citados cineastas, com reviravoltas, flashbacks, bom texto, excelente músicas (sim, isso mesmo) e muita ação.

A trama começa um dia após de um trabalho barulhento feito por Jack, nosso protagonista. Jack é um assassino profissional, à serviço de uma grande organização chamada de AGÊNCIA e Frank é o contato que lhe consegue os seus alvos. O encontro desses dois começa a destrinchar o que aconteceu no trabalho de Jack, que era para ser simples, e acabou se tornando um grande circo. O alvo era o poderoso Julian, um dos maiores matadores do mundo e um dos líderes do sindicato dos assassinos. E esse alvo, para Jack, é perfeito. Só que uma série de coisas acontecem no lugar e acaba até com um restaurante destruído. E Frank, a mando da AGÊNCIA, quer saber o que aconteceu.

A arte de Graffic Noire Jersey apresenta personagens que planam entre o realismo e o caricato. Mas o que realmente se destaca são os enquadramentos. Eles são praticamente personagens na história. Mas o casamento perfeito acontece entre os enquadramentos e a narrativa visual. As cenas de ação onde se misturam tiroteios, brigas e até lutas de espadas, são cinematográficas e não ficam cansativas e nem confusas para o leitor. Os detalhes como nomes dos personagens ou letras de músicas, como trilhas sonoras, em onomatopeias funcionam e não deixam perdido ao longo da história.

A trama em alguns momentos soa como um clichê, mas ela é funcional e prende. Apesar de ser um tema muitas vezes recorrente como uma organização de assassinos, sempre existem novas formas de serem contadas e criar o interesse de quem for consumir o produto. Gerson transforma Jack em um personagem destemido e sem muita complexidade. Sendo até mesmo simples demais, mas de forma proposital. Pois percebemos que Jack é um cara que sabe onde está e quer ficar ali. Assim como Julian que flerta entre o onipresente e o humano, como uma verdadeira estrela do rock intocável, mas que de repente está no meio do supermercado vivendo coisas normais de pessoas normais. E assim como Jack, Julian sabe de sua “supremacia de lenda-viva” e mantém a sua áurea poderosa.

Graffic Noire Jersey tem todo um ar, como eu disse antes, de grandes filmes de Scorsese e Tarantino misturados com o cinema chinês. E ela transmite um ar meio que noir e sua trilha sonora, que contém Johnny Cash, Bob Dylan, Pixies, Queen entre outros. contribui muito. Aconselho a lerem a HQ ouvindo a trilha no Spotify, faz a ambientação ficar muito mais agradável.

No balanço geral, Graffic Noire Jersey é uma das boas surpresas do ano no quadrinho independente nacional. É uma bela estreia do Gerson de Lima, que estará na CCXP 2019 com a continuação Graffic Noire Memphis.

Graffic Noire Jersey está sendo publicado pelo selo editorial Meia-Noite e para adquirir o seu exemplar, você pode entrar em contato direto com o Gerson de Lima em seu perfil no Twitter: @theimmigrantart.

[ATUALIZAÇÃO] Graffic Noire Jersey está sendo publicado pela Editora Skript em formato 25,8 x 10.8 cm e 80 páginas.