Detective Comics

Multiverso é a maior ode aos quadrinhos de super-heróis já escrita

Talvez esse texto não dê conta de tudo o que essa história representa, mas mesmo assim eu o escrevo. Grant Morrison é um autor brilhante. Ele não expõe ou explica, ele sente. Suas histórias são movidas por sentimentos, não pela lógica. Talvez por isso ele escreva brilhantemente os personagens da DC. Por causa do sentimento. Por causa da ideia de provar para os leitores que quadrinhos não são apenas quadrinhos. Tudo isso fica extremamente claro em Multiverso, uma “continuação” de Crise Final. Uma história anunciada em 2009, reescrita diversas vezes e finalmente publicada em 2014. Valeu a pena a espera, pois o escocês trouxe até nós uma obra repleta de vida. Preparem-se, embarquem na Thule para conhecer esta brilhante história.

A trama

A premissa de Multiverso é extremamente metalinguística e metafórica. Nix Uotan, o último monitor, ao lado do Senhor Cotoco, um macaco pirata, investigam sobre um quadrinho chamado Ultra Comics. Isso os leva até a Terra-7, até a Aristocracia, a qual captura Nix. Heróis de diferentes terras-paralelas são convocados ao Lar dos Heróis para se unirem e combater o mal que ameaça toda a existência. Uma trama simples repleta de camadas. A primeira delas é o fator metafórico do quadrinho. Com exceção do primeiro e do último, cada capítulo é focado em uma terra diferente.

Visitando mundos

Todos os capítulos se relacionam de alguma forma com cada era da indústria de quadrinhos. Sociedade dos Super-Heróis aborda a era pulp, para esse capítulo, temos os desenhos de Chris Sprouse de Tom Strong. O roteirista fala sobre a ascensão e a queda desse gênero. Em seguida, temos os Justos. Um universo onde os heróis estão entediados por não ter mais pelo que lutar. Talvez uma metáfora aos leitores cansados de tramas genéricas, ou ao excesso de futuros alternativos nos quadrinhos. A arte de Ben Oliver retrata perfeitamente o ego e o estilo dessa terra. Além disso, Morrison indica um romance entre Batman e Superman. Um certo desejo de muitas pessoas, inclusive do autor deste texto.

Logo depois, a Pax Americana. Uma paródia de Watchmen com personagens da Charlton Comics – personagens os quais Alan Moore usou como inspiração para sua obra. Pax retrata perfeitamente a última metade dos anos 80. Heróis desconstruídos e moralidades ambíguas. Um detalhe interessante sobre esse capítulo é a ausência de linearidade. É possível lê-la de trás para frente. Além disso, Frank Quitely faz um trabalho incrível com 12 ou até mais quadros por página. É incrível como consegue aprimorar a narrativa de 9 quadros e espelhada de Watchmen. Deixamos os tempos sombrios e vamos para As Aventuras no Mundo Trovão. Uma história do Capitão Marvel contra o Doutor Silvana. Uma trama absurda acompanhada dos traços cartunescos de Cameron Stewart. Uma excelente homenagem aos personagens da Fawcett e a inocência e descompromisso da Era de Prata.

Por último, o capítulo menos impressionante, mas ainda assim incrível: Superiores. Nesta terra os ícones da DC são nazistas. Morrison fez algo ainda mais ousado em relação a Mark Millar com o Superman. Torná-lo socialista é simples, torná-lo nazista é mais complicado. Basicamente uma inversão de certa parte da história da indústria. Inúmeros super-heróis foram criados para incentivar o combate ao nazismo. Então, por que não, uma terra onde aconteça o inverso? Além de criar splashpages sensacionais, Jim Lee imprime bem o caos, a violência e o poder. Não existe Superman mais imponente do que o de Lee. Essa figura imponente ele já demonstrava em Pelo Amanhã e agora acabou de ficar ainda mais imponente carregando o símbolo do nazismo.

Ultra Comics

Leia Multiverso, escravo.

Ultra Comics

A trama de Multiverso gira em torno de um quadrinho amaldiçoado chamado Ultra Comics. E é aqui onde começa a metalinguagem na obra. Ao decorrer das edições, temos sempre pelo menos um personagem lendo a obra. Alertando sobre como ela é perigosa. Morrison fez muito bem em plantar menções ao longo da trama, deixando todos os leitores com expectativas altíssimas para lê-lo. Pois é, um quadrinho criando expectativa sobre outro que está dentro desse. Brilhante.

Felizmente, quando chegado o momento, Ultra Comics consegue superar todas as expectativas e se torna inesquecível. A trama consiste na criação de um super-herói chamado Ultra. Ele tem um uniforme colorido, um sorriso radiante e uma personalidade completamente relacionável. Como um super-herói mesmo. A edição começa com o herói o alertando para não ler esta revista até o fim. Isso obviamente deixa o leitor ainda mais curioso, o que se se segue nas próximas páginas é maravilhoso. Acompanhamos todo o processo de criação do herói, mas o maravilhamento acaba por aí. Ele precisa enfrentar o pior desafio para um personagem fictício: O mundo real. Entre esse contraste de realidade e ficção, você se torna o Ultra. Acompanha os pensamentos dele como se fossem os seus. É uma metalinguagem fantástica. Além disso, me arrisco a dizer que Ultra Comics é a perfeita compilação da jornada dos heróis dos quadrinhos.

Ultra experiencia a Era de Ouro, completamente inocente, até a Era Moderna, mais ambígua. A arte de Doug Mahnke é simplesmente perfeita. O personagem já se torna icônico nos traços dele. O desenrolar da trama é excepcional, toda a atmosfera começa a se tornar mais sombria aos poucos. Lentamente, a luz do herói vai se apagando. Em certo ponto da história, o roteirista aborda até mesmo o esquecimento dos personagens na cultura pop. Isso choca o leitor de imediato. Ultra Comics é o ápice de Multiverso.

A Justiça Encarnada

Chegou a Liga que vale

Os protetores do Multiverso

A trama principal apresenta um pouco da ideia do título original: Multiversity. Uma mistura de Multiverso com diversidade. Isso não falta na história. Liderados pelo Superman da Terra-23, Morrison torna os personagens-chave da trama principal extremamente carismáticos. Destaque para o Velocista da Terra-36, um herói fã de quadrinhos, conquistando o leitor de imediato. E também para o Capitão Cenoura, um herói com a física dos desenhos animados. Fica claro a intenção do roteirista ao priorizar certos personagens dentre muitos. Se houver uma sequência, tramas e conceitos não sustentarão a próxima história. Então, é possível se familiarizar com esses personagens estranhos, desconhecidos, mas absolutamente memoráveis.

Além disso, Ivan Reis faz um trabalho excelente com o Lar dos Heróis. É um trabalho tão grandioso quanto o de Pérez em Crise nas Infinitas Terras. Ele consegue trazer cenas épicas e splashpages sob ângulos memoráveis. Além disso, a arte constantemente luta contra a diagramação aqui. Achatar e alargar os quadros é uma ótima forma de tornar a experiência da leitura ainda mais vívida. Afinal, quadrinhos não são apenas quadrinhos em Multiverso. Morrison ao mesmo tempo que faz uma crítica às mega sagas e eventos intermináveis, trata sua história desta forma, mas vai além. Muito além.

A Edição Definitiva e o veredito

Leia Multiverso, escravo

Edição definitiva de Multiverso pela Panini

A editora Panini fez um excelente trabalho em Multiverso. O encadernado foi publicado em capa dura com 481 páginas. A edição contém a história em papel couche, diversos extras, como capas variantes e esboços e um mapa do Multiverso tornando a leitura ainda mais imersiva. O formato que a história definitivamente merece. Quadrinho obrigatório na estante de qualquer DCnauta ou fã de heróis. Quadrinhos são uma arma poderosa, adentram as nossas mentes e Multiverso prova isso. Apenas Grant Morrison poderia fazer isso. É a maior ode aos quadrinhos de super-heróis já escrita.

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Sobre o Autor

João Guilherme Fidelis

"Mas sabe de uma coisa ? Sentir raiva é fácil. Sentir ódio é fácil. Querer vingança e guardar rancor é fácil. Sorte sua, e minha que eu não gosto deste caminho. Eu simplesmente acredito que esse não é um caminho" - Superman (Action Comics #775)