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A fragilidade familiar em Mulheres Ocultas

Em 2020, o longa Parasita ganhou o Oscar de melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro original, alguns dos principais prêmios da noite. Em seu discurso de vitória, o diretor Bong Joon-ho disse o seguinte: “Quando vocês superarem a minúscula barreira das legendas, vocês serão apresentados a muitos outros filmes incríveis.” Assim, o público passou a abrir os olhos para produções estrangeiras e os streamings contribuíram para que estas ganhassem seu devido espaço na indústria cinematográfica, afinal a qualidade de um filme não se restringe apenas às norte-americanas.
Mulheres Ocultas é um filme taiwanês que lá alcançou a maior bilheteria em 2020, e que recentemente foi disponibilizado pela Netflix.
O enredo acompanha o processo de luto de uma família após a morte do pai que era ausente e adúltero, mostrando a dificuldade das mulheres da família em perdoa-lo e se livrarem do ressentimento, o que coloca em evidência a contrariedade da família tradicional.

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Fica claro que a matriarca da família, interpretada pela atriz Chen Shu-fang, é a que mais guarda rancor e mesmo fazendo um velório para ele, é aparente o desconforto da personagem. Ela criou as filhas sozinha e manteve a família unida, fato que desperta a empatia do espectador.
O olhar intimista da obra mostra um pouco das dificuldades de cada uma das irmãs, como a saúde, família, profissão e religião, mergulhando no cenário de cada uma.
No entanto, o filme se desenrola de forma muito lenta e por vezes particulariza pontos desnecessários. Além disso, quase beira ao tedioso ao não focar nos problemas inicialmente apresentados. Apesar de possuir uma premissa bastante relevante, o drama não consegue alcançar o necessário para que o público se emocione ou sinta a mesma tristeza que a família.

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As revelações significativas para a trama não causaram o choque e nem tiveram o peso que deveriam, seja pelo tempo de tela ou os diálogos que não davam a importância suficiente, resultando na falta de comoção de quem assiste.
As cores usadas possuem uma harmonia e exprimem a frieza da esfera. Têm alguns cortes de cena bruscos, mas nada que interfira a qualidade do longa.
Ainda que possua alguns percalços, Mulheres Ocultas é o retrato dos sentimentos de perda e mágoa, ao mesmo tempo que narra as adversidades do conceito de família que sempre estão presentes, independente da época.

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Lupin, uma série francesa: cativante, perspicaz e divertida

O ano de 2021 começou com grandes promessas de produções da Netflix, sendo Lupin a pioneira nas séries e ainda superando a audiência de sucessos como O Gambito da Rainha e Bridgerton. Talvez o principal fator a chamar a atenção do público foi a premissa apresentada no trailer: o roubo de um colar de diamante no Louvre e cenas muito bem-apresentadas.

Mesclando o romance policial com um pouco de comédia, Lupin é uma série francesa que adapta para os dias atuais a obra de Maurice LeBlanc, criador do personagem Arsène Lupin, famoso ladrão do meio literário, sendo este o qual o protagonista Assane Diop (Omar Sy) se inspira para realizar seus planos na grande Paris. A melhor característica da história se dá pelo fato de que o protagonista não executa seus roubos visando o dinheiro, e sim uma vingança contra a elite no geral, em específico à família que seu pai prestava serviços e que acabou acusando-o injustamente pelo roubo do tal colar, logo depois suicidando-se na prisão, o que deixou marcas na vida de Assane. A série conta com cinco episódios e já tem a segunda parte confirmada e gravada.

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Tramas em que o espectador torce para o cara “mau” que infringe a lei são famosas e, dependendo da atmosfera que a produção cria e sobretudo o carisma deste, ocasionam uma experiência eletrizante. Além de conseguir propiciar essa sensação, a narrativa de Lupin é construída em uma base totalmente justificada e tangível, fazendo com que críticas sociais atuem de uma forma orgânica que conseguem nitidamente passar a mensagem necessária, sem forçar ou repeti-la várias vezes. A maior delas é a motivação do protagonista de buscar vingança, pois o racismo enraizado na alta sociedade fez com que o pai de Assane fosse preso por roubo, e ainda mais tarde a suspeita das pessoas acerca de Assane quando ele compra o colar apenas pela sua aparência. A série levanta tais questões que dão um soco no estômago por serem tão reais, e sem perder o foco central proposto.

Omar Sy (Intocáveis, Jurassic World) entrega uma performance carismática, charmosa e natural, além de passar uma sensação de poder. Os disfarces que seu personagem usa são convincentes somados à atuação de Omar. De fato, ele foi a escolha certa para dar a visibilidade que séries estrangeiras merecem.

No entanto, a série peca em algumas cenas que claramente não se adequam à realidade e que dificilmente dariam certo, em particular o episódio em que Assane vai à prisão atrás de respostas sobre seu pai. Muitos pontos parecem funcionar a fim de que o intérprete consiga alcançar seus objetivos de forma rápida e fácil, sem se preocupar com a veracidade da situação. Numa produção com esse tipo de premissa, muitos espectadores esperam circunstâncias que se afastem da ficção e pareçam genuínas.

Em suma, Lupin é inteligente, cômico, possui uma história com ótimos pretextos e sequências de cenas empolgantes. Com certeza uma ótima produção da Netflix e a escolha certa se você gosta de ser surpreendido por um enredo.

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Sound of Metal e a importância da sonoridade em um longa

São poucos os filmes que conseguem transmitir a veracidade de um sentimento ou de uma situação para as telas. Que usam todos os artifícios cinematográficos disponíveis com maestria conquistando a imersão do público. O Som do Silêncio (Sound of Metal, em inglês) se encaixa devidamente nesse perfil, sendo uma das boas surpresas do segundo semestre de 2020.

Baterista de um duo de Heavy Metal/punk com sua namorada Lou (Olivia Cooke) sendo a vocalista, Ruben (Riz Ahmed) de repente fica surdo, o que acaba colocando em jogo sua carreira que estava para decolar com uma turnê e também a vida como conhecia. Sendo ex-viciado em drogas, ele vai para uma clínica de deficientes auditivos (um termo que aliás é debatido durante o longa) a fim de evitar uma recaída por conta dos acontecimentos. Sua namorada possui um papel importante nesse aspecto apesar do pouco tempo de tela no geral, sendo ela quem o encoraja a ficar na clínica e dá apoio emocional, o que destaca a atuação de Olivia Cooke que consegue transparecer a preocupação da personagem na situação.

Contando com Riz Ahmed -que participou do universo Star Wars atuando em Rogue One– como protagonista e dirigido por Darius Marder, o longa é original Amazon Studios.

Desde o título até a premissa do filme, é importante que o telespectador se atente às cenas que põem em evidência os sentidos e sensações, sendo elas oferecidas mesmo na primeira cena onde há uma guitarra que causa incomodidade, talvez uma prévia do que estava por vir. É feito um jogo de comparação quando foca-se em sons cotidianos da vida de Ruben, como a cafeteira ligada ou o liquidificador e depois quando ele perde a audição há um completo silêncio, possibilitando que tenhamos a mesma sensação de perda e a mesma experiência que ele, o que é crucial.

Sound of Metal", da Amazon, é um dos melhores filmes de 2020 | A Gazeta

Mas o design de som não operaria perfeitamente se não houvesse uma atuação à altura, e Riz Ahmed não peca em momento algum em sua performance, pois além de aprender Língua de Sinais Americana e bateria para o filme, ele exterioriza o que chega mais perto e real da reação de alguém que sofre a perda de algum sentido bruscamente: o estado de choque, depois a negação e a aflição.

Os diálogos entre Ruben e Joe (Paul Raci), orientador da clínica, são responsáveis por nos fazer compreender o real objetivo daquela comunidade e da principal linha de pensamento desenvolvida no longa: questionar a ideia de que pessoas surdas são deficientes e de que precisam de aparelhos auditivos, ou de qualquer reparação para viverem plenamente na sociedade. Dessa forma, perder a audição não é o real problema, e sim a dificuldade em aceitá-la. Apesar disso, desapegar de sua vida antiga e abraçar o desconhecido não é um processo fácil, e esse fato faz com que o telespectador sinta empatia pelo protagonista e suas decisões ao longo do recorte de sua jornada.

Portanto, Sound of Metal é uma experiência sensorial desconfortável e necessária para entender a realidade de quem a vive e também daqueles que se veem forçados a vivenciá-la com o intuito de alcançar a sensação de pertencimento, e ainda, uma mensagem sobre resiliência. Com uma fotografia em tons frios, diálogos e representações corpóreas profundas vemos a evolução e o aprendizado de Ruben, desde o momento em que o silêncio faz com que ele surte, até o momento final em que ele prefere a calma do mesmo. Assim, começando o filme na agitação da bateria, Ruben encerra-o na calmaria do som do silêncio.