Anime Cultura Japonesa

A amarga doçura de “Lycoris Recoil”

Escrito por Vini Leonardi

Um dos principais fatores para o sucesso de um animê é o seu alcance. Afinal, se ninguém estiver assistindo, não há como vender nada. Por conta disso, vemos a grande maioria dos títulos sendo animados trimestralmente sendo, na verdade, adaptações de obras já conhecidas: Mangás; Light Novels; Videogames; Webtoons; etc. Com uma base de fãs já estabelecida, você garante um mínimo de engajamento antes mesmo dos materiais de marketing e divulgação, com a propagação natural que o “hype” gera. Justamente por isso, é raro quando um animê completamente original vira um sucesso tão absoluto quanto foi “Lycoris Recoil“.

Animado pelo estúdio A-1 Pictures, com roteiro de Asaura (Mesmo responsável por “Ben-To”) e dirigido pelo novato no cargo Shingo Adachi, Lycoris Recoil é um animê original de treze episódios, recém-finalizado nessa temporada de verão. A sinopse e o trailer, conforme concedidos pela Crunchyroll, seguem:

Se há paz no mundo, é graças à Lycoris, uma organização secreta de combate ao crime composta apenas por garotas. Suas agentes mais poderosas são a despreocupada Chisato e a talentosa e misteriosa Takina. Juntas, elas trabalham em um café, servindo bebidas e doces, cuidando de bebês, fazendo compras e ensinando japonês. Confira a vida caótica desta dupla improvável!

Ignorando a sinopse e trailer de sessão da tarde, o principal desafio para uma obra original é, então, tentar chamar atenção. Publicidade profissional faz seu trabalho mas tem também seu limite, e o boca-a-boca do público se torna uma ferramenta importante. Se o seu anime for bom, divertido e bonito, atingir a “massa crítica” necessária para fazer sucesso é possível, e os pontos negativos de não ter um conhecimento prévio se tornam positivos: Ao ter nas mãos um projeto estável e que pode se tornar o que a direção quiser, mantendo o elemento surpresa.

Afinal, você deixaria passar a recomendação pessoal de Hideo Kojima?

Um ponto interessante de termos fisgado o Kojimão nessa história, totalmente por acaso, é o fato de que Metal Gear Solid, a franquia mais famosa do diretor de jogos, tem um “problema” similar ao que encontramos em Lycoris Recoil: Interpretação.

Ao assistir Lycoris Recoil, uma pessoa pode facilmente chegar a conclusão de que o animê trata de uma distopia caótica de um capitalismo-tardio onde humanos são tratados (ainda mais) como peças descartáveis de sacrifício para os poderosos manterem sua posição de poder em troca de uma efêmera ilusão de paz utópica. Ou, interpretar o animê como uma paródia de “Duro de Matar”. A diferença, ao compararmos com Metal Gear, é que em Lycoris Recoil, ambas as interpretações não apenas são corretas, como te dão uma experiência absurdamente positiva e incrível.

Se você quiser encarar a obra como algo simples, terá a narrativa de um filme de ação estadunidense, incluindo lutas iradas e coreografadas com armas de fogo e artes marciais, e um grande foco no aspecto “familiar”, que sempre acontece nesse gênero. Agora, se preferir fazer uma análise mais profunda, vai encontrar uma história emocionante focada em um pequeno grupo vivendo em um mundo insano, e as dificuldades de conciliar o dia-a-dia mundano com a distopia secreta.

Tirinha contendo cena do episódio 8 de "Lycoris Recoil"

LycoReco é tão paródia de Duro de Matar que eles até mesmo citam o filme na cara dura

Acredito que, independente da sua leitura do show, o ponto mais forte de Lycoris Recoil é o seu elenco. Cada uma das personagens é cheia de carisma e personalidade, com tempo de tela o suficiente para entendermos o que elas são e ver o seu crescimento ao longo dos episódios. As duas protagonistas, é claro, são o destaque, com a Chisato e a Takina conseguindo entrar na minha lista de personagens prediletas em questão de minutos. Mas também vale apontar para o excelente trabalho feito para o principal vilão, Majima; e para o “Professor” Mika.

Em um mundo pós-Universo Cinematográfico da Marvel, eu acredito que as pessoas estão, de um modo geral, um pouco mais abertas a inconsistências de roteiro, buracos de narrativa e perguntas deixadas sem resposta. Desde que a obra seja divertida e entregue um entretenimento consistente e de qualidade, não há problema em não ser escrita e calibrada nos mínimos detalhes. Algumas coisas na história fizeram com que eu levantasse uma sobrancelha, questionando a situação ou continuidade, mas são detalhes tão irrelevantes que acabam nem pesando na hora de avaliar o conjunto da obra.

Inclusive, alguns desses questionamentos servem até para melhorar a ambientação: Já comentei antes sobre como “o mistério como ferramenta para a estética do desconhecido” é um conceito legal, mas que precisa ser usado com moderação, para não transformar “questões em aberto” em “história sem pé nem cabeça“. Em Lycoris Recoil, nós conhecemos o suficiente para entender tudo que está acontecendo, mas temos perguntas o bastante para fazer com que tudo soe maneiro e plausível.

Tirinha com uma cena do episódio 2 de "Lycoris Recoil"

Eles podem ter tirado um sarro do esteriótipo de “Hacker de filme de ação”, mas… Bem, acabaram em um outro esteriótipo

Acredito que se você colocasse um fã do MCU, que nunca assistiu um animê na vida, na frente de uma tela para assistir Lycoris Recoil, ele iria muito provavelmente gostar e se divertir com a obra. O fato de ser uma história completa e fechada – coisa rara entre animês – ajuda nesse quesito.

Seja perseguições de carro com explosões ou críticas sociais, “Lycoris Recoil” é o mais próximo que chegaremos de uma versão em animê de “Duro de Matar”, e um dos poucos casos onde um animê original não só se saiu bem dentro do nicho, como também pode ser facilmente recomendado para pessoas de fora dele. O redator ama filmes de ação, então 5,0/5,0 é a única nota aceitável para o show que é forte candidato para ser um dos melhores do ano.

“Lycoris Recoil” está disponível na plataforma de streaming Crunchyroll, completo em 13 episódios, com opções de áudio em japonês (com legendas em português) e dublagem brasileira.

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Sobre o Autor

Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.

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