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Golden Boy: o que te faz feliz?

Posso começar esse texto dizendo que sempre tive uma ideia quase que utópica de felicidade – e a palavra “estabilidade” foi predominante no meu conceito. Nós nascemos, crescemos um pouco, entramos na escola. Estudamos. Crescemos um pouco mais, nos formamos. Trabalhamos, e trabalhamos bastante. Se ousarmos escapar mesmo que de forma sutil dessa linha imaginariamente consensual, sofremos o risco do arrependimento ou até mesmo do medo de não estarmos seguindo o que se considera o mais aceitável. Mas… é só isso então? A vida é um corredor estático e segue apenas uma direção? O descobrimento de nossas próprias indagações não estaria entrelaçado unicamente à nós mesmos?

Ok, admito que essa foi uma introdução longa, mas no decorrer do texto vocês vão entender onde eu quero chegar.

Lançado em 1995, Golden Boy é um anime de 6 episódios, produzido pela Shueisha em conjunto com a KSS. Baseado no mangá de mesmo nome, o criador Tatsuya Egawa nos apresenta à jornada do jovem Oe Kintaro, um rapaz de 25 anos que optou por “largar tudo” e viajar com sua fiel bicicleta pelo Japão. Kintaro decidiu que iria aprender sobre a vida, percorrendo seu país não em busca de si mesmo, mas em busca de um aprendizado que só poderia ser conquistado através de uma vivência única.

Ao longo dos 6 episódios, vemos o personagem passar de cidade em cidade, de trabalho em trabalho, sempre buscando aprender o máximo que pode no lugar em que se encontra. O desapego que Kintaro tem com relação ao que a maioria considera como essencial é o que permeia toda a essência do anime, nos mostrando como a alegria pode ser encontrada nas menores e mais simples coisas.

No primeiro episódio, o jovem acaba conseguindo um emprego como faxineiro de uma empresa de informática comandada por mulheres. Mesmo ocupando uma função “simples” e que nada tinha a ver com a computação, Kintaro está sempre com um caderno em mãos, anotando tudo que as suas chefes lhe dizem e até mesmo tudo que elas falam entre si sobre programação e tecnologia. O ânimo em absorver o que o atual momento lhe proporciona é inclusive reparado pelas moças, que veem no jovem uma curiosidade excepcional.

Numa noite, ao estar sozinho no trabalho após o expediente, Kintaro vê um dos computadores ligados, e, numa falha tentativa de poupar energia e ajudar a natureza, desliga o aparelho. O ato ecológico, no entanto, acaba por jogar fora todo o trabalho de meses da empresa, que estava desenvolvendo um programa de computador para um exigente cliente. Perdendo o emprego, Kintaro sente que precisa, de alguma forma, compensar o erro e ajudar as mulheres, começando então a ele mesmo desenvolver o programa que havia deletado. Consultando suas próprias anotações do seu tempo na empresa e mais diversos livros, o jovem consegue criar do zero um software ainda melhor do que o deletado, entregando o arquivo na empresa com um pedido de desculpas e agradecendo por todos os ensinamentos que teve.

Ao perceberem o resultado e o talento de Kintaro, as empresárias procuram pelo jovem, que já havia subido em sua bicicleta e partido rumo à uma nova aventura. O rapaz sente que sua função ali já foi cumprida, que aprendeu o que podia e que conseguiu, de alguma forma, ajudar as pessoas que conheceu.

Em outro momento, vemos Kintaro agora trabalhando em um restaurante de massas artesanais. Morando provisoriamente em um quarto na casa dos proprietários, Oe fala que vai partir assim que o braço do responsável melhorar e o mesmo já puder preparar os pratos sem dificuldades. No decorrer desse tempo, percebemos como o jovem se importa com a família que o contratou – e o acolheu -, dando duro no trabalho, ajudando no que precisa e, o mais importante: vemos como ele está feliz em estar ali.

Sabemos – nós expectadores e a família do restaurante – que a estadia de Kintaro é passageira; sabemos que ele seguirá seu caminho e que as pessoas que ele conhecerá não embarcarão na mesma jornada. Entretanto, mesmo tendo ciência desses fatos, sentimos quando a despedida acontece. Novamente, ao sentir que ali cumpriu sua missão, Kintaro parte, carregando consigo a experiência que adquiriu e os laços que criou.

Kintaro nos faz refletir sobre nossos próprios conceitos de felicidade e aprendizado, nos ensinando (mesmo sendo ele quem está buscando aprender) a olharmos para as oportunidades como uma nova forma de encarar a vida. Percebemos como muitas pessoas irão passar pelos caminhos de Oe e que, mesmo que elas não permaneçam, suas marcas serão eternas. A  solidão de constantes separações acaba sendo compensada pelas belas paisagens que conhece, pelos lugares que visita e pelos encontros que essa incrível jornada lhe proporciona. E, uma coisa eu posso afirmar: Kintaro é feliz. Kintaro leva a felicidade aonde vai, e, do seu jeito, transforma a vida de quem cruza seu caminho, nos mostrando que parte da trajetória também é a partida.


Mesmo sendo um anime ecchi, com cenas de insinuação sexual e até mesmo nudez, Golden Boy consegue empregar a sexualidade de uma forma eficaz, sendo coerente com a narrativa, mesmo que as vezes acabe pesando um pouco na dose. Cabe ressaltar que, por ser uma produção de mais de 20 anos atrás, temos muitos conceitos e entendimentos da época, fazendo com que algumas cenas e piadas se tornem “datadas”. A animação é muito bem feita e produzida, tendo o estilo único que os anos 90 proporcionaram para os padrões estéticos e de traçado. Recomendo essa obra, do fundo do meu coração, não somente aos amantes de animações japonesas, mas à todos que procuram uma trama diferenciada quanto à mensagem que traz. O anime pode ser encontrado na Crunchyroll, clicando AQUI.

PS: se te der vontade de pegar uma bicicleta e sair pelo mundo… não esqueça: a vida é boa e merece ser vivida todos os dias.


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Sobre o Autor

Maria Eduarda Maggi

Estudante de Direito na PUCRS. Boa contadora de piadas não tão boas. Escrevo e gravo sobre quadrinhos, animes e mangás na Torre de Vigilância e no podcast da HQ CORP.

Instagram: @a_espetacular_eduarda_aranha