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O retorno às origens de Martin Scorsese

Escrito por Thiago Pinto

Martin Scorsese é um dos melhores diretores vivos atualmente. Sua contribuição ao cinema é inegável e lendária, e basta conferir sua filmografia e constatar a quantidade de obras excepcionais que esta contém. Porém, tal sequência inacreditável de ótimos filmes não foi ao acaso ou pela sorte. Obras cinematográficas, de modo geral, são constituídas através dos olhares e interpretações de diretores e roteiristas. Nós, espectadores, veremos o que eles querem nos mostrar ou dizer; óbvio que a interpretação e o impacto dependem do público (outro fator fundamental), mas a construção estética e argumentativa está centrada nos pensamentos dos respectivos autores.

Dito isso, Scorsese sempre trabalhou em filmes as próprias percepções diante da realidade. Nascido em Nova York e tendo vivido grande parte da infância em Little Italy, tinha duas rotinas no seu dia a dia: ir ao cinema e à igreja. Obviamente que a primeira opção de profissão foi ser padre, mas as coisas, como sabemos, foram se desvirtuando aos poucos. Martin sempre foi amante e apaixonado pelo cinema, o documentário A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies (1995) explora esta paixão. Depois de estudar na escola de cinema da Universidade de Nova York, seu trabalho passou a ser de dirigir alguns curtas enquanto ia descobrindo seu potencial.

Aos poucos começou a se arriscar e lançar longas-metragens. Who’s That Knocking at My Door (1968) e Boxcar Bretha (1972) foram os primeiros, até chegar em Mean Streets, de 1973. Apesar de Boxcar Bretha já ser um filme do gênero policial, Mean Streets é a consolidação máxima da visão de Martin sobre máfia, criminalidade e o subúrbio de Nova York – em Little Italy, bairro em que viveu. Sendo assim, é através deste exemplo que conseguimos notar a conexão existente entre as suas experiências e as implicações de seus filmes.

O gênero policial, o drama, a criminalidade, o sistema mafioso, a sujeira e o pessimismo exalados pelo subúrbio, estão intrínsecos na mente genial do diretor. Nota-se como a vida de Travis Bickle – interpretado maravilhosamente por Robert De Niro, já chegamos nele – e os cenários ao seu redor, são retratados em uma perspectiva pessimista e desacreditada em Taxi Driver (1976). Ou como o sistema fraudulento de cassinos é desmistificado e exemplificado em Cassino (1995). Até em Os Bons Companheiros (1990), quando acompanhamos a infância e o crescimento inteiro de Henry Hill (Ray Liotta) dentro da máfia. Estes são apenas alguns exemplos das diversas e variadas formas que ele consegue encaixar novas visões no mesmo foco temático.

Embora esteja constatada a qualidade para abordar esses elementos na linguagem cinematográfica, não há como deixar de lado algumas figuras que construíram suas carreiras ao lado dele; sendo elas: Robert De Niro, Joe Pesci e Harvey Keitel, prioritariamente, mas não esquecendo da ascendência de Jodie Foster, ou do crescimento de Leonardo DiCaprio.

De Niro e Scorsese poderiam se dizer irmãos, porque ninguém desconfiaria. Tantos filmes que estes dois trabalharam juntos, entregando coisas indescritíveis e inesquecíveis, que não iria se estranhar algum vínculo familiar. O jeito que se conduz atores/personagens é único. Dar liberdade ao ator para improvisar e, consequentemente, se conectar com o personagem, é um primeiro passo arriscado, mas corajoso, que sempre adotou nas gravações. Visto que há domínio na condução do elenco, fica nítido o porquê de tantos artistas se destacarem após trabalharem com ele. Robert DeNiro foi seu braço direito por muito tempo, até se consolidar como o grande ator que conhecemos.

Joe Pesci e Harvei Keitel são outras pérolas providas da filmografia de Scorsese. O primeiro filme de Keitel foi o próprio Who’s Knocking At My Door, e continuou atuando em outras histórias que abordavam crimes e máfias. Se destacou por iniciar a carreira junto a do diretor e depois, apesar de não trabalharem mais juntos, amadurecer em papéis importantes como em Thelma & Louise (1991), Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction (1994), entre outros. Joe Pesci, contudo, teve seus principais personagens nos próprios filmes do senhor Scorsese: Cassino, Os Bons Companheiros e Touro Indomável. Sua atuação se separava em duas habilidades: entonação dos diálogos e repetição de fuck’s por segundo. É inigualável como Pesci entende o comportamento, o modo de dizer e entoar, além dos trejeitos do arquétipo de mafiosos.

Entretanto, Martin não se afirmou através de um só gênero. Os filmes foram se diversificando ao decorrer do tempo, temos A Última Tentação de Cristo (1988) – retrato bastante pessoal sobre a história bíblica – até O Lobo de Wall Street (2013), que abordou de forma complexa e frenética a vida corruptiva do mundo dos negócios. O único elemento que sempre esteve inerente em todas as histórias é a abordagem íntima com os personagens e as narrativas. Todos os roteiros, na mão dele, são traduzidos de maneira didática e contextualizada. Estamos aprendendo a cada assistida, e impressiona a quantidade de conhecimentos difundidos. Seja sobre máfia, religião, business ou o próprio cinema (A Invenção de Hugo Cabret (2011) prova isso), possui todos os assuntos na palma da mão.

Colocando o presente em análise, o século XXI nos registrou como um diretor, de décadas passadas, possa fazer cinema nos dias de hoje modernizando técnicas e linguagens, porém, nunca perdendo a identidade. Os próprios O Lobo de Wall Street e Ilha do Medo (2010) exemplificam a energia e o fôlego inovadores na estruturação dos ambientes e personagens. E tal modernização fica notória em Os Infiltrados (2006), que se tornaria o último filme de máfia por um longo período.

Remake de Mou Gaan Dou (Conflitos Internos, 2002), obra chinesa, Os Infiltrados funciona como uma homenagem a toda a carreira construída até aqui. Uma linguagem moderna e atual, auxiliada pelas experiências acumuladas em mais de trinta anos resultaram em um dos melhores filmes do gênero do século. O conflito entre os personagens, a dualidade moral entre polícia e máfia, além da violência física e psicológica, demonstram o domínio de todas as etapas cinematográficas. E, finalmente, depois de tantas injustiças, Martin Scorsese ganha o seu merecidíssimo Oscar, em 2007, de Melhor Diretor. Os Infiltrados também ganhou de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Edição.

Agora, em 2019, fará quase 13 anos sem um filme como Os Infiltrados no cinema. Tanto tempo sem o gênero policial maduro, que sempre nos presentou, faz muito mal ao cinema nos dias de hoje. Mas parece que a espera irá acabar. Foi anunciado, pela Netflix, The Irishman, adaptação do livro I Heard You Paint Houses. Previsto para estrear no final desse ano, a obra, além de muito promissora, parece ser o retorno às origens de tudo o que nós vimos durante décadas. Não é uma homenagem ou a celebração de toda uma história, é o acúmulo inacreditável, e nunca visto, de experiências dentro do cinema americano.

O retorno do seu braço direito, Robert De Niro, a volta da aposentadoria do fucking Joe Pesci e, juntando com o cara que iniciou tudo, Harvey Keitel, The Irishman é o Vingadores: Ultimato da vida de Martin Scorsese. É o cúmulo de toda a filmografia baseada na vida e história do próprio. E, mesmo assim, após diversas películas com o mesmo foco temático, podemos ter certeza que teremos novas visões e perspectivas, porque há uma extrema agilidade e versatilidade em explorar as potencialidades do sistema mafioso e dos dramas pessoais existentes nos personagens.

Tem como ficar melhor? Sim, por incrível que pareça. Outra adição incrível no elenco é o famoso, o talentoso e o mestre, Al Pacino. Um dos maiores e melhores atores da história, além de estrelar a trilogia do O Poderoso Chefão (1972), – ápice na vida de qualquer ator – Pacino tem o mesmo sangue nas veias. Sua contribuição para o gênero policial, e as interpretações de diversos mafiosos e criminosos, foram o ponto máximo da profissão. Scarface (1983) e O Pagamento Final (1993) são grandes exemplos disso.

Bem, se temos este elenco admirável e extremamente capaz, podemos esperar outro grande filme. Além disso, temos um dos – e repito mesmo – maiores diretores do século XX e XXI, Martin Scorsese, coordenando o projeto. Portanto, talvez estejamos próximos de mais uma obra-prima do diretor, que traduziu sua vivência e suas experiências em obras humanas, pautadas na realidade nua e crua, provando a marca autoral existente no Cinema.

Ah… e se for ruim? Como diria Joe Pesci: Foda-se, o cara tem crédito.

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Sobre o Autor

Thiago Pinto

‘’E quando acabar de ler a matéria, terá minha permissão para sair’’

-Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)