Detective Comics Quadrinhos

A Barbarella de Jean-Claude Forest

Escrito por Gabriel Faria

Icônica personagem criada em 1962 pelo ilustrador Jean-Claude Forest, Barbarella marcou o início de uma nova era para os quadrinhos com relação a imagem da mulher. A aventureira espacial do século XL possui uma interessante história de criação e término, que tornou a heroína um verdadeiro cult das HQs, traduzida para mais de doze idiomas ao redor do mundo e vítima de censura em diversos momentos.

A década de 50 foi um período marcado pelo extremo conservadorismo dos quadrinhos, não somente no mercado americano como no mundo todo. A imagem da mulher nesta mídia até então era tida como um único plano de personagens rasas e com pouca utilidade além de servirem como coadjuvantes para os grandes personagens masculinos, enquanto assuntos como sexualidade e independência eram inconcebíveis em uma época de censura, syndicates e outros tipos de aventuras em vigor, uma crescente de tendências que vinham desde os anos 30. Mesmo as mais famosas séries europeias de quadrinhos, como o Tintim de Hergé, possuíam poucas mulheres em seu rol de personagens. E a “revolução” teve início na França em 1962, quando a chocante Barbarella surgiu nas páginas da V-Magazine.

Capa de uma edição da V-Magazine, revista onde Barbarella surgiu em 1962.

Publicada no formato de tiras, Barbarella era uma somatória de elementos de sucesso: James Bond, Buck RogersFlash Gordon, Mandrake e Jungle Jim são possivelmente as maiores inspirações, sendo as diferenças óbvias o sexo da protagonista e como sua liberdade é abordada no ano 40.000 DC. Desenhada com o lápis anatomicamente correto de Forest, a primeira aventura da personagem causa impacto por logo em suas primeiras páginas exibir não somente mulheres com belas curvas bem definidas, como também seios a mostra e posições no mínimo pornográficas para o período em vigor. Como diz o jornalista Gonçalo Jr., Barbarella foi “aclamada como ‘vamp moderna’ e ‘ninfomaníaca espacial’ pelos críticos mais conservadores“. Suas explorações vão desde descobertas de novos mundos até encontros com bizarras criaturas, sempre apostando no extremo escapismo que não se leva a sério.

Com este espírito trash porém extremamente criativo no quesito visual, as histórias da sensual heroína loira dos lábios carnudos são absurdas até para a época, criando um charme incontestável. Utilizando seu corpo da maneira que bem entende para obter o que deseja, Barbarella estava sempre no comando quando metida em alguma enrascada, algo verdadeiramente raro nas publicações deste momento que motivou os artistas a expandirem seus horizontes e criarem trabalhos voltados para os adultos, e não somente aos jovens e adolescentes que consumiam os comics. As tiras da aventureira, que possuíam um senso de cronologia, agradavam os leitores mais maduros de diferentes formas, com o motivo central sendo a semelhança com a atriz Brigitte Bardot (1934 – ), sex symbol dos anos 50 e 60. E por “motivo central” você imagina o que bem entender…

Barbarella e Brigitte Bardot.

Barbarella e Brigitte Bardot.

Voltando um pouco no tempo, falemos sobre Jean-Claude Forest, o “pai” de Barbarella. Forest nasceu em 1930, em Paris, e se formou em 1950 pela Escola de Desenho de Paris, trabalhando como ilustrador em veículos variados tais quais revistas e jornais como o France Soir. Barbarella nasceu após o editor George Gallet, da coleção de ficção-científica Le Rayon Fantastique, requisitar que Forest criasse uma espécie de Tarzan ou Tarzella. A ideia não lhe agradou e ele utilizou o conceito para criar sua heroína que alcançou a fama mundial e tornou-se um bestseller após o editor Eric Losfeld, especialista em fantasia e literatura erótica, proporcionar a chance de compilar as histórias em um livro, lançado em 1964. Este primeiro álbum vendeu mais de 200 mil cópias, mesmo com a censura da época impedindo que ele fosse divulgado com publicidade.

Sua arte característica foi o estopim para uma verdadeira revolução sexual, dando origem a personagens como Valentina de Guido Crepax e Vampirella de Forrest J. Ackerman, ambas publicadas no Brasil. Jean-Claude faleceu em 1998, tendo sofrido de uma asma severa por muitos anos.

Os belos quadros de Forest somados a sua criatividade criaram um clássico dos quadrinhos.

A bela arte de Forest somada a sua criatividade deram origem a um clássico revolucionário dos quadrinhos.

Mas a revolução de Barbarella não está limitada aos seus influentes quadrinhos, onde ela busca novas experiências como boa viajante que é. Mesmo tendo sido censurada na França em 1966, a exploradora já descobrira outros países do nosso mundo real, tendo encantado diversos cantos do globo. Em 1968 o produtor Dino De Laurentiis foi um dos atingidos pelo charme da personagem (graças a uma de suas agentes que gostava do álbum), tendo produzido um live-action dirigido por Roger Vadim, tendo Forest como consultor criativo e a estonteante Jane Foda no papel principal. Dizem, inclusive, que ao entrar em contato com o primeiro álbum da Barbarella Fonda o jogou no lixo dizendo que “aquilo não era pra ela.”

O filme, marcado pela clássica sequência de strip tease em gravidade zero, tornou Barbarella um verdadeiro hit mundial que vai além de sua mídia original. Apesar de algumas diferenças, o teor e o lado conceitual do longa são fiéis à série de quadrinhos (até mesmo no aspecto trash), contendo passagens e personagens retirados diretamente de suas tiras e fielmente transpostos, como o anjo Pygar e a doença lepra escavadora. Como curiosidade, o vilão do longa, Durand Durand, inspirou o nome da banda new wave criada nos anos 80, Duran Duran.

Jane Fonda dá vida à personagem em um filme fiel em diversos aspectos.

Jane Fonda dá vida à personagem em um longa fiel em diversos aspectos.

No Brasil, já com a estreia do filme, o primeiro (e até pouco tempo, único) álbum da personagem foi publicado em 1969 pela Linográfica Editora. Com tradução de Jô Soares, o livro continha em sua capa o cartaz do filme e por muitos anos foi disputado a unhas e dentes pelos colecionadores. O álbum nacional possuía tons de amarelo, laranja e até mesmo verde. A republicação da série em terras tupiniquins se deu em 2015, quando a Jupati Books, selo da Marsupial Editora, republicou o primeiro de dois volumes lançados na França pela Les Humanoïdes Associés contendo a obra integral com a colorização azul no preto e branco. A nova edição, traduzida por Pedro Bouça, contém um belo texto de introdução escrito pelo já citado expert Gonçalo Jr.

Motivado pelo sucesso da primeira publicação de Barbarella, Forest criou uma série de sequências, focando inclusive no lado da ficção-científica acima da sexualização característica de suas primeiras histórias. A reputação do artista ficou manchada por algum tempo e a recepção dos álbuns subsequentes não foi das melhores. Nos anos seguintes o autor criou novas séries e personagens, como Hypocrite. A última aventura de sua obra-prima, Le Miroir aux tempêtes, foi publicada em 1982 contendo a arte de Daniel Billon, visto que Forest nesta época achava que “desenhar as histórias era muito mais chato que escrevê-las.

Quadro do álbum "Barbarella - Volume 1" publicado no Brasil pela Jupati Books.

Quadro do álbum “Barbarella – Volume 1” publicado no Brasil pela Jupati Books.

Há um associação entre o fim das histórias da personagem com a epidemia de AIDS nos anos 80, onde a preocupação das pessoas com relação ao sexo aumentou exacerbadamente. Com a data de publicação de seu último volume (1982) coincidindo com este período, Barbarella suspendeu suas viagens espaciais até a série ser cancelada oficialmente com a morte de seu autor em 1998, deixando pra trás um legado que permanece vivo na cultura pop até os dias de hoje.

Ficou interessado em conhecer a personagem? Como já foi dito acima, o primeiro volume (de dois) retornou às livrarias brasileiras pela Jupati Books com o nome Barbarella – Volume 1, contendo 72 páginas encadernadas em capa cartão, formato 27 x 20 cm e preço sugerido R$ 42,00. O segundo volume deve ser lançado ainda em 2017, fechando uma coleção dessa heroína imortalizada no inconsciente popular.

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Sobre o Autor

Gabriel Faria

Assistente Editorial, apaixonado por quadrinhos, redator da Torre de Vigilância, criador do blog 2000 AD Brasil e otaku mangazeiro nas horas vagas.