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GRANBLUE FANTASY: The Animation é o ápice de uma adaptação de videogame

Escrito por Vini Leonardi

Sei que o título pode parecer sensacionalista – e se pararmos para analisar, esse post inteiro vai ser sobre como realmente é de um sensacionalismo descarado – mas é uma afirmação que eu gostaria de defender e só desistirei por cima do meu cadáver. Não que seja muito difícil.

Granblue Fantasy, um mobile game (popularmente conhecido como “mobage”) da gigante nipônica Cygames, completará cinco anos de vida no próximo dia 10 de março, e as festividades dentro do jogo só estão por começar. Aproveitando o momento, dedicarei uma postagem a sua adaptação em animê, que aconteceu em meados de 2017 e foi uma surpresa enorme para todos os envolvidos, uma enxurrada de dinheiro para os produtores, e uma lição não só de direção, como também de marketing.

Quando olhamos para o histórico de adaptações de jogos, sejam elas americanas ou japonesas, em quaisquer mídias que sejam… Não temos uma boa impressão. Aberrações como os filmes de Mortal Kombat e de Tekken são o que surgem na mente, e claro que com um passado assim, fica fácil duvidar de entradas futuras no gênero. Mas nem tudo é um Super Mario Bros. (1993) no mundo dos videogames, e a animação de Granblue Fantasy conseguiu mostrar que com grana e com jeito, se adapta o jogo do sujeito.

Aquela velha história: Eu sou fã e quero service

Questões que precisam ser muito bem pensadas quando passamos uma história de um videogame para um seriado são, entre outras: Como adaptar mecânicas do jogo para uma história “real”; Como deixar o desenvolvimento da trama mais dinâmico e verossímil; E como agradar os fãs que esperam ver suas personagens prediletas do jogo, mesmo elas não fazendo parte da trama principal. Isso tudo, enquanto se preocupam com os assuntos já comuns para um animê: direção, coreografia, animação, OST… É um saldo de trabalho extra que se faz necessário para garantir o sucesso do projeto.

Dissecando cada um dos pontos, começo pelo que eu acredito ser a essência da falha de qualquer adaptação de jogo: as suas malditas mecânicas e como transformá-las. Granblue Fantasy é um jogo relativamente complexo, e que possui cinco anos de conteúdo sendo adicionado com uma frequência semanal. Onde eu quero chegar é que: seria muito fácil de estragar o negócio, se você tentasse. Tem muita coisa que você poderia tentar trazer que ficaria simplesmente bizarro dentro de um universo animado, e por mais incrível que isso possa parecer, o mérito da animação em questão foi justamente… A inação.

Às vezes, a melhor forma de fazer alguma coisa é se ater ao básico. Não é preciso “frufrulizar” o negócio para ele ser consistente. Ao se manter longe de suas famosas extravagâncias, a animação conseguiu trazer sua essência mostrando apenas o essencial. Um exemplo perfeito disso? A mecânica de “evocações”, que é um conceito-chave do jogo, e que é over-the-top demais para uma animação que quer ser levada a sério. Para mostrar o seu efeito ingame (que é de fortalecer seus aliados ou enfraquecer os inimigos), não foi preciso trazer o fim do mundo ao evocar o Deus-Dragão da destruição.

Tá certo que evocaram o tal deus da destruição no primeiro episódio, mas depois? Uma luzinha e uma mão no peito tá mais que de bom tamanho.

Partimos pro segundo ponto, para analisarmos como fazer a história funcionar. Se você já jogou um mobage na sua vida (ou qualquer JRPG, pra ser sincero), sabe como eles são repletos de cenas fragmentadas, encontros aleatórios destruindo conversas e uma introdução fraca e genérica que claramente não foi feita com muito esforço pois o objetivo do jogo é ser um moneygrab instantâneo e não um mundo rico em ambientação. É normal que, só depois de se estabilizarem com relativo sucesso, que esse tipo de jogo comece a investir, de fato, em sua produção.

Granblue Fantasy não foge disso, e tem em seus primeiros capítulos uma trama tão aguada que parece caldo de cana de rodoviária. Mas é a introdução da história, e se você quer fazer uma adaptação do jogo, é preciso passar por ela. O que fazer, então? Você pode apenas cortar as partes irrelevantes e todos os encontros aleatórios (ou não, vai que você queira que monstros apareçam a cada três frases? Tem doido pra tudo) e deixar a história ainda sem graça, mas um pouco menos irritante… Ou você pode aproveitar essa chance para dar um empenho tão grande quanto o atual para uma parte antiga do seu trabalho.

Ao reescrever as partes iniciais, a animação conseguiu não mudar os principais pontos de roteiro, mas deixar tudo mais claro, mais lógico e com mais emoção. No show, eles foram capazes de destrinchar a personalidade das protagonistas, encaixar acontecimentos em momentos mais oportunos, e fazer com que encontros se tornassem mais naturais. É o reboot que arruma a maioria dos problemas causados pela falta de interesse da obra original.

Tem como não adorar essa garota?

Acredito eu, porém, que apesar de tudo já comentado, um detalhe menor mas que pode causar a maior quantidade de discórdia entre sua audiência é a falta de “secundários”. Tendo exatamente 546 personagens jogáveis no momento em que escrevo esta postagem (considerando versões alternativas e colaborações), fora os incontáveis NPCs que povoam os céus, é literalmente impossível agradar todas as pessoas que estão esperançosas de ver sua personagem predileta animada nas telinhas. E para piorar, fora de eventos específicos ou episódios especiais, a maioria dessas pessoas nunca nem dá as caras na história principal (que é o que você vai adaptar). Como lidar com essa situação, sem causar o apocalipse na internet?

Se tivéssemos tempo, dinheiro e dedicação o suficiente, seria fácil fazer um animê que fique vinte anos no ar (acredita que One piece estreou em 1999? Puta merda bicho), e adapte todas as histórias que já aconteceram no jogo. Mas como esse não é o caso, e você tem míseros três meses de exibição semanal para trabalhar, é preciso um planejamento extra para isso.

Dentro do próprio jogo, existem votações mensais de personagens prediletas, então saber quem são as mais populares foi fácil. Eles só precisavam de uma desculpa para colocá-las na animação, e estaríamos prontos. É aí que o parágrafo anterior ganha um brilho extra: já que já estamos mudando a história um pouco, qual o problema de uma ou duas mudanças a mais? De uma forma que pareceu natural e orgânica, as personagens marcantes do jogo foram inseridas dentro do mundo, e interagiram ou ganharam screentime sem parecer terem sido forçadas. Muito pelo contrário, conseguiram trazer personalidade e vida à ambientação, deixando cada ilha muito mais rica.

Mas é ÓBVIO que a maioria das personagens mais populares seriam todas garotas, o que você estava esperando?

Olhando todos esses fatores juntos, percebemos que a direção do animê (feita por Yuuki Itou) trouxe muito conhecimento de causa e conseguiu transformar um material mediano (para não dizer medíocre) em um show genuinamente interessante, não só para os fãs do jogo, como para quem está conhecendo a franquia por ele. E os números comprovam que não sou só eu quem acha isso, vendendo uma média de 57 mil cópias por volume (ficando em nono lugar no ranking de vendas de Blurays da história registrada!).

E lembra daquela lição de Marketing? Tenho certeza que adicionar códigos para itens exclusivos dentro do jogo não tem relação nenhuma com o magnificente sucesso de vendas da série.

A série completa pode ser assistida na plataforma de Streaming Crunchyroll, e uma segunda temporada já está em produção. E se tiver interesse, o jogo se encontra disponível em inglês para PC, Android e iOS.

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Sobre o Autor

Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.