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Retorno de Succession é síntese do que a série sempre foi

Escrito por Thiago Pinto

Humor e drama andam de mãos dadas em Succession. O sucesso estrondoso do streaming faz por merecer a audiência e a repercussão. Após três temporadas finalizadas, a série ainda se mantém fiel aquilo que a fez chegar aos holofotes, e sem perder a qualidade e as particularidades técnicas que a tornaram incomparável e única no meio de tantas produções televisivas. Sua principal virtude recai na forma como ela enxerga a elite econômica americana. Isto é, um retrato irônico sobre uma família que possui tudo do ponto de vista financeiro e, ao mesmo tempo, nada na perspectiva familiar e afetiva – e talvez um dos seus apelos seja justamente rir daqueles que estão acima (em termos de concentração de renda e poder), como se fosse uma catarse temporária para nós, espectadores, rodeados por uma dinâmica de tensão de classes.

Rir e chorar, aliás, ditam os ritmos do primeiro episódio, que serve como abertura para já anunciada quarta e última temporada. Em poucos minutos, a série consegue criar tensão sobre um negócio particular complicado, que envolve uma transação de bilhões de dólares; humor na festa de aniversário de Logan (Brian Cox) rodeada de pessoas interesseiras que se esforçam para conseguir o mínimo de apreço e apenas recebem desprezo; estranhamento pelo fiasco da campanha presidencial de Connor; dramaticidade a partir do conflito amoroso entre Shiv e Tom; além do constrangimento decorrente da situação enfrentada por Greg. Assim, são cenas que geram emoções contraditórias: preocupação, atenção, alegria, tristeza – e isto é síntese do que a série sempre foi. Um amálgama de emoções que nos fazem odiar e amar todos os personagens, torcer contra alguns, mas depois torcer para outros. É uma experiência audiovisual inteligente e capaz de nos fazer enxergar uma família por diferentes perspectivas e, desse modo, nos tornar ativos a cada episódio: para quem estamos torcendo, afinal?

Numa das cenas de abertura do episódio, os convidados cantam parabéns para Logan, este que sai da sala esbravejando: “put* que o pariu…”. Já é popularmente conhecida a insatisfação geral de Logan pela vida e as pessoas ao seu redor. Embora seja um dos personagens mais cruéis, sinto uma sinceridade rara exalando nele; como se fosse o único realmente consciente do interesse que move o cotidiano corporativo. O diálogo entre ele e seu segurança num simpático e humilde restaurante demonstram uma preocupação honesta sobre o destino e a finitude das coisas. De certo modo, é um momento particular que enxergamos as outras camadas da sua personalidade, nos afeiçoando brevemente – para logo depois o próprio criticar e colocar pra baixo a sua equipe de suporte inteira.

Ao fim da terceira temporada, os personagens se separaram em dois pequenos grupos. Shiv (Sarah Snook), Roy (Kieran Culkin) e Kendall (Jeremy Strong) fizeram uma tentativa frustrada de tomar as rédeas da corporação presidida pelo seu pai, enquanto Logan ficou com Tom, este que traiu a confiança da esposa para conseguir o mínimo apreço e finalmente conquistar seu espaço dentro da empresa. Como prometido, portanto, a quarta temporada será marcada pelo conflito entre esses dois grupos, ambos ambicionando poder, influência e dinheiro. Nesse episódio especificamente, os filhos finalmente conquistam a primeira vitória contra as tentativas do pai, que subestimou a coragem destes. A repercussão desse embate, contudo, só poderá ser vista no próximo episódio.

Antes de entrar na cena mais dramática, devo mencionar o quão engraçado foi descobrir os resultados da campanha presidencial do Connor (Alan Ruck). O filho mais velho de Logan é um coadjuvante na trama principal, mas guarda para si uma missão: tornar-se presidente dos EUA. Porém, seus gastos milionários na campanha quase não surtiram efeito, atingindo a marca impressionante de 1% nas pesquisas. E sua dúvida é se um investimento adicional de 100 milhões de dólares seja suficiente para que sua campanha não perca décimos e não seja considerada um fracasso (como se 1% não fosse cômico suficiente). Greg (Nicholas Braun) também passa por uma situação engraçada ao praticar relações sexuais com a parceira num dos quartos de Logan, onde Tom afirma que existem câmeras instaladas. Greg, então, fica preocupado e começa a questionar Logan durante o ponto mais crítico da negociação. Logo, enquanto todos estão preocupados com o desfecho do acordo, Greg fica completamente deslocado da seriedade e tensão do ambiente, resultando em cenas constrangedoras – e hilárias.

Para finalizar a análise do episódio, é preciso comentar sobre a relação entre Shiv e Tom. Após diversos momentos críticos em episódios variados, o casamento parece ter chegado no seu limite emocional. Cansados de manter algo desgastado e sem sentido, o diálogo que serve como desfecho do episódio é um dos mais sentimentais da série por representar o fim do amor a partir da consciência de dois adultos maduros que compreendem que aquilo ali acabou, por mais duro que seja. A cena com ambos deitados de mãos dadas é, desde já, uma das imagens mais marcantes e tristes do ano.

Tom, particularmente, possui um retrato melancólico. Enquanto este despreza as pessoas sem poder aquisitivo, algo que fica marcado nas piadas referentes à companheira de Greg, suas brincadeiras e gozações acobertam uma vida artificialmente construída pelo interesse, um casamento infeliz, além de relações de trabalho frágeis. É um personagem habilmente construído e atuado com excelência por Matthew Macfadyen, que traz consigo trejeitos quase infantis como alguém que não possui habilidades sociais suficientes para dizer aquilo que sente, apenas arrota arrogância para disfarçar a insegurança.

Portanto, Tom não é  retratado exclusivamente como um pobre coitado, mas também como um vilão oportunista e manipulador, indiferente em como as atitudes irão respingar em seus relacionamentos. Essa ambiguidade envolta dele, e de todos os outros, é uma das razões para a série se destacar em meio a tantas produções.

Succession volta aos domingos preenchendo uma lacuna possível de ser alcançada por raríssimas obras que tenham algo a dizer, mas principalmente mostrar – e isso ela tem de sobra. Chega com a proposta de combater uma associação socialmente construída entre poder aquisitivo e valores pessoais, como se o bilionário fosse exemplo de perfeição em carne e osso, uma idealização altamente difundida nesses tempos sombrios de coaching. Mesmo com a crueldade e perversidade de alguns personagens, a série é capaz de extrair sentimentalismo e sinceridade das relações de seus protagonistas, e destacar como estão perdidos tentando aprender uma lição fundamental: nem tudo se compra.

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Sobre o Autor

Thiago Pinto

‘’E quando acabar de ler a matéria, terá minha permissão para sair’’

-Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)

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