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Resenha | Fantasia e História em Memorial do Convento

Sinopse: ”No epicentro desta história está a construção do Palácio Nacional de Mafra, também conhecido como Convento. O monarca absolutista D. João V, cumprindo uma promessa, ordenou que o edifício fosse erguido no início do século XVIII, em pleno processo colonial, à custa de uma imensa quantidade de ouro e diamantes vindos do Brasil, além do sangue de milhares de operários.  […]
Como em História do cerco de Lisboa e A jangada de pedra, para citar apenas alguns dos celebrados romances do autor, a finíssima ironia na observação de fatos históricos e o elegante tecido ficcional estão a serviço de uma fabulação sempre brilhante, moderna e criticamente devastadora do ponto de vista social. […] Com sua abordagem absolutamente inovadora do romance histórico – um gênero que já esteve a serviço dos heróis nacionais e suas poses engessadas -, este Memorial do Convento recupera as ilusões, fantasias e aspirações de um Portugal que se quis grande e eterno, ainda que frágil e delicado.”

Memorial o_O

José Saramago, renomado autor português vencedor do Nobel, em Memorial do Convento (1982) nos conduz à Portugal do século XVIII no reinado de Dom João V, época de imensa fartura do ouro vindo do Brasil. O enredo se inicia com as tentativas falhas do rei e da rainha Maria Ana em darem herdeiros ao reino português, eis que surge o frade António e faz um acordo com vossa majestade, caso tenha herdeiros que se construa um convento, uma promessa não só de interesses cônjuges como ambição de João V de criar um grande monumento para ser lembrado.

Com esse plano de fundo, Saramago irá trazer personagens e acontecimentos reais da história portuguesa, um verdadeiro romance cavaleiresco que exala vida. Bartolomeu Lourenço de Gusmão, um desses personagens, foi um padre que tinha projetos para voar, sendo chamado de o padre voador, ele é essencial para o desenrolar dos eventos quando conhece Blimunda e Baltasar Sete-Sóis, personagens criados por Saramago, e os convidará a ajudá-lo a efetuar sua promessa ao rei de levar os homens aos céus, a partir daí surge a passarola, uma espécie de ”avião” em forma de pássaro. Veja um vídeo stop-motion do momento que Blimunda e Baltasar se conhecem:

O ficcional e o real tem uma linha tênue na história, com maestria, os personagens se misturam e exploram diversos temas como religião, medo, amor, relações humanas e o sacrifício do povo para construir os desejos dos governantes. Muito antes do inicio da construção do convento, conhecemos Blimunda, moça dotada de poder peculiar, ela consegue enxergar o desejo dentro das pessoas, e Baltasar Sete-Sóis, soldado que perdeu a mão esquerda e no lugar recebe um gancho, eles junto com o padre serão quase que uma família com o sonho de voar.

O Santo-Ofício é outro elemento na história, a igreja até o século XIX em Portugal perseguiu os cristãos novos, judeus, muçulmanos e aqueles que eram acusados de bruxaria, como é o caso da mãe de Blimunda e do padre Bartolomeu, ao mexer com projetos cientistas.

Saramago faz ótimas jogadas e questionamentos filosóficos no que se refere a imagem de Deus e os mistérios da fé, critica o autoritarismo da igreja e cria dicotomias, como por exemplo, Blimunda e a rainha Maria, enquanto uma é livre para amar e ser amada, a outra sabe que vive no mundo das aparências da realeza e não se sente amada pelo rei, sendo até mesmo culpada pela difícil gravidez. Pode-se se dizer que a vida é encenada na obra, com todos os defeitos e qualidades humanas.

MEMORIAL
Convento de Mafra

Ler Memorial do Convento exige bastante tempo, é uma leitura que deve se fazer com tranquilidade para perceber todos os elementos. Além disso, a própria escrita do autor pode ser cansativa para leitores de primeira viagem, porque ele não separa as falas e tem sentenças longas. Isto não interfere em classificar a obra como um belo romance histórico que enaltece o povo português, principalmente no que se refere aos trabalhadores na construção de Mafra, que levou mais de 600 vidas para seu termino.

Tenham uma ótima leitura!

Por Daniel Estorari

With great powers...