Superman é um dos personagens mais complexos das histórias em quadrinhos. O herói já foi interpretado de diferentes formas por diversos roteiristas e artistas, entretanto ninguém jamais ousou mudar o local da queda do foguete vindo de Krypton. Em todas as origens, ele cai em solo americano, o tornando consequentemente um símbolo americano. Em Entre a Foice e o Martelo, o foguete cai na Ucrânia e anos depois o Superman se torna o herói da União Soviética mudando o rumo da Guerra Fria, enquanto os Estados Unidos, representados por Lex Luthor, tentam destruí-lo. É um universo alternativo interessantíssimo, mas vai além disso se consagrando como uma das melhores histórias do Homem de Aço.
Super protetor. Seria o termo mais adequado para definir o Superman em Entre a Foice e o Martelo. Habilmente escrito por Mark Millar, o seu Homem do Amanhã é extremamente preocupado com tudo o que está ao seu redor, conversas políticas são facilmente interrompidas, pois ele sente a necessidade de ajudar as pessoas. Ele não liga para essas questões assim como o Superman o qual conhecemos. Entretanto, Millar acrescenta algo a mais nesse desejo extremamente purista, algo mais perigoso: Uma utopia. A necessidade se torna uma obsessão.
É uma construção para desconstrução. Não apenas Millar consegue demonstrar isso em seus roteiros, como a arte de Dave Johnson também. De repente, o Superman com traços nostálgicos remetendo a animação dos irmãos Fleischer dá lugar a um ditador. Ingenuidade, talvez seja outra palavra para defini-lo neste quadrinho, ele sempre acredita estar fazendo o certo e em alguns momentos leva o leitor a acreditar que o melhor caminho é a sua utopia – pelo menos até o final – e acredita que não precisará recorrer a violência para alcançar seus objetivos. Ainda bem que Lex Luthor existe.
Superman tinha boas intenções, Luthor também. “Não estaríamos trocando um demagogo por outro?” questiona uma personagem durante a narrativa. Ele e o herói se completam. Ambos querem salvar o mundo, mas Lex é mais realista, afinal, o mundo jamais será perfeito e ele sabe disso. Existe um porém, Luthor não gosta de pessoas, gosta dele mesmo, considera o trabalho mais importante do que a sua esposa. Ao mesmo tempo em que ele é humano, ele é desumano, assim como o Homem de Aço se invertermos os adjetivos. Um completa o outro. Mais uma excelente construção de personagem executada por Millar aqui.
Com a ajuda de Alex Ross, os desenhos de Dave Johnson, Andrew Robinson, Killian Plunket, Walden Wong beiram ao nostálgico e ao revolucionário, as locações e os designs para cada herói beiram a perfeição de tão criativas. Destaque para o Batman e sua Bat-caverna no fundo do mar. Eles também entregam ótimas cenas de ação. Apesar da mudança na arte a cada capítulo, eles nunca destoam uma da outra, apenas se complementam. As cores de Paul Monts são claras e agradáveis aos olhos do leitor.
É incrível como o protagonista impacta a todos ao seu redor em Entre a Foice e o Martelo. Lois Luthor vê nele, uma figura confiável, o homem que a salvaria caso ela caísse de um prédio. Na verdade, o roteirista respeita bastante as regras do Multiverso onde o que é real em uma terra, é ficção em outra e brinca bastante com o relacionamento entre os dois em um monólogo onde Superman diz que um famoso poeta escreveria uma história onde ele e ela se tornariam amantes e que seria o livro mais vendido de todos os tempos. Pyotr, o filho de Stalin, se sente descartável com a presença do Superman, tratando tudo como uma competição, com ódio, pois enquanto ele voa pelos céus, nós estamos vivendo na sarjeta. Batman aqui é um homem sem moral, é a anarquia de preto, o símbolo de uma revolução que não aceita um governante alienígena. O confronto entre ele e o Kryptoniano é um dos melhores das histórias em quadrinhos rivalizando com a luta em O Cavaleiro das Trevas. Na verdade estes três personagens representam três sensações humanas: Amor, tristeza e coragem.
Recentemente, a editora Panini publicou a história em um encadernado capa dura com papel couche. A edição conta com alguns extras como artes conceituais de Dave Johnson e um depoimento de Tony DeSanto para a história. Entre a Foice e o Martelo fala bastante sobre humanidade, não só como uma sensação retirada de todos nós por um alienígena, mas como um todo. Provando que nem mesmo Superman ou Lex Luthor poderiam salvar este mundo, com ambos, estaremos fadados ao fim se procurarmos por perfeição. Devemos aceitar a sarjeta em que vivemos e suas falhas, contemplá-las e aprender a conviver com elas. Mark Millar trouxe até nós uma das melhores histórias já escritas sobre o personagem e ele nem precisou ser americano para isso.