Categorias
Tela Quente

Yesterday: Um mundo sem os Beatles

Em certa passagem do filme, quando o mundo já desconhece os Beatles, o protagonista Rick Maleki (Himesh Patel) canta um trecho de Yersterday – justificando o título – para um grupo de amigos. Imediatamente, as pessoas se emocionam e ficam tocadas ao ouvir uma letra tão bela e poética, atribuindo a concepção da música diretamente ao protagonista. E talvez esta seja a passagem que sintetize o significado de todo o filme; embora os Beatles sejam uma das maiores bandas da história, suas músicas são memoráveis não só por serem tocadas pelos seus artistas, mas por transcenderem a própria existência destes.

Basicamente, a trama gira em torno da não-existência dos Beatles. Quando Maleki percebe o fracasso que é a sua vida profissional na música, decide reconstituir todas as músicas da banda britânica, e montar uma carreira inteira em cima do sucesso daqueles que desapareceram da memória coletiva. O melhor de Yesterday é conseguir brincar e desenvolver sua premissa de maneira criativa e empolgante. A forma como as músicas vão sendo lembradas pelo protagonista, ou quando elas são apresentadas em shows que remetem vários momentos únicos da banda, são exemplos que demonstram as inúmeras possibilidades dos roteiristas para com o desenrolar da narrativa.

E são nessas possibilidades que se encontra um grande trunfo de Yesterday. Mesmo que o filme trabalhe bastante o romance entre Maleki e Ellie (Lily James), ele carrega consigo diversas homenagens ao grupo formado por McCartney, Starr, Harrison e Lennon. Diferencia-se, portanto, de obras como Rocketman (2019) e Bohemia Rhapsody (2018), porque parte de um diferente ponto de vista, reproduzindo as carreiras lendárias através da lembrança de um fã apaixonado.

Porém, a idealização de músicas da década de 60/70 contrastam com a produção musical contemporânea, e esta dualidade é outro ponto fortíssimo de Yersterday. A participação de Ed Sheeran é totalmente proposital, não só por sua popularidade – importante para os produtores -, mas também pela representação de uma época em que a música transformou-se em um produto puramente comercial. E, obviamente, quando Maleki apresenta certas músicas, apesar de ser ovacionado, tem um confronto entre as necessidades do mercado e o seu processo “criativo”.

Dessa forma, Yesterday faz críticas contundentes à indústria musical e à transformação do interesse artístico pelo simples fator monetário. As críticas partem da própria ridicularização de Ed Sheeran – que interpreta a si mesmo – pois trata as composições dele como superficiais e pouco criativas comparadas com as antigas. Esse ato provocador não parece ter a pretensão de julgar o presente, mas de demonstrar como as escolhas e os gostos musicais transformam-se durante a história, sendo moldados pela fama e publicidade. Não que não houvesse isso na época dos Beatles, contudo, o interesse econômico tem degradado a qualidade artística de certos músicos.

Um fortíssimo exemplo dessas oposições é quando – está nos trailers – Sheeran tenta influenciar Maleki a trocar Hey Jude para Hey Dude, demonstrando como as composições ficam em prol de um refrão ou expressão que fiquem marcados de forma instantânea nas pessoas. O impacto no coração deve ser menor do que no bolso.

Diante de tantas qualidades conceituais, Yesterday transmite simplicidade em sua cinematografia, mas esbanja inteligência. Há uma montagem e edição eficazes por aplicar as músicas em passagens de tempo e locais, além de ditar tons de certos momentos. Note como as lembranças de certas músicas são feitas através de movimentos de câmera que se encaixam no vai e volta da cabeça do protagonista, que acaba errando alguma frase ou letra. Além disso, o ápice do longa ocorre em seu terço final, em uma sequência sensacional e surpreendente, que guarda um sentimentalismo e até uma singela prática íntima do diretor Danny Boyle.

Após sete parágrafos elogiando e enaltecendo as melhores partes de Yersterday, gostaria de encerrar o texto com uma das frases mais clichês e precisas de uma crítica: “fecha com chave de ouro”. Contudo, o que acontece nos minutos finais beira ao medíocre. A relação entre Maleki e Ellie não é o maior foco, mas é o que dá substância à história dos personagens. E, depois de um terceiro ato que melhorava a cada minuto, o filme encerra de maneira clichê e completamente previsível tal romance. Se o seu desenvolvimento traduz um ótimo filme, seu desfecho traduz o final de uma novela das nove, porque extrapola o romantismo na relação do casal, e entrega conclusões pífias para as suas discussões.

Yesterday consiste em uma obra cinematográfica que busca enaltecer suas inspirações, e refletir certo otimismo ao espectador. Ainda que estrague um pouco seu final, o filme cumpre suas funções em homenagear os Beatles e desmembrar a indústria musical, que, mesmo com suas ambições financeiras, não consegue substituir o valor artístico das composições que têm como função inspirar e transcender ao longo da história.

Por Thiago Pinto

‘’E quando acabar de ler a matéria, terá minha permissão para sair’’

-Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)