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Torre Entrevista: Conversamos com Bruno Sorc sobre a Graphic Novel Mojica Móveis

Escrito por Ricardo Ramos

Já está no ar a campanha de financiamento coletivo para o quadrinho Mojica Móveis. A história acompanha o protagonista Amácio, um quarentão que acaba de sair da casa da mãe e procura uma loja de usados para mobiliar o novo lar. Porém, ao entrar na Mojica Móveis e conhecer o seu proprietário que vende os segredos mórbidos de seus produtos, Amácio ouve histórias escrotas e extremamente reais, entendendo um pouco sobre o perigo da influência.

O roteiro é de Bruno Sorc, um escritor de longa data com diversos livros publicados, fazendo sua estreia nos quadrinhos, o autor reuniu um time peso pesado de desenhistas, como Bruno Lima, The Immigrant, Alex Genaro, Letícia Pusti, Oscar Suyama, Rapha Pinheiro, Rick Troula e Laudo Ferreira. A capa é de Dudu Torres, cores de Cássia Alves e o prefácio de Alexandre Callari (editor do Pipoca & Nanquim).

Trocamos uma ideia com o Bruno sobre Mojica Móveis, a campanha no Catarse, seu trabalho, como a música influenciou a sua escrita, como foi reunir esse time para desenhar a HQ e futuro.

1 – Quem é o Bruno Sorc? De onde ele vem, o que ele lê, o que ele leu, quais são as suas maiores inspirações…

Bruno Sorc: Eu sempre gosto de falar que “sou um escroto, mas não sou um saco” – bela forma de começar, não é mesmo? – Sorc aqui é um cara legal, mesmo sendo esse escroto assumido, têm lá o seu carisma magnético. As pessoas costumam me amar ou me odiar muito rápido, o que me leva a crer que eu seja intenso. Romântico, um cara apaixonado, e são essas paixões que me inflam de coragem, de ambições. Tenho um coração enorme, quem conhece sabe.

Sou paulistano, de família humilde e batalhadora. Não sou o tipo de cara que teve a faculdade paga pelos pais – nada contra, é só um relato – e nunca tive carro. Mas sou rato de metro e estou satisfeito com isso. Já trabalhei em fábrica de cigarros, segurança de festa, em transportadora e fui livreiro, mas graças a Deus me formei em marketing e trabalho alguns anos com o que amo. Escrita.
Eu leio, assisto e ouço de tudo. Acho que gosto de aprender o tempo todo, e tudo tem algo a nos ensinar, saca? Acho super válido ter outras óticas, perspectivas de outras culturas e pensamentos. Leio daquela Turma da Mônica de formatinho a Friedrich Nietzsche. Ouço do rapper Gerardo ao Mayhem.

Porém a pergunta me força a responder quem são os meus queridinhos, não é? Mas não vou ficar na nona arte, porque minhas inspirações vêm de todo lado, suave? Acredito que minha patotinha fica assim: Dona Magda, minha mãe e a minha noiva Steh abrem a lista com os dois pés na porta. Aí temos Chuck Palahniuk, Seth Rogen, Garth Ennis, Rob Zombie, Lars Von Trier, Charles Bukowski, Quentin Tarantino – não tem como ignorar esse cara – Irvine Welsh, Alan Moore e Steel Panther – sim, você não leu errado, eu coloquei o gênio dos roteiros ao lado de uma banda glam satírica. Não me leve a mal.


2 – Onde surgiu o estalo, a ideia para o Mojica Móveis?

Bruno: Confesso que esta é uma pergunta que gosto tanto que cheguei a colocar nos extras da HQ. Eu botei na cabeça que era hora de realizar um sonho de criança e roteirizar um quadrinho, mas não tinha nada rabiscado para isso (risos). Então veio exatamente esse estalo quando minha mãe pela décima vez, começou a contar para minha noiva a vez que se mudou com o meu pai, ainda muito novos e mobiliaram a casa com móveis usados. Até aí ok, mas ela sempre relata a porra de uma geladeira azul no qual não gelava. E por que não gelava? Ela e meu pai descobriram que tinha um TIRO em seu interior.

Aí ela sempre se pergunta ”o que será que aconteceu ali”, eu acabei rabisquei a minha versão e até brincando um pouco com a fina e interessante linha entre justiça e vingança. Assim que terminei pensei “os móveis presenciam tudo, sempre estão por perto… uou”. E comecei rabiscar outros dois roteiros, sempre batendo em algo, sempre com uma crítica social pesada. E quando vi que poderia falar da temática que mais têm me amedrontado nos últimos anos, que é o “perigo da influência”, não deu outra, falei ”vou amarrar tudo isso aqui”. Beijos mãe, essa porra é da senhora também!

3 – O Mojica Móveis é praticamente uma coletânea dentro de um contexto. Temos um direcionamento, um norte, mas as histórias são dos mais variados estilos. Por que fazer essa “salada visual”?

Bruno: Então cara, acho que isso casou bem por três motivos:

1º – Que até ter o plot sobre o ”perigo da influência”, eu de fato não comecei a escrever os outros contos e muito menos amarrar tudo, porém, a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi ”eu poderia colocar vários traços nesse quadrinho”. Então foi um desejo que surgiu.

2º – Quando eu estava orçando preço de página e entrando em contato com os profissionais, vi que a parada é cara. E diferente de muita coletânea no qual você é convidado a participar, mas não recebe por isso, eu fiz questão de pagar cada um dos artistas. Demorou pra cacete, mas fui pagando aos poucos e me orgulho muito disso. A questão nesse segundo ponto é, eu não sou famoso, e queria fazer barulho na primeira obra. Então arrumei um jeito de pôr uma porrada de nomes famosos na capa.

3º – Uma vez ouvi dizer que as cores são a “trilha sonora dos quadrinhos” e como já queria muito fazer paletas – no plural – diferentes, também casou. Esse formato então não só permitiu isso, como municiou eu e minha colorista para tentar algo ainda mais profundo, a dubiedade das histórias.

E isso é um tesão. Ficou foda!

4 – Você é “criado e forjado” no underground musical. Você vivenciou in loco nas cena do hardcore brasileiro. O hardcore vai de músicas de protesto passando por músicas de relacionamento e tal. Como essa fonte ajuda na sua escrita?

Bruno: Isso mesmo, vivenciei bem a cena. Principalmente ao lado dos caras do Dance of Days. Comecei com zines e graças a uma professora de português que me instigou bastante a participar de saraus, escrevi poemas. E pra você ter ideia, meu segundo livro eu compilei poemas e o intitulei de “Doce Desespero”, porque na real é isso. A cena me moldou. Porra sou straight edge até hoje. Carrego esse eco em meus gostos e atitudes. Sou essa mescla mesmo, protesto e paixão, e o leitor pode sempre esperar isso das minhas obras. Roteiros escritos com muito amor e que vão dar porrada em muita coisa que entendo como errada.

5 – Como rolou a escolha dos artistas que participam da obra Mojica Móveis? Já estava pré-determinado ou tu foi conhecendo e escolhendo?

Bruno: Ah, na real eu fiz uma lista com uns 30 caras, até porque não sabia ainda preços, aí tem que bater o roteiro com os caras para ver se rola interesse e se encaixa em suas agendas. Nada é fácil, ainda mais se ninguém nunca ouviu falar sobre você. Eu conhecia o trabalho dos 30, era amigo de uns 10 e 10 era aquele lance de admiração mesmo, por tudo que já se envolveram.

Mas engraçado essa pergunta, porque assim, no Mojica Móveis somos em 12, tirando eu, esses 11 que entraram pro projeto, só 10 vem da lista de 30. Porque um irmão meu, o Caio César, havia acabado de começar um projeto autoral e falou que não rolaria participar, mas me indicou o professor dele, o Rick Troula que topou na hora quando leu o roteiro. Eu e o Rick se tornamos MUITO brothers, o cara é sensacional. Talentoso e super profissional.

6 – É a sua estreia nos quadrinhos, acredito que role um friozinho na barriga, apesar de você já ser um escritor de longa data. Eu li o Mojica Móveis e achei muito bom. Aconteceu uma reciclagem no seu estilo? Tipo, “agora preciso aprender a escrever quadrinhos” Você usou coisas, técnicas inéditas para você ainda?

Bruno: Primeiramente, muito obrigado por topar ler e agradeço também o elogio. Acredito que realmente gostou, se nem tivesse curtido, eu não teria nem sido convidado para estar aqui (risos). Mas retomando a pergunta, eu acho que tento me reciclar o tempo todo. Eu lancei minha primeira obra – em formato de livro – em 2011, de lá pra cá foram 10 livros, 275 poemas, sei lá quantos roteiros para audiovisual e muitos, mas muitos artigos e entrevistas. Eu não paro de escrever graças a Deus! Então eu acho que a reciclagem é parte dessa evolução. Pretendo me reciclar muito ainda, tecnicamente e narrativamente. Testar coisas novas, mas sem deixar de ter a minha assinatura escrota e visceral (risos). Nunca perder a mensagem!

7 – Um pouco sobre você. Sobre desafios. Qual o assunto ou tema que você ainda não escreveu, tem alguma ideia que ainda irá para o papel?

Bruno: Cara, vamos tentar recordar aqui um pouco do que já escrevi: zines com mensagens de protesto e poesia, na literatura comecei com dark fantasy, fui para thrillers policiais, drama e terror. No terror já fiz sobre possessão, gore e tenho até mesmo o meu próprio slasher. Na publicidade e no marketing já escrevi jingles, slogans, e-mails marketing, copys de inbound, artigos com SEO on-page, spots de rádio, materiais ricos como e-books, infográficos e os mais variados roteiros, comerciais, manifestos, curtas e longas. Fora entrevistas no cenário fílmico nacional, artigos e pautas, principalmente para podcasts.

Acho que está faltando roteiro de média metragem, piloto de série, teatro… (risos)! Mas na real, falta escrever muita coisa. Não tenho um full romance ou uma comédia – por mais que sempre trago pitadas ácidas para minhas obras – por exemplo. Mas quem sabe um texto infantil?! Seria um puta desafio gostoso!

8 – Na mesma vibe da pergunta anterior, o que você já escreveu e que até hoje você pensa: “caçarolas, isso poderia ter ficado assim ou assado, poderia ter ficado melhor”?

Bruno: TUDO! Mas eu acredito que um bom escritor deve respeitar o seu tempo. E quando digo tempo, é referente ao o que você sentia na época e a técnica que você usava. Deve ter um respeito por quem você já foi. E tempo também no sentido que você não pode e nem deve ficar masturbando uma obra sem fim. Uma hora ela tem que ir pro mundo. Se você ficar lapidando, lapidando e lapidando, a parada nunca nasce e se esfarela. Somos seres que procuram a perfeição sempre, só que a perfeição basicamente não existe, porque ela é extremamente subjetiva. Então ver algo e querer mudar é normal, só não acho que deve de fato mudar, porque depois de um tempo que você voltar a ler, vai querer mudar de novo. E de novo e por aí vai. Deixa o que já foi escrito, escrito.

9 – O Mojica Móveis tem uma série de nomes talentosos e famosos. Qual foi aquele artista que você não acreditou quando aceitou?

Bruno: Laudo Ferreira. Fácil. Próxima (risos)! Eu lembro que fiz uma lista com esses 30 artistas, no topo da lista vinha o Laudo. Quando entrei em contato com ele, não senti muita firmeza em nossa primeira troca de e-mails, e para minha expectativa estava tudo bem. Eu fui na cara e na coragem, mas com aquela sensação de ”é uma tentativa”, era muito provável de não rolar. Depois que ele leu a obra e elogiou meu roteiro – o que na real me deixou animado pra caralho – fechamos valores e agenda. Mas até de fato ele me mandar a primeira página eu não estava acreditando muito. Porra, é o Laudo!

Ficamos amigos. Trocamos muitos áudios via WhatsApp e aprendo muito com ele até hoje. O cara é um gigante, e falo isso pra ele. Aliás, o chamo de Mestre, né, porque o cara não só tem um conhecimento, uma experiência cavalar e um talento ímpar, como ele compartilha! Isso é para poucos, ter essa maturidade e confiança é para poucos, cara!

Mas se me permite colocar mais um nome dentro dessa resposta, seria o Alexandre Callari. Esse cara me apoiou a dar o pontapé inicial nos meus sonhos de ser escritor, lá em 2011. Um cara que me adicionou no finado Orkut e me ajudou no processo da minha primeira obra em 2012. Tudo isso após nos conhecer em um Zombie Walk. Hoje ele é titânico e não é à toa. Muito disso se deve ao homem que ele é e o coração que possui. Incrível. E porra, quando mandei a obra para ele ler e fiz o convite, ver que ele não só topou, como também elogiou o roteiro, foi uma verdadeira conquista. Então sempre vou chamar o Laudo de “Mestre” e o Alê de “Padrinho”. Tô bem na fita.

10 – Muitas histórias são baseadas em algum acontecimento real. Qual a história que você fez que te fez pensar: “Essa é a minha preferida”.

Bruno: Ah, não saberia responder… não sou de ficar em cima do muro, mas que pergunta filha da puta, cara… eu acho que preferida de quem já leu, está bem dividido, viu? Repercutiu bastante o peso dos contos do colchão, xícara e fogão. O do aquário é o que mais destoa do quadrinho, porque é um sonho meu fazer cenas de ação, e o pessoal também curtiu. E bom, até por isso trouxe o conto da cama de um dos meus antigos livros, porque amo ele e queria ver a parada mais visual.
Tem o final da história principal que puta que me pariu de lado, sem humildade nenhuma, é sensacional. Mas eu acho que tenho um carinho enorme pelo conto da guitarra que é bem autobiográfico e claro, da geladeira que citei anteriormente, uma vez que ele foi o pontapé inicial para o quadrinho nascer.

11 – Existe alguma ideia ainda sendo fermentada para uma expansão do Mojica Móveis? Tipo, por exemplo, um Mojica Autos (sim sério! imagina quantas histórias os carros podem contar)?

Bruno: (RISOS) olha, estou rindo, mas achei foda!! Então, na verdade essa pergunta levanta 2 pontos:

O primeiro é que a loja de móveis usados não é só uma desculpa, faz parte da narrativa. Não deixamos de ser seres ”móveis” e ”usados”, saca? Fora que dentro dessas lojas normalmente é uma bagunça – como relatado na belíssima capa do Dudu – assim como dentro das nossas cabeça. E temos o ”vendedor”, o cara que nos ”influência”. Então é muito mais casado com o plot do que em um primeiro momento.

Segundo que sinceramente quero ter o Mojica Móveis como obra única. Como cartão de apresentação. Daqui quero projetar outras paradas. Porém, formato do Mojica Móveis é tão bem arquitetado – que até foi elogiado pelo Callari – que posso voltar a visitar a loja, com outros clientes, outros móveis, uma vez que são peças únicas e consequentemente terem outras histórias. Posso até mesmo fazer cada conto com outros artistas. Quem sabe um dia eu não volte para dar uma passadinha por lá. Mas uma coisa eu digo, só volto para um segundo volume se de fato, eu tiver uma boa história pra contar como dessa vez.

12 – Eu sempre penso que todo tipo de mídia, seja cinema, música, literatura e óbvio os quadrinhos, têm uma missão de dar algo para acrescentar. Algo para somar, inspirar etc e tal. O que você acha que o Mojica Móveis vai agregar para o leitor?

Bruno: Eu consegui abordar tudo que queria, mesmo se tratando de um quadrinho de gênero.  Acredito que quem ler vai rir, se emocionar, mas principalmente se chocar. Mas não é choque pelo choque, a cada cena de desconforto visceral, tem o seu contexto. Criei o quadrinho para abordar o “perigo da influência”. Espero de coração que as pessoas parem de cair em fake news, comer qualquer merda que os políticos falam, comprar tudo que os influencers usam, pararem de papagaiar o que lê na internet e comecem a pesquisar mais, estudar as coisas, não só para falarem com mais propriedade e segurança, mas de fato forjar um pensamento, uma opinião. Ter o seus próprios raciocínios, gostos e atitudes.

13 – Agora vem a correria da campanha no Catarse; Mas você é um cara do futuro. Seu pensamento está sempre lá na frente. Mas já existe algum plano para o futuro? Uma nova história?

Bruno: Penso. Se Deus quiser – e ele há de querer, porque nós dois somos fechadão – eu vou lançar um quadrinho por ano. NÃO com essa loucura de administrar e liderar um time, mas escolher 1 ou 2 artistas e ir pra cima. Tenho dois argumentos prontos, tô esperando encerrar a campanha no Catarse e mandar o Mojica Móveis para gráfica, que aí sim, vou me sentir a vontade de sentar o rabo, escolher um dos dois e começar o roteiro. Já tenho interessados em rabiscar esse novo quadrinho. E dessa vez será um só de uma capa a outra. Só posso dizer que vai ser mais um trabalho nosso, uma vez que essa pessoa já participa do Mojica Móveis. Vamos ver no que dá. Não sei se vou levar mais para o suspense, mas com certeza será um drama. Aguardem.

Para saber mais sobre a campanha de Mojica Móveis, valores e claro como apoiar, clique AQUI.

 

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Sobre o Autor

Ricardo Ramos

Gibizeiro, escritor, jogador de games, cervejeiro, rockêro e pai da Melissa.

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