Detective Comics Quadrinhos

Já estamos vivendo a era dos Deuses Americanos “tupiniquins”

Escrito por Ricardo Ramos

Deuses Americanos é uma das obras mais icônicas de Neil Gaiman. Ela é um dos clássicos do autor e é colocada quase no mesmo patamar de sua fase em Sandman. Publicado originalmente como livro em 2001, Deuses Americanos tem no seu currículo o Prêmio Hugo e o Prêmio Nebula, ambos na categoria Melhor Romance, em 2002. De lá pra cá, Gaiman chegou comentar que tem ideias para uma continuação, em 2017 ganhou adaptações para a TV e os quadrinhos.

Eu nunca tive contato com o livro e nem com a série da TV. Os quadrinhos foram lançados nos EUA pela Dark Horse Comics e foi dividida em três arcos: Shadows, My Ainsel e The Moment of the Storm, totalizando 27 edições. Aqui no Brasil, foi a Editora Intrínseca que segurou a responsa de publicar a obra, e vai realizar em três volumes. Em abril desse ano, chegou às livrarias Deuses Americanos – Volume 1 – Sombras, onde temos o ponto de partida das aventuras de Shadow Moon.

A trama, já muito conhecida por todos, fala sobre a guerra entre os deuses tradicionais que estão perdendo espaço para os novos mitos como a internet e os programas de TV, e caindo no esquecimento pelas novas gerações. O próprio Neil Gaiman produziu a adaptação para os quadrinhos, que tem roteiros de P. Craig Russell (que já trabalhou com Gaiman adaptando Coraline e fez os desenhos de Ramadan, publicada em Sandman #50) e desenhos de Scott Hampton.

Uma obra de tanto tempo e tão conceituada, já com inúmeras resenhas, escrever sobre ela, é como chover no molhado. Durante a leitura, minha mente viajou de como a obra se assemelha com a realidade. Como chegamos ao ponto de “endeusar” pessoas ou objetos que ditam a moda hoje em dia.

O fanatismo sempre existiu nas pessoas. Fãs que colecionam tudo, sabem tudo, conhecem tudo, se vestem igual, buscam ter mesmo pensamento, trejeitos e até modo de falar não é novidade. O fato de termos um ídolo, ou alguém que possa nos inspirar, não é todo ruim. É saudável até o ponto em que não perdemos nossa identidade, e a inspiração possa ser construtiva.

Hoje em dia, temos verdadeiras legiões de fãs que colocam em pedestais músicos, Youtubers, jogadores de futebol e políticos. Entretanto, muitos, me arrisco a dizer em sua maioria, são pessoas vazias, com pensamentos mesquinhos, que levantam multidões e introduzem ideais duvidosos no coletivo. Vemos diversos casos desses novos influenciadores/deuses modernos tem atitudes preconceituosas, escandalosas e mesmo assim as legiões de adoradores crescem cada vez mais. E como se deuses raivosos antigos, que punem, mas mesmo assim ainda continuam sendo adorados.

Em Deuses Americanos, os antigos deuses estão “morrendo” porque as novas gerações não pagam mais tributos, preces e não clamam por eles. Eles foram trocados por novos influenciadores modernos. O quadrinho em que a Lucy, do seriado I Love Lucy, fala que a TV é um tipo de Deus, e que as pessoas fazem sacrifícios para ela é a melhor explicação sobre o que está acontecendo. Na real quando as pessoas idolatram um Youtuber que prega algo que seus pais lhe ensinaram como errado, é o mesmo processo. Como por exemplo, um caso recente de um desses astros, que falou que fez sexo sem consentimento da sua namorada. Muitos condenaram a situação, mas existiu quem defendesse o rapaz.

Estamos vendo um novo processo de endeusamento. A moda ditando regras sempre aconteceu, mas a velocidade da informação hoje em dia é incrível. Um jogador de futebol que pinta o cabelo de manhã, de tarde já temos vários jovens fazendo o mesmo e defendendo ferrenhamente nas redes sociais o seu ídolo. O que está mais na moda, até por causa da proximidade das eleições, tem ficado insuportável a quantidade de pessoas defendendo candidatos A ou B. Estamos vendo amizades de anos se transformarem em ódio por causa de candidatos. Mas ninguém se preocupa em compartilhar as ideias e planos para o futuro de seu preferido.

E hoje em dia simplesmente aceitamos o que nos é passado.

Exatamente o que acontece com Shadow em Deuses Americanos. O protagonista não questiona nada que lhe é apresentado. Ele aceita e executa. Não se preocupa nem se instiga com o que está acontecendo ao seu redor, por mais absurda que a situação seja. Ele tem a dor da perda da esposa e pode ter ligado o foda-se. É algo como o pensamento daquele deputado: pior que está não fica.

Quantas vezes já pensamos nisso?

E assim como as informações são rápidas, Deuses Americanos é uma HQ em movimento. Não vemos sempre o mesmo cenário sempre e não conseguimos mensurar o que pode acontecer o que vem a seguir. A narrativa vai contextualizando, renovando, reinventando e apresentando algo novo para o leitor. A batida filosófica que Neil Gaiman implanta é forte, e transborda nas páginas da HQ. Ela não é uma leitura fácil às vezes, detalhes e excesso de diálogos dos personagens prendem mais do que o normal de uma HQ, digamos, comum.  Como eu não li a obra no formato original, acredito que esteja bem adaptado. A impressão que passa é que o carinho com a produção foi prioridade. E que tudo, ou a grande maioria, do que está no livro, foi transportado para a HQ.

Deixo alguns destaques para as pequenas histórias/contos que são espalhadas por Deuses Americanos. Do relacionamento dos humanos com os antigos deuses. Todas são interessantes. E obviamente a arte. As ilustrações que dividem os capítulos são divinas. Os traços são bem realistas, expressivas e alguns momentos assustadores. Mas apesar de buscar um ponto de realidade, o tom caricato dos personagens não se perde. A edição de Deuses Americanos da Intrínseca, ainda conta com 20 páginas de esboços de artes e notas.

Deuses Americanos tem formato 26 x 16,8 cm, 264 páginas e no link da Amazon Brasil abaixo está com 64% de desconto.

 

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Sobre o Autor

Ricardo Ramos

Gibizeiro, escritor, jogador de games, cervejeiro, rockêro e pai da Melissa.

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