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Entre Facas e Segredos: Muito além de um mistério

Em determinado momento de Entre Facas e Segredos, o detetive Benoit Blanc pondera sobre o buraco de uma rosquinha. Apesar de absurdo ou ridículo, é uma das inúmeras provas do amor de Rian Johnson pelos complexos mistérios de assassinato. Além do arquétipo do investigador mirabolante, o novo filme de Johnson homenageia o gênero em si. Assim como no controverso Os Últimos Jedi, o diretor busca pela revolução da estrutura narrativa, mas com um imenso respeito ao clássico.

A premissa de Entre Facas e Segredos é essencialmente a mesma de outras histórias de mistério: Uma pessoa é encontrada morta (Um escritor bem sucedido chamado Harlan Thrombey), a indicação de homicídio e os suspeitos são selecionados (A família). Sob a superfície, é mais um whodunnit, pois há um senso de familiaridade com diversos elementos. Entretanto, não demora muito para a subversão de expectativas proposta, novamente, por Johnson entrar em cena.

O roteiro, também do cineasta, é repleto de foreshadowings, ou seja, um truque narrativo com prenúncios. A história é desviada da premissa de uma maneira simples, instigante e surpreendente. Cada diálogo é extremamente importante para a resolução não apenas do caso, mas dos próprios personagens. É assim como uma história precisa funcionar, nada dito é simplesmente em vão. Há um ótimo equilíbrio entre exposição e narrativa visual. Além disso, a direção dele também é um trabalho ímpar, seja pelo excelente uso de close-ups nos atores, ou nas rimas visuais, muitas delas são indícios dos eventos futuros da película.

Tanto quanto a coordenação dos atributos em cenas, a direção de fotografia de Steve Yedlin é muito importante para o funcionamento das pistas. A trilha sonora composta por Nathan Johnson é contribuinte essencial para o suspense. O design de produção de David Crank parece um tabuleiro do jogo Detetive transportado para a vida. Além do mais, Entre as Facas e Segredos é um pouco metalinguístico e irônico, pois o assassinado é um escritor de mistérios, assim como Agatha Christie e Arthur Conan Doyle. Como já dito, Blanc é a mistura de Poirot e Holmes, Daniel Craig é cativante e possui um grande domínio de cena.

Entretanto, a verdadeira protagonista (sem spoilers) é a enfermeira Marta Cabrera. Ana de Armas é uma excelente tradutora da bondade, da verdade e da empatia carregada pela personagem. É óbvio e nada sútil o posicionamento de Johnson em relação aos imigrantes, mas o comentário sociopolítico funciona perfeitamente.

Porque a família Thrombey é representante dos piores aspectos do ser humano. Além da xenofobia bem exposta, é denunciada a linha tênue traçada por algumas pessoas entre solidariedade e interesse. O cinema no último ano trouxe a luta de classes à tona com Coringa e Parasita, mesmo que não intensamente como os dois citados, isso também é abordado no filme. Pois há uma preocupação em trazer contemporaneidade e é extremamente bem vinda.

Entre Facas Segredos é um whodunnit para a atualidade. Talvez, conforme dito pelo diretor, não seja atemporal, mas só o tempo dirá. Por enquanto, é a prova de que Johnson é um excelente contador de histórias e essa aqui, é sobre o desenrolar involuntário dos fatos e como a verdade é acentuada pela bondade e a maldade intrínseca à natureza humana.

 

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Sobre o Autor

João Guilherme Fidelis

"Mas sabe de uma coisa ? Sentir raiva é fácil. Sentir ódio é fácil. Querer vingança e guardar rancor é fácil. Sorte sua, e minha que eu não gosto deste caminho. Eu simplesmente acredito que esse não é um caminho" - Superman (Action Comics #775)