Entretenimento

A dificuldade que temos em aceitar mudanças

Escrito por Gabriel Faria

Quando conhecemos algo, aquilo que acabamos de descobrir pela primeira vez torna-se nossa imagem mental fixa e ideal de determinado produto. Esse tipo de pensamento se aplica a quadrinhos, séries de TV, filmes, músicas e quaisquer outros meios de comunicação existentes. O Superman perfeito é aquele que você conheceu quando criança. O desenho animado ideal é aquele que você assistia quando estreou, e não sua nova versão feita para crianças. Muito deste modo de pensar vem da ideia de que o que você conheceu antes era “mais respeitoso” ou “representava um ideal melhor” do que o produto moderno, e você acaba adotando aquilo como algo seu. Mas a verdade é que tudo o que você conhece é um produto, feito unicamente para gerar dinheiro, tendo seus próprios donos portadores dos direitos. Para determinadas coisas você já deixou de ser o público-alvo, e um novo público surgiu com o passar dos anos. Sua dificuldade em aceitar novidades é única e exclusivamente emocional, e não há desculpa que possa sobrepor isso. Você possui dificuldade em aceitar que nada é criado em tabuletas de pedra, inalteráveis até o fim dos tempos.

Com o passar dos anos, tudo no mundo sofre mudanças. Quando o Superman foi criado, em 1938, ele era um herói que agia como um justiceiro com uma metódica mais incisiva, enfrentando gatunos e empresários corruptos através da imposição de seus poderes para gerar pânico. Refletindo a imagem de cada época, o personagem sofreu alterações até se tornar um ideal de esperança, otimismo e toda boa simbologia relacionada ao ser humano ideal (que, para ser tão perfeito neste mundo, somente sendo um alienígena). Quem conheceu o personagem desde o início de sua história (e ainda esteja vivo) pôde presenciar tudo que foi feito ao longo de seus mais de 75 anos de história, nas mãos dos mais variados profissionais com um único objetivo: vender. Vender quadrinhos, séries, filmes e uma infinidade de merchandising relacionado ao personagem. Cada mudança criada ao longo dos anos foi feita com o único objetivo de refletir a época do mundo real em que ele é publicado, visando alcançar o público-alvo desta determinada época, que na maioria das vezes  não é você.

Personagens possuem ideais fixos. Por mais que os anos passem, determinados heróis sempre irão significar algo constante, ainda que na sua criação tais ideais nem existissem. Quando altera-se a essência, o ódio é gerado. Boas histórias são sobrepujadas por opiniões baseadas nisso, onde uma narrativa é péssima por, inicialmente, ter alterado a essência de alguma coisa. Não importa se a história é bem contada, se reflete uma época ou possui um objetivo interessante ou minimamente bem intencionado. Caso o autor resolva entrar no vespeiro do ideal fixo, ódio será gerado. E isso é algo que se aplica principalmente aos quadrinhos, séries e filmes. Você envelhece, os personagens são imortais. Seus gostos e opiniões mudam com o tempo, enquanto nas páginas de um gibi ainda é uma manhã ensolarada com alguém correndo pelas ruas, por volta de seus 30 anos de idade, há 40 anos. Você morrerá e seus heróis ainda estarão vivos, regojizando de suas juventudes eternas. E caso a juventude não seja eterna, um novo profissional pode surgir com o objetivo de rejuvenescer determinado universo da forma que julgar melhor, mirando no público consumidor da época. E a máquina infinita da produção continua funcionando.

Atualmente é comum ouvir reclamações relacionadas a tais mudanças de determinadas franquias. “Os desenhos animados de hoje são retardados enquanto os da minha época eram bem mais interessantes“. “Os quadrinhos de super-herói atualmente são só reciclagens mal feitas de histórias antigas, bem melhores”. O consumidor de 30 anos reclama do produto que visa um público de 10 anos de idade. O consumidor que não tem 10 anos há 20 anos reclama do senso de humor das crianças de hoje em dia. E o produto que visa o consumidor de 30 anos é tido como algo inferior ao que saía antigamente, insuperável e imutável, um conceito fixo e perfeito do que era uma boa história. Enquanto isso, o jovem de 15 anos cria interesse pelas histórias atuais, desprezadas pelo adulto superior da espécie Adultis superioris, e é julgado por desfrutar de produtos tidos como rasos e comerciais. “Você nunca irá superar a boa época dos anos 80, Sr. anos 2000. E sua opinião é inválida, pois você não possui o conhecimento que eu tenho”, diz aquele que não acompanha mais nada desde 1990. Mas quem se importa?

Tudo que foi dito acima pode ser interpretado somente como uma descarga gratuita de ódio e recalque em direção dos mais nostálgicos. Mas a verdade é que saber o que você está consumindo é algo bom. Entender que a sociedade muda com o passar dos anos é algo essencial para que você não se torne um eterno chato, saudoso da época em que “o politicamente incorreto era bom”, ou que supostamente “os profissionais contavam suas histórias por amor, não por dinheiro.” Em 2003 você podia ser um adolescente que assistia Jovens Titãs, que visava um público infanto-juvenil. Hoje, 14 anos se passaram e você já é um adulto que procura lógica nos Jovens Titãs em Ação!, um desenho que visa unicamente o público infantil, que é totalmente diferente do que você era na sua infância de 15 anos atrás. E o sucesso do desenho tido para você como algo “retardado” é a prova suprema de que o público alvo consome muito bem este produto, e o errado é você por querer que ele se adeque aos seus padrões, sentado atrás de uma mesa, levando broncas do seu chefe e preocupado em pagar contas.

Nada te impede de achar algo que não é feito para você, ruim. O livre-arbítrio torna possível que você expresse sua opinião, seja qual for (desde que não seja ofensiva), a qualquer momento. Porém, o ideal do que você deve fazer, caso se julgue minimamente inteligente para tal, é saber criticar algo. Dizer que um desenho animado “tem um senso de humor retardado, logo é ruim” é uma visão rasa e limitada do que você está falando. Para opinar sobre algo e soar infimamente crível você deve conhecer aquilo sobre o que você está opinando, saber qual é o público alvo daquilo e se ele adequa-se aos padrões deste público hoje em dia (e não de 20 anos atrás), sendo um produto bem feito para tal. Como já foi dito, algo que é ruim para você, é bom para outra pessoa. E nada que você diga mudará isso. Julgar algo somente com base numa imagem de divulgação, já despertando um pensamento de “esta animação/quadrinho/filme/série é ruim, já que essa imagem é péssima para o meu gosto refinado”, é algo que beira o insuportável da boa convivência. Se nada que é feito atualmente lhe agrada, a solução é simples: viva pra sempre no passado. Não expanda seus horizontes, e torne-se um ser humano socialmente limitado para todo o sempre. Afinal, nada jamais superará o passado.

E se determinado produto realmente executa de forma errada o ele se propõe, entregando algo que não se encaixa ao público visado? Neste caso, qualquer crítica bem feita é válida. Erros são constantes em qualquer forma de entretenimento, e é importante que a pessoa que esteja consumindo determinado produto não cometa anacronismos, mas saiba julgar o que é certo e errado inserindo-se em contextos variados, sempre tentando expressar sua opinião de maneira embasada, e não algo raso como todos presenciamos na internet diariamente. Algumas pessoas envelhecem, mas aparentemente não evoluem. E o ciclo da intolerância jamais encontra um final.

Mudanças são necessárias. Boas ideias surgem nem sempre da repetição de conceitos antigos, mas também da inovação. Algo que permanece inalterado durante muito tempo rapidamente torna-se chato, desinteressante. A pluralidade ainda existirá mesmo com a existência de algo que não lhe agrade, pois com o tempo algo virá a combinar com seu gosto. Se determinado personagem, série, filme ou qualquer outra coisa sofrer uma mudança, pode ter certeza que dessas mudanças surgirão coisas boas e ruins, e futuramente voltará a existir algo que case com sua opinião. Saiba sempre que viver somente do passado torna-se impossível conforme o tempo passa. E nem tudo de antigamente era melhor para a maneira como vivemos hoje.

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Sobre o Autor

Gabriel Faria

Assistente Editorial, apaixonado por quadrinhos, redator da Torre de Vigilância, criador do blog 2000 AD Brasil e otaku mangazeiro nas horas vagas.