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John Wick 4: Baba Yaga: Uma viagem alucinante e brutal

Escrito por Thiago Pinto

“A good death only comes after a good life.”

John Wick é a definição ideal do exército de um homem só. Como dito exaustivamente, é um homem de foco, compromisso, de pura vontade. Keanu Reeves deu vida a um personagem que não demorou para se tornar um símbolo do gênero de ação. Mas muito além disso, tornou-se sinônimo de um estilo vibrante, frenético e brutal, onde a preocupação da câmera recai no posicionamento e na movimentação dos corpos em cena, responsabilidade do excelente Chad Stahelski.

O primeiro filme da franquia parte da premissa básica de um assassino aposentado, que se vê forçado a voltar à ação após o assassinato cruel do seu cão, presente de sua falecida esposa. Essa sede de vingança foi apenas escalando filme após filme, numa demonstração clara de que o cachorro era a superfície de um anseio interior maior e mais intenso. Essa ascensão da violência chega na Alta Cúpula, a grande organização criminosa deste universo ficcional; quando a bala de John Wick rompe todas as regras e mandamentos que mantém o sistema criminal operante, tornando-o alvo principal com uma recompensa milionária pela sua cabeça. Em seu quarto filme, John começa sua jornada para o acerto de contas com a instituição que lhe trouxe morte, sangue e consequências irremediáveis. 

Diferente do seu antecessor, John Wick 4: Baba Yaga demora alguns minutos para pegar no tranco. O filme pode ser observado como uma obra composta por três grandes sequências de ação, bem delineadas no começo, no meio e no fim. Para os acostumados à ação desenfreada da franquia, a proposta inicial pode soar estranha por se debruçar substancialmente nos diálogos e nas relações dos personagens, embora os clichês e as frases de efeito continuem aqui. Assim, pode-se dizer que o roteiro arquiteta estas cenas como apoio para o surgimento da ação, quase como a necessidade de carregar a arma antes de apertar o gatilho.

E quando o gatilho é apertado… o filme é uma obra inesgotável de luta, tiros, coreografias, sangue e brutalidade. As cenas funcionam como a culminação de tudo aquilo que o diretor e o restante da equipe aprenderam com os filmes anteriores. Há diversas repetições daquilo que já vimos, tanto em termos de escolhas estéticas da direção de fotografia e do design de produção (paleta de cores, enquadramentos, composição de cenário, iluminação e movimentos de câmera conhecidos) quanto de detalhes dos efeitos das balas, que ricocheteiam na blindagem ou explodem no crânio, mas a execução desses elementos em conjunto nas sequências de longa duração é um êxtase para o espectador.

Tal sentimento é constante ao longo das quase três horas de filme, porque é como se a obra fosse como o protagonista: inesgotável. O filme parece não cansar da ação, e é importante salientar como as cenas nunca se tornam exaustivas, pela habilidade do diretor ao constituir um ritmo que ofereça possibilidade de compreendermos aquilo que está na telona. A câmera é consciente de si, isto é, percorre o ambiente sem deixar escapar detalhes do campo de visão e da ação dos personagens. Sua movimentação também permanece contida, porque é mais eficiente você deixar brilhar a equipe de dublês e os movimentos treinados/coreografados do que balançar/chacoalhar para dar a falsa sensação de ação e dinamismo (né, Michael Bay?). 

Aliás, os dublês e as passagens de luta continuam sendo o ponto mais alto de John Wick, porque apresentam uma brutalidade real com técnicas e estilos verídicos, mas mantém certa teatralidade pelo excesso e o absurdo com tantos golpes num curtíssimo intervalo de tempo, que, combinados com a mise-en-scène bem pensada e executada, oferecem uma ação orquestrada como num espetáculo.

Nunca iria me perdoar se não reservasse um parágrafo para comentar sobre uma das maiores sequências de ação que já assisti dentro da sala de cinema. Não havia como cronometrar, mas acredito que a parte final contenha mais de quarenta minutos de ação postergada de ação e antecedida por ação. O que ocorre é tão frenético que só termina literalmente nos créditos finais. Sem respiros ou tempo para se ajeitar na poltrona, o terço final combina a estrutura de anúncio de recompensas da Cúpula feito exclusivamente por mulheres via rádio (já apresentada em filmes anteriores) com a perseguição por John Wick. Os anúncios de aumento da recompensa, como também da localização em tempo real de John, são acompanhados por músicas na transmissão. É como se colocasse uma playlist no Spotify ditando o ritmo da carnificina. Em dezenas de minutos, os ambientes se alternam entre ruas, pontos turísticos, cômodos e escadas (importante salientar a sequência com o uso do plano zenital que será lembrada por diversos anos); os tipos de arma se modificam de pistolas à metralhadoras (ressalto aqui a edição de som da arma explosiva); e as ameaças vão ficando gradativamente piores. Minha tremedeira ao final é a única resposta possível para exemplificar o sentimento provocado pela experiência.

Outro ponto fundamental é a integração completa da cultura oriental na narrativa de John Wick. Mesmo sendo pincelada no terceiro filme, aqui os aspectos orientais ficam em evidência e são articulados pelas escolhas narrativas do longa. Principalmente no início, o ambiente oriental é o palco principal, com os estilos de luta e armas complementando essa representação. A adição do personagem Caine (Donnie Yen) é absolutamente espetacular, sendo este responsável por roubar a cena quando passa.

Porém, o maior destaque desta integração fica na predominância da temática da honra acerca da trajetória de vida, e como as escolhas possuem consequências às vezes definitivas. De certo modo, o filme tenta encontrar razão para a insanidade que John Wick persiste em manter e percorrer mesmo sofrendo perdas irrecuperáveis, oferecendo delicadeza ao retratar as escolhas de um assassino aparentemente impiedoso e inescrupuloso num caminho sem volta. Essa constatação é marca de como um exercício de gênero de ação se permite sensibilizar-se com a história de seu protagonista, possuindo virtudes para além das suas coreografias, cores, sons e luzes estonteantes. 

John Wick 4: Baba Yaga é o ápice da franquia e, possivelmente, uma conclusão plausível e satisfatória sobre um marido que buscou sangue como forma de sobreviver à dor do luto. Afinal,o pequeno cachorro serve como um pretexto para as profundas ânsias de John Wick, que o usa como justificativa para respaldar toda a sua aparente sede de vingança ao reproduzir violência. Mas balas não funcionam contra a inevitabilidade da morte – e do sofrimento proveniente -, são apenas tentativas frustradas de curar a ferida profunda e incurável. Assim, John Wick se reveste como Baba Yaga para dar vazão àquilo que o impede de prosseguir; mas se empenha para ser lembrado como um marido dedicado, e não como o maldito que matou três homens no bar com a porra de um lápis.   

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Sobre o Autor

Thiago Pinto

‘’E quando acabar de ler a matéria, terá minha permissão para sair’’

-Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)

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