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Trilogia Rua do Medo é nostálgica, mas esquecível

Escrito por Thaís Morgado

Para todos os fãs de terror, é muito fácil encontrar obras que fazem referência ao tão amado gênero, como por exemplo a icônica e revolucionária quadrilogia Scream, de Wes Craven. A trilogia Rua do Medo, dirigida por Leigh Janiak (Panic), chegou à Netflix no mês de julho e chamou atenção por ser lançado um filme a cada semana, sendo cada um em uma época diferente que se conecta à história antiga de uma bruxa. Funcionando como uma homenagem à série de livros do escritor R. L. Stine, e não uma adaptação direta deles, os três filmes giram em torno da maldição que paira sob a cidade Shadyside por gerações, sempre influenciando pessoas a cometerem assassinatos.

Rua do Medo: 1994 - Parte 1: Crítica do filme da Netflix

Parte 1

No primeiro longa, acompanhamos Deena (Kianna Madeira), seus amigos e seu irmão tentando salvar a namorada de Deena, Sam (Olivia Scott Welch), que após perturbar o túmulo da bruxa Sarah Fier, começa a ser perseguida por assassinos. Os jovens precisam sobreviver a uma noite perturbadora e descobrir como impedir a bruxa. Iniciando com a participação de Maya Hawke (Stranger Things) em uma cena à la Drew Barrymore em Scream, já fica claro a intenção de homenagear os slashers, trazendo certa nostalgia para os fãs do gênero, porém não funcionando no quesito terror. A cena conta com muitos jumpscares baratos que pecam pelo excesso. No entanto, os detalhes técnicos como a escolha de cores néon e iluminação, sua estética chamativa dos anos 90 e fotografia passam o sentimento cativante da época.

Talvez o maior problema do filme seja seus personagens, que não são nem um pouco carismáticos, com atuações caricatas demais. Geralmente, no terror não se precisa de um grande aprofundamento nos intérpretes, porém se faz necessário uma linha entre espectador e personagem, coisa que a obra não entrega. Além disso, outro grande defeito -e que infelizmente se perpetua nas sequências- é a quebra de momentos de tensão, que chega a ser patético. O principal exemplo é a cena onde os jovens estão na escola armando seu plano para pegar os assassinos e de repente todos começam a namorar, criando um cenário digno de vergonha alheia. A forma como vai muito fácil de nervosismo à romance é brusca, e faz com que não se estabeleça um sentido na linha narrativa geral, o que é muito frustrante. O roteiro se perde durante todo o filme, chega-se ao final e ainda não sabemos se é um terror sério ou um trash com mais humor como A Babá, fato que sabotou o primeiro filme. 

Nota: Prata

Parte 2

Na sequência é contada a história de Ziggy (Sadie Sink) e sua irmã Cindy (Emily Rudd) em suas férias de verão no acampamento Nightwing. Agora com o ar dos anos 70 e com direito aos clichês do gênero dessa época, vemos diversas referências à Sexta-feira 13, Carrie, O massacre da serra elétrica, entre vários outros. Ainda que seu primeiro ato se desenrole de forma um pouco mais lenta, o longa consegue instaurar um clima mais vibrante, sobretudo por não se passar em uma cidade que de repente fica deserta como foi em seu antecessor. Aqui os protagonistas instigam e conseguem tomar nossa atenção para como eles vão resolver as situações e sobreviver, e entregam mais carisma.

Crítica | Rua do Medo: 1978 – Parte 2 - Plano Crítico

A personagem Ziggy, apesar de indelicada, é quem traz a empolgação necessária para o filme, visto que a relação com sua irmã teve um bom desenvolvimento e as duas funcionam bem juntas em tela. A mitologia acerca da bruxa vai se aprofundando ainda mais, dando a impressão de que a história não está sendo desperdiçada. A parte 2 nos presenteia com cenas cheias de adrenalina e mais apreensão em sua narrativa, nos levando a indagar em quase todos os momentos o que vem a seguir. Rua do Medo 1978 não possui o mesmo problema do anterior acerca de não saber qual caminho seguir, aqui o roteiro parecia mais certo de qual tom se direcionar. Mostrando ser um pouco mais sério e sabendo em que momentos ser cômico, o segundo filme se consagrou como o superior da trilogia. 

Nota: Ouro

Parte 3

Na conclusão ambientada no ano 1666 durante a caça às bruxas, enfim é contada a história de Sarah Fier, como e porquê foi realizada a maldição da cidade, enquanto Deena e seu irmão tentam salvar Sam e livrar a cidade do mal em 1994. Até pouco depois da metade do longa é enjoativo e maçante ver a narrativa, acompanhada de uma fotografia crua. Fica claro que a parte 3 foi feita para dar respostas, por mais que demore a desenvolver o terror, sendo esse o que menos flerta com o trash.

Reviravolta de Rua do Medo: 1666 estava na cara dos fãs o tempo todo

A conclusão da trilogia entrega uma boa reviravolta mas que poderia ser mais embasada, e que se for mais analisada apresenta furos no roteiro. Nem todas as perguntas são respondidas e nem todas as respostas são satisfatórias, além de que algumas cenas e circunstâncias se tornam muito confusas por não serem explicadas com clareza, ao invés disso optaram por uma sobreposição de falas que causam uma verdadeira bagunça. Ainda, perto de encerrar, o longa apresenta cenas bastante toscas, como a dos assassinos atacando um ao outro. 

Nota: Bronze

Em suma, a trilogia Rua do Medo tem a clara a intenção de homenagear os clássicos do terror com seu tom de saudosismo, porém cansa de tanto que se agarra nisso, não trazendo sua marca e, assim, se tornando completamente esquecível, mas um passatempo para se assistir sem grandes expectativas. Um dos fatores que atrapalham a tensão dos filmes é a trilha-sonora. Em literalmente todos os aspectos de som, os três pecam de forma que quebra sua estética e tom. Sua sonoplastia é pouco trabalhada e o uso de sons genéricos faz parecer um curta humorístico. As músicas da época são encaixadas de maneira muito irregular, e não combinam com o que é visto. Já sua trilha-sonora original se baseia em filmes de ação, mas acaba lembrando uma ação ‘Indiana Jones’ do que um terror de fato.

Por se passar no universo criado por Stine, são utilizados até certos lugares e famílias que se tem nos livros, porém a trama de Shadyside e Sunnyvale não existe. Também, a escrita das obras são focadas no público infanto-juvenil, enquanto aqui, se tornou um slasher sangrento e adulto. A trama talvez fosse mais bem amarrada se adaptasse algum dos livros ao invés de tentar criar um aglomerado de ideias que se perdem em um devaneio da direção e roteiro. A edição dos três também não é de se aplaudir. Com cortes muito estranhos e que influenciam no ritmo do longa, o resultado é a quebra da imersão (que já é completamente danificada), e que não consegue achar seu espaço. Cenas simplesmente são jogadas na tela e nada bem trabalhadas. A maquiagem e figurino são um dos pontos altos, muito bem feitos, o visual criado aqui é digno de suas respectivas épocas e do gênero. O sangue e como o visual dos assassinos são feitos (muitos referenciando outros filmes de terror), se encaixam bem, mesmo que pouco explorados a origem de cada um. Já sua cenografia é estranha em alguns momentos, no primeiro filme (1994) é de se estranhar a ambientação, pois não se assemelha tanto com a época em certos pontos. Em 1974 é clara a escolha de referência ao “Sexta-Feira 13”, e aqui funciona extremamente bem. Já em 1666, sua parte no passado é bem elaborada e evoca o passado, mas quando volta ao “presente”, a ambientação volta a ser estranha. 

Enquanto o primeiro filme a todo momento falha em seu desenvolvimento e carisma, o segundo diverte ao passo que nos faz imergir na situação assustadora do acampamento, já o terceiro serve como um esclarecimento da história e o que menos se preocupou com a qualidade da narrativa. Se tanto o primeiro filme quanto o terceiro seguissem a mesma matriz de roteiro do segundo, e principalmente cumprissem com o terror proposto, a trilogia completa seria mais empolgante. Seu aspecto visual intenso aparenta ser um slasher contagiante, mas que porém é sabotado pelo roteiro e seu vício por variar entre o pânico e o cômico a todo momento. Sem assumir sua identidade, seu objetivo ou estilo, a história se perde em seu mix de referências.

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Thaís Morgado