Categorias
Detective Comics Quadrinhos

Graffic Noire Jersey | Scorsese, Tarantino e uma boa trilha sonora em quadrinhos

Uma leitura que passeia por influências de filmes de máfia de Martin Scorsese e os tiroteios violentos, tensos e uns tantos pastelões de Tarantino. Essa seria uma boa explicação para a Graffic Noire Jersey, HQ do estreante Gerson de Lima. Publicada esse ano via financiamento coletivo, a trama apresenta um jogo de assassinos nos melhores estilos dos filmes dos já citados cineastas, com reviravoltas, flashbacks, bom texto, excelente músicas (sim, isso mesmo) e muita ação.

A trama começa um dia após de um trabalho barulhento feito por Jack, nosso protagonista. Jack é um assassino profissional, à serviço de uma grande organização chamada de AGÊNCIA e Frank é o contato que lhe consegue os seus alvos. O encontro desses dois começa a destrinchar o que aconteceu no trabalho de Jack, que era para ser simples, e acabou se tornando um grande circo. O alvo era o poderoso Julian, um dos maiores matadores do mundo e um dos líderes do sindicato dos assassinos. E esse alvo, para Jack, é perfeito. Só que uma série de coisas acontecem no lugar e acaba até com um restaurante destruído. E Frank, a mando da AGÊNCIA, quer saber o que aconteceu.

A arte de Graffic Noire Jersey apresenta personagens que planam entre o realismo e o caricato. Mas o que realmente se destaca são os enquadramentos. Eles são praticamente personagens na história. Mas o casamento perfeito acontece entre os enquadramentos e a narrativa visual. As cenas de ação onde se misturam tiroteios, brigas e até lutas de espadas, são cinematográficas e não ficam cansativas e nem confusas para o leitor. Os detalhes como nomes dos personagens ou letras de músicas, como trilhas sonoras, em onomatopeias funcionam e não deixam perdido ao longo da história.

A trama em alguns momentos soa como um clichê, mas ela é funcional e prende. Apesar de ser um tema muitas vezes recorrente como uma organização de assassinos, sempre existem novas formas de serem contadas e criar o interesse de quem for consumir o produto. Gerson transforma Jack em um personagem destemido e sem muita complexidade. Sendo até mesmo simples demais, mas de forma proposital. Pois percebemos que Jack é um cara que sabe onde está e quer ficar ali. Assim como Julian que flerta entre o onipresente e o humano, como uma verdadeira estrela do rock intocável, mas que de repente está no meio do supermercado vivendo coisas normais de pessoas normais. E assim como Jack, Julian sabe de sua “supremacia de lenda-viva” e mantém a sua áurea poderosa.

Graffic Noire Jersey tem todo um ar, como eu disse antes, de grandes filmes de Scorsese e Tarantino misturados com o cinema chinês. E ela transmite um ar meio que noir e sua trilha sonora, que contém Johnny Cash, Bob Dylan, Pixies, Queen entre outros. contribui muito. Aconselho a lerem a HQ ouvindo a trilha no Spotify, faz a ambientação ficar muito mais agradável.

No balanço geral, Graffic Noire Jersey é uma das boas surpresas do ano no quadrinho independente nacional. É uma bela estreia do Gerson de Lima, que estará na CCXP 2019 com a continuação Graffic Noire Memphis.

Graffic Noire Jersey está sendo publicado pelo selo editorial Meia-Noite e para adquirir o seu exemplar, você pode entrar em contato direto com o Gerson de Lima em seu perfil no Twitter: @theimmigrantart.

[ATUALIZAÇÃO] Graffic Noire Jersey está sendo publicado pela Editora Skript em formato 25,8 x 10.8 cm e 80 páginas.

 

Categorias
Detective Comics

Senhor Milagre: “Humanos são complicados. Deuses, ainda mais.”

Por alguma razão, existe uma certa tendência nos quadrinhos em reinventar personagens desconhecidos através de roteiristas renomados. O primeiro exemplo vindo a mente, é o run de Grant Morrison pelo Homem-Animal. O roteirista não apenas humanizou Buddy Baker em um nível extraordinário, mas também quebrou muitos padrões ao longo de 26 edições, se consagrando como uma das fases mais amadas de todas. Não seria errado constatar que o Senhor Milagre passou por uma situação semelhante recentemente.

Apesar de Jack Kirby ser o rei e o Quarto Mundo ser considerado uma grande obra, a nova minissérie por Tom King e Mitch Gerads parece ter levado o Novo Deus a outro patamar em termos de popularidade, passando por inúmeras reimpressões durante sua publicação. Os elogios são corriqueiros, tais quais postagens com a icônica frase Darkseid is. Todos esses fatores provavelmente explicam o porquê de Senhor Milagre ter sido vencedor do Eisner 2019, mas o que realmente faz do gibi, esse clássico moderno?

 

SPOILERS! MUITOS SPOILERS A SEGUIR!

Um gibi triste, mas muito além disso.

Há alguns meses, em entrevista ao Comicbook, Tom King declarou que escreve personagens tristes. Mas isso não significa levar o leitor a tristeza absoluta. King odeia como algumas obras exploram trauma constantemente, a cada página. De acordo com o escritor, o trauma é inconstante, em alguns momentos, é possível lidá-lo, em outros, não. É algo sempre presente no subconsciente, nunca no consciente.

Através dessa filosofia, ele constrói e desconstrói Scott Free do início ao fim, inconstante. Humanos são complicados. Deuses, ainda mais. O que o roteiro faz é questionar como o conhecimento exclusivo do ódio, da violência e da dor na infância, afetaria um homem em sua fase adulta? A trama de Senhor Milagre tem início com a tentativa de suicídio do próprio, mas no decorrer das edições, o leitor tem suas emoções testadas como uma montanha-russa, caminhando entre momentos de felicidade e tristeza profunda.

Boa piada. Rufam os tambores.

Dito isso, a quarta edição talvez seja o melhor exemplo desse artifício. Quando Órion vai à casa de Scott para julgá-lo e talvez condená-lo à morte, o cenário casual, a chegada de uma encomenda, elementos mundanos, contrastam com a tensão do julgamento, o qual oferece uma das melhores sequências de todos os tempos. O jogo de palavras de King é genial, eficiente e provocativo, limitando o protagonista a dizer verdadeiro ou falso enquanto os questionamentos transitam do político para o existencial. Isso ajuda não apenas a avançar com a narrativa, mas entender o misto de sensações ruins em Scott nesta cena.

Ao dizer: “Meu nome não é Scott, eu não sei qual é o nome. Meu pai nem mesmo se importou em me dar um nome.”, o coração do leitor, ao lado do personagem, pesa. O sentimento de tristeza é mútuo e ao atingir o brilhante fim do capítulo caracterizado por um surto total, o leitor está lá, assim como Barda, para confortá-lo. Sem explicações sobre backstory, apenas através de um julgamento, a HQ diz mais sobre ódio e raiva do que mil palavras jamais poderiam.

Eu choro toda vez que eu leio isso.

Não apenas através de brilhantes diálogos, Senhor Milagre foi reescrito diversas vezes visando uma conexão perfeita com arte de Mitch Gerads. Definitivamente, funcionou. Gerads é tão autor quanto King aqui, a forma como os rostos realistas, a sujeira, convivem lado a lado com elementos psicodélicos e as cores vibrantes da obra original de Kirby, é simplesmente brilhante.

Além de trazer um pouco de absurdo a realidade e vice-versa, ele utiliza um excelente recurso narrativo através de interferências de sinal de uma TV, expondo o estado desconcertante dos personagens e brincando com a sensação de realidade e ilusão, muito bem explorada na obra. Os traços também se destacam quando o artista emula cenas de ação em planos-sequência, trazendo uma enorme fluidez para a leitura.

 

 

 

Longa Vida ao Rei

Senhor Milagre não apenas mantém os visuais clássicos, mas também presta diversas homenagens a Jack Kirby. Seja através dos textos introdutórios das primeiras edições de Mister Miracle (1971), que estão presentes em cada edição da minissérie, adquirindo novos contextos, ou referências visuais, como o nome do autor na Calçada da Fama, abaixo das mãos do protagonista.

King também resgata diversos conceitos criados por Kirby e alguns deles, servem a um propósito real da narrativa. Aliás, o roteirista relembra a profecia de que Órion é o único capaz de vencer Darkseid, mas a utiliza de maneira inconvencional e extremamente criativa, tornando o meio para chegar ao fim, não apenas surpreendente, mas coerente com o que é estabelecido tanto no passado quanto no presente.

Criação encontra criador.

Mas a maior homenagem provavelmente reside no fato de que o filho do casal Scott e Barda é nomeado de Jacó. Apesar do roteiro justificar a nomeação através de uma história de vida simbolizando o desconhecido e a esperança, fica clara e explícita a homenagem. Principalmente, quando o chamam de Jack: O Rei. Entretanto, como dito anteriormente, há uma explicação dada durante a narrativa e sinceramente, traduz perfeitamente as intenções de King ao declarar que não é uma história exclusivamente com momentos tristes. Como dito anteriormente, há uma inconstância.

Pois bem, o ódio, a dor e a tristeza já foram abordadas acima, pois o melhor é sempre deixado para o final. O amor, o carinho e a felicidade em Senhor Milagre estão concentrados em Jacó, pois ele não é apenas o fruto do amor entre Scott e Barda, ele é a chance de ser o que Scott não conseguiu: Feliz. Ele pode crescer fora de tudo isso, os acordos de paz, a guerra, a Anti-Vida, ele é a esperança de melhora.

Nós também o amamos, Scott

Antes de nomeá-lo, na sétima edição, Barda fala sobre o quão bem faz pensar, durante a gravidez, sobre coisas confortantes e a personagem fala sobre a Escada de Jacó. Ela jamais conseguiria ver o topo da escada, mas sabia que lá, estava o desconhecido, o inimaginável, algo além da miséria, da crueldade, de Darkseid. Mas nada é tão fácil. O roteiro cria uma analogia com o Pacto feito entre Pai Celestial e Darkseid e esse é o momento em que Scott pode escapar, através do amor pelo seu filho, pela sua esposa, esquecer as tramas enormes as quais o cercam. Ele pode finalmente ver o rosto de Deus.

“Este é o Rosto de Deus”

Enquanto redijo este artigo, acabo de finalizar a minha quarta leitura da obra e a experiência foi, certamente, interessante. Porque novas interpretações, novos pensamentos, os quais precisava imediatamente registrá-los, sobre o Rosto de Deus, mencionado constantemente durante a história, vieram. Durante as minhas três primeiras leituras, concluí que era uma homenagem a Jack Kirby, mas não era apenas isso. Há algumas semanas, tinha escrito um parágrafo inteiro sobre isso, mas o modifiquei, pois cheguei a uma nova conclusão.

Durante a quinta edição, Free reflete sobre a famosa frase de Rene Descartes: “Penso, logo, existo.” e sobre o fato de que Deus é melhor que todas as coisas. Se é melhor ser bom, Deus é bom, se é melhor existir, Deus existe, assim como nós existimos. Em Genêsis (1: 27), é dito: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” Logo, concluí-se que o enigmático rosto, nada mais é, do que nós mesmos. O que faz sentido, pois o Mestre Escapista é um deus e existe naquele mundo. Quando ele encontra o que há de melhor em sua vida, olha para si, de maneira metafórica, ele tem a chance de retornar para a cronologia sem sentido do Universo DC, ou permanecer morto, nesse mundo perfeito, nem mesmo o céu ou o inferno, apenas este Quarto Mundo.

Poetic Comic

 

Outra pergunta sempre intrigante para mim era: “O que aconteceu aos outros três mundos?” Sabe-se que os Deuses antigos tem sua essência retornada para a Fonte, mas King traz uma certa poesia para responder isso: O primeiro, é de onde nossos pais vieram, o segundo, quando nascemos, o terceiro, quando crescemos e o quarto, é a nossa imaginação, o anseio de escapar do que não podemos: A realidade.

Senhor Milagre por Tom King e Mitch Gerads é uma obra inesquecível. A dupla consegue homenagear o trabalho de Jack Kirby com bastante sutileza, ao mesmo tempo em que traz ainda mais profundidade ao Novo Deus mais icônico. Ora, cruel, ora, bem humorado, mas intrigante, criativo, emocionante e extremamente humano do início ao fim. Por todos esses e inúmeros outros fatores, é o novíssimo clássico moderno da DC Comics.

Categorias
Detective Comics Quadrinhos

Navie desbrava a si mesma com seu Duplo Eu

Dificilmente se encontram hoje em dia pessoas que, em algum momento da vida, não tiveram qualquer tipo de preocupação a respeito de seu peso. Essa vigilância é comum tanto para menos quanto para mais. Simpatias, cirurgias, alimentação regrada, produtos milagrosos e muito mais nos enchem a cabeça na busca de nossa forma ideal. Ideal para nós? Para os outros? Para ambos? Não há somente uma resposta. A vaidade nos prende. Nos põe em uma busca que não sabemos bem o resultado, mas que nos faz pensar que vale a pena.

Segundo dados do Ministério da Saúde de julho de 2019, 55,7% dos brasileiros estão acima do peso e destes, 19,8% são considerados obesos. Nesse último grupo, temos um maior índice em mulheres (20,7%) do que em homens (18,7%). Na França, a estatística é 50% acima do peso e 15,7% obesos. Distinguindo por sexo, os homens “vencem” na situação de obesidade por pouco: 15,8% contra 15,6% das mulheres. Dentre alguns exemplos de enfermidades, diabetes, fibrose, hipertensão e outros problemas cardiovasculares estão associados à obesidade. Indo muito além da questão estética, o peso é imprescindível para indicar situações  sobre saúde e doenças.

Apesar de fazer parte da ligeira minoria em sua terra, Navie está incluída nesse grupo de obesos, e pior: Na situação de obesidade mórbida, classificação máxima onde a pontuação de IMC (Índice de Massa Corporal) ultrapassa 40 pontos. Seu relato de drama pessoal é espantoso: Com auxílio dos desenhos de Audrey Lainé, Navie abre sua vida ao leitor como poucos teriam coragem. Através de estatísticas, cálculos, citações, humor e até analogias com referências de fábulas, a autora diz como buscou refúgio de problemas internos em sua hiperfagia e até que ponto o peso a influenciou em relacionamentos, honestidade, saúde e sexo.

Navie narra seu peso como um fardo que se transforma em sua consciência. Daí seu Duplo Eu. Ela conversa com si mesma, discute, debate e toma decisões sendo ela a própria discordância. Muitos confabulam com si próprio, mas no caso de Navie sua consciência se torna a antagonista. Por isso mesmo ela decide tomar atitudes, mudar para “se livrar de si”. Mas como quase sempre, a vida não tem consequências exatamente como se projeta.

O processo de perda de peso ao qual se submete mostra que o maior problema era a autora e seus obstáculos psicológicos. Ela se odeia e assim torna nociva sua mente e decisões. Esta narrativa gráfica também mostra como esse drama que atinge pessoas do mundo inteiro é explorado pela imprensa e mídia, em reportagens e programas de televisão transmitidos inclusive no Brasil. Quilo por Quilo, de Chris Powell, é um grande sucesso de audiência na TV por assinatura.

Há muitas pessoas que se consideram satisfeitas na forma e aparência que apresentam. Desde que continuem (como qualquer outro) tomando os devidos cuidados com sua saúde, se sentir bem é o que importa no fim das contas. A própria autora hoje participa de um site multimídia a respeito do assunto. No Brasil, coletivos como Projeto Cada Uma e Toda Grandona mostram relatos reais sobre o assunto que, poderiam não só serem HQs, mas toda outra mídia narrativa possível.

Duplo eu é uma saga sobre aceitar a si mesmo para à partir daí tomar decisões e não o contrário. A pessoa se perde no momento em que confunde esses dois caminhos e começa pelo fim. Ao menos quase sempre é possível se reavaliar e tomar a decisão necessária.

A Nemo mais uma vez nos brinda com algo diferente do habitual. Suas preferências editoriais sobre o mercado europeu mudavam como um camaleão desde a criação no selo pelo Grupo Autêntica em 2011. Passando por ficções de Moebius e Enki Bilal, parece ter encontrado seu lugar no Brasil trazendo HQs do velho mundo onde o foco principal é o drama da vida real. Os leitores que buscam algo diferente agradecem, porém material da “velha fase” da editora ainda está incompleto por aqui: Aâma, cujo volume 3 é o mais recente a sair no Brasil e veio para cá em 2017, tem um quarto e último tomo lançado há quase 5 anos na Europa e que conclui essa saga, mas ainda encontra-se inédito em português; A coleção Safadas também tem um derradeiro volume intitulado Ciné Fripon (Safadas Cinema, em tradução livre) que nunca chegou por aqui. Apesar do ótimo trabalho realizado em outros seguimentos, vale a pena a editora concluir essas coleções já iniciadas.

Duplo Eu
Navie e Audrey Lainé
144 páginas
Formato: 17 x 24 cm
R$54,90
Brochura
Editora Nemo
Data de publicação: 07/2019

 

 

 

Categorias
Detective Comics Entretenimento

A inclusão na Nona Arte! Conheça 5 Quadrinhos sobre Deficiência Intelectual e Autismo

Deficiência Intelectual costuma ser um tema raramente abordado em mídias tradicionais.  Geralmente quem é acostumado a falar sobre isso, ou convive com quem possui, ou trabalha com serviços voltados para o assunto.

Eu poderia somente vir aqui e dizer que precisamos de mais materiais voltados para o tema, mas não é esse o objetivo do texto, é pertinente deixar bem claro, que por mais leituras que a gente realize, só conseguimos aprender o que é a deficiência de verdade, quando convivemos com ela, seja direta, ou indiretamente.

Mas mesmo dizendo isso no parágrafo anterior, eu ainda arriscaria dizer que existe mais um meio de sentir e nos colocar na pele de quem possui ou convive com a deficiência intelectual. E como o título já diz, estamos falando sobre os quadrinhos.

Do dia 21 ao dia 28 de Agosto desse ano, acontece a Semana da Pessoa com Deficiência Intelectual, e claro, aproveitando esse gancho, separamos aqui 5 obras que te ajudam a entender, e até mesmo, sentir na pele tudo que esse assunto nos trás.

Turma da Mônica: Um Amiguinho Diferente

Capa da Edição

Nada melhor iniciar a nossa Lista com quem nos ajudou (pelo menos a grande maioria dos atuais leitores Brasileiros) a iniciar nos quadrinhos desde a infância, o grande Maurício de Souza.

No ano de 2001, ele foi convidado para desenvolver um projeto com o objetivo de alertar a população sobre os sintomas do autismo. E com alguns meses e bastante trabalho, foi criado mais um personagem da Turma da Mônica, o André.

No seu primeiro quadrinho, o André, de forma indireta conseguiu passar diversas informações sobre o autismo e o melhor de tudo, de um jeito claro e lúdico, de modo que crianças e seus familiares conseguiam compreender, de forma natural e sem preconceitos, do que se tratava o espectro.

Além do quadrinho, também foram criadas seis vinhetas de desenho animado, que alertam pais, familiares e professores para a importância do diagnóstico precoce e esclarecem o comportamento que deve ser adotado com a criança autista.

A turma da mônica sempre foi um grande exemplo de inclusão e representatividade. Além do André dentro do bairro do Limoeiro temos o Humberto, que é um menino mudo, a Dorinha que é uma menina cega, o Luca que é um menino cadeirante, e também a Tati que é uma deficiente intelectual com síndrome de Down.


A Vida Com Logan

Capa do Quadrinho

Também nacional, A vida com Logan nos mostra um pouco do cotidiano de uma criança com Síndrome de Down. Crenças limitantes são desfeitas dentro do quadrinho que é escrito por nada menos que o pai do Logan. Sim… o Logan é real! E é filho do quadrinista Flávio Soares, que graças a convivência com o filho, nos consegue passar uma ideia diferente de tudo que estamos acostumados a ouvir sobre o que é a Síndrome de Down.

Além de todas as aventuras e emoções no quadrinho, conseguimos também muitas informações sobre a Síndrome no final da obra e inclusive fotos do verdadeiro Logan.


A Diferença Invisível

Capa do Quadrinho

Saindo um pouco dos nacionais, chegamos a um quadrinho publicado pela Editora Nemo, que como de costume foge de todo o Mainstream.

A Diferença Invisível acaba trazendo, além de toda informação sobre o Autismo, uma história de descoberta. Já que a Francesa Marguerite, protagonista do quadrinho, após muito tempo se sentindo deslocada, consegue entender o porque de toda a angústia que sentia.

Há um tempo publicamos aqui uma resenha sobre esse quadrinho (Clique aqui para ler) e para não perder muito a graça da leitura do texto em si, sugiro que clique no link e aproveite mais a fundo a obra de arte que ele é, e consiga entender a importância da mistura de cores juntamente do desenvolver da história.


Bim, Um menino Diferente

Capa da edição

Voltando ao nacional, mas não deixando de inovar, trazemos um quadrinho simples (à primeira vista), não muito conhecido, mas de grande importância para o mundo dos Quadrinhos. Bim, Um menino diferente retrata a vida de um menino com Paralisia Cerebral, e consegue provar, que apesar de todas as suas dificuldades, ele consegue ser uma criança feliz.

Bom… Lendo a sinopse, daria pra pensar que seria mais uma história clichê de filmes de sessão da tarde presente nos quadrinhos. A diferença está em quem escreveu o quadrinho. Bim acaba se tornando um autorretrato do autor Fábio Fernandes, que possui paralisia cerebral e mesmo com todas suas limitações publicou o seu primeiro quadrinho e se inseriu no mundo editorial.


Não era Você que eu esperava

Capa da Edição

Finalizando a nossa lista, Não era você que eu esperava acaba sendo um dos quadrinhos mais emocionantes e que mais nos toca sobre o assunto tratado.

Fabien Toulmé narra e desmistifica, com bastante emoção e delicadeza, sua experiência com sua filha que possui Síndrome de Down. O ponto principal no quadrinho, ao meu ver, nem seria somente a deficiência em si, mas todo o contexto extremamente bem trabalhado, e as ocorrências na vida de todos que estão ao redor da família do protagonista. Acredito que essa obra deveria ter um espaço na coleção de todos, não somente pelo tema, mas sobre todo o modo em que ela é contada.

Eu até gostaria de falar mais sobre ele por aqui, mas como no caso de A diferença Invisível, também temos um texto muito bom e bastante detalhado sobre o quadrinho aqui na torre, que não precisa de nenhum complemento (Clique aqui pra conferir).


Finalizamos a nossa lista, mas espero que nunca finalizemos a luta por toda essa causa, se você conhece algum deficiente intelectual, se informe, interaja e utilize todo esse super poder que nos foi dado chamado inclusão. Uma excelente semana da Deficiência intelectual para todos e até a Próxima.

Categorias
Detective Comics Quadrinhos

A leitura psicodélica, colorida e musical de Beatles – Yellow Submarine

“If you’re listening to this song, you may think the cords are going wrong. But they’re not. We just wrote it like that”

Tudo que os Beatles fizeram, acabou se tornando parte da história musical do mundo. Seja o que eles se interessaram em fazer, seja o que eles não estavam muito interessados em fazer. Nessa segunda opção temos, por incrível que pareça, Yellow Submarine. Concebido como décimo primeiro disco de estúdio da banda, ele foi gravado entre 1967 e 1968 no lendário Estúdio Abbey Road, sendo lançado em 1969. O projeto foi comercializado como banda sonora para o filme de animação do mesmo nome (que chegou aos cinemas em 1968).

Cartaz original do longa animado.

Os Beatles consideraram Yellow Submarine como uma obrigação contratual, o álbum em si possui 13 músicas no total, sendo seis compostas pela banda, incluindo a faixa-título e All You Need Is Love. O restante do álbum são regravações da banda sonora orquestral do filme pelo produtor George Martin. Já o longa animado foi recebido com muito agrado pela crítica. Mesmo com a banda não dando muita importância, eles não dublam seus próprios personagens por exemplo, o filme foi um sucesso de bilheteria justamente por ser uma das bandas mais populares do momento e por ser lançado no meio da cultura pop psicodélica da década de 1960.

E essa psicodelia toda está na graphic novel.

No aniversário de 50 anos de Yellow Submarine, a Titan Comics recrutou Bill Morrison, que tem em seu currículo Mad Magazine e Os Simpsons, para roteirizar e desenhar a adaptação. Morrison seguiu o estilo inigualável do filme e acertou na nota. Falar que a Graphic Novel é um prato cheio para os fãs é chover no molhado. Mas me impressiona como ela é gostosa de ler para quem não é ouvinte da banda. E esse texto, estimado leitor que não gosta de Beatles, é muito para você. Uma pequena curiosidade é que em 1968, também já tinha sido lançada uma adaptação em quadrinhos de Yellow Submarine.

 

“We all live in a yellow submarine… Yellow submarine, yellow submarine”

A trama começa com uma invasão na idílica Pepperland pelos Malvados Azuis, que odeiam música e tudo que o local representa. O recém-nomeado Almirante Fred embarca no Submarino Amarelo atrás de ajuda, recrutando Ringo, John, George e Paul, que voltam com ele para livrar aquela terra do domínio dos autoritários Azuis.

A primeira coisa que tem que se ter em mente para quem não é familiarizado ou simplesmente não curte os Beatles é: Não se prenda à razão. Yellow Submarine não foi feita para pensar muito. Ela é o retrato de uma viagem de ácido em uma kombi cruzando os EUA. Ela não tem momentos surreais. Ela é totalmente surreal. Como algo que só veríamos em histórias do Grant Morrison muito chapado com um baita colorista. A trama tem um norte, ela sabe para onde vai e sabe conduzir o leitor. Mas os devaneios no meio dela são de você se pegar pensando: “mas o que é isso que estou lendo?”

Bill Morrison usou e abusou de cores, nos tamanhos de personagens e nas páginas duplas. Diagramações e quadros exagerados ajudam a compor o estilo psicodélico que a trama exige e urra, às vezes você se pega em uma página dupla lendo uma sequência de diálogos tão ágil que misturada com a colorização te deixa atordoado. Isso sem contar os detalhes em cenários, roupas e personagens. Tudo tão intenso e forte. Mas o grande barato é a satisfação de se ler Yellow Submarine. Pois é uma leitura sem compromisso. Para quem vem de quadrinhos tensos, sejam de heróis ou de outro gênero, que te deixa vibrado ou sonolento no gibi, essa Graphic Novel é um alívio mental e te faz sair da caixinha total.

“All you need is love… All you need is love, love… Love is all you need”

Mas, assustadoramente, Yellow Submarine pode ser um tema atual. Onde vemos os Malvados Azuis que quer dominar a todos de sua maneira, usando de sua ignorância e afogando a cultura musical que dá alegria e vida ao povo de Pepperland. É fácil enxergar o genocídio da felicidade cometido pelos Azuis em alguns governantes atuais… mas, sinceramente… esse não é o papel dessa Graphic Novel. Ela só tem uma missão: te fazer desligar do mundo e curtir somente o barato e bom da vida. Nem que seja somente durante as suas 128 páginas.

Como de praxe, a edição da Darkside Books ficou formidável. Uma graphic novel bem bonita, com cores bem vibrantes que se destacam onde você estiver e que fazem bem aos olhos. Mais um excelente trabalho da editora.

Beatles – Yellow Submarine tem formato 29,4 x 19,4 cm, capa dura e contém extras como esboços originais.

 

Categorias
Detective Comics Quadrinhos

Gás Negro: quando The Walking Dead e Crossed se encontram

A temática “zumbi” passou por seus altos e baixos nos últimos anos. Com uma explosão de retorno de popularidade no início da década passada, este subgênero de produções (em quadrinhos, livros, séries e filmes) aparentemente havia esgotado suas formas de inovação, caindo na mesmice e passando pela diminuição da febre e anseio do público. Entretanto, há obras que tentam inovar neste – quase – engessado universo. E Gás Negro, de Warren Ellis, seguiu nesta vertente.

Publicada nos EUA originalmente pela Avatar Press entre 2006 e 2007, a minissérie Gás Negro surgiu antes de Crossed, de Garth Ennis, que se consagrou com uma temática similar.

Em ambas as séries os autores desenvolvem um novo tipo de horror zumbi, que diferente do consagrado por George Romero, apresenta uma potencialização dos piores sentimentos das pessoas, que perdem o controle e tornam-se máquinas de matar sem necessariamente morrerem antes. Perde-se parte da discussão social, e apresenta-se um festival de matança desenfreado e chocante.

A trama gira em torno de uma pequena cidade na Costa Leste americana, construída em cima de uma pequena falha tectônica. Ellis desperta o apocalipse zumbi deste universo com uma antiga história, e uma grande tempestade, que rompe a falha e libera um misterioso gás escuro que se espalha por toda a pequena cidade na Ilha da Fumaça. O gás, quando em contato com as pessoas, as transforma em zumbis. Aparentemente apenas duas pessoas escaparam: o casal Tyler e Soo.

O casal que protagoniza (parte de) Gás Negro subitamente deve lidar com uma gigantesca onda de assassinatos ao redor de onde passam. Warren Ellis brinca com a desconstrução da vida em sociedade, fazendo com que seus personagens questionem diversas atitudes enquanto, ao mesmo tempo, devem tomar decisões difíceis. A história é simples e direta, e no momento de ruptura, ela se torna um frenesi com algumas das mortes (e frases) mais bizarras das histórias em quadrinhos. E rapidamente o que parecia The Walking Dead, com vários diálogos convincentes e humanos, se transforma em diversão pura, simples e inusitada.

A arte de Max Fiumara, com cores de Andrew Dalhouse, é escura e densa, porém funcional para o proposto, não fugindo da temática e ambientação. Algumas sequências de ação e perseguição, entretanto, saltam aos olhos pelo gore e pela quantidade absurda e desesperadora de “potencial de vai dar merda.” O leitor sente esperança em pouquíssimos momentos, e enquanto a doença se espalha fica claro que tudo está perdido e a Terra condenou a todos.

Ellis também estabelece logo no primeiro capítulo que o misterioso fenômeno já havia acontecido antes, e a mitologia da Ilha da Fumaça é depressiva por si só. Alguns infectados não perdem totalmente o controle de si mesmos, e parte da diversão da leitura é ver como são diferentes as atitudes que as pessoas tomam, indo do canibalismo ao estupro de uma página à outra. Essa loucura cria um sentimento de incerteza constante que move a leitura, por mais que os diálogos tornem-se cada vez mais simples.

A utilização da força policial e das forças armadas também diverte, com momentos apoteóticos de explosões gigantescas. Aos poucos é possível notar que nem tudo está perdido no momento em que a história está se passando, mas o descontrole é palpável e o inferno total está cada vez mais próximo, apesar de os personagens buscarem algum refúgio.

Gás Negro precedeu o que viria a se estabelecer pouco tempo depois como uma enorme diversão franca e violenta, atingindo muitos leitores por publicações da mesma Avatar Press. O final, bem direto, deixa claro qual é o destino do planeta e a edição trazida ao Brasil pela Mythos Editora compila toda a saga em quadrinhos e não possui extras.

Categorias
Detective Comics Quadrinhos

Placas Tectônicas: a autobiografia que mergulha na mente das mulheres

35 anos, uma filha, um divórcio. Placas Tectônicas é uma história que poderia facilmente ser transportada para as páginas de uma graphic novel através de um drama familiar. Entretanto, a artista Margaux Motin opta por mostrar sua rotina de erros, acertos e superações de forma muito real e divertida, mergulhando de cabeça em seus pensamentos mais íntimos, inesperados e (muitas vezes) totalmente pirados.

Tiras, aquarelas e composições diferentes e criativas dão vida à esta história, um misto de boas conversas e situações inusitadas recheadas de um humor especialmente feminino. Margaux Motin parte do seguinte princípio: após o término de um relacionamento de dez anos, é como se ela tivesse rejuvenescido dez anos. Seus 35 anos tornam-se 25 em suas atitudes, ideias e na forma como ela passa a encarar sua vida, sua rotina e seus afazeres profissionais.

A descoberta feita pela autora, demonstrando que o fim de “uma vida” pode se tornar o início de outra, torna-se rapidamente o fio condutor que guia sua narrativa, construída através de tiras de uma página e histórias curtas, sempre centradas em determinados aspectos de sua fase de adaptação. Motin é sincera, e sua sinceridade transforma Placas Tectônicas num mergulho na mente das mulheres, demonstrando seus gostos pessoais, realizações, desejos e muito mais.

A forma como se relaciona com amigas e familiares, incluindo suas divertidas conversas com a filha, revelam claramente a nova Margaux, se sentindo mais jovem e liberta às novas experimentações, permitindo-se descobrir coisas que até então não havia tido oportunidade de conhecer. E isso chega a incluir uma nova paixão, que também se torna rapidamente um grande destaque para a trama, expondo mais uma vez, honestamente, o que se passa em sua cabeça: paranoias, alegrias e uma miríade de sentimentos.

A narrativa, citada acima, é composta por tiras de página única e histórias curtas. Sua arte, entretanto, é uma bela mistura de linha clara com colagens e cores muito vivas, diversas vezes repletas de efeitos para transmitir determinados sentimentos. Não há divisão de quadros, e isso dá fluidez às suas ideias e sequências de ação (as mais variadas que você pode imaginar).

E sendo uma história autobiográfica, há sempre o receio de que o cotidiano do autor não seja tão interessante. Muitas vezes uma autobiografia é apenas uma fatia ou acontecimento específico da vida de alguém, transposta para determinada mídia, podendo ou não ser cativante. Porém, o cotidiano muitas vezes infantil da autora destaca-se como uma autobiografia que cativa, e ao mesmo tempo diverte e emociona, sem ser clichê. Este talvez seja seu maior mérito como narradora e também como pessoa.

A edição nacional publicada pela Editora Nemo segue o capricho editorial típico do catálogo da editora, recheado de obras-primas. As 256 páginas fluem rapidamente, e há mais de uma forma de degustar esta história, podendo ser uma leitura única e direta do começo ao fim, e também algo a ser consultado esporadicamente para saborear aos poucos algumas historietas que compõem a obra. Acredito que ambas as formas são plenamente possíveis.

E Placas Tectônicas, além de mergulhar na mente de muitas mulheres (com especial destaque para as que já passaram dos trinta anos), também serve como uma boa lição de vida, visto que há algo mais a ser passado. Tudo pode parecer simples, mas existem ideias para se absorver em cada história, e intencionalmente ou não, transmitir tantas mensagens positivas é uma grande capacidade da autora.

Categorias
Detective Comics Quadrinhos

Quem são os Intrusos de Adrian Tomine?

Somente após quase 25 anos do início da carreira de Adrian Tomine os leitores brasileiros recebem uma de suas obras em formato integral. Antes desta publicação da Nemo, apenas uma história curta do autor havia sido publicado em Comic Book – O Novo Quadrinho Norte-Americano pela Conrad em 1999.

Intrusos, como em quase todos os álbuns anteriores do autor, é um coletânea de contos do cotidiano. Experimentando várias formas de narrativa, temos ao todo seis histórias e cada uma com sua particularidade. Tomine transita entre um capítulo e outro a ponto de não parecer ser o mesmo autor, com desenhos de personagens mais simples à mais trabalhados e até cenários com nenhum personagem. Seu traço vai se adaptando ao conteúdo de cada história e não o contrário.

Logo de cara, temos Breve Histórico da Arte Conhecida como “Hortiscultura”, uma narrativa em tiras similares às de jornal. Sempre na sequência de seis tiras em preto e branco e uma colorida (esta representando a “tira de domingo”) temos a busca de um jardineiro que tenta ser artista com esculturas de plantas, mas que se frusta pela não percepção das pessoas em relação à arte que, para ele, ali contém. Em um traço da escola   linha clara, este é o conto mais simples e direto, como uma introdução leve do que estaria por vir.

O teor já muda logo em Amber Sweet, onde a vida de uma estudante muda por ser parecida com uma atriz pornô. Com falta de respeito costumeira em situações nessa questão, homens começam a abordá-la com propostas e adjetivos que não a agradam. Por se sentirem no direito de serem o que na verdade não deveriam, suas atitudes fazem a vítima obrigada a mudar de vida em definitivo. Temos aqui o melhor conto entre os seis.

Em Vamos, Owls um relacionamento conturbado de um casal é unido basicamente pela torcida por um time de baseball. O fanatismo toma conta de todas as atividades que cercam sua vida medíocre em um apartamento pequeno, sujo e pouco mobiliado. As drogas e conversas rasas escondem segredos entre os companheiros. Na mais longa história da publicação, temos uma tradução duvidosa relacionada aos termos usados para algumas jogadas no baseball. No Brasil, temos jogos de baseball transmitidos em TV à cabo e sites que noticiam o esporte. Vale a pena consultar esses meios de informação pois vários dos termos mais apropriados para serem usados na história podem ser encontrados lá. Observem a página a seguir:

Vamos comparar com o texto original de cada quadro em específico:

Quadro 3

Na tradução, o “corredor na boca” conhecemos como “corredor para anotar”. No caso, anotar corrida, que é a pontuação do jogo quando se percorre as 4 bases. Por isso mesmo está no texto original “runners in scoring position” para representá-lo. Sua porcentagem nessa situação é .220 ou 22% de aproveitamento. Ou seja: O jogador não rebate bem quando seus companheiros estão em posição de anotar pontos.

 

 

Quadro 4

O “rebatedor certinho” da versão brasileira refere-se ao clean-up hitter da versão original, no Brasil chamado de quarto rebatedor. No jogo, o quarto rebatedor é geralmente um jogador com maior aproveitamento em rebatidas, pois assim tem chances maiores de impulsionar movimentações de base ou até fazer os três rebatedores anteriores a ele anotarem corrida e assim chegarem ao home plate. Por isso “clean-up” uma vez que os jogadores, assim que anotam corrida, saem de suas bases ocupadas, as deixando limpas. Ainda no texto de Tomine, o personagem inclusive reclama que seu quarto rebatedor produz apenas solo shots. São os chamados home runs solos, que marcam apenas um ponto na jogada, quando poderia marcar de dois até quatro pontos de uma vez só se todas as bases estivessem ocupadas e/ou sua rebatida fosse melhor na oportunidade.

Quadro 5

Por isso mesmo no quadro seguinte o texto original diz “We need him driving in runs in key situations” ou seja: Impulsionando corridas quando for a hora certa. No quadro anterior da versão traduzida, é mais apropriado usar o termo joga ao invés de toca ao se referir a uma rebatida. Porque “tocar” mais tem a ver com uma jogada entre companheiros de equipe, e uma rebatida é feita em virtude de um arremesso, sendo o arremessador sempre um jogador rival ao rebatedor quando é a vez do seu time passar pelo bastão.

Quadro 6

O “rebate 9” na verdade é conhecido no Brasil como nono batedor, que pode ser um rebatedor designado ou próprio arremessador do time, dependendo das regras implantadas na liga onde a partida é realizada. Arremessadores são treinados na base apenas para lançamentos e raramente para rebatidas, por isso mesmo quando um arremessador vai ao bastão pouca coisa produtiva acontece no jogo. Assim, algumas ligas adotam a figura do rebatedor designado,  um jogador que não atua na defesa e aparece apenas para rebater. Por isso vários rebatedores designados não apresentam forma física costumeira para atletas, como é o caso de David Ortiz:

Por mais que o esporte não seja tão popular no nosso país como outros, os termos usados em nossa imprensa podem sim serem entendidos por outros públicos, mesmo que sejam necessários eventualmente breves textos de rodapé, como já tanto vimos em outras HQs.

Triunfo e Tragédia e Intrusos são óbvios tributos a Chris Ware e Yoshihiro Tatsumi. Ambas seguem, além do traço, uma velocidade narrativa muito característica dos autores. Triunfo e Tragédia esmiuça o drama de uma garota que luta para ser comediante stand-up enquanto vive um drama familiar que, inteligentemente regido pelo autor, não é abertamente divulgado.

Em Intrusos, temos a HQ mais underground e de traço mais suja de todas aqui presentes. O protagonista ilegalmente visita um imóvel onde lá teve uma história e isso resulta em consequências sérias. Tatsumi já é um autor que pouco se encaixa no mangá tradicional; Tomine propositalmente não se encaixa em estilo algum ao mesmo tempo que poderia se sentir à vontade em todos.

No fim, os intrusos somos nós leitores, que observamos sem permissão a intimidade de todos os personagens dessa HQ. Os personagens também são intrusos na vida de outros ali presentes, sejam eles protagonistas ou coadjuvantes. Por isso mesmo nosso título da coletânea também é esse e não Killing and Dying como na publicação da canadense Drawn and Quaterly. O termo original é específico à quando comediantes de stand-up estão se saindo bem (killing) ou mal (dying) este último também associado a outro acontecimento na história. Por isso, assim como na Alemanha, Espanha e França.

A edição da Nemo segue os padrões adotados pela editora em formato, papel off-set capa cartonada com orelhas. Apesar de diferente da edição original, nada atrapalha na proposta dos contos. Mesmo sendo sua obra mais recente e aleatória, Intrusos é um bom pontapé inicial para conferir as ideias de Tomine, que desesperadamente precisa de mais títulos por aqui. Shortcomings, Sleepwalk e principalmente Summer Blonde são ótimas pedidas.

Categorias
Detective Comics Quadrinhos

A Marcha – Livro 2 | Não Se Torne Amargo. Na Sua Luta, Persista e Vá em Frente

“Àqueles que disseram: ‘tenham paciência, esperem’. Há muito dizemos que não temos como ter paciência”
(John Lewis)

Exatamente sobre isso que A Marcha – Livro 2 retrata. Não há como mais se ter paciência. Não tem como mais esperar. A publicação segue os acontecimentos da primeira edição, que você pode ler mais detalhes AQUI, e percebemos que ela é um tanto mais tenebrosa e assustadora historicamente do que a sua antecessora. Continuando com a narração do parlamentar norte-americano John Lewis, o sonho do fim da segregação racial nos EUA, continua em fatos pesados e violentos. Em edição completamente recheada de momentos que embrulham o estômago, A Marcha – Livro 2, se torna uma aula de história, onde busca ensinar que a luta do passado reflete na liberdade que se tem no futuro.

Se no primeiro volume, temos uma espécie de “romantização” de um jovem buscando lutar por direitos básicos para a sua raça, como por exemplo, sentar-se em uma lanchonete, com um tom até que leve e esperançoso que abraça o leitor. A Marcha – Livro 2 chega com dois pés na porta. Sendo forte e necessário nos relatos que estão nele. E são atos que refletem muito no momento em que os EUA, e incluo que o Brasil também está enfrentando, por causa de seus líderes controversos. Nessa edição temos pais incitando os filhos a espancarem os negros. Temos governantes recém eleitos, em seus discursos de posse, alimentando o ódio e o preconceito contra raças. Temos políticos usando de ideologias políticas, que são contra e homofobia para menosprezar, perante a opinião pública, seus adversários que lutam pela liberdade e igualdade. A infinidade de violência policial também faz presente.

No segundo volume, John Lewis, com 23 anos, é eleito presidente do Comitê Coordenador Estudantil Não-Violento, alcança os holofotes e se torna um dos líderes do Movimento pelos Direitos Civis, conhecidos como os Grandes Seis. O transformando em um dos principais nomes da histórica Marcha sobre Washington por Trabalho e pela liberdade em 1963. Figuras como Malcolm X, A.Philip Randolph, Bayard Rustin, Robert F. Kennedy, o presidente John Kennedy e, claro, Martin Luther King Jr. estão presentes nessa edição.

Os Grande Seis (da esquerda para a direita) John Lewis, Whitney Young Jr., A. Philip Randolph, Martin Luther King Jr., James Farmer Jr. e Roy Wilkins. Arquivo Hulton /Getty Images.

 

Os relatos de John Lewis roteirizados por Andrew Aydin, são impactantes e transbordam uma genial mistura de biografia do parlamentar com a brutalidade das lutas e politicagem pelos direitos civis. Nessa edição acompanhamos como muitas figuras importantes já não consideram que os meios sem violência não são mais tão eficazes assim, fazendo Lewis testemunhar uma mudança, até um tanto lenta e gradativa, dos pensamentos de alguns de seus companheiros e da juventude negra em si. É tipo aquela velha máxima infeliz da humanidade: alguém luta para alguém usufruir. Mas quem acaba usufruindo não dá o devido valor de como essa luta aconteceu.

Vale destacar as páginas de reuniões e discursos presentes em A Marcha  – Livro 2. O que pode ser maçante e cansativo na linguagem dos quadrinhos, se torna prazeroso e visceral graças aos traços do artista Nate Powell. As palavras parecem que saltam das páginas e as expressões dos personagens, proporciona a sensação de que podemos ouvir o peso das palavras. Assim como podemos sentir os momentos em que a violência explode. Duas cenas ficaram muito fixas na minha memória: a da turba sulista que entra em confronto com os negros, e uma mãe pede para o filho espancar um negro caído e, em outro conflito, quando um policial branco para em frente à uma garotinha negra e agacha para conversar com ela. São dois momentos fortes, em que Powell transmite emoção nos seus traços.

A edição da Nemo é um luxo à parte. Por várias vezes temos músicas durante a história que estão na forma original, em inglês, nas páginas. Mas no rodapé vem a tradução. Ainda conta com o discurso original de John Lewis que foi realizado na Marcha em Washington. A tradução é do Érico Assis. Já estamos ansiosos para a terceira e última edição.

A Marcha – Livro 2 tem formato 23,8 x 16,8 cm, 192 páginas e é uma trilogia vencedora do Prêmio Eisner.

 

Categorias
Detective Comics Quadrinhos

Conheça um Japão alternativo na série Okko: o Império do Pajão

Na série de quadrinhos Okko, o Pajão é um império situado no ano 1108. Gueixas, samurais, ronins, monges e até mesmo demônios e outras criaturas fantásticas compõem as figuras fabulosas que dão vida ao Pajão, e esta incrível homenagem à cultura japonesa imaginada pelo francês Hub (pseudônimo de Humbert Chabuel) se destaca não somente pela arte, como também pelo carisma único e inventividade de todas as suas criações.

A história é centrada em uma equipe. Okko, que dá nome à série, é um ronin que lidera o pequeno grupo de caçadores de demônios composto pelo próprio, por Noburo – um gigante misterioso que esconde sua face atrás de uma máscara rubra e aparentemente é imortal – e Noshin, um monge beberrão que pode invocar e comandar espíritos da natureza e fazer outros comandos mágicos. O trio viaja pelo Pajão, longe dos campos de batalha, perambulando pelos reinos e realizando as mais diversas missões e investigações.

A estrutura central de Okko se assemelha a uma grande e fértil aventura de RPG. O grupo se divide em um espadachim engenhoso, um berserker imparável e um tipo de mago movido a saquê. Os três ao longo de suas viagens interagem com outras figuras deslumbrantes, que marcam presença em cada um dos Ciclos da saga, tornando-se ou não personagens recorrentes, como é o caso do garoto Tikku, que narra toda a  história e conheceu o grupo de Okko ao solicitar que o trio colaborasse com o resgate de sua irmã, Pequena Carpa. Ao todo, Okko possui cinco Ciclos, e os dois primeiros (da Água e da Terra) já foram publicados no Brasil em dois álbuns.

O roteirista e ilustrador Hub dá asas à sua imaginação com pinceladas que vão formando este universo tão rico na mente do leitor. O autor explora o passado de cada um dos personagens de forma gradativa, enquanto traz características únicas do Pajão em cada uma de suas histórias.

O Ciclo da Água firma as bases e apresenta estas características, ligando-se diretamente ao título através do uso de figuras simbólicas do elemento em questão. São mostradas a fauna e flora, as deidades e tecnologias engenhosas, enquanto ao mesmo tempo os inimigos (demônios ou não) também possuem espaço de destaque nas páginas que desenrolam as tramas.

O Ciclo da Terra expande tudo que foi mostrado nas primeiras aventuras, enriquece o backstory do protagonista e aborda muito bem a vertente religiosa deste mundo, também se utilizando de figuras do elemento que dá nome ao Ciclo para dar continuidade às encrencas onde os heróis estão metidos. Hub possui um traço único e extremamente bem detalhado, e a união do mesmo com as belas cores feitas em parceria com Stéphane Pelayo ambientam perfeitamente o dia, a noite, as tardes e as mais variadas estações do ano. Todo o universo de Okko parece real, como uma versão do nosso Japão onde há mortos-vivos, yokais, castelos flutuantes e muito misticismo.

E além de todas as qualidades gráficas (de ilustração, criação e storytelling) citadas anteriormente, Hub também é capaz de brindar seus leitores com diálogos extremamente bem conduzidos que estabelecem cada um dos personagens. Os maneirismos, as tomadas de decisões, as falhas e os momentos de bravura colaboram para a construção dos heróis e vilões, e os dramas e momentos de descontração podem ser sentidos com naturalidade. Após a leitura do primeiro álbum e mergulhando-se nas páginas do segundo, todas as figuras ali presentes já são queridas e ao mesmo tempo enigmáticas sob determinada ótica.

A cultura pop francesa possui grande admiração pela cultura japonesa. Há diversos autores que trabalham para o mercado francês objetivando a criação de mangás produzidos na Europa, e apesar de a temática da obra de Hub soar perfeita para este gênero e estilo próprio dos quadrinhos, o autor entrega álbuns franco-belgas típicos com muitos quadros por página, texto refinado (com sacadas humorísticas bem pontuais) e expressões que nem sequer remetem às dos mangás. O mundo de Okko não tenta se disfarçar de mangá japonês produzido na França. Okko presta uma grande homenagem à mitologia japonesa, sem se aproximar do estilo narrativo dos quadrinhos do Japão. Essa é sua principal qualidade e o maior mérito do autor.

E enquanto durarem as longas viagens do grupo, além do tempo resgatando mulheres sequestradas (como no primeiro álbum) e investigando assassinatos repentinos (como no segundo), há uma infinidade de assuntos que podem ser inseridos e abordados no Império do Pajão, visto que cada Ciclo possui ligação direta com a trama central narrada por Tikku, e os elementos podem (e irão, aparentemente) ditar os rumos curiosos dos companheiros, que também apresentam evoluções de acordo com as técnicas que cada um domina.

A série Okko está sendo publicada no Brasil pela Mythos Editora em seu selo Gold Edition, que nasceu com o objetivo de apresentar o melhor dos quadrinhos europeus modernos aos leitores tupiniquins. Cada álbum possui cerca de 100 páginas encadernadas em capa dura e grand format (32 x 23 cm), e são apresentadas histórias fechadas com começo, meio e fim em cada um de seus volumes.