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A importância da série do Flash

O Flash sempre foi um dos personagens mais queridos entre fãs da DC Comics. Seja graças a passagens memoráveis nos quadrinhos e sua importância histórica ou ao desenho animado da Liga da Justiça, o herói é o primeiro sinônimo de velocista lembrado pelo inconsciente popular. “Tal pessoa é rápida como o Flash“; “Fui e voltei rapidinho igual o Flash“. Entretanto, o Velocista Escarlate nunca recebeu a merecida atenção em adaptações live-action (apesar das tentativas, uma delas nos anos 90) até o ano de 2014, quando a série The Flash produzida pelo canal CW estreou. E com ela tudo mudou, pois os conceitos do universo de quadrinhos da DC Comics começaram a ser levados a sério de forma fiel, alcançando um novo público a partir daí.

Contém spoilers das duas primeiras temporadas de Flash.

O universo de séries da CW começou em outubro de 2012 com Arrow. O sucesso da série do Arqueiro Verde foi estrondoso, e graças a ele temos hoje diversas séries (algumas bem sucedidas, outras nem tanto) baseadas em quadrinhos, tanto da Marvel quanto da DC. Obviamente o histórico de séries de TV produzidas pela DC Comics é muito mais antigo, vindo desde os anos 50. Porém, a série do Arqueiro foi a responsável por modernizar as adaptações de quadrinhos seriadas na TV, além de verdadeiramente introduzir um universo coeso de adaptações live-action, algo semelhante ao que a Marvel vinha fazendo no cinema.

A série da DC mais recente até então era Smallville, que teve sua última temporada exibida em 2011, também no canal CW. Os atuais produtores do CWverso (como é chamado o universo das séries da emissora) apresentaram um pitch de uma produção baseada no Arqueiro Verde e receberam carta branca com uma única condição: afastar ao máximo a vindoura série do Arqueiro da fantasia que era Smallville.

Teve então o início da vida do Arqueiro Verde na TV, que ruma atualmente para sua quinta temporada, absorvendo inicialmente muita inspiração do realismo de Christopher Nolan em suas adaptações do Batman. A jornada de Oliver Queen seria a transformação de um vigilante procurado pela polícia para um herói conhecido, e com isso a personalidade clássica do Arqueiro dos quadrinhos foi perdida entre outros altos e baixos. Contudo, a segunda temporada (tida como a melhor da série) começou a introduzir elementos fantásticos dos quadrinhos como a droga da super-força Miraclo, “super” vilões e Barry Allen, o cientista forense que foi atingido por um raio e ganhou super velocidade. E com o renascimento de Barry Allen num hospital de Central City a DC Comics ganhou uma nova vida na TV, algo semelhante ao que ocorreu em 1956, quando a Era de Prata dos quadrinhos teve início graças ao novo Flash (o mesmo Barry Allen) e posteriormente, em 1959, ao novo Lanterna Verde (Hal Jordan), modernizando a DC da época.

The Flash é uma série que transpira quadrinhos. O cientista forense Barry Allen teve sua mãe assassinada por um misterioso borrão amarelo e seu pai foi julgado culpado. Vivendo com uma família adotiva, Barry cresce tentando desvendar o mistério do assassinato de sua mãe até o dia em que o Acelerador de Partículas dos Laboratórios S.T.A.R explode, gerando uma tempestade que deu poderes de diferentes formas a pessoas de diferentes tipos, entre elas o próprio Barry, atingido por um raio que gerou sua super-velocidade. A origem dos poderes de Barry foi adaptada para se encaixar à premissa da série, porém o grosso está aí.

O crescimento de Barry como um herói é explorado desde o primeiro episódio. O personagem vivido por Grant Gustin descobre novos limites para seus poderes a cada aventura, assim como nos quadrinhos as diferentes versões do Flash sempre fizeram. Tais aventuras acabam culminando em histórias envolvendo conceitos até então intocados em filmes ou séries. É importante lembrar que para algo se tornar verdadeiramente revolucionário deve abranger o maior público possível ao mesmo tempo que introduz algo novo ou simplesmente muda paradigmas. “The Flash” fez ambas as coisas, além de ter afastado o tom sombrio presente até então em Arrow e ter ideias atualmente refletidas nos quadrinhos e no cinema.

"O Flash do século 25 é o oposto de mim! Ao invés de ser um defensor da Lei... Ele é um bandido!"
“O Flash do século 25 é o oposto de mim! Ao invés de ser um defensor da Lei… Ele é um bandido!”

O público-alvo da CW sempre foi os jovens. O catálogo de séries do canal é direcionado a pessoas mais novas, e isso gera o aspecto de “novela” das produções, sempre com dramas familiares e mensagens motivacionais. Porém, o trunfo de Flash está no modo como as histórias são contadas. Sendo um verdadeiro seriado de super-herói, as motivações dos personagens são muito bem trabalhadas (principalmente na primeira temporada), contando com um elenco de apoio excelente. De forma orgânica, Flash alcançou um novo público e começou a plantar as sementes de ideias exploradas nos quadrinhos desde os anos 50, sempre com destaque para a Era de Prata, fase da qual os idealizadores do seriado extraem muita inspiração, ditando assim o tom dos episódios.

Em uma única temporada Barry lidou com vilões “pé-no-chão”, animais com poderes (como o Gorila Grodd), viagens no tempo e o grande vilão Flash Reverso, responsável pela morte da mãe do herói. Numa crescente, os 23 episódios aos poucos adicionaram elementos importantes para a trama e para o final deste arco, fazendo com o que o público novato no mundo dos quadrinhos se acostumasse com tais conceitos e os consumidores fiéis de HQs sintam-se homenageados. Você pode não gostar da forma como a série é contada ou dos padrões da CW, mas há de convir que a coragem investida pelo trio de produtores (Greg Berlanti, Andrew Kreisberg e Geoff Johns) tentando aproximar a série dos quadrinhos é louvável. Tudo isso numa mídia mais limitada como a TV.

“Flash de Dois Mundos” referenciada no segundo episódio da segunda temporada.

Com a segunda temporada os fãs presenciaram mais conceitos bem trabalhados em tela, repetindo, totalmente inéditos para o público que consome somente live-actions tanto da DC quanto da Marvel. De forma massiva a série utilizou o conceito do Multiverso existente nos quadrinhos desde os anos 50, introduzido numa história da Mulher-Maravilha onde a heroína encontrava uma versão alternativa dela mesma, e posteriormente (tida como introdução oficial pela editora) na clássica “Flash de Dois Mundos“, onde Barry Allen encontra o Flash da Era de Ouro, Jay Garrick, que o inspirou a se tornar herói. Nunca negligenciando tais ideias a série da CW bebe diretamente da fonte dos clássicos do personagem para contar suas histórias, adaptando-as a um novo público consumidor. Rapidamente algumas Terras Paralelas foram estabelecidas na TV, incluindo uma onde o Caçador de MarteSupergirl e seu primo Superman residem, enfrentando alienígenas frequentemente. Flash é capaz de fazer amizade com personagens de outras Terras e chamar a atenção de novos públicos através de um simples portal para um mundo que está vibrando em uma frequência diferente.

Connor Hawke, Flash dos anos 90 e um anel da Legião dos Super-Heróis. Todas imagens mostradas no momento em que Barry viajou para outra Terra pela primeira vez.
Connor Hawke, Flash dos anos 90 e um anel da Legião dos Super-Heróis. Todas imagens mostradas no momento em que Barry viajou para outra Terra pela primeira vez.

Além do Multiverso, fãs do Flash lidam desde sempre com a ideia do Legado de super-heróis. Barry Allen tornou-se o Flash somente graças a inspiração proporcionada por Jay Garrick. Wally West, o Kid Flash de Barry, tornou-se o Flash para honrar a morte de seu mentor durante a Crise nas Infinitas Terras. E o legado do Flash (bem como a Família Flash) sempre cresce. Tal abordagem também não é esquecida pela série da CW, onde na segunda temporada a maioria dos personagens de legado foram introduzidos. O Wally da série (baseado nos Novos 52), inclusive, é um fã do Flash e será utilizado como Kid Flash na terceira temporada. Jesse Quick foi atingida pela segunda explosão do Acelerador de Partículas e Jay Garrick é um Flash mais velho interpretado por John Wesley Shipp, o ator que deu vida ao Flash na série de TV dos anos 90. Sim, o legado é presente até na vida real.

Nas mãos de Mark Waid (maior e melhor roteirista a passar pela revista do herói, e grande fã da série de TV), o conceito da Força da Aceleração foi criado, e nas mãos de Kevin Smith a ideia foi adaptada e explorada a fundo pela primeira vez na telinha, sempre com o objetivo de ser algo didático para todos os públicos. E aos poucos as sementes são plantadas.

A Família Flash dos quadrinhos.
A Família Flash dos quadrinhos.

Porém, é importante ressaltar que a importância do seriado do Flash vai além da introdução de conceitos a novatos (algo extremamente positivo, obviamente). O sucesso gigantesco da série teve impacto até nos quadrinhos, onde muitos especulam que as mudanças recentes foram feitas para adequar o tom de ambas as mídias. Recentemente o legado foi trazido de volta com o Rebirth da DC Comics, onde o Wally West original retornou nas mãos de Geoff Johns e Barry deve treinar o segundo Wally. Com essa mudança, o cinema também foi impactado, com Johns assumindo um cargo mais alto e prometendo otimismo e esperança aos filmes da editora. Algo mais leve, similar ao que as séries de TV (Flash, Arrow, Supergirl e Legends of Tomorrow) se tornaram.

O já citado elenco de apoio também recebe atenção especial. Vilões como o Capitão Frio, Nevasca, Patinadora Dourada, Grodd, Flautista e Onda Térmica são bem trabalhados, alguns explorados até mesmo em spin-offs, e heróis também foram introduzidos aos poucos. Nuclear (com o conceito de legado explorado mais uma vez), Mulher-Gavião, Gavião Negro e Vibro foram alguns dos heróis apresentados na série de forma natural e, quase sempre, com bons atores. Por fim, o elenco de humanos razoavelmente normais, como Harrison Wells (vivido por Tom Cavanagh) ou o pai adotivo de Barry, Joe West (Jesse L. Martin) são responsáveis por alguns dos melhores momentos.

E as referências aos quadrinhos não param:

“Flash desaparece na Crise. Céu vermelho desaparece. Completa a fusão da Wayne Tech e Indústrias Queen.”

Não param:

Flash (uma miragem dele) se sacrifica para salvar o multiverso como na Crise original.

E não param:

Zoom torna-se o Flash Negro, entidade mortífera inimiga do Flash.

Com a promessa de expandir ainda mais esse universo da TV, a terceira temporada de Flash está marcada para estrear dia 04 de outubro de 2016. A ideia da vez será o paradoxo do Flashpoint, saga moderna dos quadrinhos da DC criada por Geoff Johns e responsável pelo início dos Novos 52, adaptada ao contexto da série e prometendo impacto nas séries irmãs.

Que o time responsável por The Flash é fã do universo dos quadrinhos, todos já sabemos. O que ninguém esperava, talvez nem mesmo a Warner, era o fenômeno que o Velocista Escarlate se tornaria, retornando ao posto de uma das revistas mais vendidas da editora, rendendo muito com merchandising e com novos fãs tão devotos. O Flash voltou com tudo desde 2014 graças a série, e isso inegavelmente é um Fato Flash.

Por Gabriel Faria

Assistente Editorial, apaixonado por quadrinhos, redator da Torre de Vigilância, criador do blog 2000 AD Brasil e otaku mangazeiro nas horas vagas.