Quadrinhos

Popeye é muito mais que apenas um Homem ao Mar

Escrito por Marcus Santana

A beleza e os mistérios que cercam o ambiente marítimo, porção maior na distribuição superficial de nossa crosta terrestre, em muito nos encantam desde nosso surgimento no planeta terra. Não é para menos: por muito tempo os maiores heróis de suas respectivas nações eram os navegadores, que de forma destemida lançavam-se rumo ao desconhecido para, além de descobertas no âmbito terrestre e novos parceiros comerciais, desbravavam territórios que, mitificados pela imaginação humana, eram em nossas cabeças habitados por maldições e criaturas fantásticas, que não recebiam forasteiros de forma amistosa.

O tempo passou e nossa relação com o mar também foi modificada. Dessa forma, inclusive nossas estratégias de transporte e exploração foram mudando, atendendo a demandas cada vez maiores. Tal industrialização pesqueira, assim como os grandes peixes que se alimentam dos menores em diferentes estágios de nível trófico, faz hoje os Estados Unidos da América serem o sexto maior país do mundo no ramo da aquicultura. Tudo isso a um custo: os pescadores independentes sofrem em uma batalha desproporcional com grandes empresas, e o lado mais fraco tende a sucumbir. EC Segar e seu famoso marinheiro parrudo de um olho só já exemplificavam a situação desde o início do Século XX, agora revisitada pela dupla Antoine Ozanam e Marcello Lelis.

Divulgação — Imagem: Skript

Apesar de sua popularidade, pouco se vê do Popeye de sua criação original que originou tiras dominicais, animações, longa-metragens e produtos alimentícios lançados inclusive no Brasil: temos uma narrativa mais madura, séria e diametralmente oposta à comédia pastelão outrora protagonizada pelo marinheiro e seus personagens secundários como Dudu, Olivia e Brutus, aqui chamado de Bluto, seu nome original.

Como faz a ressaca do mar, aqui o leitor é tragado por uma trama de leitura fluente e rápida, mas com elementos onde reina o tom de melancolia: Popeye é um marinheiro em decadência traído por seu ex-companheiro de embarcação que se juntou a uma empresa gigante no ramo de pescados. Desamparado, tenta sobreviver a qualquer custo junto a Bosco, seu colega de profissão que precisa sustentar a si próprio e a sua família. Apesar do protagonista já ser conhecido mundialmente, Popeye – Um Homem Ao Mar nos brinda com um lado nunca antes visto.

Divulgação — Imagem: Skript

O roteiro de Ozanam é primoroso a ponto de ser necessário agradecer ao mesmo por, como o próprio confidenciou em sua nota de agradecimentos, não ter abandonado o projeto e seguir em frente apesar dos percalços. As desventuras são frequentes e Popeye une suas incontáveis sessões de pescaria mal-sucedidas a sua relação com Olivia, sua nova chance de ter uma companheira, muito tempo após sua amada Betty, imortalizada com uma tatuagem de coração em seu peito, partir. Sua convivência conturbada com seu pai e erros em série cometidos por outros personagens acrescentam maior drama e em definitivo retiram a alma romântica conhecida em volta do personagem. Popeye aqui é muito mais humano e muito menos, quase nada, sobre-humano.

A arte do brasileiro Lelis, apesar de suas expressivas aquarelas, precisam de determinado tempo para se acostumar. Seu traço é trêmula em todas as partes, causando uma estranheza à primeira vista pois, apesar da impressão de movimento causada, remete às situações em que temos dificuldades em processar imagens, como acometidos por náuseas ou efeitos provenientes de bebidas alcoólicas. Mesmo não sendo a primeira opção de ilustrador imaginada pelo roteirista, Lelis coloca sua marca pessoal e inconfundível no marinheiro mais conhecido dos quadrinhos, deixando rastros que nem a subida da maré seria capaz de apagar.

Divulgação — Imagem: Skript

Fruto de uma campanha de financiamento coletivo muito bem-sucedida, a editora Skript brinda o leitor brasileiro com uma edição primorosa em capa dura, papel couchê e formato álbum. Além da ótima impressão, a tradução e revisão de texto é digna de destaque, incluindo um prefácio biográfico assinado por Diego Moreau a respeito Segar e seus trabalhos nos quadrinhos e inspirações artísticas.

Embora a trama seja encerrada em um único volume, há visível espaço para um hipotético retorno dessa nova versão de Popeye e deveria sim ser pensada com zelo. Há muitos mistérios e aventuras nos aguardando em alto-mar e ainda temos muito o que aprender e descobrir sobre ele.

Popeye – Um Homem ao Mar
Antoine Ozanam (roteiro)
Lelis (arte)
Marcio dos Santos Rodrigues e Monica Cristina Corrêa (tradução)
Ester Gewehr e Diego Moreau (revisão)
Skript
Capa dura
120 páginas
20×28 cm
R$109,90

 

 

 

 

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Sobre o Autor

Marcus Santana

O que seria de nós sem quadrinhos?

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