Detective Comics Quadrinhos

Joe, o Bárbaro: a jornada fantástica de um garoto diabético

Escrito por Gabriel Faria

Misturando elementos de fantasia medieval com ficção científica e um universo mágico, Joe, o Bárbaro é uma minissérie em oito edições escrita por Grant Morrison com arte de Sean Murphy. Lançada nos EUA pela Vertigo, e agora republicada no Brasil pela editora Panini em uma belíssima edição de luxo, a aventura de Joe Manson para enfrentar seus medos e problemas de saúde é mais que uma simples história, tornando-se um belo conto de fadas.

As histórias criadas por Grant Morrison dividem opiniões. Enquanto alguns leitores o veem como um pseudo-intelectual que escreve sobre nada com palavras bonitas, ou que revisita velhos conceitos para disfarçar sua falta de criatividade, outros estudam o que o roteirista superstar quis dizer e referenciar com cada um de seus parágrafos, descrições de quadros e narrativas como um todo.

De um lado temos Os Invisíveis, Patrulha do Destino e Crise Final, enquanto do outro temos Homem-Animal, We3 e… Joe, o Bárbaro. E mesmo com todos seus trabalhos sendo absurdamente fantásticos, o destaque da história de Joe é a capacidade de criar mundos e paralelos com a vida real que Morrison aplica, com a estonteante co-criação de Sean Murphy.

Nunca uma jornada até a cozinha num dia chuvoso e sem luz seria tão absurda quanto a de Joe Manson. Diabético, Joe precisa manter seus níveis de glicose adequados, e enquanto seu pai faleceu em uma guerra e sua mãe trabalha e luta diariamente para manter suas vidas minimamente dignas, com a constante ameaça de perder a casa, o garoto vive com raiva e age com antipatia. Sofrendo bullying, Joe perde seu chocolate para um grupo de garotos, e ao retornar para sua casa, uma tempestade tem início. A vida do jovem muda a partir de então.

O garoto se vê transportado para um mundo onde seu rato de estimação, Jack, é um tipo de guerreiro samurai, seus brinquedos criaram vida e há um grande vilão, o Rei Morte, vivendo num local obscuro. Entre duas realidades, a física e a imaginativa da Hipogeia, chamada Reino de Ferro, Joe descobre que está tendo um ataque de hipoglicemia (baixos níveis de glicose no sangue), e precisa desbravar sua casa na escuridão em busca de algum tipo de açúcar, como um simples refrigerante. A jornada até sua cozinha, e consequentemente até o porão, é dividida entre as duas realidades, onde a casa de Joe afeta diretamente a forma e existência do mundo paralelo.

Se não bastasse a situação absurda descrita acima, Joe também é parte de uma profecia dos moradores do Reino, sendo chamado de O Menino que Morre, recebedor da difícil tarefa de salvar o mundo das garras do Rei Morte.

Apesar da sinopse louca, Joe é uma das histórias mais lineares de Morrison. O destaque, como citado, é a construção do mundo de Hipogeia, com seres fantásticos e uma atenção especial aos detalhes. Senhor dos Anéis, Alice no País das Maravilhas e Esqueceram de Mim são fortes influências no desenvolvimento de Joe, o Bárbaro, que introduz um garoto antipático e criativo, um típico nerd do colégio, e o desenvolve para que se torne uma pessoa melhor. De início, é difícil se relacionar com o herói (pouco heroico) desta série, mas até o final você já comprou suas dores.

A forma como Morrison e especialmente Sean Murphy retratam os cômodos da casa de Joe em paralelo com áreas específicas do outro mundo é um show por si só. Torneiras viram cachoeiras, vazamentos tornam-se rios, estantes viram castelos e escadas, grandes trilhas. O elenco de apoio, responsável por colaborar com a jornada de Joe, é muito carismático e cada um possui características que se destacam, enquanto a história se desenrola até uma batalha épica contra as forças do mal.

O paralelo traçado é claramente uma luta contra as complicações da saúde do protagonista e também uma forma de encarar seus problemas pessoais. Cada dificuldade e inimigo enfrentado pelo herói surge a partir de um enrosco presente na vida real, desde o ataque hipoglicêmico até as insatisfações e medos familiares. As cores estonteantes do premiado Dave Stewart complementam os belos traços de Murphy, tornando o mundo fantasioso algo verdadeiramente crível, com tecnologia e cultura próprias. As cenas escuras durante o apagão gerado pela tempestade e as paisagens exuberantes do Reino de Ferro possuem o mesmo brilho.

A minissérie pode ser descrita com palavras como sinceridade, aventura, desbravamento despretensioso e sentimentos, e ao longo das oito edições (que funcionam muito bem lidas em sequência, de uma só vez, com o encadernado) os autores exploram cada detalhe da casa do protagonista, e conseguem fechar todas as pontas soltas e ideias lançadas no decorrer da viagem, utilizando metáforas e análogos até as páginas finais.

Joe, o Bárbaro é prova concreta da capacidade de Grant Morrison em criar histórias relacionáveis com o leitor, sem pesar a mão nas alegorias literárias e referências quadrinísticas, soando como diversão pura e simples e entregando o que há de melhor nas ótimas histórias em quadrinhos. Vencedora do Prêmio Eisner de Melhor Minissérie, a jornada de Joe possui uma construção de mundo encantadora, que remete a imaginação das crianças e jovens, e de forma apaixonante deixa o leitor sedento por mais aventuras no Reino de Ferro, por mais bizarro que isso possa soar dadas as circunstâncias que levaram o garoto a conhecer o outro mundo.

A edição de luxo Joe, o Bárbaro da editora Panini possui 224 páginas encadernadas em capa dura, no formato 27,5 x 18 cm, com preço sugerido de R$ 72,00. O encadernado conta também com uma galeria de extras, onde Morrison e Murphy apresentam roteiros e artes conceituais que tornam a experiência do leitor ainda mais prazerosa e aprofundada.

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Sobre o Autor

Gabriel Faria

Assistente Editorial, apaixonado por quadrinhos, redator da Torre de Vigilância, criador do blog 2000 AD Brasil e otaku mangazeiro nas horas vagas.