Detective Comics Quadrinhos

Como o Rebirth salvou o Superman

Escrito por Gabriel Faria

Superman. O maior herói de todos os tempos, condenado a sofrer nas mãos de roteiristas que das duas, uma: ou não entendiam o personagem ou simplesmente distorciam tudo que ele sempre representou. Desde o reboot dos Novos 52 em 2011, o Superman deixou de ser um personagem chamariz da DC. A cueca por cima da calça sumiu, e o amor dos fãs mais antigos foi junto. Personagens como a Arlequina começaram a vender mais que o azulão. Mas a nova reformulação da Editora das Lendas, o Rebirth, vem fazendo jus ao personagem, salvando o herói da exposição ao sol vermelho dos últimos cinco anos.

Voltemos à 2011. A DC Comics anuncia seu reboot, com origens dos heróis recontadas (quase todas, pelo menos), artistas assumindo o cargo de roteiristas, velhos nomes voltando (e outros simplesmente largando de vez a editora), entre outras mudanças radicais. Um grande nome recebe a missão de recontar a origem do Superman neste universo mais jovem e com mais “atitude”: Grant Morrison.

Morrison, se encaixando à premissa de um universo de heróis jovens e sem quaisquer experiência, decide aproximar o Superman de suas origens da década de 30, quando Jerry Siegel e Joe Shuster o idealizaram. A revista Action Comics #1 de 1938 foi onde o herói surgiu. E em 2011, também na Action Comics #1 (que teve sua numeração zerada no reboot), Morrison deu início à sua fase que durou cerca de vinte edições. A origem do personagem foi recontada, e nestas revistas podemos captar diversas referências ao Superman inicial dos anos 30, um pouco mais violento e menos “símbolo de esperança“. Esse Superman jovem e mais violento, usando calça jeans e camiseta, posteriormente se tornou o herói com roupa azul sem a clássica cueca por cima da calça (que perdura até os dias de hoje). Mas a atitude menos racional e mais muscular continuou, se expandindo às outras revistas como a Liga da Justiça, Batman/Superman e a própria Superman, que inicialmente era escrita pelo grande George Pérez. Pérez inclusive largou a DC Comics de vez graças à péssima experiência no reboot, perdido no meio da bagunça.

Apesar da boa fase de Morrison no título (que do meio para o fim começou a envolver loucuras como Mxyzptlk e duendes de outras dimensões), pouquíssimas vezes o personagem agia como o que todos os leitores estavam acostumados. O conceito de reset foi literal no herói, enquanto Batman e Lanterna Verde mantiveram suas cronologias. Após essa fase, roteiristas como Greg Pak, Geoff Johns e Scott Lobdell assumiram o personagem, e mesmo com alguns bons momentos (especialmente na curta passagem do Johns), ele não evoluiu em momento algum, e tais fases serviam mais como histórias para cumprir tabela do que boas aventuras propriamente ditas. Em diversos momentos, a DC simplesmente parecia estar perdida: tirou os poderes do herói, revelou sua identidade, fez com que ele ganhasse novos poderes, criou novas revistas (razoavelmente bem sucedidas em vendas, como Superman Sem Limites, que apesar da história fraca contava com nomes top sellers na equipe criativa), etc. E nada parecia atrair a atenção dos leitores. Neste momento estamos prestes a entrar no Rebirth.

Convergência foi publicada. A saga que unia todos os universos alternativos da DC (pré-Crise, pré-Flashpoint, Entre a Foice e o Martelo e uma infinidade de outras realidades) em batalhas por suas sobrevivências serviu cronologicamente para trazer de volta um personagem querido dos fãs: o Superman. O mesmo que teve sua origem recontada por John Byrne na década de 80 logo após a Crise nas Infinitas Terras. O mesmo que se sacrificou enquanto lutava com Apocalypse para salvar a humanidade, e voltou dos mortos algum tempo depois. O personagem que teve sua origem reformulada por Mark Waid. O herói casado com Lois Lane (sem romance com a Mulher-Maravilha, como nos Novos 52), e mais: um pai. Esta Lois Lane pré-Flashpoint (a saga que deu origem aos Novos 52) tem um filho no final da Convergência, e então o Superman e sua esposa ganharam uma revista própria escrita por Dan Jurgens (roteirista do Superman dos anos 90, responsável pelo épico de ação que foi a morte do herói), aclamada pela crítica e fãs, chamada Lois & Clark. O casal está focado em criar seu filho, Jon, e isto foi o pontapé inicial que culminou no Rebirth.

O Superman clássico e querido pelos fãs havia voltado. Mas o Superman jovem dos Novos 52 ainda estava vivo. O que fazer? Simples: matar o dos Novos 52 e ao mesmo tempo criar um legado para este personagem, marca registrada da DC Comics. Com sua morte, o Superman mais velho (que até então agia nas sombras, evitando atrair holofotes) assume seu posto com o objetivo de honrar o símbolo da casa de El ostentado por ambos, e novos heróis surgem, como o Lex ‘Superman’ Luthor e a Superwoman. Grandes nomes como Peter J. Tomasi Patrick Gleason (dupla responsável pela excelente revista Batman & Robin) assumem a revista do Superman. Dan Jurgens fica com Action Comics, com a numeração antiga voltando a partir da edição #957. Isto é uma mensagem clara aos fãs: a esperança e o otimismo proclamados por Geoff Johns na edição especial DC Universe Rebirth também retornaram para o maior herói de todos os tempos. É o mesmo que todos amávamos antes dos Novos 52, aquele que se importa com todas e quaisquer vidas.

Não bastasse este resgate, as referências à história do personagem não param. Ao mesmo tempo, em Action Comics Dan Jurgens traz de volta toda a angústia da Morte do Superman ao fazer o Apocalypse retornar ameaçando a vida de todos, e mostrando o lado heroico de Lex Luthor, inspirado pelo sacrifício do jovem Kal-El, enquanto em Superman, Tomasi e Gleason trazem o Erradicador (personagem do Retorno do Superman) como o principal vilão, botando em risco a vida de Jon Kent, o super-filho, desenvolvendo ainda mais a relação familiar dos dois, algo similar ao excelente trabalho feito pela mesma dupla criativa na revista Batman & Robin, quando Damian e Bruce se aproximaram verdadeiramente como pai e filho.

Derivados como Superwoman guardam ideias que pegaram todos os leitores de surpresa, algo difícil de ser feito nos dias de hoje. Ao mesmo tempo em que a revista da heroína possui ligação com o “Super-universo”, Phil Jimenez também a utiliza para aparar pontas soltas deixadas pela Convergência, entregando brilhantemente uma história que soa como uma homenagem ao passado de Lois Lane e ao mesmo tempo honrando o mito do Superman. Na China, surge o New Super-Man de Gene Luen Yang. A Supergirl clássica está de volta pelas mãos de Steve Orlando. A Liga da Justiça de Bryan Hitch conta com a presença do Superman em tempo integral. E o universo do “Super” está mais próspero do que nunca, algo que não aconteceu nos últimos cinco anos. E os números do mês passado comprovam que o interesse dos leitores pelo personagem aparentemente foi retomado:

Com as edições #2 e #3 o herói continua firme no Top 20 de revistas mais vendidas dos EUA. Em dado momento dos Novos 52, o Superman chegou ao lamentável posto de revista número 310 nas vendas. O Superman Chinês aparece no Top 10, aparentemente tendo atraído a atenção dos leitores. E ainda não temos os números das vendas de revistas como Superwoman e Supergirl, que devem ser divulgados em breve.

Se números não são sinônimo de qualidade (e realmente não são), existe uma alternativa simples: perguntar a qualquer fã do Superman ou ler as diversas críticas em sites de quadrinhos. Superman e Action Comics, respectivamente, são duas das revistas mais elogiadas da reformulação da DC (ao lado do Batman de Tom King, da Mulher-Maravilha do Greg Rucka e do Arqueiro Verde de Benjamin Percy). E acredite: isso também é algo que não acontecia há um bom tempo.

A promessa aparente da DC para com o universo do Superman continua promissora, já que outras séries devem surgir em breve, como Super Sons, focada em Jon (já como Superboy) e Damian, tendo assim mais uma revista relacionada ao kryptoniano. Dan Jurgens, Peter Tomasi e Patrick Gleason seguem insanamente suas histórias, com ganchos promissores, cenas memoráveis e arcos de estreia muito interessantes. O sol amarelo voltou a brilhar e o Superman recobrou seus poderes, agora capaz de alçar vôos inalcançáveis até então. E a esperança dos fãs é de que a editora não jogue mais Kryptonita no personagem num futuro próximo, tornando-o incapaz novamente. O maior herói de todos merece ter o seu melhor oferecido a todos os leitores podendo voltar a inspirar novas gerações, mostrando o verdadeiro significado de ser um símbolo de esperança.

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Sobre o Autor

Gabriel Faria

Assistente Editorial, apaixonado por quadrinhos, redator da Torre de Vigilância, criador do blog 2000 AD Brasil e otaku mangazeiro nas horas vagas.