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A Importância da representatividade em Hollywood, nova minissérie da Netflix

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Crítica sem spoiler.

Foram necessários 92 anos para um longa de língua não inglesa ganhar o Oscar de Melhor Filme, assim como foram necessários 91 para um homem preto ganhar a categoria de roteiro. Os absurdos dentro do Oscar, no que se diz respeito à diversidade social, não param por aí. Até os dias atuais, apenas uma mulher preta, Halle Berry, venceu a categoria de melhor atriz, e oito na categoria de coadjuvante. Apenas uma produção rendeu a estatueta de melhor filme para um homem preto, Steve McQueen por 12 anos de Escravidão em 2014. Assim como, não houve nenhum ganhador assumidamente LGBTQ+ nas categorias de atuação. A indústria hollywoodiana, aparenta querer mudar essa narrativa de preconceito e segregação aos poucos; os  movimentos como o #OscarsSoWhite e o #MeToo estão aí pra provar isso. Entretanto, como seria a tão desejada terra dos sonhos, se tivesse sua história reescrita de maneira justa? É essa pergunta que Ryan Murphy (Glee, American Horrror Story) e Ian Brennan (Glee, Scream Queens) fazem para desenvolver a minissérie Hollywood, em parceira com a Netflix lançada no último dia 1o.


A trama principal acompanha a história de 6 jovens que sonham com o estrelato no cinema americano no período pós-guerra, mas especificamente, em 1947, nos meados da conhecida era de ouro hollywoodiana. Jack Castello (David Corenswet) e Rock Hudson (Jake Picking) são atores novatos que acabaram de chegar da guerra e sonham com a vida de astros de cinema. Jack, claramente inspirado em ícones como Marlon Brando e James Dean, possui toda as características possíveis para se tornar um galã de seu tempo, porém, sem muitos contatos e recém chegado na cidade, acaba se vendo na posição de trabalhar em um posto de gasolina que na verdade, servia como ponto de prostituição (lugar que realmente existiu) de Ernie West (Dylan McDermott) para assim conseguir deslanchar em sua carreira. Já Rock Hudson, realmente inspirado no ator de mesmo nome, tem uma boa aparência, mas começo de sua carreira possui uma limitação em seu talento sendo na maioria das vezes bem ruim no que se presta a fazer. E além disso, ele é gay, o que se torna um grande problema para aquele cenário.

Archie Coleman (Jeremy Pope), é um jovem preto e gay que tem como projeto pessoal escrever um filme sobre a atriz Peg Entwistle que ficou marcada na história por se suicidar se jogando do icônico letreiro de Hollywood. Mas, como de se esperar, sofre grandes represálias para tentar conseguir uma oportunidade. Outra personagem que vai dá um grande peso a questão racial é Camille Washington (Laura Harrier), uma atriz prodígio que sonha com um grande papel e reconhecimento da indústria e faz par romântico com Raymond Ansley (Darren Chris), um iniciante diretor que almeja marcar a história do cinema. Por fim, para completar o time de protagonistas, há Clarie Wood (Samara Weaving), filha dos donos da ACE’s Studios, a principal produtora de cinema da cidade, que também sonha em ser atriz, mesmo que seus próprios pais duvidem de sua capacidade.

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O grande ponto de Hollywood, é definitivamente os personagens. É muito fácil e prazeroso torcer e gostar de cada um deles, não só mérito de um roteiro muito bem escrito, e uma direção de excelência, mas também de atores muito competentes dentro de uma louca metalinguagem. Ser ator e interpretar um outro ator, atuando em outro personagem dentro de um filme, deve ser mais complexo do que se imagina. Contudo, não é somente os jovens protagonistas que merecem o devido reconhecimento. O elenco de apoio e veterano, tem personagens tão cativantes e complexos quanto. Henry Wilson, uma atuação fantástica e notória de Jim Parsons, é o mais próximo de antagonista da série. Ele é uma grande personalidade em Hollywood, influente, rico e poderoso. Usa disso para explorar, humilhar e abusar sexualmente de seus clientes. Avis Amberg (Patti LuBone), Dick Samuels (Joe Mantello) e Ellen Kincaid (Holland Taylor) formam um trio de poderosos do estúdio, que apesar de seus poderes e suas idades, conseguem preservar o que a arte melhor pode nos proporcionar, o visionarismo. O projeto só não é perfeito porque, em alguns raros momentos pode soar arrastado, mas não é nada que atrapalhe no encantamento da obra como um todo.

Hollywood mostra o quanto a indústria precisa melhorar e também o quanto são necessárias – embora tardias – as mudanças que estamos testemunhando. Talvez essa minissérie seja a resposta definitiva de porque devemos tanto cobrar e consumir obras que apresentam cada vez mais a representatividade que o mundo nos dá. A mensagem principal da minissérie  vai além do clichê americano de “nunca desista dos seus sonhos”, ela nos diz que toda a história de um indivíduo é importante, e devemos respeitar e aceitar isso. O mundo não é só composto por homens, brancos e héteros. Logo, não é somente esse tipo de história que a maior indústria cinematográfica do mundo deve contar, não só somente esses heróis e protagonistas válidos para a população como um todo.

Revisitar o passado de Hollywood e reescrever histórias é algo muito bacana e criativo em ser feito. Tarantino fez isso em seu último filme, Era Uma Vez… Em Hollywood, consertando o assassinato de Sharon Tate e conseguiu ser reconhecido com maestria. Porém, quando o ato de reiterar uma narrativa levando-a para a correção das histórias prejudicadas covardemente pelas injustiças sociais que assombram a humanidade desde seus princípios, de maneira tão bonita, complexa e inteligente é algo mais digno ainda de reconhecimento. Hollywood é uma fábula perfeita para acalmar o coração, nos entreter com qualidade e nos fazer acreditar de que nossas próprias histórias importam. É um aconchegante abraço para os tempos que vivemos e uma esperança de que, no futuro, as coisas tenderão a se ajeitar.


Nota: 9/10

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