Atualmente na internet, inclusive em vídeos e posts direcionados ao debate da sétima arte, há uma expressão que aparece nas escritas e nas falas destes: “este é um filme feito para pensar”. Infelizmente, com a degradação da indústria cinematográfica de arte para produto, a expressão se transformou em um gênero. A consequência foi a divisão concreta entre o entretenimento tosco e a “obra artística”, que engloba os próprios filmes, diretores e artistas em geral. Se pegarem o nome de Darren Aronofsky no meio dessa discussão, provavelmente haverá discórdias, principalmente pela interpretação individual de cada espectador. Com seu novo filme Mãe!, talvez o tema e sua perspectiva não agradem a todos novamente, mas não há como negar que é uma obra artística, o que todos os filmes devem ser.
Aronofsky é um diretor de grandes qualidades técnicas e até emocionais. Provas concretas disso são os filmes: Réquiem para um Sonho (2000), Cisne Negro (2010) e O Lutador (2008), que se usa da técnica para atingir a emoção. Veja como ele utiliza seus planos fechados, close-ups em Réquiem para um Sonho, que funcionam na demonstração do vício de cada personagem. A câmera giratória que se envolve à personagem de Natalie Portman, captando seu desenvolvimento e suas batalhas internas em Cisne Negro. Ou até mesmo a câmera por trás das costas de Mickey Rourke, representando as discrepâncias profissionais vividas pelo lutador.
Já em Mãe!, Aronofsky, com suas habilidades mais apuradas como nunca, se permite abusar dos planos fechados, close-ups e dos planos detalhe para construir a protagonista interpretada por Jennifer Lawrence. Há um uso tão excessivo, que toda a experiência se torna claustrofóbica, tanto para a personagem quanto para o espectador. O diretor traz uma parte da conexão emocional por meio das câmeras, até os planos sequência que acompanham a movimentação dos atores buscam trazer uma ambientação incômoda. Como parte da trama, os planos ainda são muito relevantes, pois com um olho atento e uma leve interpretação, dá para entender conceitos apresentados de primeira.
Conceitos que são a raiz de todo o longa, se tornam poesia no audiovisual. A junção da montagem com a sonorização, além dos símbolos e metáforas que ocupam grande parte do roteiro, transformam Mãe! em uma jornada angustiante para entender a questão central. Há uma quantidade enorme de conceitos que são introduzidos nos primeiros frames e que se passarem despercebidos, influenciarão na interpretação final. Cada detalhe, seja em uma ação ou diálogo, ajudam na construção imaginativa e no entendimento metafórico da história.
Para ajudar no engrandecer do tormento, há as interpretações incríveis (já esperadas) de Jennifer Lawrence e Javier Bardem. Ambos experientes no ramo, os atores demonstram uma química muito natural, porém com psicológicos extremamente distintos. Enquanto Lawrence parece sofrer constantemente e querer debater todos os acontecimentos, Bardem, apesar de frustrado por sua falta de inspiração para escrever seus livros, demonstra tranquilidade, serenidade e controle nas cenas. Trabalhos grandiosos para papéis grandiosos. Já Ed Warren e Michelle Pfeiffer parecem os opostos dos dois, contracenando incrivelmente com o casal.
É importante salientar que não há como comentar a história, já que qualquer citação pode estragar as surpresas e descobertas que este filme nos proporciona. Porém, vale citar o nervosismo acompanhado da emoção ao assistir Mãe!. A calma do primeiro ato não condiz com a exaltação do último, surpreende pelas reviravoltas ocasionais, os desfechos dos personagens e pelos momentos que beiram o absurdo, mas com um senso realístico apurado. Os sentimentos se fundem ao longo do desenvolvimento, tornando a experiência memorável.
Uma trama envolvendo religiosidade e política, nada convencional, para discutir fatos sociais através dos simbolismos metafóricos e do charme poético provocado por Darren Aronofsky prova que Mãe! é uma das maiores surpresas do ano, que além de não ser só a obra definitiva do diretor, se mostra uma obra definitiva da humanidade. Basta conferir para entender e refletir.