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O problema de se prolongar demais em Hamefura X

Uma das citações mais famosas da ficção é aquela que você provavelmente já ouviu em vários contextos: “Ou você morre herói, ou vive o bastante para ver você mesmo virar vilão“. É comum, no mundo do entretenimento, a criação de histórias longas, e, enquanto algumas delas não duram tanto quanto gostaríamos (ou quanto era necessário…), o caso oposto também é recorrente: histórias que se estendem muito mais do que precisavam.

Diversas franquias estão presentes há anos, até décadas, e continuam gerando novos conteúdos. Mas chega um momento em que até mesmo o mais aficionado fã vai encarar o seu novo filme (ou quadrinho, livro, temporada, álbum…) e pensar “Putz, esse aí já foi pura ganância“.

Vários exemplos podem ter passado pela sua cabeça (e eu até prefiro não citar nenhum para não causar uma polêmica, mas cada um sabe, lá no fundo, do que estamos falando), só que eu queria dar um exemplo que você provavelmente não conhece, e um exemplo que talvez não seja tão radical quanto esse começo fez soar, mas que precisa ser dito antes que chegue nos patamares acima.

Captura de tela do episódio 1 de "Hamefura X", mostrando Catarina, com a legenda "Por que as coisas acabaram assim?!"
A pergunta que muitas fãs fazem… (Reprodução: Crunchyroll)

Ano passado, eu comentei sobre “My Next Life as a Villainess: All Routes Leads to Doom!” (abreviado para “Hamefura”, por seu nome japonês), um animê isekai que me divertiu horrores com sua premissa absurda e execução impecável.

A primeira temporada teve uma história com início, meio e fim. Seu clímax foi interessante e me deixou intrigado pela sua resolução, e o que foi entregue conseguiu encaixar perfeitamente todas as peças, numa conclusão satisfatória e eloquente. Acompanhar a vida da Catarina, desde sua infância, até o momento de sua “programada” morte, era um conceito interessante: Cada evento tinha importância, nos fazia pensar em como isso alteraria o futuro que já estava escrito. Até que ponto as mudanças que ela causou a ajudariam? A parte “séria” da história funcionava por causa dos conhecimentos prévios que ela tinha.

Por outro lado, o humor funcionava em cima da incapacidade da Catarina de entender qualquer coisa ao seu redor, que não fosse tentar sobreviver. Ela é abobada e sem nexo parcialmente por sua inexperiência, mas principalmente por realmente não estar dando bola para qualquer coisa que não seja evitar sua própria morte. A própria ideia de ter todas aquelas pessoas gostando e se interessando por ela era absurda, afinal, elas seriam as responsáveis por seus “fins de destruição”.

Captura de tela do episódio 1 de "Hamefura X", mostrando Catarina, e com a legenda "Escapei!"
Mas convenhamos, é a junção da história e da bobeira da Catarina que me fez gostar da primeira temporada (Reprodução: Crunchyroll)

Então, chegamos na segunda temporada, que estreou em julho deste ano (e está na Crunchyroll)… O anime tenta se manter o mesmo, e fez isso com bastante maestria. O problema é que o clima não é mais o mesmo. As coisas não funcionam mais tão bem na atmosfera que foi criada num mundo de Hamefura pós-primeira-temporada.

A história de “Fortune Lover“, o jogo que Catarina conhecia, já terminou. Os conhecimentos prévios dela se esgotaram. A partir desse ponto, a trama se torna um mistério comum. Ele perdeu parte do charme, pois não temos mais uma “base” para comparar e perceber o quanto as coisas mudaram.

Para piorar, a ambientação acaba impondo um limite de quantas coisas diferentes você pode fazer para gerar tensão. Quando você me conta que, pela terceira vez, alguém foi sequestrado por um usuário de magia negra… Eu não vou ficar preocupado, eu vou é revirar os olhos.

Captura de tela do episódio 3 de "Hamefura X", mostrando Catarina, e com legenda "Não posso dizer que estava tão confortável que até esqueci que fui raptada."
Admiro a coragem de fazer um meta-humor com isso, mas poxa vida… (Reprodução: Crunchyroll)

Essas são apenas algumas das coisas que eu pensava enquanto assistia aos novos episódios. O questionamento geral sempre era: “Precisava de mais?“. Mesmo a segunda temporada tendo sido até que divertida, trabalhando em cima dos pontos fortes da série, e explorando seu rico elenco (além das excelentes adições), ela não chegou nem perto da genialidade da primeira.

A impressão que eu tive é que o primeiro episódio deveria ter sido um “especial“, um extra para a primeira temporada. Um clássico “agora que nossas crianças salvaram o mundo, vamos deixá-las se divertir um pouco!“, e então, encerrar por ali. A criação de uma nova narrativa não só pareceu forçada, ela era totalmente desnecessária.

No geral, Hamefura X foi uma existência que não precisava existir, mas já que existiu, pelo menos se esforçou para dar o seu melhor. E, enquanto o seu melhor não é tão bom quanto o seu antecessor, ainda é melhor do que muita coisa que se encontra por aí. A história ainda não se tornou vilã, mas está tentando perigosamente viver por tempo demais. Para a segunda temporada, a nota do redator é 3,0/5,0.

Hamefura X (e também sua primeira temporada) está disponível na plataforma de streaming Crunchyroll, completo em 12 episódios (24 com as duas temporadas), e com legendas em português.

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O futuro do isekai e “My Next Life as a Villainess”

Tá todo mundo de saco cheio de isekai. Ninguém aguenta mais um show que começa com um adolescente sendo atropelado por um caminhão ou acordando num campo gramado com os braços abertos. Mas mesmo assim, se você olhar os últimos lançamentos, verá que a taxa de isekai por metro quadrado está igual ao desmatamento da amazônia: crescendo descontroladamente. Como? E principalmente… por quê?

Pensando no histórico do “gênero”, vemos que desde o seu boom alguns anos atrás, a fórmula funcionou e foi divertida pelas primeiras quinhentas repetições. Depois disso, passou a ser mais do mesmo. Hoje em dia, temos um isekai tradicional que estoura por ano, e olhe lá. São casos de séries que já possuem uma base forte, seja de temporadas anteriores ou de leitores da obra original. Re:Zero e The Rising of The Shield Hero são alguns exemplos recentes.

Eu nunca vou esquecer da Emilia Snowboard… Obrigado, Re:Zero.

A partir disso, podemos ter dois caminhos: ou continuamos martelando o prego que já tá mais do que enfiado na parede, e fazemos uma dúzia de shows que são tão medíocres que acabam sendo esquecidos em questão de semanas (lembram de “Isekai Cheat Magician” ou de “The Master of Ragnarok & Blesser of Einherjar“? Nem eu). Ou… tiramos sarro do gênero, tentando fazer com que a sua premissa seja tão absurda que se torne difícil de esquecer.

Paródias sempre existem, mesmo quando algo ainda está em seu ápice (como KonoSuba, por exemplo), mas o nível começa a cair de uma forma absurda, assim que a saturação começa a ser atingida. Que tal um isekai, mas se você tivesse um celular? E se você fosse para um isekai, mas fosse reencarnado como um slime? Ou pior, ir parar em um isekai com a sua mãe?

Aiai… um isekai com a sua mãe… isso é tão besta… aiai…

Atingimos o ápice do isekai quando percebemos que ele se dá melhor quando não se leva a sério, e que deveríamos usar a sua saturação como mais uma forma de humor. Afinal, a repetição é o primeiro e o segundo princípio da comédia, não é?

Em “My Next Life as a Villainess: All Routes Leads to Doom!“, temos mais um caso – brilhante, aliás – de premissa absurda usada para o humor. Shows onde a personagem principal se vê num mundo de videogame são um dos isekais mais clássicos que temos (podendo citar o nosso queridinho Sword Art Online). Dar uma reviravolta no básico ao dar o papel de vilã para a protagonista não seria o bastante, afinal, shows como Overlord já fizeram isso antes. Precisávamos ir além, precisávamos enfiar ainda mais o pé na jaca.

Apesar do forte uso do tema para gerar humor – afinal, termos uma vilã desesperadamente tentando evitar a sua inevitável morte já parece tema o suficiente para muitas piadas – o show ainda tem qualidades que o seguram de pé por conta própria, como o carisma acidental da protagonista Catarina, ou seu charmoso intelecto negativo. Você se diverte e dá risadas por conta da premissa absurda de um isekai charlatão, e também por outros motivos. Se isso não é o ideal para uma comédia, eu não sei o que é.

E esse é justamente o ponto que eu queria tocar: o novo padrão de isekais deveria ser esse. Deveríamos fazer todo isekai ser mil vezes mais absurdo do que o anterior. Deveríamos forçar a barra de uma forma que ela já se transforme em uma mola. É a única forma de aguentar a repetição absurda que o gênero impôs sobre o universo de animês. Até uma hora que vão resolver parar, assim do nada. Lembra dos Haréns Escolares Mágicos Genéricos, que plagueavam todas as temporadas da primeira metade dos anos 2010? Pois é.

Mas, comentando um pouco mais sobre a patrona dessa postagem, acho que “My Next Life as a Villainess” merece alguns tapinhas nas costas pela sua execução. Não é fácil fazer uma comédia que não se leva a sério e conseguir ter uma história coesa e ter suas personagens plausíveis e realistas (dentro do limite permitido pelo absurdo, é claro).
Mesmo a protagonista, que carrega o fardo cômico inteiro nas costas, e que possui como um de seus principais atributos a sua falta de noção, consegue ser mostrada como tendo objetivos e aspirações claras e que refletem no desenvolvimento da história… Mesmo que isso seja feito através de um conselho de mini-Catarinas mentais.

Seja lá quem inventou a piada de miniaturas controlando a mente de uma pessoa, muito obrigado!

O absurdo se une ao bobo e conseguimos um show que me fez rir horrores nos oito episódios já disponíveis, e me deixou ansioso por mais. Nesse mini primeiras impressões, escondido no fundo de uma resenha de buteco, gostaria de dizer que “My Next Life as a Villainess” receberia um 4/5 se eu tivesse começado a assisti-lo um mês atrás. E recomendo que você não faça como eu, e assista esse show o quanto antes.

My Next Life as a Villainess: All Routes Leads to Doom!” está disponível na plataforma de streaming Crunchyroll, com oito episódios disponíveis até o momento, e um novo episódio todos os sábados.